quarta-feira, 16 de março de 2022

Guerra na Ucrânia: o histórico 'contra-ataque' dos EUA e aliados ocidentais contra o 'agitador' Putin

O presidente russo chegou ao poder em 31 de dezembro de 1999. Nos 20 anos que se passaram desde então, Putin tem tentado minar a ordem liberal internacional.

Putin foi cortejado por presidentes americanos, enquanto a Otan expandia para leste (Getty Images)

Sucessivos presidentes dos Estados Unidos tentaram, com dificuldade, aprender como lidar com o presidente da Rússia, Vladimir Putin. Agora, porém, quando a União Europeia e a Alemanha uniram-se a esse esforço, a realidade é outra.

O ex-espião da KGB quer reviver a grandeza russa czarista e restaurar o poderio e a ameaça da União Soviética antes de sua dissolução, em 1991.

Ele buscou - às vezes, com sucesso - redesenhar o mapa da Europa. Ele tentou - às vezes, com sucesso - imobilizar as Nações Unidas. Ele tem estado determinado - às vezes, com sucesso - a enfraquecer os EUA e promover sua divisão e seu declínio.

Fim da História?

Putin chegou ao poder numa época de arrogância ocidental. Os EUA eram a única superpotência num mundo unipolar.

A tese de intelectual americano Francis Fukuyama, falando do "fim da História" e proclamando o triunfo da democracia liberal, era amplamente aceita.

Alguns economistas até mesmo venderam a teoria de que o mundo não veria mais recessões, parcialmente graças aos ganhos de produtividade proporcionados pela nova economia digital.

Também se pensou que a globalização e a interdependência que ela criou evitariam que grandes potências econômicas travassem guerras, e a internet era amplamente vista como uma força para o bem global.

Especialmente no início, os mesmos otimismo e ilusão equivocados coloriram a forma como o Ocidente via Putin.

O Air Force One, avião do presidente dos EUA, foi recebido com honras em Moscou em 2002 (Getty Images)

Sucessivos presidentes americanos deixaram-se levar. Bill Clinton, o ocupante da Casa Branca quando Putin ascendeu ao poder, deu de bandeja a esse ultranacionalista um popular ressentimento, ao promover a expansão da aliança militar Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) até a fronteira da Rússia.

Como George F. Kennan, o famoso arquiteto da estratégia dos EUA na Guerra Fria, alertou na época: "Expandir a Otan será o mais fatídico erro da política americana em toda a era pós-Guerra Fria".

George W. Bush errou completamente em sua leitura do colega russo. "Eu olhei nos olhos daquele homem", Bush disse depois de seu primeiro encontro com ele, em Eslovênia, em 2001. "Eu o achei bastante direto e confiável… Eu fui capaz de ter uma ideia sobre sua alma."

Bush cometeu o erro de pensar que ele poderia seduzir Putin e gentilmente persuadi-lo a seguir o caminho democrático.

No entanto, embora Bush tenha visitado a Rússia mais que qualquer outro país - incluindo, como um favor pessoal, duas viagens em 2002 à cidade-natal de Putin, São Petersburgo -, o líder russo já exibia tendências perigosas.

Em 2008, ultimo ano de Bush como presidente, Putin invadiu a Geórgia - o que ele chamou de "operação para garantir o cumprimento da paz".

O Kremlin argumentou na época - e tem argumentado desde então - que era hipocrisia de Washington reclamar dessa violação do direito internacional depois que Bush invadira o Iraque.

George W. Bush recebeu Putin em seu rancho no Estado do Texas... (Getty Images)

...o que levou a uma certa animação da população e do comércio locais (Getty Images)

Barack Obama tentou reestruturar as relações entre EUA e Rússia. Sua primeira secretária de Estado, Hillary Clinton, até entregou a seu colega russo, Sergey Lavrov, um botão de reinício (reset) de brinquedo.

Mas Putin sabia que os EUA, após suas longas guerras no Afeganistão e no Iraque, não queriam mais policiar o mundo.

Quando Obama recusou-se, em 2013, a cumprir seu alerta anterior contra Bashar al-Assad, quando o ditador sírio usou armas químicas contra seu próprio povo, Putin viu uma oportunidade.

Ao ajudar Assad a travar sua guerra assassina, ele estendeu a esfera de influência de Moscou no Oriente Médio quando os EUA queriam sair da região.

No ano seguinte, ele anexou a Crimeia e estabeleceu uma presença no leste da Ucrânia.

Apesar de ter ouvido de Obama que deveria "parar com isso", Putin até tentou influenciar o resultado da eleição presidencial de 2016, na esperança de que Hillary Clinton, sua inimiga de longa data, fosse derrotada, e Donald Trump, seu fã havia tempos, vencesse.

Clinton promoveu a expansão da Otan, política que para muitos foi um erro (Getty Images)

O magnata não escondia sua admiração por Putin, uma bajulação que parece ter encorajado o presidente russo ainda mais.

Para o deleite de Moscou, Trump criticou a Otan publicamente, enfraqueceu o sistema de alianças dos EUA do pós-guerra e tornou-se uma figura tão polarizadora que deixou os EUA mais divididos politicamente do que em qualquer momento desde a Guerra Civil (1861-1865).

É possível dizer que precisamos voltar 30 anos para encontrar um líder americano cuja postura diante do Kremlin resistiu ao tempo.

Depois da queda do Muro de Berlim, George H.W. Bush resistiu à tentação de festejar a vitória dos EUA na Guerra Fria — para o espanto dos jornalistas que cobriam a Casa Branca, ele se recusou a viajar para Berlim como forma de comemorar vitória —, sabendo que isso fortaleceria radicais no Politburo e um Exército russo que buscava a derrubada de Mikhail Gorbachev.

Aquela vitória magnânima ajudou quando veio a missão de reunificar a Alemanha, o que foi provavelmente o maior sucesso de Bush em política externa.

Putin é obviamente um adversário mais difícil, até mesmo mais duro de se lidar do que Leonid Brezhnev ou Nikita Khrushchev, o premiê soviético durante a crise dos mísseis em Cuba.

De Clinton a Trump, os presidentes americanos tiveram dificuldade para como lidar com Putin (Crédito: Stephen Jaffe / Getty Images)

Desde a virada do século, porém, nenhum presidente americano realmente soube como lidar com Putin. Joe Biden, como George H.W. Bush, é um combatente da Guerra Fria que dedicou sua presidência à defesa da democracia, nos EUA e no exterior.

Ao buscar o restabelecimento do papel tradicional dos EUA do pós-guerra como líder do mundo livre, ele buscou mobilizar a comunidade internacional, ofereceu ajuda militar à Ucrânia e adotou o mais duro regime de sanções até hoje direcionado contra Putin.

Conforme as forças russas concentravam-se na fronteira com a Ucrânia, Biden também compartilhou informações da inteligência americana mostrando que Putin havia decidido invadir o vizinho, em maneiras que buscaram abalar as costumeiras campanhas de desinformação e operações de bandeira falsa do Kremlin.

Seu discurso sobre o Estado da União tornou-se uma convocação. "A liberdade sempre triunfará sobre a tirania", disse. Apesar de Biden não discursar com a clareza ou força de John Kennedy (1961-63) ou Ronald Reagan (1981-89), foi entretanto um discurso significativo.

O que tem sido chocante desde o início da invasão russa, entretanto, é uma liderança presidencial contundente vinda de outro lugar.

Volodymyr Zelensky tem sido louvado e celebrado, conforme ele continua sua extraordinária jornada pessoal de comediante para o =colosso churchilliano.

O papel da Alemanha

Em Bruxelas, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, tem sido outra presença imponente.

Essa ex-política alemã tem sido uma força por trás da decisão, pela primeira vez na história da União Europeia, de financiar e comprar armamentos para uma nação sob ataque, um compromisso que inclui não apenas munição, mas também aviões de combate.

Ursula von der Leyen, comissária europeia, tem sido uma líder de destaque (Getty Images)

Seu compatriota, o chanceler alemão, Olaf Scholz, também demonstrou mais determinação na sua relação com Putin que sua antecessora, Angela Merkel.

Em alta velocidade, ele alterou décadas de política externa alemã pós-Guerra Fria, uma abordagem frequentemente baseada em cautela e timidez nas relações com o líder russo.

Berlim enviou sistemas antitanques e antiaéreos para a Ucrânia (encerrando a política de não enviar armamentos para zonas ativas de guerra), paralisou o projeto de gasodutos do Mar Báltico Nord Stream 2, retirou sua oposição ao bloqueio da Rússia do sistema internacional de pagamentos Swift e até mesmo comprometeu-se com um gasto de 2% do Produto Interno Bruto alemão com a área da defesa.

O maior ataque contra um Estado europeu desde a Segunda Guerra Mundial endureceu a determinação europeia. Mas também parece que a relativa fraqueza dos EUA tenha contribuído para isso.

Cientes da atabalhoada retirada dos EUA do Afeganistão e da possibilidade de uma presidência Trump 2.0, líderes europeus parecem ter percebido que não podem mais depender tanto de Washington para defender a democracia neste momento de perigo máximo.

Em seu discurso do Estado da União, Biden falou sobre a forte resistência enfrentada por Putin (Crédito: Pool / Getty Images)

A liderança do mundo livre tornou-se, nesta crise, um esforço comum.

Após o fim da Guerra Fria, Washington pediu às nações europeias que fizessem mais para policiar sua própria vizinhança, algo que eles não conseguiram fazer quando o desmembramento da ex-Iugoslávia levou à guerra civil na Bósnia.

Historiadores podem muito bem concluir que foi preciso uma combinação da agressividade de Putin, a fragilidade americana, a heroica determinação da Ucrânia e o medo de que a estabilidade pós-guerra da Europa esteja verdadeiramente ameaçada para que isso finalmente acontecesse.

Seria ingênuo ser levado pelo romantismo dos discursos de Zelensky ou sucumbir a uma elevação de dopamina ao vermos a tomada de um superiate de propriedade russa nas redes sociais. Putin está intensificando a guerra.

A semana passada, porém, enviou uma mensagem a Moscou - e também a Pequim - de que a ordem internacional pós-guerra continua a funcionar, apesar do emprego da máquina de guerra russa para levá-la ao colapso.

Da mesma forma que a história nunca acabou, também não acabou a democracia liberal.

Como Joe Biden disse em seu discurso sobre o Estado da União, durante uma passagem em que a retórica também serviu como uma sóbria análise: Putin "pensou que ele podia entrar, e o mundo ficaria deitado. Em vez disso, ele encontrou um muro de resistência que ele nunca havia imaginado".

Nick Bryant, de Sydney para a BBC News, em 16.03.22. Nick Bryant é autor do livro When America Stopped Being Great: a history of the present (Quando a América Parou de Ser Grande: uma história do presente). Ele é ex-correspondente da BBC em Nova York (EUA) e vive hoje em Sydney (Austrália).

terça-feira, 15 de março de 2022

A ditadura explícita e a disfarçada

Situação do Brasil não é comparável à da Rússia ou à da Hungria, mas é bom ficar de olho

O presidente Jair Bolsonaro e o premiê húngaro, Viktor Orbán, reuniram-se em Budapeste; Bolsonaro chamou líder de extrema direita de 'irmão'. Foto: EFE/EPA/Vivien Cher Benko

É fácil se ver no meio de uma manifestação ao caminhar pelas ruas de Budapeste, a belíssima capital da Hungria. De um lado do rio Danúbio, em Buda, o partido ultraconservador Mi-Hazank exibe seus símbolos patrióticos. Do outro, em Peste, militantes antivacina prestam solidariedade aos caminhoneiros canadenses. Todos os anos há uma enorme parada gay, sem repressão policial.

Parece uma democracia, mas não é. Livros de temática inclusiva são multados, uma universidade inteira acabou expulsa do país por abrigar intelectuais críticos ao governo e a Constituição foi reescrita para permitir a reeleição eterna do Fidesz, o partido do primeiro-ministro Viktor Orbán.

Nas duas últimas semanas foram divulgados os resultados anuais de dois rankings de democracia, o da revista britânica The Economist e o do instituto V-Dem, que é sediado em Gotemburgo, na Suécia. Tais rankings são especialmente necessários em casos como o da Hungria, em que o autocrata de plantão, Viktor Orbán, usa o manto da democracia para esconder um duro regime autoritário. Os dois estudos estão anexados à versão digital da coluna.

Estive na Hungria quando Jair Bolsonaro visitou Viktor Orbán, a quem chamou de “irmão”. Antes, o presidente brasileiro havia visitado o autocrata russo, Vladimir Putin, que nunca tentou disfarçar seus ímpetos autoritários. “A visita de Bolsonaro a Putin e a Orbán não trouxe nenhum resultado prático, apenas serviu para mostrar à base do presidente que ele tem amigos no mundo”, analisa o cientista político Christian Lynch no minipodcast da semana.

E que amigos! Dias depois da visita de Bolsonaro, Vladimir Putin invadiu a Ucrânia. Num congresso no ano passado, o V-Dem vaticinou que a onda autoritária aumentaria a possibilidade de guerras pelo planeta. Viktor Orbán enfrenta uma eleição difícil no próximo dia 3 de abril, e fustiga o tempo todo o Judiciário, a academia e a imprensa para se manter no poder. No Brasil, essas mesmas instituições têm ajudado a frear seu “irmão” Bolsonaro.

Vivemos numa época em que golpes de Estado, de direita ou de esquerda, saíram do cardápio político do Ocidente. O autoritarismo passou a ser uma doença que se instala aos poucos. Rankings como o do V-Dem e o da The Economist detectam os primeiros sinais do mal. 

No ranking do V-Dem, o Brasil está entre os países em que a democracia mais se deteriorou nos últimos dez anos. Nossa situação não é comparável à da Rússia ou à da Hungria, a ditadura explícita e a disfarçada – mas é bom ficar de olho.

É fácil se ver no meio de uma manifestação ao caminhar pelas ruas de Budapeste, a belíssima capital da Hungria. De um lado do rio Danúbio, em Buda, o partido ultraconservador Mi-Hazank exibe seus símbolos patrióticos. Do outro, em Peste, militantes antivacina prestam solidariedade aos caminhoneiros canadenses. Todos os anos há uma enorme parada gay, sem repressão policial.

Parece uma democracia, mas não é. Livros de temática inclusiva são multados, uma universidade inteira acabou expulsa do país por abrigar intelectuais críticos ao governo e a Constituição foi reescrita para permitir a reeleição eterna do Fidesz, o partido do primeiro-ministro Viktor Orbán.

Nas duas últimas semanas foram divulgados os resultados anuais de dois rankings de democracia, o da revista britânica The Economist e o do instituto V-Dem, que é sediado em Gotemburgo, na Suécia. Tais rankings são especialmente necessários em casos como o da Hungria, em que o autocrata de plantão, Viktor Orbán, usa o manto da democracia para esconder um duro regime autoritário. Os dois estudos estão anexados à versão digital da coluna.

Estive na Hungria quando Jair Bolsonaro visitou Viktor Orbán, a quem chamou de “irmão”. Antes, o presidente brasileiro havia visitado o autocrata russo, Vladimir Putin, que nunca tentou disfarçar seus ímpetos autoritários. “A visita de Bolsonaro a Putin e a Orbán não trouxe nenhum resultado prático, apenas serviu para mostrar à base do presidente que ele tem amigos no mundo”, analisa o cientista político Christian Lynch no minipodcast da semana.

E que amigos! Dias depois da visita de Bolsonaro, Vladimir Putin invadiu a Ucrânia. Num congresso no ano passado, o V-Dem vaticinou que a onda autoritária aumentaria a possibilidade de guerras pelo planeta. Viktor Orbán enfrenta uma eleição difícil no próximo dia 3 de abril, e fustiga o tempo todo o Judiciário, a academia e a imprensa para se manter no poder. No Brasil, essas mesmas instituições têm ajudado a frear seu “irmão” Bolsonaro.

Vivemos numa época em que golpes de Estado, de direita ou de esquerda, saíram do cardápio político do Ocidente. O autoritarismo passou a ser uma doença que se instala aos poucos. Rankings como o do V-Dem e o da The Economist detectam os primeiros sinais do mal. 

No ranking do V-Dem, o Brasil está entre os países em que a democracia mais se deteriorou nos últimos dez anos. Nossa situação não é comparável à da Rússia ou à da Hungria, a ditadura explícita e a disfarçada – mas é bom ficar de olho.

João Gabriel de Lima, escritor, Professor da FAAP e doutorando em Ciência Politica na Universidade de Lisboa. Publicado origalmente n'O Estado de S. Paulo, em 12.03.22.

Derrotar autoritários como Bolsonaro é prioridade, diz Steven Levitsky

Autor que estuda fim da democracia defende coalizão ampla para oposição garantir vitória acachapante na eleição



O cientista político norte-americano Steven Levitsky em lançamento de seu livro no auditório da Folha - Karime Xavier/Folhapress - 7.ago.2018

Autor do celebrado "Como as Democracias Morrem", o cientista político Steven Levitsky, 54, afirma que a presença de um líder autoritário no comando de países como Brasil ou Estados Unidos é uma situação emergencial e que removê-lo do poder deve ser a prioridade.

No caso do Brasil, segundo Levitsky, isso deve ser feito por meio de uma coalizão ampla, com partidos da esquerda à direita, para eliminar o risco de o presidente Jair Bolsonaro (PL) contestar o resultado e contar com o respaldo das Forças Armadas.

"A melhor maneira de garantir que os militares não fiquem tentados a embarcar numa aventura é por meio de uma derrota acachapante de Bolsonaro", diz o professor da Universidade Harvard.

Para ele, os estragos causados por Bolsonaro nas instituições democráticas foram menores do que os provocados pelo ex-presidente Donald Trump. Mas não por um compromisso do brasileiro com a democracia, e sim por ter faltado a força necessária.

Enquanto Trump contou com o Partido Republicano, Bolsonaro passou a maior parte do governo sem legenda e sem base no Congresso, diz Levitsky.

A democracia sobreviveu em ambos os casos, pelo menos até agora, mas, para ele, isso não necessariamente significa sinal de vitalidade das instituições.

"Acho que às vezes nós botamos muita fé nas instituições. Tanto no Brasil como nos EUA, tivemos muita sorte de os autoritários que elegemos não terem construído maiorias como Rafael Correa [no Equador], Alberto Fujimori [no Peru], Vladimir Putin [na Rússia], Hugo Chávez [na Venezuela]."

No livro "Como as Democracias Morrem", o sr. dizia não ter certeza de que a democracia americana sobreviveria a Trump. Ela sobreviveu. Foi uma surpresa? 

Bem, não. Os EUA têm um grande número de fatores que favorecem a sobrevivência democrática e dificultam a vida de um presidente autoritário. Temos uma oposição forte com instituições fortes, incluindo um Judiciário independente, uma mídia poderosa, o federalismo.

Mas é importante dizer que, após quatro anos de governo Trump, a democracia americana emerge muito, muito mais fraca do que antes. Ela não sobreviveu intacta. Estamos hoje numa situação mais precária do que estávamos quando o livro foi publicado, e a democracia americana está mais ameaçada.

Não seria possível argumentar que a reação institucional à invasão do Capitólio demarcou um limite claro e mostrou que a democracia não está em questão? 

A insurreição foi um sintoma da polarização extrema. Muitos países enfrentaram algum tipo de levante violento na história, e o fator relevante para o desfecho é a reação do sistema político, dos principais partidos.

Onde eles fazem uma defesa inequívoca da democracia, os perpetradores dos atos violentos tendem a ficar marginalizados e enfraquecidos. Foi o que aconteceu na Espanha em 1991 e na Argentina em 1987.

Mas onde os principais partidos políticos se omitem, toleram, perdoam, justificam ou até apoiam os que atacam as instituições, a democracia tende a se enfraquecer. Foi o que aconteceu na França em 1934.

Nos EUA, a resposta do Partido Republicano importa muito, e infelizmente não está parecendo boa.

O que se pode dizer do Brasil, onde pessoas que se manifestam contra a democracia recebem apoio do próprio presidente? 

Existem diversos paralelos entre o Brasil e os EUA. Bolsonaro parece que, de forma consciente, imitou Trump ao longo dos anos. Nós elegemos uma figura autoritária de direita em 2016, vocês fizeram o mesmo dois anos depois. Vivemos uma confusão, mas sobrevivemos e conseguimos removê-lo do poder, e tem uma boa chance de que os brasileiros façam o mesmo em 2022.

Mas também existem muitas diferenças. A principal é que Bolsonaro não tem um grande partido político por trás dele. Ele conseguiu comprar apoio do centrão e de legendas pequenas de direita, mas não tem um partido bolsonarista verdadeiro e forte. Trump tinha 1 dos 2 maiores partidos dos EUA, o que o tornou muito mais perigoso.

Por outro lado, o controle do presidente do Brasil sobre os militares é maior do que nos EUA. Então existe a possibilidade de Bolsonaro mobilizar aliados militares de uma forma que Trump não conseguiu. Por enquanto, não parece que isso vá acontecer.

Quatro anos atrás, o sr. disse em entrevista à Folha que era mais otimista sobre o futuro da democracia no Brasil do que muitos brasileiros. Continua otimista? 

Basicamente, sim. Mas, mesmo num cenário em que Lula vença, Bolsonaro não seja capaz de dar um golpe e um governo democrático se instaure, isso não vai ser a solução para os problemas do Brasil.

Isso elimina uma das maiores ameaças, mas um governo Lula teria muito trabalho a fazer para persuadir a maioria dos brasileiros de que o sistema funciona e de que a elite política pode atender as demandas da população.

Ou seja, se digo que estou otimista, não significa que o Brasil esteja a ponto de se tornar uma Suécia, mas eu acho que o regime democrático brasileiro vai sobreviver.

E quanto a um cenário em que Bolsonaro perca, não aceite o resultado e tenha o Exército a seu lado nessa contestação? 

Essa é a grande interrogação. Nos EUA, Trump não pôde contar com os militares, ao passo que, no Brasil, Bolsonaro talvez possa. A resposta a essa interrogação vai determinar o destino da democracia brasileira. Eu acho que há razões para acreditar que os militares vão se comportar como nos EUA.

Líderes militares no Brasil têm mostrado preocupação com a politização das tropas, houve renúncias no ano passado e eles não participaram da mobilização contra o Supremo Tribunal Federal. E, mais importante, militares em geral não intervêm na política se não tiverem um apoio social generalizado. Se Bolsonaro perder de maneira expressiva, ele vai estar muito isolado para atrair os militares.

Por isso sempre digo que Lula precisa construir uma coalizão muito grande. A melhor maneira de garantir que os militares não fiquem tentados a embarcar numa aventura é por meio de uma derrota acachapante de Bolsonaro.

Quando Bolsonaro era candidato, o sr. afirmou que ele pontuava em todos os quesitos como um líder autoritário. Essa análise mudou com ele como presidente? 

Não, mas é interessante notar que Bolsonaro atacou menos as instituições democráticas do que Trump. Trump controlou um partido grande, e isso lhe deu muito poder. O equivalente no Brasil seria ter uma base grande no Congresso, mas Bolsonaro ignorou isso na primeira metade do mandato.

Bolsonaro provocou danos inimagináveis à sociedade brasileira na saúde pública, na questão ambiental e em muitas outras áreas, mas ele não provocou tanto dano às instituições democráticas. Pelo menos não ainda. Mas não porque a gente tenha subestimado seus compromissos com a democracia, e sim porque ele tem sido um presidente muito fraco para causar grandes estragos.

A expressão "as instituições estão funcionando" se mostra acertada? 

Bem, as instituições funcionam até que elas deixem de funcionar. As instituições brasileiras são muito fortes. Elas estão entre as mais robustas da América Latina. Mas não é só que as instituições estejam funcionando. É que Bolsonaro, até agora, não teve a força necessária, ou talvez a habilidade necessária, para subordiná-las ou manipulá-las.

A sobrevivência da democracia não significa necessariamente que as instituições tenham funcionado. Acho que às vezes nós botamos muita fé nas instituições. Tanto no Brasil como nos EUA, tivemos muita sorte de os autoritários que elegemos não terem construído maiorias como Rafael Correa [Equador], Alberto Fujimori [Peru], Vladimir Putin [Rússia], Hugo Chávez [Venezuela].

Em seu livro, o sr. cita duas regras não escritas fundamentais para a democracia: a tolerância mútua [reconhecer a legitimidade dos adversários políticos] e a reserva institucional [comedimento no uso dos poderes]. Como zelar por essas normas quando o presidente é o primeiro a desrespeitá-las? 

Quando você tem um autoritário no poder em uma democracia presidencial como a brasileira ou a americana, você está em uma situação emergencial. Você está além de se preocupar com a erosão de regras não escritas. Você precisa se preocupar com a sobrevivência da própria democracia.

Então, antes de perguntar o que é possível fazer por essas normas, é preciso remover o presidente autoritário. Quando o presidente está violando essas duas regras de forma flagrante e reiterada, até que ele seja um ex-presidente, não há como restaurá-las.

Sempre que uma democracia conviver com uma força política expressiva que seja antidemocrática, discussões sobre normas de tolerância mútua precisam ir para o segundo plano até essa força ser isolada e derrotada.

O lugar onde essas normas não escritas podem ser reconstruídas é dentro de uma coalizão de oposição aos autoritários. Eu defendo a construção de uma coalizão da esquerda à direita contra as forças autoritárias tanto nos EUA como no Brasil.

Bolsonaro recentemente visitou Vladimir Putin, presidente da Rússia, e Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, dois líderes autoritários. Isso sinaliza algo sobre o que o presidente brasileiro pretende fazer? 

É um sinal preocupante. Estamos num período de realinhamento no Ocidente e, dependendo de como a guerra na Europa evoluir, pode haver uma mudança geopolítica significativa. Vemos nas democracias ocidentais a ascensão de uma direita antiliberal que, cada vez mais, tem desafiado a ordem democrática.

Essa direita iliberal é transnacional. Seus líderes e ideólogos se falam, entram em contato com extremistas da América do Sul e do Leste Europeu. Tudo isso é assustador e diz muito sobre quão extremista o Bolsonaro é e sobre quão limitado é o seu comprometimento com as instituições democráticas liberais. Mas isso não nos diz quão bem-sucedido ele vai ser, porque nem Putin nem Orbán virão salvar Bolsonaro.

Em seu livro, o sr. dizia que uma crise poderia fortalecer líderes autoritários, mas a pandemia parece ter indicado o oposto para Trump e Bolsonaro. Houve casos em que alguns líderes se aproveitaram da crise para concentrar poder, como nas Filipinas, na Índia, na Hungria e em El Salvador, mas você está certo em relação a Trump e Bolsonaro. Essa crise de saúde pública não só não os beneficiou como parece tê-los prejudicado bastante.

Historicamente, crises econômicas, crises que tiram do governo a capacidade de entregar resultados para a população, elas tendem a enfraquecer tanto líderes democráticos como autoritários.

Nessa crise [da Covid], a melhor resposta provavelmente dependeria de aceitar o que dizem especialistas e dar poder a eles, mas Trump e Bolsonaro não admitem fazer isso. E o fato de eles terem recusado a expertise os levou a abdicar da possibilidade de concentrar poder e impor restrições, por exemplo.

Os dois tiveram uma das piores respostas do mundo. Nem todos os autocratas reagiram assim, mas o caso deles nos mostra que nem todas as crises têm o mesmo efeito em relação a líderes autoritários.

Muita coisa mudou desde que seu livro foi publicado e o sr. está escrevendo o próximo. Vai ser uma continuação? 

Vai ser um pouco mais concentrado nos EUA, embora também tenha uma dimensão comparativa. A questão principal é: por que partidos políticos tradicionais se viram contra a democracia? 

Nós argumentamos que, nos EUA, o desenvolvimento gradual de uma democracia multirracial nos últimos 50 anos provocou uma radicalização do Partido Republicano e o levou para um caminho autoritário.

Nós também olhamos para instituições contramajoritárias nos EUA. Os EUA têm uma enorme quantidade de instituições que minam a vontade da maioria. Então nós fazemos um apelo por uma reforma constitucional em direção a uma democracia mais democrática nos EUA.

RAIO-X, Steven Levitsky, 54. Cientista político, mestre pela Universidade Stanford e doutor pela Universidade da Califórnia, Berkeley, é professor de governo na Universidade Harvard, onde também atua no Centro Weatherhead para Relações Internacionais e no Centro David Rockefeller para Estudos Latino Americanos. É autor, entre outras obras, de "Como as Democracias Morrem" (Zahar, 2018), escrito com Daniel Ziblatt.

Entrevista a Uirá Machado, publicada originalmente na Folha de S. Paulo, em 14.03.22

Moro rebate Doria sobre caso Arthur do Val e fala em pacto contra Lula e Bolsonaro

Ex-juiz nega efeito de áudios em sua campanha e afirma que terceira via deve mostrar adversários reais

Moro fala com a imprensa ao sair de evento com reitores de universidades, em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress

O ex-juiz Sergio Moro rebateu nesta terça-feira (15) declarações do governador João Doria (PSDB) sobre os impactos do caso Arthur do Val em sua candidatura presidencial e falou em um pacto de não agressão entre os candidatos da chamada terceira via.

Ele não detalhou como seria esse acordo, mas disse que a intenção é unir forças contra os "reais adversários" na corrida pelo Palácio do Planalto, o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Em entrevista divulgada na noite de segunda (14), Doria, pré-candidato do PSDB à Presidência, afirmou que a repercussão dos áudios sexistas de Arthur do Val sobre mulheres ucranianas "fragilizou" a candidatura de Moro. O deputado, que tinha sua candidatura ao Governo de São Paulo apoiada pelo ex-juiz, desistiu da campanha e saiu do Podemos depois do escândalo.

Nesta terça, Moro rebateu a afirmação de Doria. "Não creio. Esse episódio foi lamentável, eu manifestei de pronto meu repúdio àquelas declarações inaceitáveis, o deputado se afastou tanto da construção da candidatura dele como também do próprio MBL e do Podemos. Não vejo como isso possa sinceramente afetar nada", disse.

Em relação às negociações na terceira via, o ex-juiz disse que "existe algo que é bastante claro que temos pelo menos um pacto para saber que os reais adversários são os extremos e não as demais candidaturas de centro".

Questionado, Moro não quis dar detalhes sobre esse acordo, dizendo, inclusive, que ele ainda estaria em montagem. "Esse pacto está sendo construído, não está definido, não tenho como te responder", afirmou.

A declaração foi dada em entrevista à imprensa após dois compromissos em Brasília, um com o Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras e outro com representantes do Fórum Nacional de Filantropia.

Ex-ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro, Moro também se mostrou favorável ao projeto que libera a mineração em terras indígenas, desde que haja autorização expressa das populações tradicionais.

"Tem que respeitar principalmente a autonomia do povo indígena afetado. Tem que haver a concordância", afirmou, acrescentando que não se pode partir do "pressuposto de que nunca é de interesse do povo indígena o exercício de atividade econômica".

Segundo ele, o projeto "estabelece a consulta da comunidade", mas "não deixa claro até que ponto vai ser respeitada a vontade do povo indígena".

"Qualquer exploração mineral e qualquer outra atividade tem que ser também ambientalmente correta, obter as licenças, assumir os compromissos de recomposição do ambiente degradável, mas a questão fundamental é respeitar a autonomia dos povos indígenas."

Moro também defendeu que sejam nomeadas mais mulheres para chefiar ministérios do governo federal, mas não se comprometeu em indicar um patamar mínimo de ministras em sua gestão, caso vença as eleições deste ano.

Além disso, o pré-candidato a presidente pelo Podemos voltou a afirmar que o Judiciário tem dado decisões que ajudam no retrocesso da agenda de combate à corrupção, que é uma de suas principais plataformas de campanha.

Em relação às negociações para firmar coligação com outros partidos, o ex-ministro disse acreditar que as articulações vão começar a evoluir em abril, após o fim da janela partidária.

"Como está nesse período de transferência [de deputados entre as legendas], o foco dos partidos tem sido formar as bancadas nos estados, mas existem discussões sendo realizadas em termos de alianças", disse.

Ele afirmou que ainda está otimista em relação à possibilidade de se unir com políticos que também se lançaram como pré-candidatos neste ano.

"Há uma conversa no sentido de ter uma candidatura única entre vários partidos. Não sabemos se isso vai evoluir, mas há uma expectativa de que sim, se possa ter a construção de uma candidatura única de centro contra os extremos políticos", disse.

Matheus Teixeira, de Brasília para a Folha de São Paulo, em 15.03.22

O engole-vento, o bicho-preguiça e os bombardeios russos a Kiev

E se o presidente Vladimir Putin, diante da morte, quiser levar consigo o resto da humanidade? Questiona Fernanda Torres

O engole-vento —também conhecido no Brasil como bacurau, ibijau, curiango, coriavo e mariangu— é um pássaro de hábitos noturnos, que coloca seus ovos na terra e possui um bico largo, de orelha a orelha, capaz de abocanhar até mariposas. Seu canto melancólico evoca sentimentos fúnebres e o temperamento ríspido e glutão o associa à avareza, ao ciúme e à inveja.

Claude Lévi-Strauss dedica grande parte de "A Oleira Ciumenta", livro sobre os mitos ameríndios que tratam da origem da cerâmica, ao engole-vento. Mais de 60 espécies deste pássaro habitam um território que se estende do norte da Argentina ao sul dos Estados Unidos, e as lendas a seu respeito apresentam similaridades notáveis, conjugando a voracidade oral com a incontinência anal.

O engole-vento come muito e caga demais. Algumas histórias contam que seus peidos quebraram os grandes rochedos, dando origem a todas as pedras da Terra. Outras, falam em chuvas de excrementos incandescentes, meteoritos de bosta, causadores de imensa destruição.

Versões algonquinas o associam ao trovão e as da América do Sul ao fogo de cozer cerâmica, que teria sido tirado à força de dentro de sua garganta, lhe arregaçando o bico. A gula insaciável do engole-vento resulta em retenção intestinal, seguida de explosão em forma de diarreia cataclísmica. O espaço é curto para resumir a relação que o antropólogo estabelece entre excremento e argila; e a comparação que faz entre o fiel ceramista joão-de-barro e o egoísta pula a cerca engole-vento, que nem ninho constrói.

Evoco o pássaro porque as imagens dos bombardeios russos a Kiev me fizeram pensar na sua caganeira abrasadora. Na nova ordem geopolítica que se delineia, o planeta se divide entre três gigantescos engole-ventos: os Estados Unidos, a China e a Rússia, sendo que o líder da última, ao que parece, endoideceu.

Há quem compare a Guerra do Golfo de Bush filho à de Putin, na Ucrânia, ambas baseadas em mentiras grosseiras. A primeira, em falsas alegações de que o Iraque possuía armas químicas capazes de provocar matança em massa; e a segunda, na absurda desnazificação do país vizinho.

Ninguém é santo nessa história, mas um horror não justifica o outro. De todas as teorias sobre as razões que levaram Putin a ordenar o ataque —o avanço da Otan sobre os territórios de influência da antiga União Soviética, os movimentos separatistas e o isolamento do novo czar durante a pandemia, que teria agravado a sua paranoia "KGBiana"—, nenhuma me apavora mais do que a hipótese de que o ex-espião esteja enfrentando uma doença terminal.

Seu rosto inchou um pouco, talvez pela idade, talvez, afirma a tese, pelo uso da cortisona, medicamento que, em doses elevadas, pode afetar a estabilidade mental do paciente. É mesmo de arrepiar. Um semideus, movido a cortisona e no controle de um arsenal nuclear, diante da morte inevitável, se sente inclinado a levar consigo o resto da humanidade, soltando o dedo no botão vermelho.

Seja qual for a causa, o fato é que coube a um colega meu, um ator, Volodymyr Zelenski, liderar a resistência contra o desembestado engole-vento das estepes siberianas. A fragilidade e a resiliência de Zelenski remetem a um outro personagem muito presente nos mitos de "A Oleira Ciumenta": o bicho-preguiça. Os ameríndios consideram o bicho-preguiça, e não o macaco, o animal mais próximo do homem, devido à sua rotina intestinal ordeira e comedida.
Ao contrário dos bugios que, trepados em galhos altos, defecam por toda parte e ainda usam seu cocô como arma de defesa, o bicho-preguiça possui um metabolismo lentíssimo e desce das árvores apenas uma vez por semana, para fazer suas necessidades sempre no mesmo lugar. O esmero e a continência com as próprias fezes seriam a prova suprema de sua civilidade.

O embate entre Putin Engole-Vento e Zelenski Preguiça é um confronto entre o excesso e o comedimento, entre o poder desmedido e o respeito mútuo entre as nações. O mundo está mesmo pequeno demais para tanta gente e todo aperto termina sempre em barbárie. Para aliviar as tensões, seria preciso baixar o metabolismo, controlar as ambições e, assim como o bicho-preguiça, organizar a merda.

Oremos. Enquanto Putin não solta seu traque nuclear nos inimigos, vale conferir o TikTok dos soldados ucranianos na fronteira, é de chorar.

Fernanda Torres, atriz e roteirista, autora de “Fim” e “A Glória e Seu Cortejo de Horrores”. Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, em 02.03.22.

O adolescente que bateu na porta da KGB

Vladimir Putin busca punir não só a Ucrânia, mas, por meio dela, todo o Ocidente, sem imaginar que, em vez de semear discórdia, como de costume, a Europa se uniu como poucas vezes antes em sua resposta à monstruosa agressão

Bonecas Matryoshka com a imagem do presidente Putin, à venda em uma loja de souvenirs russa em Atenas na segunda-feira. (Foto: Orestis Panagiotou / EFE)

Estamos no final dos anos sessenta. A juventude do mundo se entrega ao movimento hippie ; em Paris e no México erguem-se barricadas contra os poderes estabelecidos; em Praga são assinadas petições a favor da sua Primavera e, mais tarde, contra o ocupante russo. Enquanto o mundo se rende aos processos libertadores, em Leningrado um adolescente, que por sua baixa estatura parece ter menos de 17 anos, bate à porta da KGB. O jovem que devora obras de Marx, Engels e Lenin consegue se encontrar com um oficial e pede que ele se junte às fileiras da polícia secreta. O funcionário recomenda que você termine seus estudos mais cedo. O adolescente que vai para a KGB todos os anos depois disso se chama Vladimir Putin .

Duas décadas depois, o Muro de Berlim cai. O adolescente de outrora tem 37 anos, é um alto funcionário da KGB, onde ingressou em 1975, após estudar direito, e se sente um peixe na água naquele ambiente de poder, controle e desprezo pelas pessoas comuns. Ele trabalha em estreita colaboração com a Stasi em Dresden, na Alemanha Oriental. E enquanto os berlinenses comemoram a queda do comunismo e com garrafas de cerveja na mão ajudam a destruir o muro que divide sua cidade, enquanto Budapeste, Varsóvia, Praga e Bucareste comemoram a queda dos governos totalitários e depois de quatro décadas preparam suas primeiras eleições na União Soviética União Mikhail Gorbachev realizou perestroikae transparência e os russos gostam de poder dizer a verdade após 70 anos de terror, enquanto todos esses processos libertadores estão ocorrendo no mundo, o jovem tenente-coronel da KGB queima documentos. Ao contrário dos outros, Putin não tem nada a comemorar porque seu universo, o da força despótica do Estado totalitário, acaba de se desintegrar. Tanto ele quanto seus colegas da KGB na Europa Oriental destroem documentos e telefonam para Moscou, mas ninguém atende suas ligações. Nesse momento, o jovem kagebeshnik , o implacável funcionário da KGB, entra em pânico com as manifestações massivas que exigem um trio de valores ocidentais: mudança, liberdade e democracia. Desde então, esse trio se tornou seu inimigo, e o Ocidente o alvo de sua ira.

Os anos passam. Nos anos noventa, Putin participa do saque do que resta do estado soviético e, junto com outros saqueadores, torna-se um oligarca. Em 1999, o ex-oficial da KGB torna-se primeiro-ministro e, pouco depois, presidente da Rússia, cargos que ocupa há mais de duas décadas.

Ao longo desses 20 anos, ele recebeu o namoro de vários presidentes americanos: George W. Bush fala sobre seus olhos azuis que não conhecem o mal, Barack Obama se esforça para restabelecer suas relações presidenciais , Donald Trump o mima . Mas em vez de seus rostos, Putin vê o trio ameaçador de valores ocidentais e vira as costas para eles. Na Rússia, ele prende e mata dezenas e centenas de pessoas por dizerem o que pensam, jornalistas e historiadores como Anna Politkóvskaia, ativistas e políticos da oposição como Mikhail Khodorkovsky, Alexei Navalny e Boris Nemtsov, além dos cantores do grupo Pussy Motim, e transforma a Rússia de volta em um país de medo e terror. Nemtsov inventa um slogan que define a Rússia de Putin: país de bandidos e ladrões (strana zhulikov i vorov ). Este slogan torna-se um slogan duradouro e Nemtsov é assassinado . Depois dele, Navalni o adota – envenenado e preso – e eles continuam a repetir manifestações massivas que enfrentam Putin.

A Ucrânia, país que em 2014, na revolução de Maidan, expulsou o presidente pró-russo Viktor Yanukovych, deu as costas à Rússia e se aproxima do Ocidente, tornou-se alvo da ira de Putin por representar o trio de valores que o presidente russo abomina. Desde que o país se tornou voluntariamente independente da Rússia, teve sua Revolução Laranja e, finalmente, elegeu Volodymyr Zelensky como presidente – aquele jovem ator cômico, a cara do odiado trio – Putin teve dificuldade em se controlar. Em seu encontro com Emmanuel Macron, diante da longa mesa, a certa altura, com sarcasmo e raiva, pronunciou a letra de uma canção russa popular – e vulgar, além de humilhante para as mulheres: “Quer você goste ou não, minha linda, você terá que aturar o que eu fizer .” O presidente ucraniano respondeu em um tweet: "Sim, a Ucrânia é uma beleza, mas não é sua". O resto é conhecido: há quase 20 dias, Putin efetivamente se colocou no papel do estuprador da música: ele busca punir não apenas a Ucrânia, mas, por meio dela, também o odiado Ocidente. No entanto, mal imaginava que, em vez de semear a discórdia, como de costume, entre os países europeus, tenha ajudado o Ocidente a se unir como poucas vezes antes em sua resposta à monstruosa agressão e na recepção de refugiados do país atacado.

Monika Zgustova, a autora deste artigo, é escritora; seu último romance é Nós parecíamos melhor no escuro (Galaxia Gutenberg). Publicado originalmente no EL PAÍS, em 14.03.22.

Ucrânia poderá ficar fora da Otan

"É uma verdade que deve ser reconhecida", diz presidente ucraniano. Possível adesão à aliança foi usada por Moscou como pretexto para invasão. Acompanhe as últimas notícias da guerra na Ucrânia.

Zelenski admite pela 1ª vez a possibilidade de a Ucrânia não fazer parte da Otan

Conflito já deixou mais de 3 milhões de refugiados

Kiev instaura toque de recolher de quase dois dias

Líderes do Leste Europeu viajam a Kiev

Militares ucranianos dizem ter frustrado ataque russo a Mariupol

Zoológico ucraniano apela por ajuda para salvar animais

Ao menos dois mortos em ataques a área residencial de Kiev

As atualizações estão no horário de Brasília.

14:55 – Zelenski admite pela 1ª vez a possibilidade de a Ucrânia não fazer parte da Otan

O presidente Volodimir Zelenski acenou, pela primeira vez, com a possibilidade de aceitar que a Ucrânia não faça parte da Otan no futuro.

O risco de uma adesão ucraniana à aliança foi um dos pretextos utilizados pela Rússia para justificar sua invasão ao país vizinho.

"A Ucrânia não é membro da Otan. Entendemos isso. Escutamos durante anos que as portas estavam abertas, mas também ouvimos que não podíamos aderir. É uma verdade que deve ser reconhecida", afirmou Zelenski em videoconferência com autoridades militares. 

Se a Ucrânia fosse um país-membro da Otan, todos os aliados seriam coletivamente obrigados a defendê-la em caso de ataque russo: isso é o que prevê o Artigo 5º do Tratado da Aliança.

A situação estratégica seria, portanto, completamente diferente do que é agora, quando cabe à aliança e cada Estado-membro decidir se prestarão apoio a Kiev e, caso afirmativo, de que modo.

Desde a independência da Ucrânia, em 1991, após o colapso da União Soviética, a liderança em Kiev tem tentado aproximar o país da aliança ocidental, mas enfrenta forte resistência da Rússia. 

O presidente russo, Vladimir Putin, se queixou repetidas vezes da expansão da Otan para o Leste Europeu, e considera uma possível adesão da Ucrânia à aliança como uma ameaça direta ao seu território. 

13:50 – Otan teme o uso de armas químicas pela Rússia

O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, afirmou que a organização teme que a Rússia esteja se preparando para realizar um ataque com armas químicas na Ucrânia. "Estamos preocupados que Moscou possa encenar uma operação de bandeira falsa, possivelmente com armas químicas", disse, citando as alegações, que chamou de "absurdas", feitas pelo Kremlin sobre supostos laboratórios ucranianos para a produção deste tipo de armamento.

Segundo ele, a Otan continua muito vigilante e enfatizou que a Rússia teria "um alto preço a pagar" se realizasse "tal violação do direito internacional". Ele evitou comentar sobre qual seria a resposta da organização caso um ataque deste tipo ocorresse. (AFP)

13:00 – Rússia impõem sanções a Biden

A Rússia impôs sanções contra o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e diversos funcionários do alto escalão do governo americano, em respostas às punições que enfrenta devido à invasão da Ucrânia.

De acordo com o Ministério do Exterior russo, os sancionados foram proibidos de entrar na Rússia. Além de Biden, a medida se aplica também ao secretário de Estado americano, Antony Blinken, e ao secretário de Defesa, Lloyd Austin.

Em comunicado, o ministério disse que as sanções são "consequência da política extremamente russofóbica seguida pelo atual governo americano". O Kremlin informou que as sanções contra Biden, Blinken e contra vários diretores de agências do governo americano entram em vigor a partir de hoje. (AFP)

12:24 – Jornalista que protestou em televisão russa é levada a tribunal

A jornalista russa que protestou contra a guerra na Ucrânia durante um noticiário do horário nobre na Rússia foi apresentada a um tribunal nesta terça-feira. Marina Ovsyannikova foi detida no dia anterior após invadir o jornal ao vivo da emissora estatal segurando um cartaz com os dizeres "não à guerra" e "não acredite na propaganda, eles estão mentindo aqui para você".

A jornalista será julgada por violar as leis de protesto e pode ser condenada a até dez dias de prisão. Ela é acusada de organizar um evento público não autorizado.

Jornalista segura cartaz de protesto contra guerra na Ucrânia durante transmissão de jornal russoJornalista segura cartaz de protesto contra guerra na Ucrânia durante transmissão de jornal russo

Ovsyannikova protestou durante jornal ao vivoFoto: AFP/Getty Images

Imagens do protesto circularam nas redes sociais no mundo todo. Ovsyannikova ficou poucos segundos no ar, antes que a transmissão ao vivo fosse interrompida por uma reportagem gravada. Antes do protesto, a jornalista gravou um vídeo criticando o governo de Vladimir Putin e a invasão da Ucrânia. (AFP, ots)

11:20 – UE anuncia novo pacote de sanções à Rússia

A União Europeia decidiu adotar um quarto pacote de medidas restritivas contra a Rússia "em resposta à sua agressão brutal contra a Ucrânia e seu povo", segundo comunicado divulgado no site da Comissão Europeia nesta terça-feira.

O objetivo é aumentar a pressão econômica sobre o Kremlin e paralisar sua capacidade de financiar a invasão da Ucrânia, diz o texto, apontando que as medidas foram coordenadas com parceiros internacionais, especialmente os Estados Unidos.

As novas sanções incluem uma ampla proibição de novos investimentos no setor de energia da Rússia; um veto à exportação pela UE de produtos de luxo, como carros e joias, para atingir diretamente a elite russa; e a inclusão de mais oligarcas e membros da elite econômica ligada ao Kremlin na lista de pessoas e entidades sancionadas.

10:15 – Destruição no aeroporto de Dnipro

Ataques com foguetes causaram "destruição maciça" no aeroporto da cidade de Dnipro, no leste da Ucrânia, disse o governador regional, Valentin Reznichenko, nesta terça-feira.

"Durante a noite, o inimigo atacou o aeroporto de Dnipro. Dois ataques. A pista foi destruída. O terminal está danificado. Destruição maciça", disse Reznichenko no Telegram.

"Vai levar muito tempo para nos recuperarmos", lamentou. (DW)

10:06 – Hospital infantil do Vaticano trata crianças ucranianas

O hospital infantil do Vaticano, Bambino Gesu, está tratando crianças ucranianas doentes e feridas. Desde o início da guerra, 33 crianças ucranianas receberam atendimento médico na clínica, informou o jornal italiano Il Tempo, citando o oficial de saúde regional.

Atualmente, há 18 crianças em tratamento, entre elas, uma de sete anos que precisa urgentemente de um transplante de medula óssea. 

Além disso, cinco meninas foram internadas recentemente, uma com câncer e quatro com ferimentos causados ​​por bombas. A crianças têm entre 7 e 14 anos. (ots)

08:15 – Conflito já deixou mais de 3 milhões de refugiados

A guerra na Ucrânia fez com que mais de 3 milhões de pessoas fugissem do país em apenas 19 dias, conforme informou nesta terça-feira a Organização Internacional para Migrações (OIM).

"Acabamos de receber os últimos números e podemos confirmar que foi superada a marca dos 3 milhões de refugiados", disse Paul Dillon, porta-voz da agência da ONU, sediada em Genebra.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) indicou que 90% desse grupo é composto por mulheres e crianças. (EFE)

08:00 – Kiev instaura toque de recolher de quase dois dias

Após novos ataques russos intensos ​​na capital ucraniana, o prefeito de Kiev, Vitali Klitschko, anunciou um longo toque de recolher. De terça-feira às 19h até quinta-feira às 6h (horário local), os moradores só poderão deixar suas casas para procurar abrigos subterrâneos, escreveu Klitschko no Telegram. Exceções se aplicam somente a pessoas com documentação especial. 

"Peço a todos os moradores de Kiev que se preparem para o fato de terem que ficar em casa por dois dias ou, em caso de alarme, em abrigos", enfatizou Klitschko. 

As tropas russas tentam cercar Kiev por vários lados. A cidade se prepara há dias para um possível bloqueio russo. (ots)

Duas pessoas em uma sacada sacodem panos. O prédio está bastante danificadoDuas pessoas em uma sacada sacodem panos. O prédio está bastante danificado.

Prédios residenciais de Kiev foram atingidos por bombardeios russos nesta terça-feiraFoto: Maxym Marusenko/NurPhoto/picture alliance

05:44 – Primeiros-ministros de Polônia, República Tcheca e Eslovênia viajam a Kiev

Os primeiros-ministros da Polônia, Mateusz Morawiecki, da República Tcheca, Petr Fiala, e da Eslovênia, Janez Jansa, viajam nesta terça-feira a Kiev como representantes do Conselho Europeu, para se encontrarem com o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, e o primeiro-ministro, Denys Chmygal. 

O objetivo da visita é "reafirmar o apoio inequívoco da União Europeia à Ucrânia e a sua liberdade e independência", afirmou Fiala no Twitter. 

De acordo com o assessor presidencial polonês Michal Dworczyk, espera-se que os líderes apresentem um pacote de ajuda da UE para a Ucrânia.

04:27 – Governo da Ucrânia lança página de doação de criptomoedas

O governo da Ucrânia lançou um site para doações de criptomoedas. "As criptomoedas desempenham um papel importante na defesa da Ucrânia", disse o vice-ministro de Transformação Digital, Oleksandr Bornyakov. 

Segundo ele, as criptomoedas "facilitam o fluxo de fundos para cidadãos e soldados ucranianos". 

O site Aid for Ukraine permite que os usuários enviem doações em dez criptomoedas diferentes, que são convertidas em dólares. Quase 50 milhões de dólares já foram arrecadados em poucas horas. O dinheiro será usado para apoiar militares e civis ucranianos.

Além da plataforma FTX, com sede nas Bahamas, as empresas ucranianas Everstake e Kuna também estão envolvidas na iniciativa. (ots)

04:17 – Militares ucranianos dizem ter frustrado ataque russo a Mariupol

O Exército ucraniano disse que se defendeu de uma tentativa russa de assumir o controle da cidade portuária de Mariupol nesta segunda-feira. O Estado-Maior informou em comunicado que as forças russas se retiraram após perdas. 

A cidade, localizada às margens do Mar de Azov, está sitiada por tropas russas há vários dias. Os moradores estão sem luz e água e enfrentam escassez de comida. Por outro lado, a Rússia informou que combatentes chechenos estão liderando uma ofensiva russa em Mariupol.

Autoridades locais informaram que mais de 2.300 pessoas morreram desde o início da guerra em Mariupol, cidade que tem cerca de 400 mil habitantes. As autoridades alertam que, com o aumento da intensidade dos ataques, o número de vítimas pode chegar a 20 mil. A DW não pôde checar as informações de forma independente. (ots)

03:11 – Negociações entre Ucrânia e Rússia devem ser retomadas nesta terça-feira

A quarta rodada de negociações entre a Ucrânia e a Rússia sobre o fim dos combates deve ser retomada nesta terça-feira, após ser interrompida no começo da tarde desta segunda. O encontro ocorre por videoconferência.

As delegações já se reuniram outras três vezes pessoalmente em Belarus. Até agora, as rodadas de negociações não levaram a acordos, mas ambos os lados expressaram um otimismo cauteloso no fim de semana. 

A Ucrânia exige o fim da guerra e a retirada das tropas russas. Moscou, entre outros pontos, quer que Kiev reconheça a península anexada da Crimeia como território russo e as áreas separatistas do leste ucraniano como estados independentes. (ots)

03:00 – Zoológico ucraniano apela por ajuda para salvar animais

Devido aos ataques russos à região de Kiev, um grande zoológico perto da capital ucraniana apelou por um corredor seguro para fornecer ajuda aos animais. 

"Não podemos tirar rinocerontes e girafas de lá, e não temos remédios para fazê-los dormir", disse o porta-voz Mykhailo Pinchuk, segundo a agência Unian. 

Sem um corredor seguro, os animais no zoológico de Demidiv estão prestes a morrer de frio e fome. De acordo com Pintschuk, os animais só sobreviveram até agora graças a alguns ajudantes que deram aos animais "restos dos restos". 

O zoológico precisa urgentemente de combustível e comida para aquecer e alimentar os animais. (ots)

02:32 – Ao menos dois mortos em ataques a área residencial de Kiev

Pelo menos três fortes explosões foram ouvidas em Kiev na manhã desta terça-feira (horário local), informou a agência de notícias AFP. Logo depois, uma coluna de fumaça pôde ser vista sobre a capital ucraniana. 

De acordo com o jornal The Kyiev Independent, dois prédios residenciais foram atingidos por bombardeios russos. Um deles teria 16, e o outro, cerca de dez andares. Ao menos duas pessoas morreram, e 27 foram resgatadas, segundo os serviços de resgate ucranianos.

Também de acordo com o The Kyiev Independent, uma estação de metrô foi danificada por uma onda de choque e permanecia fechada na manhã desta terça-feira. 

O Exército russo tenta cercar Kiev. Metade dos três milhões de habitantes ainda estão na cidade. Um assessor do presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, disse que a cidade está se preparando para uma "defesa feroz". (AFP, ots)

02:00 – Resumo do 19º dia da guerra: EUA alertam China contra apoiar Rússia

Washington alertou nesta segunda-feira, no 19º dia da guerra, para "consequências" para a China, caso o país se envolva, mesmo que indiretamente, no conflito entre Rússia e Ucrânia.

Jake Sullivan, assessor de Segurança Nacional do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, expressou a preocupação americana com o alinhamento da China com a Rússia, em um encontro com diplomatas chineses em Roma.

O americano tentou deixar claro que ajudar Moscou a driblar as sanções impostas pelo Ocidente poderá resultar em um alto custo para o país.

"O assessor de Segurança Nacional e nossa delegação expressaram com clareza nossas preocupações [...] e as implicações que tal apoio teria para as relações da China não somente conosco, mas com parceiros ao redor do mundo", disse o porta-voz do Departamento de Estado americano, Ned Price.

O 19º dia da guerra também foi marcado pela retirada de civis de áreas de conflito e pelo anúncio da Rússia que restringiria exportações de grãos, entre outros fatos. MaiConfira um resumo da segunda-feira. 

Deutsche Welle Brasil, em 15.03.22

EUA anunciam novas sanções contra Rússia e o presidente de Belarus

As medidas fazem parte de um conjunto de sanções internacionais contra a Rússia e Belarus

Putin (AFP/Kremlim)

Os Estados Unidos anunciaram na terça-feira (15) novas sanções econômicas contra o presidente de Belarus, Alexander Lukashenko, e sua esposa, assim como outras pessoas e uma entidade russa, por corrupção e violações de direitos humanos, disse o Tesouro em comunicado.

Essas sanções miram em Lukashenko, aliado do presidente russo Vladimir Putin, e "chefe de um governo corrupto em Belarus, cuja rede de patrocínio beneficia sua comitiva e seu regime", bem como sua esposa, afirmou o Tesouro.

As medidas fazem parte de um conjunto de sanções internacionais contra a Rússia e Belarus, isso é devido a algumas das tropas russas terem invadido a Ucrânia pelo país.

Além disso, uma juíza de Moscou, Natalia Mushnikova, foi sancionada sob a Lei Magnitsky Global, que visa combater a corrupção e os abusos dos direitos humanos.

Três funcionários chechenos e o ministério ao qual estavam ligados também foram incluídos na lista de restrições do Tesouro por sua participação na prisão de Oyub Titiev, chefe da ONG russa de direitos humanos Memorial na Chechênia, condenado por porte de drogas em um caso envolvendo seus apoiadores, considerado pelo Ocidente como uma montagem.

"As decisões de hoje demonstram que os Estados Unidos continuarão a impor consequências concretas e significativas àqueles que cometem atos de corrupção ou estão ligados a graves abusos dos direitos humanos", disse a diretora do Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros do Tesouro (OFAC), Andrea Gacki, citada no comunicado.

"Condenamos os ataques da Rússia aos corredores humanitários na Ucrânia e pedimos à Rússia que encerre sua guerra brutal e não provocada contra a Ucrânia", completou.

As sanções do Tesouro congelam todos os ativos que os envolvidos possam ter nos Estados Unidos e proíbem qualquer transação através do sistema financeiro dos EUA.

O Departamento de Estado dos EUA na terça-feira também anunciou medidas contra 11 funcionários do Ministério da Defesa russo em resposta à invasão da Ucrânia.

AFP (Agence France-Presse). Publicado no Correio Braziliense, em 15.03.22

Guerra na Ucrânia: as mulheres que se voluntariam para a linha de frente do conf

"Nossa resistência atual tem um rosto feminino", escreveu a primeira-dama da Ucrânia em sua conta no Instagram. 

Olena Zelenska, esposa do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, compartilhou fotos destacando os esforços das mulheres após a invasão russa.

'Tudo o que eu amo está aqui, então não posso deixar Kiev e vou lutar se for preciso', diz Yaryna Arieva

E não foi só Zelenska — as redes sociais estão cheias de imagens de mulheres com armas e uniformes militares prontas para lutar na guerra que assola a Ucrânia desde o final de fevereiro.

Famílias foram separadas quando milhões de pessoas, principalmente mulheres e crianças, fugiram para o oeste em busca de segurança, enquanto maridos e pais ficaram para defender cidades sob ataque russo.

Mas muitas mulheres também ficaram para lutar, incluindo Zelenska, apesar do extremo risco que suas vidas correm.

A BBC conversou com cinco mulheres ucranianas na linha de frente da guerra.

Kira Rudik — 'É assustador, mas estou com raiva'


Kira Rudik recebeu uma arma do governo por ser deputada (Kira Rudik)

"Eu nunca tinha tocado em uma arma até que a guerra começou", disse a parlamentar Kira Rudik. "Nunca precisei."

"Mas quando a invasão começou e havia a possibilidade de conseguir uma arma, fiquei tão chocada com tudo que decidi pegar uma. Ela é pesada e cheira a metal e óleo."

Rudik montou uma unidade de resistência em Kiev que está treinando para defender a capital ucraniana.

Ela mantém em segredo a sua localização, porque, segundo ela, os serviços de inteligência a avisaram que ela está na "lista de assassinatos" do presidente russo Vladimir Putin.

Apesar disso, ela continua seu trabalho como líder do partido Voz no parlamento da Ucrânia, enquanto também patrulha seu bairro com sua unidade.

Uma foto de Rudik com sua arma rapidamente viralizou, e ela diz que isso levou a uma onda de outras mulheres pegando em armas.

"Recebi tantas mensagens de mulheres me dizendo que estão lutando", disse ela à BBC.

"Não temos ilusões de como será esta guerra, mas sabemos que todos temos que lutar para proteger nossa dignidade, nossos corpos, nossos filhos. É assustador, mas também estou com raiva e esse é provavelmente o melhor sentimento que posso ter para lutar pelo meu país."

Das 44 milhões de pessoas que vivem na Ucrânia, 23 milhões são mulheres, segundo o Banco Mundial, e o país tem uma das maiores proporções de mulheres servindo em suas forças armadas.

O Exército ucraniano diz que 15,6% de seus soldados são mulheres — um número que mais que dobrou desde 2014.

Este número pode ser ainda maior após um anúncio em dezembro convocando todas as mulheres de 18 a 60 anos em boas condições físicas a se registrarem para o serviço militar.

As que foram recrutadas ou optaram por ficar na Ucrânia podem acabar enfrentando enormes perigos.

Não se sabe exatamente quantas pessoas morreram nos combates desde a invasão russa, mas as autoridades ucranianas afirmam que mais de mil mortes de civis ocorreram desde 24 de fevereiro.

Não é possível confirmar este número, mas a ONU afirma que, até 8 de março, 516 civis haviam sido mortos.

Além disso, acredita-se que milhares de combatentes de ambos os lados tenham morrido à medida que vai se tendo mais notícias sobre o conflito. E é provável que exista um número muito maior de feridos.

O presidente Zelensky disse que 1,3 mil soldados ucranianos morreram nas duas primeiras semanas da guerra.

Muitos ucranianos próximos aos combates agora vivem no subsolo em porões e estações de metrô para se proteger dos mísseis e ataques aéreos que atingem suas cidades.

Os bombardeios também têm sido indiscriminados, com novas imagens todos os dias de casas destruídas, hospitais arrasados e corredores humanitários ignorados.

Esta é a realidade para aqueles que optam por ficar na zona de guerra da Ucrânia.

Marharyta Rivachenko diz que recebeu essas flores de seus companheiros de batalhão no Dia Internacional da Mulher  (Marharyta Rivachenko)

Ao lado de políticos, mulheres comuns também estão se voluntariando para o esforço de guerra.

Alguns dias antes do início da invasão, Marharyta Rivachenko comemorou seu 25º aniversário em Budapeste, na Hungria, com amigos.

Agora, ela aprendeu a dormir com o som das sirenes de ataque aéreo em abrigos enquanto sua cidade é bombardeada por forças russas.

"Quando a guerra começou, minha família estava em Kharkiv e eu estava sozinha em Kiev. Eu não tinha para onde fugir", disse a gerente de relações públicas à BBC. "Eu não queria ir embora, queria fazer alguma coisa, então decidi me juntar à defesa."

Rivachenko fez cursos de primeiros socorros para se tornar médica em seu batalhão e agora é voluntária como auxiliar de enfermagem.

"Eu estou com muito medo", disse ela. "Eu amo minha vida e quero viver, mas minha vida depende desta guerra, então eu preciso fazer algo para ajudar a acabar com ela."

Yustyna Dusan — 'A minha prioridade é sobreviver'

Antes da guerra, Yustuna Dusan era uma ativista dos direitos dos animais, mas agora não tem tempo para ajudá-los (Yustyna Dusan)

Nem todos podem ingressar nas unidades de defesa territorial porque elas já têm voluntários demais e nem todos têm experiência suficiente.

A consultora de recrutamento de TI Yustyna Dusan está fazendo tudo o que pode para ajudar seu país.

"Eu estou na reserva e pronta para lutar", disse ela. "Fui retirada para Leópolis, pois sem arma ou carro, eu não poderia ajudar muito em Kiev. Então, estou me voluntariando em uma zona segura por enquanto para ajudar a organizar o envio de equipamentos e ajuda humanitária à linha de frente".

Antes da guerra, Dusan era ativista dos direitos dos animais. Mas, ela diz que não tem mais a estofo emocional para se preocupar com os animais.

"É uma catástrofe que os animais sejam abandonados nas cidades para morrer", disse ela. "Mas minha prioridade é sobreviver, para poder ajudar nossas forças armadas que permanecerão firmes até o fim. Nossos filhos estão morrendo e querem matar todos os ucranianos e nos sentimos tão sozinhos nessa situação. Eu só quero não ser morta."

Olena Biletskyi — 'Eu quero que minha filha nasça em uma Ucrânia livre'

Olena Biletskyi, retratada antes da invasão, treina civis para a guerra desde 2014 (Ukraine Women's Guard)

A casa da ex-advogada Olena Biletskyi em Kiev tornou-se a principal sede da Guarda Feminina da Ucrânia.

Ela está grávida de seis meses e decidiu ficar na capital com o marido e as duas filhas, de 11 e 16 anos, para ajudar na defesa da cidade.

"Estamos organizando mulheres na resistência em todo o país", explicou. "Foi uma decisão familiar ficar e lutar, porque não queremos viver sob ocupação. É uma questão entre escravidão e liberdade e esse é o sentimento das mulheres em todo o país. Então vamos ficar em Kiev enquanto pudermos."

Ela e seu marido Oleksandr coordenam o trabalho fisicamente e psicologicamente desgastante de preparar civis para a guerra.

Seus esforços incluem treinamento sobre como fazer coquetéis Molotov, como usar rifles e publicar informações em 33 idiomas em seu site.

A organização de Biletskyi também trabalha para interromper as marcas ultravioletas que eles acreditam serem feitas pelas forças russas para servir como alvos para mísseis e paraquedistas — incluindo uma que sua família encontrou em seu próprio jardim.

"Nos primeiros dias, o medo e a ansiedade foram avassaladores", disse ela. "Mas agora não há medo, apenas o desejo de derrotar o inimigo. Eu não queria fugir e não pretendo. Eu não sei se sobreviveremos, mas quero viver, e eu sonho em ter minha terceira filha em uma Ucrânia livre e independente."

Yaryna Arieva — 'Eu não tenho medo por mim'

Yaryna Arieva e Svyatoslav Fursin se casaram no primeiro dia da guerra (Mikhail Palinchak)

Na manhã em que Putin se mudou para invadir a Ucrânia, Yaryna Arieva tinha uma coisa em mente — ela decidiu se casar. Ela vivia em casas separadas de Svyatoslav Fursin, agora seu marido, e os dois queriam ficar juntos durante todo o conflito.

Os recém-casados juntaram-se à defesa territorial para ajudar a defender Kiev.

"Eu farei tudo o que puder para proteger meu país e minha cidade", disse ela.

"Meu imóvel está aqui, meus pais estão aqui, meu gato está aqui. Tudo que eu amo está aqui, então não posso deixar Kiev e eu vou lutar se for preciso."

Arieva é deputada no conselho da cidade de Kiev, o que significa que ela recebeu uma arma e um colete à prova de bala. Ela se mudou para a base de defesa territorial com o marido, mas ainda não tem experiência suficiente para participar de combate.

Em vez disso, ela espera — rezando, fumando e trabalhando — po notícias de seu marido, que está lutando na linha de frente.

"Antes da guerra eu tinha muito medo. Eu tinha medo de cachorros, da escuridão", diz a jovem de 21 anos. "Mas agora, o único medo que tenho é perder meu marido — não estou com medo por mim."

Fursin esteve em duas missões de combate nas duas primeiras semanas da guerra, enquanto Arieva trabalha na sede da Defesa Territorial (Yaryba Arieva)

Trabalho perigoso

Voluntários estão morrendo na linha de frente, incluindo muitas mulheres.

Em 24 de fevereiro, no primeiro dia em que os tanques russos cruzaram a Ucrânia, a veterana de 52 anos e mãe de cinco filhos, Iryna Tsvila, foi morta em Kiev.

Ela trabalhava como voluntária para defender a cidade ao lado de seu marido Dmytro, que também morreu no mesmo dia.

Uma semana depois, um carro que transportava pessoas que entregavam comida a abrigos de animais perto de Kiev foi alvejado, matando Anastasiia Yalanskaya, de 26 anos, e outras duas pessoas.

Os cães estavam sem comida há três dias e testemunhas dizem que ela se recusou a deixar Kiev para poder ajudá-los.

Outra jovem voluntária, Valeriia "Lera" Matsetska, foi baleada por um tanque russo enquanto dirigia para buscar remédios para sua mãe, de acordo a USAID, entidade para a qual ela trabalhava. Ela estava a poucos dias de seu aniversário de 32 anos.

  • Harriet Orrell, do Serviço Mundial da BBC, em 15.03.22

Brasil confirma dois casos da 'deltacron': o que se sabe sobre nova variante do coronavírus'

O Ministério da Saúde do Brasil confirmou nesta terça-feira (15/3) os dois primeiros casos de covid-19 no país causados pela variante chamada de "deltacron".

Os primeiros casos de covid relacionados a essa nova variante foram detectados na França em janeiro de 2022 (Getty Images)

Numa conversa com jornalistas, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou que essa nova versão do coronavírus foi detectada em um paciente do Pará e em outro do Amapá.

"Essa é uma variante de importância, que requer monitoramento. As variantes são classificadas como variantes de importância e de preocupação, e as autoridades sanitárias estão aqui para, diante dessas situações, tranquilizar a população brasileira", disse Queiroga.

Embora seja utilizado em reportagens e postagens de redes sociais, o nome deltacron não é adotado oficialmente pelas instituições de saúde. Por ora, a designação utilizada em estudos e publicações especializadas para essa nova linhagem é AY.4/BA.1.

Confira a seguir o que já se sabe e o que ainda falta conhecer sobre essa nova variante.

Origem e espalhamento

Os primeiros casos de uma variante do coronavírus que une alguns genes da delta com outros da ômicron foram confirmados na França em janeiro de 2022.

De lá para cá, ela também foi encontrada na Bélgica, na Alemanha, na Dinamarca e na Holanda, de acordo com informações do Gisaid, uma plataforma online onde cientistas do mundo todo compartilham sequências genéticas do coronavírus.

Mais recentemente, alguns casos de covid relacionados à deltacron também foram observados nos Estados Unidos e, agora, no Brasil.

A quantidade de sequências positivas desta linhagem ainda é bem baixa: até o momento, foram depositadas no Gisaid apenas 47 amostras da AY.4/BA.1, sendo que 36 delas vêm da França.

Embora não seja uma informação conclusiva, o fato de esse número não ter crescido de forma exponencial de janeiro para março pode ser interpretado como um sinal preliminar de que essa linhagem não possui uma capacidade de espalhamento superior à da ômicron.

Outro dado que corrobora essa perspectiva vem de um estudo ainda não publicado por pesquisadores da Helix, uma empresa privada que trabalha com sequenciamento genético nos Estados Unidos.

Os cientistas analisaram mais de 29 mil amostras positivas para covid-19 que foram colhidas entre novembro de 2021 e fevereiro de 2022, período em que tanto a delta quanto a ômicron circularam com bastante intensidade por terras americanas.

As variantes do coronavírus mais preocupantes trazem mutações na proteína da espícula (a estrutura vermelha da ilustração), que se liga aos receptores das nossas células (azul) e dão início à infecção .

De todos esses casos positivos, foram identificados apenas dois que traziam a tal da deltacron.

Os autores concluem que, por ora, esses episódios com as duas variantes são "raros" e "não existem evidências de que uma combinação delta-ômicron resulta num vírus mais transmissível em comparação com as linhagens da ômicron em circulação".

Como as variantes se misturam?

O virologista Felipe Naveca, que integra a Rede de Genômica da Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz), explica que a recombinação de variantes não é algo raro ou inesperado.

"É possível que isso já tenha acontecido várias vezes, com outras linhagens. Mas, como no início as variantes do coronavírus não eram tão diferentes umas das outras, ficava mais difícil detectar esses eventos."

"Os vírus estão em constante evolução e o surgimento de novas versões não é necessariamente uma coisa ruim. Precisamos agora avaliar e entender o impacto que isso pode ter na pandemia", complementa.

Mas como essa recombinação acontece na prática? Primeiro, é preciso ter em mente que os últimos meses foram marcados por uma intensa circulação de duas variantes do coronavírus: a delta e a ômicron.

Nesse contexto, um indivíduo pode se infectar simultaneamente com as duas versões do patógeno, ao ter contato com pessoas infectadas num bar, no transporte público ou em qualquer outro local onde ocorrem aglomerações.

As duas variantes podem, então, infectar uma célula ao mesmo tempo. O resultado desse processo é que as novas cópias de vírus que surgem dali trazem alguns genes característicos da ômicron e outros pedaços do código genético da delta.

No caso da deltacron, por exemplo, os cientistas observaram que ela carrega a espícula da ômicron e o "corpo" da delta.

Vale lembrar aqui que a espícula, ou a proteína S, é uma estrutura que fica na superfície do vírus. A função dela é se conectar aos receptores das células humanas para dar início à infecção.

Ainda não está claro se essa "mistura" de duas linhagens importantes do coronavírus pode causar um quadro mais grave, com risco maior de hospitalização ou morte.

Também não existem informações se ela consegue escapar da imunidade, conferida por uma infecção prévia ou pela vacinação.

Os cientistas estão fazendo pesquisas para responder a essas perguntas e os primeiros resultados devem ser divulgados nas próximas semanas.

Tomar todas as doses de vacina é uma das principais atitudes para barrar o surgimento de novas variantes do coronavírus.

Há razão para preocupar-se?

Autoridades em saúde pública nacionais e internacionais têm pedido ponderação e calma a respeito dessa nova variante.

Ao anunciar a descoberta dos dois primeiros casos no país, o ministro Queiroga falou em "tranquilizar a população brasileira" e disse que a detecção da deltacron é "fruto do fortalecimento da capacidade de vigilância genômica no Brasil".

Em entrevistas recentes, Maria Van Kerkhove, líder técnica de covid-19 da Organização Mundial da Saúde (OMS), destacou que até agora "não foram observadas mudanças epidemiológicas ou na severidade da doença relacionadas a essa variante".

"Infelizmente, esperamos ver mais vírus recombinados, pois mudar com o passar do tempo é justamente o que esses patógenos fazem", explicou a especialista.

Naveca concorda com os prognósticos e as análises. "Da parte científica, a gente precisa aumentar a vigilância genômica e fazer cada vez mais sequenciamentos de amostras para entender se essa nova variante tem algum impacto", aponta.

"Já do ponto de vista individual, é muito importante completar o esquema vacinal com as doses recomendadas", recomenda.

"E os demais cuidados preventivos, como a lavagem das mãos e o uso de máscaras de boa qualidade, especialmente em ambientes fechados, continuam a funcionar para diminuir o risco de se infectar com qualquer variante do coronavírus", conclui o virologista.

André Biernath - @andre_biernath, de Londres para a BBC News Brasil, em 15.03.22

quinta-feira, 10 de março de 2022

Com alta dos combustíveis, Senado aprova projeto que busca conter o impacto na bomba

Projeto cria uma conta de estabilização para subsidiar o preço da gasolina e do diesel e cria um auxílio de R$ 300 para motoristas de baixa renda; texto segue para a Câmara dos Deputados


Frentista abastece carro; Senado aprovou projeto que cria uma conta de estabilização dos preços dos combustíveis.  Foto: Marcelo Chello/Estadão

O Senado aprovou o projeto que cria uma conta de estabilização dos preços dos combustíveis no País, incluindo um auxílio para motoristas de baixa renda e a ampliação do vale-gás pago a famílias carentes. O texto ainda terá que passar pelo crivo da Câmara dos Deputados. 

O Senado também aprovou no mesmo projeto a criação de um auxílio-gasolina de R$ 300 a motoristas de baixa renda. O custo é de R$ 3 bilhões e beneficiaria motoristas autônomos, taxistas e motociclistas de aplicativo com renda familiar mensal de até três salários mínimos. O benefício, porém, esbarra na lei eleitoral, que proíbe a criação de novos subsídios em ano de eleições.

A votação ocorreu no dia em que a Petrobras anunciou um aumento de 18,7% na gasolina, de 24,9% no diesel e de 16% no gás de cozinha, para recuperar uma defasagem em relação aos preços no mercado internacional. O anúncio provocou reação no Senado e aumentou a pressão pela aprovação do pacote. 

Combustível 

De última hora, o relator do projeto, Jean Paul Prates (PT-RN), incluiu um dispositivo que força a Petrobras a usar os lucros arrecadados em 2022 na amenização dos preços administrados pela própria estatal. Dessa forma, os senadores cobram que a petrolífera também ofereça uma "parcela de contribuição" na crise. O trecho, contudo, não faz referência a anos futuros.

O projeto cria uma conta de estabilização, autorizando o governo federal a aportar recursos para minimizar o impacto de altas sucessivas na bomba. Os recursos para abastecer a conta incluem os dividendos da Petrobras pagos à União, especificamente a parcela arrecadada acima do previsto no Orçamento, e as receitas do pré-sal, além de outras fontes relacionadas ao petróleo.

Aliados do governo do presidente Jair Bolsonaro defenderam o auxílio e afirmaram que a proposta veio do governo e é de interesse direto do chefe do Planalto, em busca de reeleição. O Executivo, no entanto, ainda analisa a legalidade do pagamento. Se o subsídio não puder ser criado neste ano, só poderia ser pago em 2023 pelo governo eleito em outubro. Em último caso, o dispositivo poderá ser vetado pelo Planalto.

"Por enquanto, não pode ser usado. Por isso, a gente está vendo que não é eleitoreiro, ninguém está ajudando o governo ou atrapalhando o governo. Estamos tentando ajudar as pessoas que estão sofrendo com essa alta", disse o relator. O líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO), por sua vez, reforçou a intenção de o Executivo adotar a medida imediatamente. "Essa foi iniciativa do governo, do presidente, ele é o governo."

No mesmo projeto, o Senado aprovou a ampliação do vale-gás pago a famílias carentes, estendendo o benefício a 11 milhões de famílias, o dobro do público atendido atualmente. O impacto é de R$ 1,9 bilhão, também submetido ao teto de gastos. Os senadores se mobilizam para aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para tirar as amarras fiscais desses benefícios, mas a PEC ainda não andou.

A equipe econômica do governo é contra o fundo de estabilização, mas conseguiu emplacar alterações que condicionam a medida ao espaço fiscal e orçamentário. Na prática, o aporte de recursos ficará submetido ao teto de gastos públicos e à disponibilidade efetiva de recursos no caixa federal. O projeto também enfrenta resistências na Câmara. Por isso, o Senado incluiu o auxílio gasolina e a ampliação do vale-gás, medidas com forte apelo político, no mesmo texto.

Daniel Weterman, O Estado de S.Paulo, em 10.03.22

Senado aprova projeto que altera cobrança do ICMS sobre combustíveis

O projeto aprovado pelo Senado força os Estados a cobrarem o ICMS sobre o litro de combustível, e não mais sobre o preço final do produto

O Senado aprovou, por 68 votos favoráveis, 1 contrário e 1 abstenção, o projeto que altera o modelo de cobrança do ICMS, imposto arrecadado pelos Estados, sobre os combustíveis e isenta a aplicação do PIS e a da Cofins, que são tributos federais, sobre o óleo diesel e o gás de cozinha até o fim do ano.

O projeto do ICMS foi desidratado em relação ao texto aprovado inicialmente pela Câmara e foi defendido pela equipe econômica do governo do presidente Jair Bolsonaro. Após a aprovação final, as mudanças dependerão de nova votação na Câmara.

O texto enfrenta resistência de governos estaduais, que não querem abrir mão de arrecadação em ano eleitoral. O projeto entrou em um impasse eleitoral. Governadores não querem turbinar o discurso do presidente Jair Bolsonaro de que o vilão da alta é o imposto cobrado pelos Estados.

O parecer aprovado pelo Senado força os Estados a cobrarem o ICMS sobre o litro de combustível, e não mais sobre o preço final do produto. Além disso, institui um modelo de cobrança monofásica, em apenas uma fase de comercialização, e de alíquota única entre os Estados.



Senado Federal; as mudanças no ICMS dependerão de aprovação do Confaz, do qual os secretários estaduais fazem parte Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

As mudanças, no entanto, dependerão de aprovação do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), do qual os secretários estaduais fazem parte e onde as deliberações só são aprovadas por unanimidade. Na prática, o novo modelo dependerá de decisão dos próprios governadores.

Como regra de transição, a proposta congela a cobrança de ICMS sobre o diesel, até o fim deste ano, conforme a média de preços dos últimos cinco anos. É uma forma de amenizar o impacto ao consumidor final, principalmente os caminhoneiros. Nesta quinta-feira, 10, a Petrobras anunciou um reajuste de 18,7% na gasolina e de 24,9% no diesel.

Os governos regionais tentaram aprovar um dispositivo para estender o congelamento a todos os combustíveis até o final do ano, de acordo com os preços de novembro do ano passado, mas não houve apoio suficiente.

No mesmo projeto, o Senado aprovou a isenção do PIS e da Cofins, impostos federais, sobre o diesel e o gás de cozinha até o fim deste ano. A medida vai provocar uma queda de arrecadação de R$ 18 bilhões e não precisará de compensação fiscal, de acordo com o texto, dispensando uma regra da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

O governo agiu para aprovar o projeto de lei complementar em um movimento para tentar reduzir impostos e ganhar tempo enquanto avalia a concessão de um subsídio direto à Petrobras, medida que não tem apoio da equipe econômica do ministro da Economia, Paulo Guedes. Um congelamento de preços chegou a entrar na mesa de negociação como alternativa, mas foi descartado no momento.

Daniel Weterman, O Estado de S.Paulo, em 10.03.22