quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Análise: Lula foi, é e será um desastre para o Brasil

O ex-presidente passou a vida obcecado por si mesmo, por dinheiro e pelo poder, analisa Ricardo Kertzman

Lula costuma dizer que é um retirante miserável, que passou fome e privações de toda sorte durante a infância no Nordeste, que é filho de mãe que "nasceu analfabeta" (como se alguém nascesse diferente), etc.

Como não há prova em contrário — e diante do flagelo que acomete, sei lá, 80% a 90% dos nordestinos, infelizmente, a história contada pelo petista, como forma de vitimismo eleitoreiro —, é justo que acreditemos nele.

O que Lula não conta é que, muito jovem ainda, escolheu: não estudar; não trabalhar; se tornar agitador social; viver da política; perseguir poder e riqueza a qualquer custo; se transformar em um populista manipulador.

O pai do Ronaldinho dos Negócios — e a história me socorre irrefutavelmente —, jamais se preocupou com o país e o povo. Ao contrário. Pautou sua vida política pela destruição dos adversários, oposição irresponsável e cisão social.

Ao longo de décadas se aproximou e se associou ao que há de pior no mundo (terroristas e ditadores sanguinários), recebendo dinheiro e financiando horrores inimagináveis a quem, como nós, bem ou mal, vivemos em uma democracia.

Fez oposição sistemática e boicotou o Plano Real; as políticas assistencialistas e a lei de responsabilidade fiscal, de FHC; e reformas na educação, trabalho e saúde promovidas por todos os governos não petistas.

Uma vez no poder, cuspiu na cara de aliados históricos e correu para o colo do centrão, e de banqueiros oportunistas e empreiteiros corruptos, e liderou o maior esquema de corrupção que se tem notícia no ocidente democrático.

Graças à políticas desastradas e à cleptocracia sem freios, sobretudo após a hecatombe Dilma Rousseff, a sociedade cansou e decidiu mudar o rumo. Infelizmente, a alternativa ao lulopetismo se mostrou um desastre ainda maior.

Sim. Jair Bolsonaro, o verdugo do Planalto, sempre foi isso: o anti-PT. Ou seja, essa desgraça em forma de gente só é o presidente da República por causa de Lula da Silva. Foi eleito pelo ódio coletivo, jamais por seus méritos.

Agora, após o salvo-conduto concedido vergonhosamente pelos compadres do STF, o líder do mensalão e petrolão encontra-se próximo a assumir novamente o país, leia-se, causar ainda mais mal do que já causou.

Sua eleição representará a vitória definitiva da impunidade e do tal "sistema", onde bandidos da pior espécie ocupam os espaços do Poder e atuam em causa própria e de seus, contando com a ignorância política do eleitorado.

Lula sempre fez mal ao Brasil. Ao que tudo indica, seu saco de maldades está cheio. Hoje, é o favorito para nos castigar mais um pouco. Só eu e vocês, leitores amigos, através do voto, podemos mudar a direção dessa tragédia que se avizinha.

E não! Bolsonaro, definitivamente, não é, nunca foi e jamais será a solução. Muito pelo contrário.

Publicado originalmente pelo O Estado de Minas, em 24.01.22. Reproduzido pelo Correio Braziliense.   

Qualificados, mas com trabalho braçal: como congoleses 'descobrem racismo' no Brasil

 "Foi o que aconteceu com o Moïse, que estava brigando pelo seu direito a um salário, algo básico para quem trabalha, e a consequência disso foi que ele morreu."

Moïse pertencia à etnia Hema e chegou ao Brasil em 2011 fugindo de conflitos em seu país (Arquivo Pessoal)

Centenas de milhares de congoleses já deixaram seu país para fugir da violência dos conflitos locais, mas os que vêm para o Brasil lidam com um problema que geralmente ainda não tinham experimentado: o racismo.

O preconceito faz com que muitos sejam obrigados a viver de bicos e a morar em favelas, mesmo que tenham estudo e estejam em situação legal, dizem especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.

Também são alvo de hostilidades e agressões e podem até perder a vida, como foi o caso de Moïse Kabagambe, que foi espancado até a morte no dia 24 de janeiro.

‘A família achava que ele teria segurança no Brasil’: a morte do jovem congolês que causa comoção e revolta

O rapaz tinha 24 anos e havia chegado do Congo em 2011 com três irmãos. Sua mãe veio depois.

A família diz que ele trabalhava em um quiosque na praia da Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio, e teria ido cobrar o pagamento de duas diárias de trabalho atrasadas, que somavam R$ 200, por serviços prestados no estabelecimento.

Möise teria então discutido com um dos funcionários responsáveis pelo quiosque e sido agredido por vários homens.

A polícia afirma estar ouvindo testemunhas e analisando as imagens de câmeras de segurança. Ninguém foi preso até agora.

"O racismo brasileiro explica muitas coisas no caso de Möise", diz o congolês Bas'Ilele Malomalo, professor de Relações Internacionais da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira e pesquisador de movimentos migratórios africanos no Brasil.

"Explica a morte dele, porque um braço do racismo é o genocídio, é matar o outro, principalmente quando ele é preto, mas o racismo também impede que esses refugiados congolenses - e africanos, em geral - consigam um emprego."

Malomalo explica que boa parte dos imigrantes que vêm do Congo têm ensino médio completo e, em alguns casos, fizeram faculdade.

"É uma imigração qualificada. Não estamos falando de analfabetos. De forma geral, a maioria dos imigrantes africanos terminou a escola, é trabalhador, tem um saber acumulado", afirma o pesquisador, que vive desde 1997 no Brasil, onde veio estudar Teologia.

"Mas, quando chega aqui, têm dificuldade no mercado de trabalho. Nossa sociedade não contrata esse congolense. Mesmo que ele seja qualificado e tenha experiência de trabalho, ele não encontra emprego."

É a mesma avaliação que faz Aline Thuller, coordenadora do Programa de Atendimento a Refugiados da Cáritas RJ, organização de assistência da Arquidiocese do Rio de Janeiro.

A assistente social explica que a maioria dos congoleses que buscaram refúgio no Brasil nas duas últimas décadas se estabeleceram na cidade do Rio de Janeiro e que "99% deles" vivem em favelas

A dificuldade em ter renda suficiente para morar em outros locais está por trás disso.

"Muitos deles tinham uma condição boa, eram pedagogos, fotógrafos, trabalhavam com informática… Mas, por causa do racismo e da xenofobia, é muito difícil conseguirem uma oportunidade que não seja um trabalho pesado, que exija força física, e não seja mal remunerado", diz Thuller.

Bas'Ilele Malomalo diz que, em alguns casos, a saída encontrada por refugiados congolenses é começar seu próprio negócio.

"Se você vai no Brás, em São Paulo, ou na Rio Branco, no Rio, vai encontrar jovens congolenses que abriram restaurantes, salões de beleza, estão criando empregos, contribuindo para o país", afirma.

Thuller diz que muitos de fato trouxeram consigo conhecimentos de culinária e artesanato tradicionais que fazem sucesso por aqui e transformam isso em uma nova forma de sobreviver.

"Mas não é a maioria, porque empreender não é simples", afirma.

Sua experiência mostra que os trabalhadores refugiados, em especial os africanos, precisam batalhar constantemente para ter seus direitos respeitados.

"Foi o que aconteceu com o Moïse, que estava brigando pelo seu direito a um salário, algo básico para quem trabalha, e a consequência disso foi que ele morreu."

Os imigrantes africanos precisam ainda lidar com frequência com uma visão estereotipada de que eles seriam menos civilizados e instruídos.

"O racismo é uma coisa que eles não conheciam e que vão descobrir aqui, infelizmente", diz Thuller.

A assistente social se recorda do caso de uma empresa que tinha algumas vagas para preencher e que pediu indicação de candidatos.

"Mandamos vários africanos, principalmente congolenses, mas eles não contrataram nenhum dizendo que eles precisavam ter boa aparência. Fico me perguntando que aparência eles tinham de ter para conseguir aquele emprego..."

Mesmo quando esse refugiado é contratado ele ou ela não está livre de problemas, diz a assistente social.

Já houve casos atendidos por Thuller em que a pessoa recebia menos do que os outros colegas ou trabalhava por mais tempo, por exemplo, e foi preciso cobrar na Justiça um tratamento digno.

Thuller diz que há patrões que se aproveitam de refugiados porque acham que essas pessoas não têm os mesmos direitos de um brasileiro ou não conhecem a lei.

"Ou acham que são coitados que precisa, de trabalho e pagam R$ 35 por uma faxina que normalmente custa R$ 200 ou oferecem casa e comida mas não dão salário. É uma exploração travestida de ajuda", afirma .

"As pessoas dificilmente fazem essas propostas para brasileiros, mas acham que podem fazer esse tipo de coisa com os refugiados."

Rafael Barifouse, de São Paulo para a BBC News Brasil, em 02.02.22

terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Brasil registra 929 mortes e 193 mil novos casos em 24h

Desde o início da pandemia, em março de 2022, o país totaliza 25.620.209 casos oficiais de covid.

Brasil tem batido recordes em novos casos de covid-19

O Brasil registrou 929 mortes por covid-19 nas últimas 24 horas, segundo o boletim do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) desta terça-feira (1º/2). Com isso, o país totaliza 628.067 vítimas da pandemia até o momento.

Nos últimos dias, o país tem batido recordes sucessivos de novos casos, no momento em que o nível de infecções está no patamar mais alto de toda a pandemia até agora. Nas últimas 24 horas, o Brasil registrou oficialmente 193.425 novas infecções.

Vale lembrar que, no fim de semana e às segundas-feiras, os números costumam ser mais baixos, pela demora em contabilizar casos. Por conta disso, a média móvel dos últimos sete dias costuma ser um indicador mais fiel do retrato atual da pandemia - embora a escassez de testes e o apagão de dados do Ministério da Saúde apontem que até mesmo esse indicador não retrata plenamente a situação real de contágio do país.

A média móvel de casos dos últimos sete dias é de 186.985 mil casos diários, a fase mais alta de toda a pandemia, e ainda crescendo.

A média móvel de óbitos nos últimos sete dias é de 603 mortes diárias. Esse foi o 21º dia consecutivo de alta na média móvel de óbitos — em comparação, em 11 de janeiro, o valor foi de 122. Com isso, o Brasil volta a índices semelhantes ao do início de outubro de 2021 em termos de média móvel de mortes diárias.

Ainda assim, o patamar hoje é mais baixo em relação aos picos de mortes da pandemia, em abril de 2021, quando a média ultrapassou 3,1 mil mortes diárias.

O crescente índice de novas infecções nas últimas semanas tem acendido o alerta em diversas regiões do país, que anunciaram a retomada de medidas sanitárias para tentar conter a propagação do coronavírus.

Desde o início de janeiro, a média e o número de casos da doença estão em franca ascensão, o que é atribuído em grande parte à variante ômicron.

De acordo com o painel da Universidade Johns Hopkins, os Estados Unidos lideram globalmente em número de casos (74,6 milhões) e óbitos (885,6 mil).

Em relação aos casos oficialmente registrados, em 2ª lugar vem a Índia (41,3 milhões), e depois o Brasil. Em mortes, o Brasil está, de acordo com dados oficiais, em segundo lugar o mundo — embora a subnotificação de casos e mortes em diversos países (como Brasil, Rússia e Índia) torne as comparações mais complexas.

BBC News Brasil, em 01.02.22

‘Não aceito ser vice’, diz Moro sobre chapa com Doria

Ex-juiz diz que não abre mão se ser candidato à Presidente em eventual aliança com governador de São Paulo; presidenciável do Podemos faz tour pelo interior de São Paulo

Sérgio Moro em São José do Rio Preto Foto: Divulgação/Podemos

O ex-juiz Sérgio Moro afirmou que não abre mão de ser cabeça de chapa em uma eventual aliança com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), ou com outra pré-candidatura. “Não aceito ser vice”, disse o presidenciável do Podemos nesta segunda-feira, 31, em São José do Rio Preto, no interior paulista.

“Me filiei em 10 de novembro e estou em terceiro lugar nas pesquisas. Nunca tinha me lançado na política e estamos tratando esse resultado com humildade, mas com confiança crescente. Não faz sentido (ser vice), nesse cenário que a gente vê o nosso projeto como mais promissor para aqueles que não querem nem Lula e nem Bolsonaro. E essa é a grande maioria do País”. 

Moro declarou ainda que “até agora, não consegui encontrar ninguém que vá votar entusiasmado em Lula ou Bolsonaro” e que o projeto do presidente Jair Bolsonaro (PL) “é para a família” e o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva “é para um partido, o PT”.

“Estamos colocando o pé na estrada. Vamos percorrer, circular, falar com as pessoas e construir um projeto. Essas alianças vem depois. Estamos abertos a alianças, mas sem abdicar do nosso projeto. A aliança que importa agora é com as pessoas”. 

Primeiro pré-candidato à Presidência a visitar a região noroeste, desembarcou às 11 horas, no aeroporto rio-pretense, atendeu a imprensa e seguiu para reunião com lideranças do setor sucroalcooleiro em um buffet de Catanduva, onde fez discurso que mesclou elogios à cadeia produtiva, citando a demanda crescente por alimentos, energia e combustível, e a importância do segmento responsável por 2% do PIB nacional, e compromisso com a preservação ambiental. 

À tarde, Moro visitou a ARCD (Associação de Reabilitação da Criança Deficiente), no Jardim Maracanã, em Rio Preto, onde disse que “pouca gente sabe, mas minha esposa foi durante anos advogada de Apaes e defensora de causas de pessoas com doenças raras e deficiências” e ouviu demandas da entidade, que faz 2,7 mil atendimentos por mês. 

O deputado estadual Arthur do Val (Podemos), membro do MBL (Movimento Brasil Livre), faz parte da comitiva e disse que está empenhado em tornar a candidatura de Moro “mais vibrante, com o apoio dos jovens que estão nas redes sociais”. “Moro não é terceira via. É a única via”, disse a presidente estadual do Podemos Mulher, Alessandra Algarin, que também acompanha o ex-juiz.

Daniele Jammal, especial para o ‘Estadão’ , O Estado de S.Paulo, em 31 de janeiro de 2022 | 19h40

Traquinagem judicial de Bolsonaro

Como investigado, Bolsonaro tem direito ao silêncio, em todas as suas consequências. Mas seu comportamento protelatório é um acinte que nada tem de coragem

Ao restaurar o regime democrático, a Constituição de 1988 assegurou um conjunto robusto de liberdades e garantias fundamentais; entre elas, o direito ao silêncio (art. 5.º, LXIII). Toda pessoa investigada tem direito a permanecer calada, não cabendo nenhuma coação policial ou judicial, por mínima que seja, para que produza prova contra si mesma. Trata-se do princípio de não autoincriminação, elemento necessário de todo Estado Democrático de Direito. A pessoa investigada não é um objeto do qual se possa tirar provas, mas sujeito de direitos, com prerrogativa de falar, bem como de calar.

No regime constitucional vigente, o interrogatório é, portanto, um ato de defesa do investigado. Entre outras consequências, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou, em 2019, a inconstitucionalidade da condução coercitiva de réu ou investigado para fins de interrogatório judicial ou policial. Na decisão, o Supremo reconheceu o direito de ausência do investigado ou acusado ao interrogatório. “O direito de ausência, por sua vez, afasta a possibilidade de condução coercitiva”, disse o acórdão do STF.

Tudo isso conduz a uma cristalina conclusão: ao não comparecer na sexta-feira passada ao interrogatório marcado pelo ministro Alexandre de Moraes no inquérito sobre quebra de sigilo, Jair Bolsonaro, a rigor, não descumpriu uma ordem judicial. Ele tinha o direito de ausência. No entanto, isso não significa que o comportamento do presidente da República esteja sendo correto ao longo do caso. Longe disso.

Desde o início da investigação, a atuação de Bolsonaro é manifestamente protelatória. Em função do cargo que ocupa, Jair Bolsonaro tem a prerrogativa de definir o local e a data de seu interrogatório. No entanto, descumpriu os dois prazos – de 15 dias e, depois, de mais 45 dias – para ajustar com as autoridades policiais os moldes em que ocorreria a oitiva. Em vez de dizer que não tem interesse em depor e, assim, dispensar formalmente esse ato de defesa pessoal, Bolsonaro preferiu ganhar tempo por meio da dubiedade processual. Fez que ia marcar a data, não marcou e, quando o STF a marcou, não foi ao ato.

É constrangedor que o presidente da República se valha desse tipo de artifício. Vale lembrar que a prorrogação do prazo foi solicitada pela própria Advocacia-Geral da União (AGU). Por óbvio, a lealdade processual recomenda outra modalidade de comportamento.

Para piorar, a traquinagem não teve apenas o objetivo de postergar o término da investigação. Jair Bolsonaro tentou tirar proveito político da artimanha processual. A seus apoiadores, deu a entender que sua ausência no depoimento de sexta-feira havia sido um ato de confronto com o Supremo e, em especial, com o ministro Alexandre de Moraes.

Como se vê, a desfaçatez não tem limites. Jair Bolsonaro tentou transformar o exercício de um direito reconhecido expressamente pelo Supremo – o direito de ausência do investigado no seu depoimento – em suposto ato de valentia contra o próprio Supremo. Tal retórica bolsonarista nada tem de coragem. É tão somente mais uma manipulação de quem, abdicando de qualquer resquício de integridade ou de honestidade intelectual, deseja criar conflito e confusão.

É notório o caráter contraditório do comportamento de Jair Bolsonaro. Aquele que elogia a ditadura militar e flerta com o AI-5 vale-se de uma garantia da Constituição de 1988 – o direito ao silêncio – para atacar o Judiciário e, em último termo, as garantias que sustentam a sua própria liberdade. Ao refugiar-se na proteção do regime que deseja negar aos outros, o bolsonarismo é a antítese da valentia.

Não é demais notar que a desinformação sobre questões jurídicas para fins políticos é mais uma semelhança entre o bolsonarismo e o lulopetismo. Recentemente, o PT transformou uma decisão sobre a prescrição de eventuais crimes praticados por Luiz Inácio Lula da Silva no caso do triplex do Guarujá em suposta declaração da Justiça a respeito da inexistência desses crimes. É urgente resgatar o valor da verdade na vida pública.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, 01 de fevereiro de 2022 | 03h00

segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Moro define argentino como marqueteiro da pré-campanha

Pablo Nobel vive no Brasil há 40 anos e tem experiências com campanhas presidenciais

O pré-candidato do Podemos à Presidência, Sérgio Moro, escolheu o publicitário Pablo Nobel para comandar a equipe de marketing de sua campanha. Nobel começou a trabalhar com o ex-ministro da Justiça e ex-juiz da Lava Jato nesta segunda-feira, 31. 

O publicitário integra da equipe da agência AM4, que trabalhou para a campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL), em 2018. Nascido em Buenos Aires, ele vive no Brasil há 40 anos e é formado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo.

De 2003 a 2017, Pablo Nobel trabalhou na OpenFilms, que produziu vídeos para o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e para as campanhas presidenciais de Aécio Neves (PSDB) e Geraldo Alckmin (sem partido). A produtora também trabalhou na campanha de Daniel Scioli a presidente da Argentina em 2015.

Antes da definição de Pablo Nobel, a pré-campanha de Moro recebia a colaboração de Fernando Vieira, marqueteiro do Podemos.

Líderes nas pesquisas, o ex-presidente Lula e Bolsonaro ainda não bateram o martelo sobre os marqueteiros de suas campanhas, embora haja sondagens em curso. Lula, por exemplo, deve fechar com o publicitário Raul Rabelo. Já Ciro Gomes (PDT) definiu, desde o ano passado, que a função será exercida por João Santana. Ele trabalhou com Lula e também nas duas campanhas de Dilma Rousseff (PT).

Lauriberto Pompeu, O Estado de S.Paulo, em 31 de janeiro de 2022 | 16h20

Moro se diz perseguido pelo TCU e volta a atacar Lula

Ex-ministro reclamou que estaria sendo vítima de abuso de poder da parte do tribunal; sobre ter ajudado alvos da Lava Jato na consultoria à Alvarez & Marsal, retrucou: 'quem prestou serviço para a Odebrecht foi o Lula'

Na mira do TCU, trabalho realizado por Moro para a consultoria Alvarez & Marsal levantou suspeitas de conflito de interesse. Foto: Denis Ferreira Neto/Estadão - 2/12/2021

O ex-juiz e pré-candidato à Presidência Sérgio Moro (Podemos) voltou a se defender neste domingo, 30, das suspeitas envolvendo seu contrato de trabalho com a consultoria americana Alvarez & Marsal, responsável por processos de recuperação judicial de empresas envolvidas em condenações da Lava Jato, incluindo a Odebrecht. O presidenciável, que aposta no combate à corrupção como uma de suas principais bandeiras, negou ter relação ilícita com a empreiteira e atribuiu ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), seu futuro adversário nas urnas, a concessão de benefícios indevidos à companhia. “Quem fala que eu prestei serviço para a Odebrecht mente. Quem prestou serviço para a Odebrecht foi o Lula”, afirmou. 

Alvo de investigação pelo Tribunal de Contas da União (TCU) acerca de suposto conflito de interesses durante a vigência de seu contrato com a consultoria, Moro disse estar sofrendo perseguição e acusou a corte de abuso de poder. O tribunal acatou demandas do subprocurador-geral da República Lucas Furtado e solicitou acesso aos valores envolvidos no encerramento da prestação de serviços do ex-juiz à empresa, bem como a seu salário e forma de atuação. 

Em live na última sexta-feira, o pré-candidato disse que recebeu, ao todo, R$ 3,65 milhões da Alvarez & Marsal. O contrato vigorou por pouco menos de um ano e foi encerrado em outubro de 2021. 

Moro argumentou que a consultoria foi escolhida pelo juiz da recuperação judicial para cuidar do processo, e não diretamente pela empreiteira. “Existe, sim, uma perseguição, porque o TCU não tem nenhuma competência para realizar esse tipo de trabalho, não tem atribuição para investigar a relação privada. (...) O que existe aqui é abuso de poder”, disse o presidenciável. As declarações foram feitas ao programa “Canal Livre”, da Bandeirantes. 

O ex-juiz fez críticas ao governo de Jair Bolsonaro (PL), do qual foi ministro da Justiça e Segurança Pública até abril de 2020. Ele afirmou que enxerga uma “captura” do Orçamento em prol de interesses específicos no Congresso, comprometendo a capacidade de investimento da União para favorecer a concessão de emendas parlamentares. Moro criticou o uso dos recursos federais para a compra de tratores por parte dos parlamentares, o chamado "tratoraço", parte do esquema revelado pelo Estadão, em maio, na série de reportagens sobre o orçamento secreto.

Ainda sobre investimentos, Moro afirmou ser “absolutamente a favor das privatizações” e defendeu o modelo como uma das ferramentas para alcançar a redução das desigualdades sociais e a “erradicação da pobreza”, uma de suas promessas de campanha. Na mesma entrevista, direcionando críticas a adversários políticos, o ex-juiz disse achar lamentável “explorar a pobreza para fins eleitorais”. Ele defendeu a criação de uma força-tarefa no Executivo para tratar desse tema. 

“Não quero colocar isso em um ministério, não quero ter de nomear um político que pode explorar aquilo de maneira político-partidária. Isso é lamentável”, disse Moro.

O ex-juiz também defendeu sua atuação no âmbito da Operação Lava Jato. Ele disse que era seu “dever” abrir o grampo de gravação entre Lula e a ex-presidente Dilma Rousseff em 2016. Moro ainda lamentou que a pauta anticorrupção tenha se enfraquecido. “Hoje, não tem ninguém sendo investigado, ninguém sendo preso. Podem até discordar de prisões, mas é estranho que ninguém vá preso por corrupção no Brasil", afirmou.

Redação, O Estado de S.Paulo, em 31 de janeiro de 2022 | 10h34

Brasil contabiliza 77,9 mil casos e 284 mortes em 24h

Foram registradas 284 mortes nas últimas 24 horas. Com isso, o país totaliza 25.426.744 casos oficiais e 627.138 mortes na pandemia até o momento.

Brasil tem batido recordes em novos casos de covid-19 (Reuters)

O Brasil registrou oficialmente mais 77.947 casos de covid-19 nas últimas 24 horas, segundo o boletim do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) desta segunda-feira (31/1). Nos últimos dias, o país tem batido recordes sucessivos de novos casos, no momento em que o nível de infecções está no patamar mais alto de toda a pandemia até agora.

Vale lembrar que, no fim de semana e às segundas-feiras, os números costumam ser mais baixos, pela demora em contabilizar casos. Por conta disso, a média móvel dos últimos sete dias costuma ser um indicador mais fiel do retrato atual da pandemia - embora a escassez de testes e o apagão de dados do Ministério da Saúde apontem que até mesmo esse indicador não retrata plenamente a situação real de contágio do país.

A média móvel de casos dos últimos sete dias é de 185.593 mil casos diários, a fase mais alta de toda a pandemia, e ainda crescendo.

A média móvel de óbitos nos últimos sete dias é de 540 mortes diárias. Esse foi o 20º dia consecutivo de alta na média móvel de óbitos — em comparação, em 11 de janeiro, o valor foi de 122. Com isso, o Brasil volta a índices semelhantes ao do início de outubro de 2021 em termos de média móvel de mortes diárias.

Ainda assim, o patamar hoje é mais baixo em relação aos picos de mortes da pandemia, em abril de 2021, quando a média ultrapassou 3,1 mil mortes diárias.

O crescente índice de novas infecções nas últimas semanas tem acendido o alerta em diversas regiões do país, que anunciaram a retomada de medidas sanitárias para tentar conter a propagação do coronavírus.

Desde o início de janeiro, a média e o número de casos da doença estão em franca ascensão, o que é atribuído em grande parte à variante ômicron.

De acordo com o painel da Universidade Johns Hopkins, os Estados Unidos lideram globalmente em número de casos (74,6 milhões) e óbitos (885,6 mil).

Em relação aos casos oficialmente registrados, em 2ª lugar vem a Índia (41,3 milhões), e depois o Brasil. Em mortes, o Brasil está, de acordo com dados oficiais, em segundo lugar o mundo — embora a subnotificação de casos e mortes em diversos países (como Brasil, Rússia e Índia) torne as comparações mais complexas.

BBC News Brasil, em 31.01.22

Apodrecimento político

Houve uma completa evacuação das noções de bem coletivo e de colocação dos verdadeiros problemas do País, alerta Denis Lerrer Rosenfield, em artigo n'O Estado de S. Paulo.

   A tessitura política brasileira tem hoje laços tênues com a arte de governar. Instalou-se um desgoverno, voltado apenas para a reeleição do atual titular e para a defesa dos grupos encastelados no Poder. Os privilégios dos mais diferentes tipos são mantidos e, mesmo, fortalecidos, enquanto o País padece do desemprego, da ausência de expectativas, da baixa renda e da miséria visível nas ruas. A narrativa presidencial e governamental, procurando velar o que acontece, se compadece na criação de fatos midiáticos, quando não fantasiosos, de modo que a discussão se faça dentro de uma bolha artificialmente criada e propagandeada pelas redes sociais “amigas”. 

Vacinas e campanhas de vacinação não deveriam, a rigor, ser objeto de discussão, salvo evidentemente as científicas, segundo seus critérios e protocolos. Aliás, o ambiente da sociedade é particularmente propício para que isto aconteça, visto que há adesão maciça da população à vacina, apesar de todas as tentativas governamentais para desacreditá-la. Vacinar não é um problema, salvo para pessoas em postos de comando que tergiversam sobre tudo, inclusive sobre a verdade. Mentiras ganham corpo no espaço público, produzindo o estilhaçamento do bem coletivo. O presidente empenha-se contra a vacinação de crianças, chegando inclusive a dizer que crianças não morreram devido à covid, quando os números oficiais remontam a mais de 300, uma enormidade. Isto é insano!

O ministro da Saúde, obediente, não segue os critérios da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), empenhando-se em criar audiências públicas inúteis para retardar esse processo. Seu ministério chega a divulgar documento declarando que a vacina não está cientificamente comprovada, enquanto a hidroxicloroquina teria passado por todos os testes, como se fosse comprovadamente eficaz no combate a essa doença. É melhor dizer com todas as letras: trata-se de um crime contra a saúde pública, que deveria ser devidamente julgado. Um ministro médico não honra o seu título. Ciência e saúde não podem ser objeto de politicagem. 

A aprovação do Orçamento da União é mais uma amostra do apodrecimento da política. Preliminarmente, em sua elaboração, houve o calote dos precatórios para supostamente haver atendimento de necessidades sociais, sobretudo em tempos de pandemia. O que se viu, no entanto? A abertura de espaço orçamentário para novas emendas parlamentares, o tal do orçamento secreto que, de tão sigiloso, não pode nem ser visto pela sociedade e pelos órgãos de controle. Bilhões faltam para a saúde e a educação, mas os parlamentares amigos têm todos os seus apetites saciados. Chegam a babar de tão satisfeitos, enquanto imensa parte da população vive de migalhas. Claro, nem poderia faltar o atendimento de interesses corporativos caros ao presidente, como os policiais federais, aos quais aumento de salários foi prometido. Condizente com tal postura, novas categorias da elite do funcionalismo pedem isonomicamente o mesmo tratamento, deixando ao léu os estratos inferiores. O País vive no teatro do horror.

A tradução de uma política capenga é sua progressiva judicialização. Ou seja, como o governo e autores e partidos políticos não conseguem negociar entre si, incapazes que são de equacionarem os seus próprios problemas e, ainda pior, os do País, recorrem incessantemente às instâncias jurídicas, em particular ao Supremo. Na verdade, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi politizado pelos próprios políticos. Resultado: os ministros tomaram gosto de ser provocados, passando a se manifestar sobre qualquer assunto, muitos deles agindo nos bastidores, externando suas preferências partidárias e atuando publicamente como se políticos fossem. O círculo tornou-se propriamente vicioso. De última instância constitucional, o STF veio a ser uma espécie de outra instância da luta política. Discute-se quem será um novo ministro, não em virtude de sua competência, de sua probidade, de seu saber, mas em função de a quais interesses estaria disposto a atender. E tudo isto em conivência com o Senado, que se mostra incapaz de atuar conforme a sua missão. 

Talvez um dos piores legados do atual governo seja este empobrecimento da política, a sua completa evacuação das noções de bem coletivo, de equacionamento de conflitos, de colocação dos verdadeiros problemas do País. Tudo é motivo de tergiversação, de criação de bolhas digitais, de invenção de falsos problemas. A articulação política tornou-se meramente uma negociação de cargos, emendas e outras coisinhas mais. Se isto ainda se fizesse visando à aprovação de projetos importantes para o País, seria uma contribuição que o vício pagaria à virtude. Mas não! Servem apenas para projetos eleitorais, tendo como único mote a manutenção do status quo, com a garantia de que nada mude. Ministros se honra tivessem já deveriam ter abandonado os seus cargos, como alguns fizeram, dando o exemplo de que as coisas podem ser diferentes, sempre e quando haja vontade de mudar. 

Denis Lerrer Rosenfield, o autor deste artigo, é Professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 31.02.22.

As eleições armadas após descaso com medidas de Bolsonaro, veja aqui o artigo de Jânio de Freitas na "Folha de S. Paulo"

É preciso identificar e comprovar o destino das armas de uso bélico importadas, em quantidade, por decorrência de medidas programadas e impostas por Bolsonaro

O presidente Jair Bolsonaro defende o porte de armas em post no Instagram - Reprodução - 03.mar.21/Instagram

O incompreensível descaso com as medidas de Bolsonaro para armar parte da população, sendo tantas as implicações nocivas daí advindas, é tão ameaçador para o futuro próximo quanto a própria ação armadora de Bolsonaro.

Recente descoberta no Rio indica que armas de combate, modernas e caríssimas, estão entrando em alta quantidade e tomando destinos imprecisos. Chegam em importações dadas como legais, amparadas nos atos a respeito, repletos de lacunas, emitidos por Bolsonaro.

Com permissões para colecionadores, atiradores e outros, um casal jovem importava lotes volumosos de armas, dezenas de fuzis modernos e ainda metralhadoras, pistolas, revólveres e projéteis aos muitos milhares. Dispensadas, agora, as autorizações e a vigilância do Exército. O casal associava operações em Goiás e no Rio, onde foi localizada uma casa cheia de armas em bairro residencial.

As alternativas permitidas pelas liberações de Bolsonaro são tantas —registros pessoais e comerciais sem limite, importações sucessivas, inexistência de fiscalização, entre outras— que um só operador pode armar para combate todo um contingente. É o que está acontecendo. Com quantidades ignoradas de importadores, de armas, munições e de financiadores. Certo é não haver motivo, muito ao contrário, para supor exclusividade do casal no fornecimento de armas bélicas.

A quem, é a questão mais importante. Aos bandos conhecidos e à milícia, veio pronta a afirmação na única e precária notícia policial (em O Globo de 26.jan) sobre o arsenal encontrado. Provável final de um lote importante, os 26 fuzis e até metralhadora de chão, além de outras armas e muita munição, indicam custo além do conveniente para aquela freguesia, cliente dos preços no contrabando, solidários e sem impostos.

"Se não tiver voto impresso, não vai ter eleição" pode ser uma frase simbólica dos tantos avisos públicos de um propósito anti-eleitoral. Reforçado no que as atuais sondagens do eleitorado sugerem. E já sonorizado na volta à mentira de fraude nas eleições de 2018. Tal propósito não se consumaria no grito, nem deve contar com a sabotagem eleitoral de outro Sergio Moro e de procuradores bolsonaristas à disposição de Augusto Aras. Armas potentes, porém, se ajustam bem ao propósito.

As medidas de Bolsonaro para o armamento de civis obedeceram a um plano. Mostrou-o a escalada em que se deram. Primeiro, a posse doméstica, depois facilidades para o porte. Então os primeiros incentivos à compra e às munições, com possível importação, e aí a posse ampliada. Até chegar à compra de 60 armas por cabeça e mil projéteis por arma/ano. Sem restrição a várias importações. Para atenuar o comprometimento do silencioso Exército nesse plano sinistro, suas obrigações ligadas à posse de armas foram extintas quase todas.

Essas medidas não vieram do nada para o à toa. São uma denúncia de si mesmas e de suas finalidades criminosas. Fuzis e metralhadoras não se prestam ao alegado "direito do cidadão de se defender", argumento da má-fé de quem, assaltado, entregou sua arma, a moto e a falsa valentia ao jovem assaltante.

As importações de fuzis e metralhadoras não são suspeitas: são, com toda a certeza, armas para o crime. Contra pessoas, grupos, instituições constitucionais e o regime de liberdades democráticas.

Estamos já no ano eleitoral. É preciso identificar e comprovar o destino das armas de uso bélico importadas, em quantidade, por decorrência de medidas programadas e impostas por Bolsonaro, sem resistência institucional, dos meios de comunicação ou dos setores civis influentes. Do contrário, quem puder, e tiver tempo, saia da frente dessas armas.

Jânio de Freitas, o autor deste artigo, é Jornalista. Publicado na edição impressa da Folha de S. Paulo, em 29.01.22.

Importação de armas de fogo bate recorde no Brasil


Entre fuzis, carabinas, metralhadoras e submetralhadoras houve um aumento de 574%. Em 2020, foram importadas 1.211 armas desse tipo. Em 2021, o número chegou a 8.160. Foi o segundo aumento expressivo consecutivo na importação desse tipo de armamento. 

Entre 2019 e 2020, houve um crescimento de 226% na entrada dessas armas no país, saindo de 371 em 2019 para 1.211 em 2020. Entre 2018 e 2019, o aumento havia sido de apenas 13%.

Houve aumento de 12% na quantidade de revólveres e pistolas importadas, e de 574% na importação de fuzis, carabinas, metralhadoras e submetralhadoras (Getty Images)

O volume de importação de armas de fogo no Brasil aumentou 33% em 2021 em relação a 2020 e chegou a US$ 51,9 milhões, contra US$ 38,9 milhões. É o maior valor da série histórica produzida pelo Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex), do governo federal, que começa em 1997.

Os dados levantados pela BBC News Brasil mostram que o aumento não foi apenas no valor importado, mas na quantidade de armas que entraram no Brasil.

No ano passado, houve um crescimento de 12% no total de revólveres e pistolas importadas (sem contar outros tipos de armas de fogo), chegando a 119.147 contra 105.912 em 2020.

Entre fuzis, carabinas, metralhadoras e submetralhadoras houve um aumento de 574%. Em 2020, foram importadas 1.211 armas desse tipo. Em 2021, o número chegou a 8.160. Foi o segundo aumento expressivo consecutivo na importação desse tipo de armamento. Entre 2019 e 2020, houve um crescimento de 226% na entrada dessas armas no país, saindo de 371 em 2019 para 1.211 em 2020. Entre 2018 e 2019, o aumento havia sido de apenas 13%.

Especialistas em segurança pública ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que o aumento na importação de armas pelo Brasil é resultado das mudanças feitas pelo governo do presidente Jair Bolsonaro que tornaram mais fácil comprar armas no Brasil e dizem que esse crescimento pode ter efeitos negativos para a segurança pública.

O Exército, responsável pelo controle das importações de armas no país, informou, por meio de sua assessoria de imprensa, não ter estudos sobre as causas desse aumento e que o órgão vem executando o rastreio e controle de armas e munições de acordo com a legislação. Procurados, o Ministério da Justiça e a Presidência da República não se pronunciaram.

A fonte do levantamento feito pela BBC News Brasil é o sistema de estatística alimentado pelo Ministério da Economia e que está disponível na internet. Ele coleta informações de importadores e exportadores sobre os produtos que entram e saem do Brasil. Os dados não distinguem se as armas foram importadas por órgãos públicos, pessoas físicas ou empresas.

O levantamento reúne dados dos quatro grupos de armas entre as mais comuns e que podem ser adquiridas tanto por forças de segurança como polícias e Exército, quanto por empresas e civis e militares devidamente autorizados.

A única exceção é com relação ao grupo que agrega fuzis, carabinas, metralhadoras e submetralhadoras. As duas primeiras podem ser vendidas para pessoas físicas, enquanto as duas últimas são exclusivas para forças de segurança.

Isso ocorre porque a Siscomex agregou esses quatro tipos de armas em um único grupo e não detalha quantas armas de cada tipo foram importadas.

Revólveres, pistolas e fuzis em alta

​O aumento no volume de fuzis importados acontece após o presidente Jair Bolsonaro ter assinado, a partir de 2019, uma série de decretos que facilitaram a aquisição desse tipo de armamento.

Antes, cidadãos comuns que quisessem ter um fuzil precisariam ser cadastrados junto ao Exército como colecionadores, e só podiam acessar modelos com mais de 70 anos, ou seja, armas efetivamente antigas. Caçadores e atiradores registrados não poderiam ter acesso a esse tipo de armamento.

Com os decretos do presidente, porém, caçadores e atiradores também passaram a ter direito de adquirir fuzis.

Os decretos de Bolsonaro também aumentaram a quantidade que cada CAC (caçadores, atiradores esportivos e colecionadores) pode ter acesso.

Colecionadores, que só poderiam ter um fuzil de cada modelo, agora podem ter até cinco armas de cada modelo. Caçadores, que não poderiam ter fuzil, agora podem ter até 15 unidades. Atiradores, que antes também não poderiam ter fuzis, agora podem ter até 30 armas desse tipo.

Outra categoria de armas que também registrou crescimento foi a de espingardas e carabinas de tiro ao alvo, que teve alta de 35%, saindo de 4.125 armas importadas em 2020 para 5.572 em 2021.

Somando todos os grupos levantados pela BBC News Brasil, foram importadas 140.559 armas de fogo em 2021 contra 119.335 no ano anterior, um crescimento superior a 17%.

Os dados mostram que a Áustria foi o principal exportador de armas de fogo para o Brasil em 2021. A nação europeia exportou US$ 11,9 milhões em armas para o país. Ela é a sede da Glock, uma das maiores fabricantes de armas do mundo.

Em segundo lugar no ranking ficaram os Estados Unidos (US$ 8 milhões) e em terceiro vem a Itália (US$ 6,4 milhões).

Dados do Exército, que usa uma metodologia diferente, também apontam aumento no volume de pedidos de importação de armas de fogo entre 2020 e 2021.

Exército também aponta alta

O Exército é responsável pelo controle das importações de armas no país (Getty Images)

De acordo com o órgão, o Exército autorizou a entrada de 144.992 armas, um crescimento de 111% em relação ao ano anterior, quando o órgão autorizou a entrada de 68.521.

Segundo nota enviada pela assessoria de imprensa do Exército, a diferença entre os dados do órgão e da Siscomex se devem, entre outros motivos, pelo fato de que o Exército contabiliza as quantidades contidas nas licenças de importação que chegam ao órgão, independente de a Receita Federal ter liberado a entrada dos produtos ou não.

Os dados do Exército mostram ainda que a maior parte dos pedidos de importação (69,08%) foi feito por empresas. O restante foi feito por órgãos públicos (30,7%) e 0,2% por pessoas físicas.

Tendência de alta

O Brasil vem registrando um crescimento no volume de importação de armas desde 2015, mas os dados mostram que essa tendência se acentuou durante o governo do presidente Jair Bolsonaro.

Em 2019, por exemplo, primeiro ano do seu governo, as importações de armas de fogo aumentaram 46%, bateram recorde e chegaram a US$ 23,8 milhões. Em 2020, o crescimento foi de 64% e um novo recorde: US$ 38,9 milhões.

O aumento aconteceu no mesmo período em que o governo federal alterou normas que facilitaram a compra de armas no país, uma promessa de campanha de Bolsonaro.

No Brasil, a posse e o porte de armas são regulados pelo Estatuto do Desarmamento, de 2003, e por uma série de portarias e instruções normativas.

Pessoas físicas que queiram adquirir uma arma de fogo precisam cumprir uma série de regras, como comprovar que não respondem a inquéritos e demonstrar aptidão psicológica.

A legislação ainda prevê a possibilidade para que integrantes de algumas categorias, como militares, possam comprar suas próprias armas de forma legal. Além disso, a lei prevê que caçadores, atiradores esportivos e colecionadores (CACs) também podem adquirir armamentos.

Desde 2019, o governo aumentou a quantidade de armas que CACs podem comprar, flexibilizou as regras para apresentação de antecedentes criminais e facilitou as exigências para apresentação de exames psicológicos para quem quiser comprar armas.

Em dezembro de 2020, o governo reduziu de 20% para zero a alíquota de importação para revólveres e pistolas, o que, em tese, tornaria esses produtos mais baratos no mercado nacional.

A medida, no entanto, foi suspensa por uma decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF). O caso ainda precisa ser julgado pelo Pleno do tribunal.

Em fevereiro do ano passado, o presidente assinou uma nova série de decretos que aumentava de quatro para seis a quantidade de armas que um civil poderia comprar.

A nova norma também foi suspensa por uma decisão do STF, desta vez da ministra Rosa Weber.

Jair Bolsonaro assinou decreto em maio de 2019 que flexibilizou as regras para a compra de armas no Brasil (Ag. Brasil)

Bolsonaro também assinou decretos que tiravam do Exército a obrigação para fiscalizar prensas para recarregar munições de diversos calibres e a que ampliava para até 1 mil o limite de munições de calibre de uso restrito por CAC.

As medidas também estão suspensas liminarmente pelo STF, que ainda deverá decidir sobre o assunto de forma definitiva.

Em diversas ocasiões, o presidente defendeu que a população se armasse. Em agosto do ano passado, por exemplo, Bolsonaro incentivou apoiadores a comprarem fuzis.

"Tem que todo mundo comprar fuzil, pô. Povo armado jamais será escravizado. Eu sei que custa caro. Tem um idiota: 'Ah, tem que comprar é feijão'. Cara, se não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar", afirmou o presidente.

'Demanda reprimida'

O empresário e conselheiro da Associação Brasileira de Importadores de Armas e Materiais Bélicos (Abiamb), Demetrius Oliveira, afirma que o aumento da importação de armas e munições no Brasil é resultado da conjunção entre "demanda reprimida" e medidas tomadas pelo governo nos últimos anos.

"Há uma demanda reprimida por variedade e qualidade de produtos nesse segmento. Esses produtos têm uma forte aceitação do público no Brasil [...] Os decretos mais recentes deram mais clareza às pessoas que queriam adquirir suas armas e isso também pode ter contribuído", afirmou.

Demetrius diz ainda acreditar que a posição política do governo Bolsonaro também contribuiu para o aumento das importações de armas no Brasil.

"Esse fenômeno se acentuou (importação de armas) talvez porque a gente tenha um governo de direita que olha pro cidadão dentro do seu direito constitucional à liberdade e fizeram com que tivéssemos uma mudança desse paradigma", afirmou.

Especialistas alertam para riscos à segurança pública

Para o gerente do Instituto Sou da Paz e autor de um livro sobre o mercado de armas no Brasil, Bruno Langeani, a quebra do monopólio das empresas nacionais e facilitação das regras para Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs) impulsionaram o aumento da entrada de armas estrangeiras no Brasil.

"Antes, havia uma norma que impedia a importação de armas a menos que não houvesse similar no mercado nacional. Essa mudança foi pensada antes, mas entrou em vigor no atual governo. Depois disso, houve uma série de facilitações para que os CACs pudessem comprar armas e munições. Tudo isso fez as importações aumentarem", afirma.

Na avaliação de Langeani, a facilidade para a importação tende a aumentar a quantidade de armas que podem chegar ao crime organizado.

"Antigamente, no mercado ilegal, fuzis custavam entre R$ 40 mil e R$ 50 mil. Agora, com as novas regras, esse preço pode chegar a R$ 20 mil. Quando você aumenta a quantidade de armas pesadas que civis podem comprar, você está aumentando a quantidade de armas que pode acabar abastecendo as quadrilhas e isso é ruim para a segurança pública", explica.

Para Langeani, um exemplo disso aconteceu na terça-feira (25/01), quando a Polícia Civil e o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) apreenderam 26 fuzis, 21 pistolas, três carabinas e munição para fuzil em uma casa na Zona Norte da capital fluminense. De acordo com as investigações, o material havia sido adquirido por um traficante de armas que tinha uma licença de CAC. De acordo com a polícia e o MPRJ, o traficante comprava as armas de forma legal e repassaria os produtos a facções do crime organizado.

Bruno Langeani, gerente do Instituto Sou da Paz e especialista em armas, diz que aumento da importação pode favorecer o crime organizado (Divulgação)

"Essa apreensão é um exemplo do que a gente tem alertado. Essas mudanças criaram um acesso legal a um número alto de armas e munições de calibre restrito. Agora, traficantes de armas podem receber em casa esses produtos feitos no Brasil ou no exterior com um verniz de legalidade e depois repassar essas armas ao crime organizado", afirmou.

Para o pesquisador em segurança pública da International Action Network on Small Arms (Rede de Ação Internacional Sobre Armas Pequenas), Ivan Marques, as mudanças na legislação e a propaganda pró-armamentista feitas pelo presidente Jair Bolsonaro impulsionaram a importação de armas no Brasil nos últimos anos.

"O que levou a esse crescimento foi essa combinação entre flexibilização das normas e a propaganda feita pelo presidente que, publicamente, defende que as pessoas se armem", afirma.

Segundo ele, as consequências da entrada de cada vez mais armas no país são negativas.

"Há uma clara ligação entre os mercados legal e ilegal de armas. Armas que inicialmente são destinadas a um proprietário legítimo e que comprou dentro da lei acabam indo parar nas mãos de criminosos. Isso pode levar mais ou menos tempo, mas essa conexão é real", explica.

Demetrius Oliveira, que defende a importação de armas, disse que esse argumento não considera a rigidez do sistema de registro e monitoramento de armas.

"O sistema brasileiro é muito rígido e não é tão fácil assim para as armas compradas legalmente serem usadas no crime. Na minha empresa, por exemplo, não tenho nenhum registro de arma que eu importei e que tenha ido parar nas mãos de criminosos. O crime organizado não é clientes de importadores legais. Eles trazem armamento ilegal da mesma forma que a droga entra no país", diz.

Procurado, o Exército disse em nota que o órgão não tem estudos sobre o aumento das importações de armas. A nota diz ainda que o Sistema Nacional de Rastreamento de Produtos Controlados pelo Exército (Sisnar), que faz o controle e rastreio de armas de fogo e munições, "vem sendo executado de forma eficiente".

O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e a Presidência da República foram procurados pela reportagem, mas não enviaram respostas.

Leandro Prazeres, de Brasília para a BBC News Brasil , em 31.01.22

sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Moro quer retomar itens do pacote anticrime em reforma do Judiciário

Ex-juiz discute incluir prisão após segunda instância e prática do ‘plea bargain’ na proposta de revisão do sistema de Justiça 
     

Moro reuniu grupo de juristas para elaborar proposta de reforma Foto: Alex Silva/Estadão - 7/12/2021

O pré-candidato do Podemos à Presidência, Sérgio Moro, pretende retomar pontos do pacote anticrime rejeitados no Congresso na proposta de reforma do sistema Judiciário que vem sendo elaborada para integrar seu futuro plano de governo. Na esfera civil, uma sugestão em discussão é a que prevê o enxugamento do sistema processual para que o orçamento excedente seja direcionado a outras áreas.

Entre as ideias debatidas, estão o reforço de orientações à Advocacia-Geral da União para evitar recursos excessivos em processos, a criação de uma arbitragem para costurar acordos com devedores de impostos e até mesmo a restrição da Justiça gratuita, sob o argumento de que infla os gastos processuais e não atinge, na maior parte dos casos, os mais necessitados (mais informações nesta página). Os debates sobre a reforma no sistema de Justiça reúnem Moro e três grupos principais de juristas de sua confiança. Estes consultores têm se encontrado frequentemente com o ex-juiz. 

No âmbito penal, os trabalhos são coordenados pelo professor de Direito Constitucional e integrante da Academia Brasileira de Letras Joaquim Falcão. Conforme apurou o Estadão, Moro tem defendido retomar propostas que não conseguiu emplacar quando comandou o Ministério da Justiça e Segurança Pública no governo Jair Bolsonaro (PL).

Os planos incluem ainda a volta da autorização de execução de pena após condenação em segunda instância. A tese era aceita pelo Supremo Tribunal Federal até novembro de 2019, quando, por um placar de 6 a 5, os ministros retomaram o entendimento de que prisões para execução penal só poderiam ocorrer após o trânsito julgado em todas as esferas de apelação. O entendimento anterior havia sido determinante para que a Lava Jato levasse à prisão o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do triplex do Guarujá (SP) e outros políticos como o ex-ministro petista José Dirceu.

Moro também tem recorrido a seus conselheiros para debater propostas como o plea bargain, uma espécie de acordo previsto no sistema penal dos Estados Unidos que prevê a confissão de crimes em troca de redução de pena. No Brasil existe hoje a possibilidade do acordo de não persecução penal, previsto para crimes de menor potencial ofensivo, em que o investigado confessa o crime, mas não há o oferecimento da acusação formal. 

‘Informante do bem’

O grupo de juristas também debate a criação da figura do whistleblower, ou “informante do bem”, cujo objetivo é proteger denunciantes de atos de retaliação. Há diversos casos no Brasil em que agentes públicos são acusados, por exemplo, de violação de sigilo funcional após denunciarem esquemas de corrupção. Um deles ocorreu em São Paulo – a Procuradoria-Geral do Estado processou um fiscal que denunciou a máfia do ICMS ao Ministério Público. O caso foi julgado improcedente em todas as instâncias. 

Em sua reforma do Judiciário, o pré-candidato do Podemos tem defendido a criação de um tribunal anticorrupção nos moldes da Corte criada na Ucrânia para combater crimes de colarinho-branco. Os detalhes desta proposta ainda não foram divulgados. 

Institutos como o plea bargain e a execução da pena em segunda instância foram rejeitados em 2019, quando o Congresso desidratou o pacote anticrime enviado pelo então ministro da Justiça e aprovou, em seu lugar, medidas criticadas por Moro, como a criação do juiz de garantias. 

As propostas são vistas com restrições por especialistas em segurança pública. Mestre em Direito Constitucional e ex-diretora da Secretaria Nacional de Justiça, Isabel Figueiredo afirmou que há risco de a aplicação do plea bargain repetir, no Brasil, problemas que ocorrem nos Estados Unidos, como a confissão de crimes não cometidos. “Para pegar uma pena menor, as pessoas, mesmo não sendo culpadas, preferem se declarar culpadas a ir para o mérito.”

Em relação à prisão após condenação em segunda instância, o defensor público da União Gustavo Ribeiro observou que o Supremo e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ainda promovem correções significativas em condenações impostas pelos tribunais. 

Custos

Moro debate com sua equipe mudanças na área civil, com o fim de reduzir gastos com o sistema processual. O dinheiro, então, poderia ser revertido a outras áreas e políticas de cunho social. Um dos integrantes da equipe é o doutor em Direito e ex-secretário nacional de Defesa do Consumidor Luciano Timm. “A estrutura judiciária hoje custa R$ 100 bilhões porque custa muito processo. Gastamos cem vezes mais em disputas do que em saneamento básico do Orçamento da União”, afirmou. 

Questionado se o enxugamento passa pelo fim de privilégios e “supersalários” da magistratura, Timm disse que o tema não está em discussão. “Não adianta polemizar com categorias profissionais porque, assim, o País não avança.” 

Autor de estudos sobre o tema, Luciano Timm propõe que o Judiciário imponha restrições no acesso à Justiça gratuita. Segundo ele, a maior parte dos litígios com o uso da Justiça tem como parte pessoas de classe média e classe média alta. Estas, disse, teriam acesso majoritariamente à Justiça gratuita.

O custo desses processos poderia ser direcionado, na avaliação de Timm, à ampliação do acesso à Justiça nas periferias. “Os mais vulneráveis não acionam o sistema público de distribuição de Justiça. A necessidade dessas pessoas menos favorecidas está associada a algumas coisas fundamentais como registro civil, família. Tem muitas disputas de família nas comunidades menos favorecidas, filhos, pequenos ilícitos… Existem iniciativas como o juizado itinerante, e temos que começar a ter mais interação de práticas. Hoje, falta recurso para fazer isso, também por estar gastando ineficientemente.” 

“E quem paga essa conta é o contribuinte. Temos hoje, do ponto de vista orçamentário, um custo com o Poder Judiciário de R$ 100 bilhões”, disse Timm.

Luiz Vassallo, O Estado de S.Paulo, em 28 de janeiro de 2022 | 05h00

Bolsonaro tem dois compromissos em dia de depoimento a Moraes

Agenda oficial do presidente da República apresenta apenas 90 minutos de compromisso para esta sexta-feira; o ministro do STF convocou Bolsonaro para depoimento às 14h

A agenda oficial do presidente Jair Bolsonaro (PL) nesta sexta-feira, 28, inclui um compromisso às 15h, apenas uma hora após o horário determinado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), para que o mandatário preste depoimento na sede da Polícia Federal sobre o suposto vazamento de dados sigilosos da corporação. Ao todo, o chefe do Executivo tem 90 minutos de compromissos públicos hoje; a oitiva da PF não consta de sua agenda. 

O compromisso marcado às 15h deu margem a boatos de que o presidente possa simplesmente não atender à intimição e faltar ao depoimento, uma vez que é comum que oitivas do tipo na PF durem mais que uma hora. A instituição quer apurar se o presidente vazou dados sigilosos de uma investigação da PF sobre o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para atacar sem provas a segurança das urnas eletrônicas. 

Os dois compromissos expostos na agenda de Bolsonaro nesta sexta são uma solenidade no Palácio do Planalto, às 9h30, e um encontro com o Subchefe de Assuntos Jurídicos da Presidência, Pedro Cesar Sousa, às 15h. 

Antes de ser intimado a depor, Bolsonaro teve 15 dias, depois prorrogados para 60, para ajustar com as autoridades policiais os moldes em que ocorreria a oitiva e informar ao Supremo. Como o presidente não indicou dia e horário para a realização de seu interrogatório dentro do prazo estabelecido, Moraes determinou sua intimação para esta sexta-feira.

O criminalista Conrado Gontijo, doutor em direito penal pela USP, avalia que a determinação de Moraes é adequada. Ele afirma que o código de processo penal confere ao presidente da República a prerrogativa de ser ouvido em data, horário e local convencionados entre ele e a autoridade que for colher seu depoimento. "Tal prerrogativa, ao que consta, não teria sido exercida por Bolsonaro, que parece não ter indicado onde e quando gostaria de ser ouvido. Portanto, é correta a determinação, diante da inércia presidencial em agendar o depoimento, de que ele ocorra presencialmente", diz Gontijo.

O criminalista argumenta ainda que o chefe do Planalto não tem salvaguarda para não prestar esclarecimentos, a menos que  — e pode ser que esse seja o caso, diante dos fatos que estão sendo apurados — ele se valha do direito ao silêncio para não produzir provas contra si mesmo.

O presidente chegou a apresentar, por meio da Advocacia-geral da União (AGU), um termo de recusa em prestar depoimento, mas a possibilidade não foi aceita por Moraes, que é relator do caso sobre o suposto vazamento no Supremo.

Procurado, o Planalto ainda não respondeu se o chefe do Executivo pretende faltar à oitiva ou, ainda, se a reunião marcada para as 15h pode prejudicar a realização do interrogatório.

Davi Medeiros, O Estado de S.Paulo, em 28 de janeiro de 2022 | 08h59

Por que STF quer que Bolsonaro preste depoimento à Polícia Federal

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, determinou que o presidente Jair Bolsonaro deve prestar depoimento à Polícia Federal em investigação sobre supostos vazamentos de documentos sigilosos.


                                                                  Jair Bolsonaro (Reuters)

A ordem do ministro do STF especifica que Bolsonaro precisa comparecer à Superintendência da Polícia Federal às 14h desta sexta-feira (28/1). Moraes negou um pedido feito pelo presidente para não prestar o depoimento.

Segundo o STF, a decisão de Moraes "ressalta que Bolsonaro concordou em participar do ato procedimental, tendo inclusive solicitado dilação do prazo para exercer 'real, efetiva e concretamente seu direito de defesa, como fator legitimador do processo penal em busca da verdade real e esclarecimento de importantes fatos'."

E aponta que, "após conceder mais tempo para que o depoimento fosse prestado em local e data a serem escolhidos por Bolsonaro, o ministro do STF foi informado pela Advocacia-Geral da União (AGU), na véspera do prazo final para a realização da oitiva (28/1), que ele não tinha mais interesse em fazê-lo".

Segundo Moraes, a Constituição Federal garante a réus e investigados "o direito ao silêncio e a não se autoincriminar, mas não permite a recusa prévia e genérica a determinações legais, permitindo que sejam estabelecidos pela Justiça dentro do devido processo legal", aponta o STF.

Assim, para o ministro, é necessária "a estrita obediência da expressa previsão legal, não havendo a possibilidade de investigados simplesmente impedir o agendamento para realização de um ato procedimental, sob pena de total desvirtuamento das normas processuais penais".

O caso

Em agosto de 2021, Bolsonaro publicou nas suas redes sociais uma série de links em que falava de supostos problemas no sistema eleitoral brasileiro. Os links continham documentos que fazem parte de um inquérito sigiloso da Polícia Federal.

"Conforme prometido em entrevista ao programa 'Pingos nos Is' [da Jovem Pan] segue os documentos que comprovam, segundo o próprio TSE [Tribunal Superior Eleitoral], que o sistema eleitoral brasileiro foi invadido e, portanto, é violável", escreveu o presidente, na ocasião, com quatro links para documentos vazados.

O TSE rechaçou o conteúdo dos relatórios divulgados por Bolsonaro, reconhecendo que alguns sistemas do Tribunal ficaram vulneráveis, mas que isso não representou risco à integridade das eleições de 2018, já que, segundo o TSE, o código-fonte dos programas utilizados passa por verificações e testes que fazem com que seja possível identificar qualquer tentativa de manipulação.

Alexandre de Moraes foi principal alvo de ataques e ofensas de Bolsonaro e apoiadores nas manifestações do 7 de Setembro (Rosinei Coutinho / STF)

Naquele mês, Alexandre de Moraes aceitou uma denúncia-crime do TSE contra Bolsonaro, que já era alvo de outras investigações dentro do chamado inquérito das fake news. Esse inquérito, mais amplo, foi aberto em março de 2019 e investiga críticas e ameaças feitas por diversos usuários e grupos a ministros do STF.

Em resposta à denúncia-crime, Bolsonaro disse em agosto de 2021 que não retiraria o material do ar, como determinara Moraes, já que isso não surtiria efeito porque "todo mundo já copiou" o conteúdo. Além disso, Bolsonaro afirmou que as informações dos relatórios eram de interesse "para todos nós".

O episódio aconteceu um mês antes de Bolsonaro convocar manifestações no 7 de setembro em que fez pesadas críticas ao STF e a Alexandre de Moraes e lançou dúvidas sobre o processo eleitoral brasileiro.

Dias depois dos atos de 7 de setembro, Bolsonaro divulgou uma carta, escrita com ajuda do ex-presidente Michel Temer, na qual recuava nas críticas e apresentava um tom mais amistoso com o STF.

Não está claro se Bolsonaro obedecerá a determinação de Moraes para prestar depoimento nesta sexta-feira. Em novembro, o presidente prestou um depoimento à PF, no Palácio do Planalto.

BBC News Brasil, em 28.01.22

quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Ciro e Moro superam Bolsonaro em 'probabilidade de voto'

No cenário mais provável, Lula possui 44% contra 24% de Bolsonaro; Sérgio Moro e Ciro Gomes empatam em 8% cada, seis pontos à frente de João Doria     

Mais pessoas têm restrições a votar no presidente Jair Bolsonaro (PL) do que em Ciro Gomes (PDT) e Sérgio Moro (Podemos), segundo pesquisa Ipespe divulgada nesta quinta-feira, 27. Apenas 8% dos eleitores consultados disseram que “poderiam” votar no chefe do Planalto, enquanto para Moro e Ciro esse índice é de 28% e 39%, respectivamente. Essa categoria de resposta é o meio termo entre os eleitores que “com certeza” escolheriam um candidato e aqueles que não o fariam de maneira alguma. 

Entre todos os pré-candidatos, o atual presidente da República é quem tem a maior rejeição — 64% disseram que não votariam nele de “jeito nenhum”. Para Ciro e Moro, o percentual é de 42% e 53%, respectivamente. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aparece como uma opção impensável para 43% dos eleitores. 

Bolsonaro, Ciro e Moro

Apenas 8% dos eleitores consultados disseram que 'poderiam' votar em Bolsonaro, enquanto para Moro e Ciro esse índice é de 28% e 39%, respectivamente. Foto: Gabriela Biló e Alex Silva/Estadão e Cleia Vilana/Câmara

“Com certeza” votariam em Lula 44%; em Bolsonaro, 25%; em Moro, 12%; e em Ciro, 11%. Mais que a metade disse não conhecer suficientemente o pré-candidato do Cidadania, Alessandro Vieira (54%) e do Novo, Luiz Felipe d’Ávila (53%). 

Lula se manteve com 44% das intenções de voto no cenário estimulado, com vantagem de 20 pontos sobre Bolsonaro, que tem 24%. Sérgio Moro e Ciro Gomes têm 8% cada, enquanto João Doria tem 2%. Simone Tebet, Rodrigo Pacheco e Alessandro Vieira aparecem empatados com 1%.

Primeiro turno

A pesquisa mostra ainda que Lula teria chances de vencer no primeiro turno, dentro da margem de erro, se Moro desistisse da corrida presidencial. Nesse cenário, o petista supera a soma de todos os demais candidatos por 44% a 43%. A desistência de Moro aumenta em dois pontos percentuais as intenções de voto em Bolsonaro, que passam de 24% a 26%; dois para Doria, que vai de 2% a 4%; e um para Ciro, que sobe de 8 a 9%.

A pesquisa ouviu mil pessoas por telefone nos dias 24 e 25 de janeiro. A margem de erro máximo estimada é de 3.2 pontos percentuais para mais ou para menos. O levantamento foi registrado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob o protocolo BR-06408/2022. A pesquisa Ipespe é feita sob encomenda da XP.

Redação, O Estado de S.Paulo, em 27 de janeiro de 2022 | 11h42

Lula morre de medo de Moro

Petista, que pretende manter Bolsonaro como adversário a derrotar no segundo turno, mandou PT suspender CPI contra ex-juiz para evitar debates desagradáveis sobre corrupção

Lula percebeu o óbvio – que uma CPI, qualquer que seja, tendo Moro como protagonista – poderia lhe causar consequências funestas na campanha e mandou o PT cancelar a ideia infeliz do líder. Fotos: Dida Sampaio e Gabriela Biló/Estadão

1 – Lula mandou o PT abortar a ideia de convocar uma CPI para apurar ganhos de Sérgio Moro numa empresa norte-americana, dando ao adversário a chance de dizer que, no popular. ele “arregou” 2 – Com os pobres brasileiros morrendo de fome nas calçadas, o desgoverno federal embolsou, em 2021, a maior arrecadação da História: 3 trilhões 878 e bilhões de reais, e cortou investimentos. 3 – No artigo “A significância de um desgoverno desastrado”, em blog no portal do Estadão, corrigi quem chamou Bolsonaro de “insignificante” e citei o conformismo que sucede à indignação no País.

José Nêumanne n'O Estado de S. Paulo, em 26 de janeiro de 2022 | 23h46

Brasil tem recorde de casos de covid pelo 2º dia consecutivo

País registra mais de 228 mil infecções e 672 mortes em 24 horas. Total de óbitos já é de mais de 625 mil, segundo dados oficiais. Média móvel de casos é superada pelo décimo dia seguido.


O Brasil superou pelo segundo dia consecutivo o recorde nacional na contagem diária de casos de covid-19 nesta quinta-feira (27/01), com 228.954 novas infecções, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).

O recorde anterior, registrado nesta quarta-feira, era 224.567 casos. Com os dados das últimas 24 horas, o total de casos registrados no país chega a 24.764.838.

Também foram registradas oficialmente 672 mortes atribuídas à doença, um aumento significativo em relação ao dia anterior, quando foram contabilizados 570 óbitos, o que eleva o total de vítimas do coronavírus para 625.085.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

A média móvel de casos, que avalia os últimos sete dias, atingiu marca recorde pelo décimo dia consecutivo, com 168.514 infecções. A média móvel de óbitos aumentou para 411.

Já a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes está em 297,5 no Brasil, a 14ª mais alta do mundo, atrás de alguns pequenos países europeus e do Peru.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 877,6 mil óbitos, mas têm população bem maior. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (73,2 milhões) e Índia (40,3 milhões).

Ao todo, mais de 364,9 milhões de pessoas contraíram oficialmente o coronavírus no mundo, e foram notificadas 5,63 milhões de mortes associadas à doença, segundo dados da Universidade Johns Hopkins.

Deutsche Welle Brasil, em 27.01.22

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Bolsonaro e seus acólitos estúpidos destroem saúde pública impunemente

Justiça não tem o direito de se omitir em meio aos ataques do governo à vacina, pondo em risco a vida de todos

A Justiça precisa punir os criminosos que atentam contra a saúde pública. Se continuar de braços cruzados, tem que explicar para a sociedade por que razão não o faz.

No último fim de semana fui convidado a participar de um abaixo-assinado redigido por professores da USP, em repúdio a um documento do Ministério da Saúde que teve o descaramento de insistir na farsa da eficácia da hidroxicloroquina, característica que faltaria às vacinas, segundo eles.

Assinei, claro, como o fizeram 45 mil colegas nas primeiras 24 horas.

Apesar da adesão em massa, estou certo de que será mais uma ação incapaz de alterar o rumo das políticas adotadas por um ministério desmoralizado, comandado por um lambe-botas incompetente, com credibilidade abaixo de zero, que envergonha a nossa profissão sob o olhar subserviente do Conselho Federal de Medicina.

Há um ano, jornalistas, médicos e cientistas aparecem nos meios de comunicação de massa para repetir à exaustão que as vacinas são seguras e protegem contra as formas graves da doença, afirmações defendidas por todas as sociedades médicas. Não conheço um único médico com um mínimo de formação científica que conteste a necessidade de vacinarmos a população; os que atacam as vacinas na internet ou no governo são ignorantes, curtos de inteligência ou mal intencionados, não há quarta alternativa.

Em contraposição, o ministro e seus auxiliares encarregados do trabalho sujo fazem o possível para desacreditar a vacinação e semear dúvidas sobre a segurança das preparações aprovadas pela Anvisa, uma das agências mais respeitadas do mundo.

O empenho em confundir o povo é tão grande que o ministro da Saúde, acompanhado da ministra que teve o privilégio de receber Jesus no alto de uma goiabeira, viajaram para Lençóis Paulista decididos a explorar o caso de uma menina que teve parada cardíaca horas depois de receber a vacina.

A ministra se apressou a divulgar a "suspeita" pelo Twitter, sem mencionar que o laudo médico já havia concluído que o episódio não guardava relação com a vacina. Na mesma plataforma, o ministro curtiu a mensagem da colega.

Para completar o show de horrores e de oportunismo rasteiro, o próprio presidente da República se deu ao trabalho de telefonar para os familiares da criança, em contraste com o desprezo às 623 mil famílias brasileiras que perderam entes queridos na pandemia.

Enquanto na Inglaterra o primeiro-ministro pode cair por causa de uma festinha que contrariou as recomendações oficiais de isolamento social, no Brasil, o presidente, o ministro da Saúde e seus acólitos escolhidos a dedo nas catacumbas da estupidez humana conspiram contra a saúde pública sem que nada lhes aconteça.

Essa pandemia é mais prolongada do que esperávamos. A variante ômicron se dissemina numa velocidade impressionante. Em mais de 50 anos de medicina nunca vi virose tão contagiosa. Os mais
velhos diziam que a varíola era assim, mas não cheguei a ver porque a vacinação varreu o vírus da face da Terra.

Não podemos nos iludir, essa variante não vai nos imunizar coletivamente. Tenho vários pacientes que tiveram Covid, receberam as três doses da vacina e adoeceram outra vez nas últimas semanas, embora com sintomatologia discreta.

Se a doença provocada pelas variantes anteriores não produziu níveis de anticorpos suficientes para evitar a infecção pela ômicron, que certeza pode haver de que não emergirá uma nova cepa capaz de driblar a imunidade induzida por ela? O SARS-CoV-2 permanecerá entre nós.

Quanto mais contagiosa for a variante e mais pessoas não vacinadas disseminarem o vírus, mais tempo ele terá para sofrer novas mutações.

Enfrentar epidemia de tal complexidade exige especialistas competentes, coordenação centralizada, serviços de saúde organizados e políticos conscientes de suas responsabilidades, para convencer a
população de que todos devem se vacinar e tomar os demais cuidados para reduzir ao máximo a transmissão.

Admitir que autoridades inescrupulosas se dediquem a fazer exatamente o oposto, pondo em risco a saúde e a vida de todos impunemente, é um péssimo exemplo para lidar com esta e com as futuras epidemias. A Justiça não tem o direito de se omitir, precisa deixar claro para as próximas gerações que crimes contra a saúde pública devem ser punidos com rigor em nosso país.

Drázio Varella é Médico cancerologista. Autor de "Estação Carandiru". Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, em 26.01.22.

EUA rejeitam proposta da Rússia e dizem que guerra na Ucrânia depende de Putin

Secretário Blinken afirma estar aberto para diálogo; antes, Moscou prometera retaliar

                       

        Uma bateria antiaérea Strela-10 da Ucrânia durante treinamento na região de Volin - Comando das Forças Terrestres Ucranianas/via Reuters

Os Estados Unidos rejeitaram formalmente as propostas russas para tentar solucionar a crise com a Ucrânia nos termos desejados por Vladimir Putin. Afirmam que guerra ou paz no país europeu agora dependem da reação do russo e que estão "preparados de qualquer jeito".

As afirmações foram feitas pelo secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, responsável pela diplomacia do país, em entrevista em Washington. Ao mesmo tempo, conversas entre Rússia, Ucrânia, Alemanha e França em Paris resultaram apenas no acerto para uma nova reunião, em Berlim.

Blinken não detalhou o documento entregue a seu colega russo, Serguei Lavrov, porque confia em "conversas confidenciais". Em um sinal de que diz temer um conflito iminente, a embaixada americana em Kiev pediu que todos os seus cidadãos deixem o país.

A resposta americana era previsível e manteve a disposição de conversar. "Estamos abertos ao diálogo", disse Blinken. Depois, sem detalhar, ele falou sobre as demandas apresentadas por escrito por Putin:

1) Expansão da Otan. O Kremlin quer a volta da aliança militar a seu tamanho antes da absorção de membros ex-comunistas, a partir de 1999. Blinken disse não.

2) Entrada da Ucrânia. Putin queria o compromisso de que a aliança nunca chegaria às suas portas na grande fronteira com os ucranianos. Blinken disse não e ressaltou que não abre mão da soberania territorial de Kiev.

3) Outros temas. Aqui está a porta de saída do imbróglio, se é que ela existe com exercícios militares envolvendo milhares de russos em três lados da Ucrânia. Blinken disse estar aberto a mais diálogos e citou temas como desarmamento nuclear e monitoramento de exercícios militares mútuos.

O problema é que tudo isso já havia sido colocado na mesa antes, em três semanas de negociações diversas. O secretário americano disse que deverá falar novamente com Lavrov, assim que o chanceler conversar com Putin sobre o óbvio: o impasse segue.

Talvez mais importante, Blinken insistiu que haverá conversas com reciprocidade "se a Rússia desescalar suas forças" em torno da Ucrânia —de 100 mil a 175 mil soldados mobilizados desde novembro, insuficiente para uma invasão total, mas adequado para ações como a eventual anexação do Donbass.

A região no leste ucraniano está no centro da crise. Em 2014, Putin anexou a Crimeia e ajudou rebeldes pró-Rússia de lá numa guerra civil que já matou 14 mil pessoas porque o governo que o apoiava em Kiev foi derrubado. Para o Kremlin, a Ucrânia e o resto de seu entorno têm de ser neutros ou aliados —como eram na União Soviética ou no Império Russo. Politicamente, além de tudo, uma Kiev melhorada com amplo apoio ocidental poderia ser vendida aos russos como exemplo do que fazer com seu próprio país.

Por fim, Putin compartilha a noção da elite russa de que a Ucrânia não é bem um país, mas um pedaço da Rússia. Na Belarus, que compartilha com os dois vizinhos laços étnicos, linguísticos e culturais, o processo de fusão está acelerado devido ao apoio do Kremlin à repressão da ditadura contra a oposição.

Não houve resposta imediata de Moscou. Em Paris, um encontro de oito horas entre representantes russos, ucranianos, alemães e franceses não chegou a conclusão, mas uma nova reunião foi marcada para daqui a duas semanas, em Berlim. Tempo ganho, apesar das pressões russas nas fronteiras. "Não foram conversas fáceis", disse Dmitri Kozak, o enviado de Moscou.

O tom do Kremlin, contudo, tinha sido dado por Lavrov em discurso horas antes na Duma, a Casa baixa do Parlamento russo. "Se o Ocidente continuar seu curso agressivo, Moscou irá tomar as medidas retaliatórias necessárias", afirmou o chanceler. "Nós não vamos deixar nossas propostas serem afogadas em discussões sem fim."

E Blinken, repetindo o que já vinha sendo falado antes, basicamente propôs uma discussão sem fim. Além disso, desfiou o rosário de armamentos entregues para os ucranianos recentemente, como sistemas antitanque Javelin, desenhados para enfrentar blindados russos.

Os EUA, afirmou ele, estão comprometidos em ajudar Kiev a se defender. Na prática, isso poderia aumentar a fatura para Putin, mas não impediria uma vitória ao menos inicial de Moscou —ainda que ocupar seja uma coisa, como disse Maquiavel, e manter território, outra.

No Kremlin, o porta-voz Dmitri Peskov disse que a ameaça do governo de Joe Biden de aplicar sanções contra altos oficiais russos, talvez até Putin, "politicamente, não é dolorosa, é destrutiva", lembrando que o efeito prático seria nulo, já que autoridades no país não podem ter bens fora —oficialmente, claro.

Uma chave para o futuro da crise, se não descambar para um conflito armado, já que para Putin a simples retirada não é uma opção palatável, está no caráter confidencial dado pelos EUA ao documento e às próximas rodadas de conversa. Pode haver acomodações diversas.

Putin pode bater o pé e, em vez de agir militarmente como sempre disse que não faria, aplicar medidas outras: abrir uma base permanente na Belarus, talvez com armas nucleares, explorar o envio de tropas ou armas para seus aliados no quintal dos EUA, Cuba e Venezuela.

Essas seriam repostas "técnico-militares", como diz o jargão russo. Enquanto isso, confidencialmente, poderia negociar algum tipo de moratória de entrada de novos membros orientais na Otan, algo já vetado na prática porque tanto Ucrânia como a Geórgia têm conflitos territoriais ativos.

O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, deu uma estocada em Putin após a fala de Blinken. Disse à CNN elogiar a disposição dos EUA para o diálogo, mas lembrou que a Rússia deveria retirar suas tropas de solo ucraniano, georgiano e moldavo —onde apoia um encrave separatista chamado Transnístria.

O mesmo Stoltenberg, por outro lado, afirmou que Rússia e Otan deveriam restabelecer laços diplomáticos para abrir canais de negociação, o que pode ser vendido em Moscou como uma vitória, ao menos ao público doméstico.

Radicais de lado a lado deram a cara. O líder do Rússia Unida, partido de sustentação de Putin no Parlamento, pediu que o Kremlin forneça armas para os rebeldes do Donbass, por exemplo. No mais, os EUA mantiveram as ameaças de sanções econômicas caso a Rússia resolva invadir o vizinho. Nada de novo, e a resistência do Kremlin desde 2014 fez aumentar o questionamento da eficácia das medidas.

Politicamente, Putin até aqui conseguiu um objetivo secundário na crise, que é o de expor as divisões internas dos membros europeus da Otan. A Alemanha, maior cliente do gás russo na Europa, tem adotado uma linha ambígua na crise. Com um governo recém-eleito, o país viu o comandante de sua Marinha ter de se demitir por dizer que Putin era uma força respeitável e que a Crimeia nunca mais voltaria à Ucrânia.

No Parlamento Europeu, uma sessão nesta quarta-feira questionou, de acordo com relatos, a instalação de uma missão de treinamento militar da União Europeia na Ucrânia, liderada pela Alemanha. Berlim, que já fizera algo semelhante em países africanos, ainda não assumiu a tarefa.

O governo alemão tem na mão um dos maiores instrumentos para pressionar Putin: a autorização de funcionamento do gasoduto Nord Stream 2, que liga a Rússia ao país.

Ele ficou pronto em setembro e, quando operar, poderá tirar boa parte do fluxo do produto que hoje passa pela Ucrânia —deixando US$ 2 bilhões anuais de pedágio. Blinken queixou-se da transformação da commodity em arma de guerra e voltou a prometer opções de fornecimento à Europa.

Igor Gielow para a Folha de S. Paulo, em 26.jan.2022. Atualizado às 17h10.