quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

O festim dos partidos com dinheiro público

Os partidos políticos se esbaldam com os recursos do Fundo Partidário porque o TSE é lento para julgar as contas e aplicar a lei em caso de irregularidade

O Fundo Partidário, que anualmente irriga as contas dos partidos políticos com milhões de reais dos contribuintes, nem sequer deveria existir. Os partidos – como temos defendido há um bom tempo nesta página – são organizações privadas e, como tais, devem ser financiados exclusivamente pelas contribuições voluntárias de seus filiados e simpatizantes.

Argumenta-se que “a democracia tem um custo” como tática para induzir o contribuinte a pensar que, sem o aporte anual do Tesouro para os partidos, sem falar no bilionário Fundo Eleitoral, pago a cada dois anos, a democracia soçobraria. Trata-se de uma falácia. A existência desses canais ilegítimos de custeio de atividades partidárias e campanhas eleitorais, ao contrário, só enfraquece a democracia representativa. Os fundos públicos (ou, em linguagem mais direta, o dinheiro fácil) acomodam as lideranças partidárias que deveriam levar as legendas a se aproximarem cada vez mais dos eleitores que dizem representar, convencendo-os do valor social da agremiação a fim de angariar doações.

Dito isso, uma vez que o Fundo Partidário aí está e nada indica que será extinto no futuro próximo, o mínimo que se espera é que os vultosos recursos públicos que o abastecem não sejam utilizados de forma antirrepublicana, quando não flagrantemente ilegal, por próceres das legendas.

No entanto, o País está longe desse patamar de decência e moralidade pública. Um levantamento feito pela iniciativa Freio na Reforma, que congrega entidades da sociedade civil contrárias a projetos de reforma política em tramitação no Congresso com o objetivo de afrouxar o controle dos gastos dos partidos, revelou que 10%, em média, dos recursos do Fundo Partidário destinados às legendas em 2015 foram usados de forma irregular. Dos R$ 811 milhões distribuídos aos partidos naquele ano, R$ 77 milhões foram gastos de forma irregular, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O TSE reprovou as contas de nada menos do que 20 partidos políticos. As contas de outras 13 legendas foram aprovadas com ressalvas.

Os campeões de mau uso do Fundo Partidário, como custeio de festas, reformas de imóveis de dirigentes partidários, compra de automóveis e aeronaves, entre outras barbaridades, são o PCB (52,2% do fundo com irregularidades identificadas), o PROS (48,39%), o PMB (46,62%), o PSOL (40,79%) e o PEN (Patriota, desde 2018, com 33,10%).

É forçoso dizer que os partidos políticos só se esbaldam com o dinheiro dos contribuintes porque sabem que o TSE é lento para julgar suas prestações de contas, que, na prática, não passam de um ato meramente formal, mero cumprimento de um rito burocrático sem consequências mais gravosas. Os chefões das legendas arrogaram-se donatários de um quinhão cada vez maior do Orçamento da União e dele dispõem sem maior parcimônia porque não se sentem compelidos para cumprir a lei e limitar o uso do Fundo Partidário à finalidade a que se destina: custear despesas estritamente ligadas à atividade partidária. Os caciques contam com a lentidão da Justiça Eleitoral para julgar as contas partidárias e com a demora na aplicação de sanções decorrentes do mau uso dos recursos.

Em caso de irregularidade confirmada pelo TSE, o partido político é obrigado a devolver o dinheiro despendido indevidamente, uma quantia que, por incrível que pareça, volta para o próprio Fundo Partidário. Já punições individuais, ainda mais raras, ocorrem apenas nos casos em que restar comprovada a ação dolosa que configure enriquecimento ilícito do candidato ou mandatário ou dano ao patrimônio do partido. A impunidade, nesse caso, é praticamente assegurada pelo longo tempo transcorrido entre a descoberta da ilegalidade e a conclusão da ação eventualmente proposta pelo Ministério Público Eleitoral. Um convite à prescrição.

O festim dos partidos políticos com o dinheiro do Fundo Partidário – até serviços de prostitutas já foram bancados com esses recursos – só terá fim quando o TSE resolver agilizar o julgamento das contas partidárias e aplicar rigorosamente a lei nos casos em que houver ilegalidades. Se acontecer, já será um bom começo, até o fim definitivo da excrescência.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 20 de janeiro de 2022 | 03h00.

Lula e Sérgio Moro sobem o tom a 9 meses da eleição

Petista disse que Moro teria sido 'canalha' ao julgar os casos da Lava Jato; o ex-juiz federal respondeu que 'canalha é quem roubou o povo brasileiro'; com apoio do MBL, a briga é das mais comentadas no Twitter

Lula e Sérgio Moro chamaram um ao outro de 'canalha'; campanha eleitoral começa oficialmente em agosto.  Foto: Dida Sampaio/Estadão, Gabriela Biló/Estadão

Os pré-candidatos à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Sérgio Moro (Podemos) subiram o tom na troca de ataques por meio de declarações e publicações em rede social nesta quarta-feira, 19.  Chamado de “canalha” pelo ex-presidente petista, Moro respondeu: “Canalha é quem roubou o povo brasileiro durante anos e usou o dinheiro para financiar ditaduras”. 

A Operação Lava Jato, que levou o petista à prisão, está no centro desse debate, assim como a atuação de Moro como juiz dos processos contra Lula na vara federal de Curitiba, cujas condenações foram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal. 

O ex-presidente Lula concedeu entrevista para ‘veículos independentes’ nesta quarta-feira e, ao comentar sua condenação, voltou a defender sua inocência. “Eu, graças a Deus, consegui desmontar o canalha que foi o Moro no julgamento dos meus processos, o (Deltan) Dallagnol e as fake news contra mim”, afirmou. 

Em eventos e entrevistas desde que anunciou sua pré-candidatura,  Moro narra com frequência sua atuação como juiz no enfrentamento de casos de corrupção envolvendo Lula e o PT. Apoiadores de Moro apostam justamente nesse histórico e discurso anticorrupção como principal trunfo de sua pré-candidatura. 

Lula, por sua vez, classifica a Lava Jato como uma “quadrilha” e recorre à anulação de suas condenações pelo STF para argumentar que foi vítima de perseguição. 

Em publicação nas redes sociais, Moro afirmou que “quadrilha” é o nome do grupo colocado pelo ex-presidente na Petrobras, empresa central das investigações lideradas pelo presidenciável do Podemos. 

Em clima de embate eleitoral, o ex-juiz afirmou ainda que Lula será “derrotado” em outubro. O petista aparece em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto e tem mantido vantagem de dois dígitos em relação ao segundo colocado, o presidente Jair Bolsonaro (PL). Moro tem aparecido em terceiro lugar, mas ainda abaixo de dois dígitos. 

A manifestação de Moro contra Lula foi celebrada por movimentos de renovação política que apoiam a pré-candidatura do ex-juiz. O Movimento Brasil Livre (MBL) fez publicação nas redes sociais dando destaque à fala do ex-ministro da Justiça, que deixou a toga para participar do governo Bolsonaro, com quem rompeu em 2020. O vereador Rubinho Nunes (PSL), integrante do grupo, escreveu: “Moro colocou Lula em seu devido lugar”. 

A fala também foi replicada nos perfis de Arthur do Val (Patriota) e Adelaide Oliveira, pré-candidatos a governador e deputada federal, respectivamente. Um grupo de integrantes do MBL prepara filiação ao Podemos para dividir palanque com Moro na campanha deste ano, incluindo o coordenador nacional do movimento, Renato Battista.

A militância digital do MBL ajudou a colocar a #LulaCanalha entre os trending topics no Twitter entre a tarde de quarta e a manhã de hoje.

Davi Medeiros, O Estado de S.Paulo, em 20 de janeiro de 2022 | 10h02

quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Carvalhosa: Sonambulismo e Fundo Eleitoral

Os donos dos partidos e seus apaniguados vão se apropriar de R$ 4,9 bilhões para cooptarem os votos dos eleitores

Em meio ao nosso crônico sonambulismo político, continuamos a falar do astronômico Fundo Eleitoral. Mas nunca se vai ao cerne da questão para contestar essa infame expropriação dos recursos públicos, que afronta todas as regras do Estado Democrático de Direito. Apenas discutimos o seu pantagruélico montante — como a dizer que, se o assalto continuasse a ser de R$ 2 bilhões, como em 2018 e 2019, e não de R$ 4,9 bilhões, como agora, nós o aceitaríamos de bom grado.

Ficamos sempre na indignação inconsequente e frustrante, alimentada pela rotina dos escândalos diários patrocinados pelas lamentáveis autoridades que comandam o País. Mas esses protestos se liquefazem nas conversas, na mídia e nas mensagens nas redes sociais, para tudo continuar como está, apesar da repulsa de 90,7% do povo brasileiro a esse monstruoso “auxílio-reeleição”.

Nesse clima de meras lamentações e resignações, mesmo os poucos deputados e senadores decentes que votaram contra o saque eleitoral jamais entraram com a arguição de inconstitucionalidade da Lei n.° 13.487/2017, que criou esse “Fundo Especial de Financiamento de Campanha” (FEFC).

Os fundamentos para a declaração de inconstitucionalidade são claros. De acordo com o artigo 17, § 3.º, da Carta Magna, as únicas fontes de recursos públicos atribuídos aos partidos políticos são o Fundo Partidário e o acesso gratuito ao rádio e à televisão. Não se pode admitir que, sendo os partidos pessoas jurídicas de direito privado — agremiações particulares, portanto, fora do organograma do Estado —, possam receber, ainda, outros recursos orçamentários. As benesses constitucionais que os constituintes de 1988 concederam aos partidos são numerus clausus, ou seja, não podem ser ampliadas por mera autorização legislativa votada pelos próprios interessados. Do contrário, teríamos — como agora temos com o Fundo Eleitoral — uma porta escancarada de apropriação de verbas orçamentárias para atender permanentemente aos interesses da casta política que domina e afunda cada vez mais este País.

Os donos dos partidos e seus apaniguados vão se apropriar, neste ano, de R$ 4,9 bilhões para cooptarem os votos dos eleitores. Em vez de compromissos com políticas públicas, os partidos hegemônicos vão entupir de dinheiro os marqueteiros, os cabos eleitorais, os diretores de associações de bairro, os megablogueiros, os influencers, os reis da música sertaneja e do funk, os rappers e os repentistas de aluguel e ainda a imprensa marrom na conquista de votos, na base da mais vulgar ilusão e do mais baixo clientelismo. Alegam os nossos parlamentares que o FEFC substitui as contribuições eleitorais dos empreiteiros e fornecedores do Estado, agora proibidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Ocorre que, somados os caixas 1, 2 e 3 das eleições anteriores a 2018, essas doações empresariais não chegavam nem a 5% do Fundo Eleitoral aprovado por 80% dos representantes do povo no Congresso Nacional.

Além do vicio formal, há uma insanável inconstitucionalidade material nesse sumidouro dos recursos públicos. Isso porque ele está sendo abastecido por 30% das verbas orçamentárias que devem obrigatoriamente ser aplicadas nas áreas da saúde e da educação, a cargo da União, dos Estados e dos Municípios - artigos 23 e 24 da Constituição Federal (CF).

E o FEFC é também absolutamente inconstitucional por ferir frontalmente todos os princípios que regem o exercício do poder público, que defluem do artigo 37 da CF.

O primeiro é o do interesse coletivo, na medida em que a atual derrama de quase R$ 5 bilhões nas mãos dos políticos profissionais vai deturpar inteiramente a livre escolha dos eleitores, que serão cooptados pelo poder econômico, promovido pelo próprio erário. O segundo princípio é o da moralidade no exercício do mandato legislativo, que indeclinavelmente deve visar ao bem comum, e nunca ao interesse dos próprios deputados e senadores e de seus esclerosados partidos. O terceiro é o da impessoalidade, não podendo a lei favorecer os grandes partidos, que receberão muito mais desse megafundo eleitoral do que os partidos fisiológicos menores. O PT, a quem coube, em 2017, a iniciativa e a relatoria dessa infame lei, receberá, neste ano, meio bilhão de reais, e os partidos do Centrão outros tantos.

E a FEFC infringe, por isso mesmo, os princípios da finalidade e da motivação, sendo óbvio que os políticos profissionais procuram com esses bilhões garantir a sua reeleição, o que contraria a vocação democrática da contínua renovação dos quadros políticos. E, ainda, o FEFC fere os princípios da oportunidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, na medida em que é inoportuno, desmesurado e inadmissível diante da miséria e da fome que se expandem e crescem a cada ano em nosso País.

O FEFC é uma afronta ao povo brasileiro. Por tudo isso, é necessário que os poucos parlamentares e partidos que se opuseram a essa sangria se dirijam ao STF para que os seus ministros declarem a inconstitucionalidade formal e material do Fundo Eleitoral. 

Modesto Carvalhosa, o autor deste artigo, é Advogado. Autor também de "Uma Nova Costituição para o Brasil" (LMV, 2021).

Nêumanni: Corrupção pega, vicia e arruína

Presidente da perpétua república da corrupção impune se concretizará, se polarização se confirmar na reeleição

Há seis anos a república da impunidade reinante no Brasil sofreu profundo abalo com a consequência prática produzida pela adesão do País, governado em sequência por Fernando Henrique, Lula, Dilma Rousseff e, até certo ponto, Michel Temer, a acordos internacionais de combate à corrupção. A atuação de procuradores da Operação Lava Jato, juízes federais como Sérgio Moro e Marcelo Bretas e do Tribunal Federal da 4.ª Região, em Porto Alegre, levou a consequências inusitadas, como a prisão de um empresário tope (e torpe), a condenação do mais popular ex-presidente da República e penas de 400 anos para um ex-governador. A adoção da delação premiada, a permissão de condenação de réus, após a segunda instância, e uma onda de popularidade de agentes do Estado envolvidos nessa ação, contudo, não impediram a sabotagem de chefões partidários e funcionários dos altos escalões de polícias e tribunais superiores as destroçarem em três anos do desgoverno da extrema direita deficiente e delinquente. Hoje, a elite dirigente política nacional suspeita, processada, condenada e aprisionada pisa nos destroços desses esforços abandonados pela cúpula dos Três Poderes da República aviltada.

O ápice da vitória consagradora dos réus acusados e condenados em dois grandes processos julgados no Supremo Tribunal Federal (STF) é o processo eleitoral em trâmite das eleições gerais deste ano, em que se elegerá o sucessor no poder máximo. A julgar pelo que contam as pesquisas de opinião, Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente por dois mandatos e grande inspirador da titular eleita para mais dois, mas que perdeu metade do segundo num processo de impeachment baseado em mágicas fiscais de fazerem Houdini e Paulo Maluf corarem de vergonha por nunca terem chegado a tanto. O segundo candidato à reeleição propriamente dita, Jair Bolsonaro, como o oponente provável no segundo turno previsto pelas pesquisas, escapou de carregar capivara e prontuário na campanha, que promete ter nível abaixo da crítica, mercê do foro privilegiado propiciado pelo mandato presidencial. Assim como os filhos zero-zero-um, o Flávio, e zero-zero-dois, o Carlos. Mas, segundo revelou seu ex-segurança e tesoureiro, hoje deputado federal, Julian Lemos, no Nêumanne entrevista, publicado no sábado, 14 de janeiro, no Blog do Nêumanne no portal do Estadão, está longe de ter ser uma vestal grega.

Certo é que ambos estão cometendo crimes de várias espécies na disputa do pleito presidencial, a serem julgados na Justiça Eleitoral, embora seus doutos membros não pareçam muito dispostos a punir, em campanhas descaradas. Lula, por exemplo, recebeu apoiadores em jantar na semana passada, no qual um grande criminalista paulistano, o célebre Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, repetiu, só que agora de forma mais explícita e em tom mais candente, o lema que bem pode servir de base teórica, não apenas para a disputa atual, mas também para a terceira gestão dele e sexta do partido na república perpétua da corrupção legalizada: “O crime já aconteceu, de que adianta punir? (...) Que não se ache que a punição irá (sic) combater a corrupção”.

O interessante é que essa afirmação coincidiu com outra, feita pelo candidato oposto, Jair Bolsonaro, que acrescentou a suas mentiras proferidas em quantidade astronômica uma que pode ser encontrada em qualquer arquivo analógico: a de que jamais prometeu combater a corrupção. Como se houvesse outra explicação razoável para a escolha do ex-juiz da Lava Jato, Sérgio Moro, para seu governo, agora prestes a ter expelido outro apêndice, o discípulo do tirano chileno Pinochet, que anda por aí enrolando farialimers, para usar termo da moda no noticiário político e econômico da campanha, Paulo Guedes, ex-Posto Ipiranga, atual calo do liberalismo fake, no qual o sindicalista do soldo de caserna jamais foi sequer vendedor de feira livre.

O interessante nessas coincidências que fazem do bolsolulismo o produto em voga do mercado eleiçoeiro da república da corrupção perpétua é que a frase aplaudida com entusiasmo no palanque-banquete da prosperidade própria em nome do socialismo dos militontos também tem usufruto a peso de ouro nas motociatas abandonadas do fascismo de botequim da direita estupefaciente, cujo mito/minto nunca passou de um capitão-terrorista. As palavras do jurista favorito dos garantistas do STF, muito ao gosto do lulismo de militantos, cabem muito bem nos votos de solta-solta do general Gilmar, do extinto tucanismo de longo bico e ventre gordo, assegurando, em teoria, a passagem pelo segundo turno da polarização conveniente para a concessão quadrienal de indulgências plenas do reino do venha a nós e o resto que se dane, em cujo trono um se senta e o outro fica esperando a vez e ocupar.

Urge compreender que a corrupção da república perpétua só tem a oferecer fome, miséria e ruínas a quem não é convidado nem para lamber as migalhas do banquete exclusivo das elites dirigentes, do qual são excluídos aqueles que os carcarás perpétuos do “pega, mata e come” renegam desde sempre. E assim não seja mais!

José Neumânni, o autor deste artigo, é Jornalista, Poeta e Escritor. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 19.01.22.

Surto populista no Congresso

Voluntarista e imprudente, o Legislativo pode mexer perigosamente no mercado de combustíveis e na gestão estadual

Voluntarismo, imprudência e populismo podem levar o Congresso Nacional a erros tão desastrosos quanto aqueles acumulados pelo presidente Jair Bolsonaro. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), prometeu pautar a discussão de medidas para limitar o impacto da alta de preços dos combustíveis. Se o fizer, acompanhará o presidente da Câmara, Arthur Lira, já envolvido numa tentativa de mudança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), principal tributo estadual. O mesmo jogo poderá envolver uma interferência na fixação de preços pela Petrobras. Legislando de forma leviana e incompetente, o Parlamento poderá afetar ao mesmo tempo a administração de uma estatal de capital aberto, a operação do mercado e o financiamento dos governos de 26 Estados, do Distrito Federal e de mais de 5 mil municípios, dependentes de repasses estaduais.

O presidente da Petrobras, general da reserva Joaquim Silva e Luna, tem resistido às tentativas de intervenção na política da companhia. Repeliu com sucesso as invasões do presidente da República, empenhado em sujeitar os preços do diesel e da gasolina a seus interesses eleitorais. Sem disfarce, Jair Bolsonaro procurou, nos primeiros lances, beneficiar caminhoneiros já apoiados por ele em 2018, quando bloquearam estradas para impedir o transporte de cargas. Mas o esforço para impedir ou limitar reajustes de preços acabou, sem surpresa, vinculado a objetivos mais amplos: votos podem provir tanto de caminhoneiros quanto de outras categorias de cidadãos motorizados.

Em pouco tempo o presidente se voltou contra os governos estaduais, tentando apontar a cobrança do ICMS como causa de aumento de preços dos combustíveis. Essa tese é uma evidente bobagem, reconhecível por qualquer pessoa familiarizada com o conceito de imposto indireto. Pessoas menos informadas levaram a sério a ideia do imposto como causa de variação de preços do diesel e da gasolina. Governadores podem ter dado alguma respeitabilidade a esse engano, quando resolveram, num esforço de contribuição, congelar temporariamente o valor do tributo recolhido.

Essa manifestação de boa vontade só seria sustentável por tempo limitado. Os governadores já anunciaram a normalização da cobrança do ICMS e foram, naturalmente, criticados por isso. No Congresso, como em outras áreas, pessoas parecem esquecer alguns detalhes nada irrelevantes da administração estadual. Governadores precisam de dinheiro para financiar segurança pública, Justiça, educação, saúde e outras atividades custeadas pelo Tesouro público. Prefeitos também dependem dessa fonte de recursos. Afinal, uma fatia da receita do ICMS vai para os municípios.

Que o presidente Bolsonaro desconheça ou despreze esses fatos pode parecer natural. Ele é assim mesmo e seria surpreendente se, depois de três anos de um mandato catastrófico, demonstrasse haver aprendido alguma coisa sobre funções presidenciais e governo. Mas é especialmente preocupante observar, na Câmara e no Senado, atitudes semelhantes às do presidente da República. É assustadora a hipótese de dois Poderes – Legislativo e Executivo – igualmente afetados por vírus do voluntarismo, do populismo, da irresponsabilidade e da incompetência.

A discussão de um fundo para atenuar oscilações de preços dos combustíveis poderá produzir algum resultado menos perigoso e talvez benéfico. Mas esse debate, já iniciado, envolve riscos evidentes. Um deles é o do aumento da carga tributária. Vale a pena rever a experiência da Cide Combustíveis, uma das formas da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, hoje aparentemente esquecida. Subsidiar derivados de petróleo e moderar flutuações de preços foi uma de suas funções.

Também convém evitar o risco de tributar a exportação de petróleo, uma proposta infeliz em discussão no Congresso. O Parlamento deveria estar maduro para se distanciar de ideias como essa, típicas de países menos desenvolvidos – e ainda mais maduro, é claro, para evitar jogadas populistas com o dinheiro dos Estados.

Editorial / Notas&Informações, O Estado de S.Paulo, em 19 de janeiro de 2022 | 03h00

TCU x Moro: senador aciona Bruno Dantas por abuso de autoridade

Senador Alessandro Vieira entrou com representação contra o ministro do Tribunal de Contas da União por 'abuso de autoridade' na investigação que atinge o ex-juiz

Senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) entrou com representação contra Bruno Dantas por suposto abuso de autoridade. Foto: EDILSON RODRIGUES/AGÊNCIA SENADO

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), pré-candidato à Presidência, protocolou representação contra o ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União (TCU), por suposto abuso de autoridade no caso que investiga o rompimento de contrato do pré-candidato à Presidência Sérgio Moro (Podemos) com a consultoria americana Alvarez & Marsal. 

Em dezembro do ano passado, o ministro acatou um pedido do procurador Lucas Furtado para ter acesso aos documentos relativos ao encerramento do contrato, incluindo os valores envolvidos no processo de rompimento. 

No requerimento protocolado perante a Procuradoria-Geral da República nesta terça-feira, 18, o senador aponta supostos indícios de que tanto Dantas quanto Furtado teriam deixado de observar “normas internas e pareceres técnicos do tribunal com o objetivo de explorar indevidamente o contrato firmado por Sérgio Moro com a Alvarez & Marsal”. 

Conforme expressado no requerimento, a auditoria do TCU indicou não haver indícios de dano ao erário ou de ato irregular que envolva a gestão de recurso público no caso. Portanto, não caberia ao tribunal "qualquer avaliação de conduta da Alvarez & Marsal", afirma Alessandro Vieira. Na avaliação do senador, o ministro Bruno Dantas deveria ter arquivado o caso sumariamente.

"Não é razoável aceitar este roteiro que passa pano para corruptos e corruptores, ao mesmo tempo em que ataca investigadores e juízes. A lei vale para todos", escreveu o senador nas redes sociais.

Como mostrou o Estadão, o Podemos de Moro abriu conversas com o Cidadania em busca da primeira aliança para o ex-juiz. A apresentação do requerimento ocorre no momento em que ambos os partidos dialogam sobre uma possível federação para ampliar recursos e tempo de TV para o presidenciável. A negociação implicaria na retirada da pré-candidatura de Vieira.

Davi Medeiros, O Estado de S.Paulo, em 19 de janeiro de 2022 | 09h12Atualizado 19 de janeiro de 2022 | 09h28

Queda de casos em outros países indica que pico de Ômicron pode acontecer em duas a três semanas

Onda epidemiológica em países como África do Sul, Reino Unido, Canadá e Austrália indica entre quatro e seis semanas de aumento vertiginoso de infecções

Pessoas caminham por São Paulo de máscaras: pico da onda provocada pela ômicron deve ocorrer em algumas semanas Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

A variante Ômicron tem se mostrado não uma nova onda da Covid, mas um verdadeiro tsunami, provocando uma explosão de casos. Da experiência desses lugares vem sendo possível prever o tempo de duração da crise: entre quatro e seis semanas de aumento vertiginoso no número de infecções até atingir o pico, seguido por, da mesma forma, queda acentuada. Caso o Brasil siga esse padrão, estaríamos a duas ou três semanas do pico e, assim, entrando logo em queda. 

A África do Sul, onde a variante foi identificada no final de novembro, é o primeiro exemplo. Após atingir o auge em 17 de dezembro, com 23 mil casos, atualmente tem número menor de casos do que nos primeiros dias daquele mês, com 4.636. 

O Reino Unido já consolidou a mesma curva, embora ainda mantenha um número bem alto de infecções já que a onda chegou depois. De maneira mais recente, Canadá, Austrália e cidades populosas dos Estados Unidos, como Nova York, também já observam o número de casos despencar.

Para o infectologista, professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Julio Croda, o padrão na curva dos outros países é claro: subida por cerca de cinco semanas e, depois, queda. No Brasil, isso deve se repetir: 

— Vamos observar essa curva aqui e o estado onde isso será visto precocemente é São Paulo, que teve os primeiros casos. No entanto, como teve réveillon e férias, houve uma sincronização entre as regiões. É um tsunami que vem e vai muito rapidamente. Se considerarmos a semana entre Natal e Ano Novo como início da curva epidemiológica, teremos o pico no começo de fevereiro para depois começar a queda. Isso, claro, se a nossa curva epidêmica se comportar de forma semelhante.   

(Datafolha: 81% da população é a favor do passaporte da vacina para entrar em local fechado)

Segundo Croda, o platô observado em outras ondas não se repete porque a taxa de transmissão é quatro vezes maior do que o vírus original e não há medidas restritivas dessa vez. Depois, quando o vírus não encontra pessoas suscetíveis, ou porque estão muito bem protegidas pela vacinação ou porque já foram infectadas, ocorre a queda é acentuada. 

A professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Ethel Maciel, que tem pós-doutorado em epidemiologia pela Universidade Johns Hopkins, considera a Ômicron “mais explosiva” do que as outras cepas do SARS-CoV-2, por isso a curva é tão aguda. Mas alerta para a falta de dados para o Brasil poder ter mais clareza sobre seu momento na pandemia:  

— O problema no Brasil é o de sempre: não temos testes, e com o apagão de dados temos menos noção ainda do que está acontecendo. É difícil cravar com precisão acertada — afirma.  

Outros fatores especificamente regionais podem interferir. Os médicos temem um repique no fim das férias e volta às aulas ou, ainda, provocado pelo Carnaval. Por isso, é importante que haja forte investimento na dose de reforço para toda a população  e aceleração na vacinação das crianças. 

O infectologista Filipe da Veiga explica que há formas de garantir uma queda mais acentuada no número de casos.  

—Vejo que alguns países caem mais rápido que outros. O ‘Vaccines-plus’ é uma sequência de orientações dadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) no fim de 2021, que se somam à vacina: autotestes, isolamento por sete dias e uso de máscaras melhores, que não de pano, para reforçar a barreira. Os países que adotam testagem maciça e autoisolamento, em duas semanas têm 30% de queda de casos — afirma Veiga.  

Consórcio de imprensa: Média móvel de casos ultrapassa 75 mil e se aproxima do pior mês da pandemia no Brasil

Para o médico, embora tudo indique que essa onda vai ser mais breve, não dá para relaxar: 

— Acho que alguns estados podem enfrentar colapso no sistema de saúde. As vacinas ditam como vão ser mortes e internações, mas é o comportamento humano que dita a transmissão.  

A OMS também evita comemorar antes da hora. O diretor-geral da organização, Tedros Adhanom Ghebreyesus, alertou ontem que ainda há muito pela frente. 

— Esta pandemia está longe de terminar, e dado o incrível crescimento da Ômicron em todo o mundo, é provável que surjam novas variantes — disse Adhanom em entrevista coletiva em Genebra, na Suíça. — Em alguns países, os casos de Covid parecem ter atingido o pico, dando esperança de que o pior desta última onda já passou, mas nenhum está fora de perigo ainda. 

O exemplo de outras nações traz além de esperança, informações úteis. Para Julio Croda, é fundamental usar o exemplo das curvas epidemiológicas para que o poder público brasileiro se organize: 

— A mensagem é que a gente tem que aprender com outros países e planejar melhor. Não é surpresa o que vai acontecer em poucas semanas, por isso precisamos investir em leitos de enfermaria e testes para a população.  

Constança Tatsch. Publicado originalmente por O Globo, em 19/01/2022 - 05:00.

O desejo sexual realmente desaparece com o envelhecimento?

Eles passaram uma vida inteira juntos. Embora tenha havido alguns problemas de saúde, eles estão bem de uma maneira geral e não dependem de ninguém.

Claudia e Luis se conheceram muito jovens. E logo souberam que haviam sido feitos um para o outro. (Getty Images)

O começo do relacionamento foi arrebatador, eles não conseguiam parar de pensar um no outro, de se idealizar, e seus corpos se excitavam só de encostar um no outro. Precisavam fazer amor com frequência.

Passam algum tempo no centro do bairro durante o dia, fazem caminhadas e dividem as tarefas domésticas. De vez em quando, cuidam dos netos. E ainda se sentem atraídos um pelo outro! Agora de maneira diferente, apreciando seu carinho e seus corpos. É um amor de companheiros, de estar com quem se ama e aproveitar.

A sexualidade e a sensualidade são aspectos diferenciais e inclusivos do ato sexual humano. Presentes ao longo de toda a vida, se aprende e modela no sentido do prazer do cotidiano, do corpo, da vontade e do prazer mútuo, do amor de companheiros.

Os idosos têm basicamente as mesmas necessidades de obter prazer e bem-estar que crianças, adolescentes, jovens e adultos — e, embora estas necessidades tendam a ser menos bem atendidas, sobretudo no caso daqueles que vivem internados em instituições, não desaparecem com a idade.

Continuar sendo um ser sexual durante o processo de envelhecimento deve ser considerado um direito fundamental e um preditor importante de qualidade de vida. A maneira como cada pessoa se sente e se expressa como mulher ou como homem é um fato biográfico que dura a vida inteira, é sua sexualidade.

A expressão deste fato voltado para a obtenção do prazer, com a participação do corpo por meio dos sentidos, é sua sensualidade, que se alimenta de desejos e habilidades para atrair alguém, seu erotismo, e se manifesta em inúmeros comportamentos, ora compartilhados, ora solitários, sua vida amorosa.

O prazer não diminui com a idade

A maioria dos idosos permanece sexualmente ativo, o interesse pelo sexo e o prazer não diminuem com a idade.

Embora a idade, por si só, não seja motivo para mudar as práticas sexuais que foram desfrutadas ao longo da vida, podem ser necessárias adaptações, em alguns casos, dadas certas limitações físicas, efeitos de doenças ou medicamentos.

Estas mudanças serão menos pronunciadas e o erotismo sensual associado menos afetado quando a pessoa tiver sido sexualmente ativa. A imaginação, a estimulação sensorial e outros subsídios ambientais podem aumentar a receptividade ao prazer e ao encontro.

Idosos têm basicamente as mesmas necessidades de obter prazer e bem-estar que crianças, adolescentes, jovens e adultos (Getty Images)

Pesquisando sobre estas ajudas externas, perguntamos em lojas de produtos eróticos sobre as demandas mais frequentes levantadas por idosos.

Entre os homens, questões relacionadas à ereção são as mais consultadas, desde cremes tópicos até anéis penianos.

No caso das mulheres, são aspectos relacionados à lubrificação e atrito durante as relações sexuais e estimuladores eróticos, como perfumes, lingeries, massageadores e brinquedos.

No entanto, é preciso levar em consideração que há adultos que optam por não participar de atividades sexuais, e isso também é normal.

O efeito da viuvez

Os fatores psicológicos e sociais que afetam a sexualidade à medida que se envelhece são muito importantes.

Em muitas culturas, o sexo está vinculado à juventude, e é possível que as pessoas idosas se sintam menos desejáveis, podendo afetar negativamente sua autoestima, o que, por sua vez, pode afetar seu desempenho sexual.

Por exemplo, ficar viúvo tem inúmeras implicações no que diz respeito à saúde emocional e sexual, uma vez que pessoas que estiveram em um relacionamento durante a maior parte de suas vidas podem não saber como administrar seus sentimentos sexuais no longo prazo.

Ficar viúvo tem inúmeras implicações no que diz respeito à saúde emocional e sexual (Getty Images)

De acordo com informações obtidas entre os alunos do programa para pessoas mais velhas da Universidade de Castilla-La Mancha (UCLM, Albacete, 2020), a sexualidade é um componente muito importante para seu bem-estar (93%), e embora a prática de atividades sexuais genitais, como o coito, diminua, o desejo sexual se mantém ativo (71%) e se desfruta do afeto e erotismo (69%).

O que era um amor intenso, apaixonado, genitalizado, sob efeito da dopamina, agora é um amor de companheiros, de estar com quem se ama e aproveitar, com grande envolvimento dos sentidos e emoções, mediado por neurotransmissores (serotonina e oxitocina), cujos efeitos são mais tranquilos.

Desinibição e entrega ao prazer

Estas mudanças podem se refletir na abertura emocional durante as práticas sexuais (91%), na desinibição e entrega ao prazer durante os relacionamentos (7%) e na satisfação com seu estado de espírito após a atividade sexual (9%).

Levando em conta o gênero, encontramos diferenças na autopercepção, por exemplo, quanto à intensidade da excitação sexual (54% homens / 45% mulheres) ou no equilíbrio entre o que se dá e se recebe (63% homens / 36% mulheres) .

A busca por prazer se mantém e se expande ao longo da vida. (Getty Images)

Não devemos esquecer que, se já não formos, todos seremos idosos em poucos anos e vamos desejar o que todos desejamos: prazer, dignidade, privacidade e o cuidado atento de uma pessoa, sem interferências impertinentes.

*Marta Nieto López e Rigoberto López Honrubia são professores do Departamento de Psicologia da Universidade de Castilla-La Mancha, na Espanha.

Rigoberto López Honrubia e Marta Nieto López. Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado no BBC News Brasil em 19.01.22, sob uma licença Creative Commons. 

terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Brasil registra mais de 132 mil casos da covid em 24 horas e atinge novo recorde da pandemia

Esse é o maior total de testes positivos em um dia desde setembro do ano passado, quando foram notificadas 125 mil novas infecções pelo coronavírus

 Atendimento a paciente com covid-19 em hospital de São Paulo; com avanço da variante Ômicron, o Brasil registrou nesta terça-feira, 18, mais de 131 mil novos casos do coronavírus, o maior total de notificações em 24 horas desde o início da pandemia  Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO - 28/04/2020

Em meio ao avanço da variante Ômicron, o Brasil notificou 132.254 novos casos da covid-19 nesta terça-feira, 18, o maior total em 24 horas desde o início da pandemia. O recorde anterior de novas infecções em um dia era de 18 de setembro do ano passado, quando foram notificadas 125.053. Com isso, a nova média móvel de testes positivos também atingiu um novo pico e chegou a 83.630.

O País ainda registrou 317 mortes pela covid nas últimas 24 horas, o maior total diário desde outubro do ano passado. A média móvel de óbitos na pandemia, que elimina distorções entre dias úteis e fim de semana, é de 185, mantendo a tendência de aumento já por oito dias seguidos. 

Pandemia


No total, o Brasil tem 621.578 mortos e 23.215.551 casos da doença. Os dados diários do País são do consórcio de veículos de imprensa formado por Estadão, G1, O Globo, Extra, Folha e UOL em parceria com 27 secretarias estaduais de Saúde, em balanço divulgado às 20h. Segundo os números do governo federal, 21,7 milhões de pessoas se recuperaram da doença desde o início da pandemia.

São Paulo teve 117 mortes e 11.409 novos casos nas últimas 24 horas. A maior quantidade de testes positivos para o coronavírus no período veio de Minas Gerais, que notificou mais de 20 mil novas infecções e uma vítima fatal da doença. Roraima e Sergipe não resgitraram óbitos da pandemia nesta terça-feira e o Acre é o único Estado que não divulgou os dados do dia.

O balanço de óbitos e casos é resultado da parceria entre os seis meios de comunicação que passaram a trabalhar, desde 8 de junho de 2020, de forma colaborativa para reunir as informações necessárias nos 26 Estados e no Distrito Federal. A iniciativa inédita é uma resposta à decisão do governo Bolsonaro de restringir o acesso a dados sobre a pandemia, mas foi mantida após os registros governamentais continuarem a ser divulgados.

O Ministério da Saúde informou que foram registrados 137.103 novos casos e mais 351 mortes pela covid-19 nas últimas 24 horas. No total, segundo a pasta, são 23.211.894 pessoas infectadas e 621.517 óbitos. Os números são diferentes do compilado pelo consórcio de veículos de imprensa principalmente por causa do horário de coleta dos dados.

João Ker, O Estado de S.Paulo, em 18 de janeiro de 2022 | 20h00

"Pandemia está longe de acabar", diz diretor da OMS

Tedros Ghebreyesus refuta ideia de que a variante ômicron do coronavírus seja benigna. Diretor-geral também expressa preocupação com baixas taxas de vacinação em alguns países.

A pandemia de covid-19 "está longe de acabar", afirmou nesta terça-feira (18/01) o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), alertando contra a ideia de que a variante ômicron seja benigna.

"A ômicron continua varrendo o planeta. (...) Não se enganem, a ômicron causa hospitalizações e mortes, e mesmo os casos menos graves sobrecarregam as instituições de saúde", disse Tedros Adhanom Ghebreyesus em entrevista coletiva em Genebra, Suíça.

"Esta pandemia está longe de acabar, e dado o incrível crescimento da ômicron em todo o mundo, é provável que surjam novas variantes", acrescentou.

Em 11 de janeiro, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) ponderou que, embora a doença ainda esteja em fase de pandemia, a disseminação da variante ômicron deve transformar a covid-19 em uma doença endêmica com a qual a humanidade pode aprender a lidar.

"À medida que a imunidade aumenta na população – e com a ômicron, haverá muita imunidade natural além da vacinação – avançaremos rapidamente para um cenário mais próximo da endemicidade", disse Marco Cavaleri, chefe da estratégia de vacinas da EMA.

Na Suíça, o ministro da Saúde, Alain Berset, também estimou na semana passada que a variante ômicron poderia ser "o começo do fim" da pandemia.

Mas o chefe da OMS é mais cauteloso e ressaltou que a variante ômicron não é benigna.

"Em alguns países, os casos de covid parecem ter atingido o pico, dando esperança de que o pior desta última onda já passou, mas nenhum país está fora de perigo ainda", disse Tedros Ghebreyesus.

O diretor-geral expressou especial preocupação com o fato de muitos países ainda possuem baixas taxas de vacinação contra a covid. "As pessoas correm mais risco de sofrer de formas graves da doença ou de morrer se não forem vacinadas."

A "ômicron pode ser menos grave em média, mas a narrativa de que é uma doença leve é enganosa (...) e prejudica a resposta geral e custa mais vidas", completou Tedros.

Segundo a OMS, na semana passada foram reportados mais de 18 milhões de novos casos de covid-19 no mundo.

A pandemia de covid-19 provocou mais de 5,5 milhões de mortes em todo o mundo. O número de casos identificados da doença passa de 332 milhões, segundo dados da Universidade Johns Hopkins.

Publicado originalmente pela Deustche Welle Brasil, em 18.01.22. / jps/lf (AFP. Lusa, ots)

Desigualdade social, o maior problema do Brasil

Para especialistas, pandemia e governo Bolsonaro somente acentuaram histórica desigualdade brasileira, com aumento exponencial da fome. Melhorar distribuição de renda é tarefa urgente para próximo governo, afirmam.

https://www.dw.com/pt-br/desigualdade-social-o-maior-problema-do-brasil/a-60315722

Com um ano eleitoral pela frente, os mais graves problemas brasileiros precisam ser colocados em debate. Especialistas ouvidos pela DW Brasil apontaram a histórica desigualdade social, a volta ao mapa da fome e a educação precária como pilares fundamentais que precisam ser atacados com políticas públicas e propostas sérias.

"O maior problema do Brasil hoje é o aumento exponencial de pessoas passando fome e de pessoas em situação de insegurança alimentar", afirma a cientista política Camila Rocha, autora do livro Menos Marx, Mais Mises: O Liberalismo e a Nova Direita no Brasil. De acordo com a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, 55% da população brasileira vive em situação de insegurança alimentar.

"Isso ocorreu por uma combinação da retração econômica, permeada pelo aumento dos preços de alimentos básicos e gás de cozinha, com a inabilidade de combater a pandemia entre pessoas em situação de vulnerabilidade social", diz Rocha.

Ela defende que as soluções possíveis são a ampliação de programas de transferência de renda e aumento de benefícios. "Porém, isso necessariamente precisa ser acompanhado de uma retomada do crescimento econômico", enfatiza. "Do contrário, tais medidas podem ficar comprometidas a médio prazo.”

O historiador Marco Antonio Villa, professor da Universidade Federal de São Carlos e autor de Um País Chamado Brasil, concorda com o ponto de que a fome "voltou a ser um gravíssimo problema nacional". "Milhões estão literalmente passando fome", diz.

"Sucintamente, é a péssima distribuição de renda que aprofunda a desigualdade social", contextualiza ele, que entende como "tarefa primeira, para ontem" a necessidade de que o próximo governante eleito "coloque o dedo na péssima distribuição de renda que gera essa terrível desigualdade social e, por consequência, a fome".

"Este foi o Natal da fome, tristemente. Parece a comemoração, entre aspas, dos três anos do governo [do presidente Jair] Bolsonaro", comenta Villa.

"Desigualdade imoral"

Para o historiador Marcelo Cheche Galves, professor da Universidade Estadual do Maranhão, a desigualdade social brasileira sempre foi imoral "e se tornou mais imoral ainda em um ambiente de pandemia sob um governo de extrema direita". "[O problema] é a base de outras questões", explica.

"A pobreza é um componente de qualquer país capitalista. A questão são os níveis de pobreza minimamente aceitáveis", argumenta. "De que maneira governos que se sucedem assumem ou não compromissos mínimos no combate a essa desigualdade?"

Galves afirma que tal esforço depende de "políticas públicas permanentes" e estas foram "brutalmente interrompidas" pela atual gestão. Como a fome não espera, ele cobra uma "retomada imediata e a ampliação dessas políticas públicas de redistribuição de renda". "Sem malabarismos financeiros para turbinar orçamento em ano eleitoral. Precisamos de política social séria e permanente", enfatiza.

O jornalista, economista e cientista político Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), vê a "questão social de pobreza e crescimento da fome" dentro de um contexto de de "crise política e descrença nas instituições".

"Isso dá margem a uma série de violências e também a discursos populistas", comenta. "E 2022 vai ser decisivo porque veremos como vamos lidar com isso. A população vai votar com todos esses riscos institucionais que Bolsonaro representa. Vamos ver se a escolha será pela civilidade ou pela barbárie."

O sociólogo e cientista político Rodrigo Prando, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie contextualiza as mazelas brasileiras a partir da própria formação histórica do país. "Economicamente, [o país foi construído por] essa estrutura social de grandes propriedades de terra, escravidão e monocultura voltada para a exportação", enumera. "Em termos econômicos, isso fez com que o Brasil se tornasse um país pobre, extremamente desigual."

Além disso, por conta do passado colonial e pré-republicano, o país teve um capitalismo tardio, industrializando-se no século 20. "Assim, a sociedade brasileira se desenvolveu ao longo do século 20. E não houve distribuição de renda: a concentração continuou nas mão de uma elite", pontua.

"Resultado: o Brasil ainda apresenta extrema pobreza em algumas regiões e uma desigualdade enorme. Em uma pista de corrida, a esfera econômica avançou, mas a cultura e a educação não se desenvolveram na mesma velocidade", diz ele.

"Educação precária sustenta círculo vicioso"

Nesse sentido, a educação precária perpetua um sistema deficitário. "A pandemia não mostrou nada de novo, apenas agudizou a situação, os problemas que temos ao longo do tempo", comenta Prando. "As crianças pobres das escolas públicas foram mais prejudicadas do que as crianças ricas das particulares, as regiões Norte e Nordeste tiveram crescimento menor do que o Sudeste, os negros foram mais atingidos pela covid e morreram mais. Isso explicitou uma estrutura social bastante desigual."

Para o pesquisador David Nemer, professor da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos, e autor do livro Tecnologia do Oprimido: Desigualdade e o Mundano Digital nas Favelas do Brasil, os problemas do Brasil atual têm como base o acesso à educação.

"Infelizmente, temos uma educação, a pública e até mesmo a particular, muito precarizada", diz ele. "E hoje as soluções apresentadas pelo governo para resolver esse problema são péssimas. O governo [federal] pensa em militarizar a educação, o que é inconcebível. Outra agenda que os bolsonaristas e parte do Congresso tentam o tempo todo passar é a do homeschooling [ensino domiciliar]."

Nemer avalia que isso é uma maneira "de o governo retirar verba das escolas públicas", delegando às famílias a responsabilidade financeira do ensino. "E isso é obrigação do Estado, não adianta", acrescenta.

Um terceiro movimento que ele vê é o da "evangelização da educação" — nesse sentido, vale ressaltar que o atual ministro da Educação, Milton Ribeiro, é pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil. "A educação tem de ser para pensamento livre, crítico o tempo todo, não imposto", defende Nemer. "Mas são essas as soluções que este governo pensa", diz o pesquisador.

E ao trazer a educação para o centro do debate, ele frisa que o acesso ao ensino é a ponta de um iceberg. "A maioria que estuda em escola pública não tem segurança alimentar, não tem segurança física, vive em área de risco e o Estado o tempo todo negligencia essas pessoas", afirma. "A educação precária sustenta o círculo vicioso da desigualdade social."

Corrupção sistêmica

O filósofo Luiz Felipe Pondé, diretor do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e professor da Fundação Armando Álvares Penteado, prefere escolher a própria "política brasileira" como o maior problema do país — citando "as duas mais prováveis opções que teremos para 2022".

"Uma é Bolsonaro, que se revelou uma catástrofe. Outra é o retorno do PT [Partido dos Trabalhadores, do ex-presidente Lula da Silva], que é muito responsável pelo buraco em que a gente está, uma verdadeira gangue que provavelmente vai voltar ao poder porque a outra opção se revelou pior do que ela."

Pondé classifica essa situação como "um problema agudo” e diz que a corrupção "é sistêmica e envolve todos os Poderes". "Solução para isso? Talvez daqui a mil anos", afirma.

Edison Veiga originalmente para a Deutsche Welle Brasil, em 03.0.2022

Porandubas Políticas

Por Torquato Gaudêncio

Ante essa temporada de chuvas, que fazem cair pedaços de cânion, como o que se viu em Capitólio, nas Minas Gerais, cai bem essa historinha contada por Zé Abelha em seu livro A Mineirice.

Lei da Gravidade

A Lei da Gravidade, de vez em quando, dá dor de cabeça aos mineiros. E a lei da gravidez, essa, nem se fala. Na Câmara Municipal de Caeté, terra da família Pinheiro, de onde saíram dois governadores, discutia-se o abastecimento de água para a cidade. O engenheiro enviado pelo governador Israel Pinheiro deu as explicações técnicas aos vereadores, buscando justificar a dificuldade da captação: a água lá embaixo e a cidade, lá em cima. Seria necessário um bombeamento que custaria milhões e, sinceramente, achava o problema de difícil solução a curto prazo, conforme desejavam:

- Mas, doutor - pergunta o líder do prefeito - qual é o problema mesmo?

- O problema mesmo - responde o engenheiro - está ligado à Lei da Gravidade.

- Isso não é problema - diz o líder - nós vamos ao doutor Israel e ele, com uma penada só, revoga essa danada de lei que, no mínimo, deve ter sido votada pela oposição para perseguir o PSD.

O líder da oposição, em aparte, contesta o líder do prefeito e informa à edilidade, em tom de deboche:

"Ah, ah, ah! O governador Israel nada pode fazer, visto ser a Lei da Gravidade de âmbito Federal".

E está encerrada a sessão.

Tragédias anunciadas

O ciclo de chuvas é, em nossas plagas, um tempo de dor e desespero. A chuvarada traz deslizamentos de morros e encostas, inundações, desabrigo de famílias, mortes. Tem sido assim ao longo dos anos. Os sistemas preventivos, quando existem, são descontrolados. E nem se pode dizer, nesses casos, que o Senhor Imponderável acaba de nos fazer mais uma visita. A crônica anunciando tragédias é uma velha senhora conhecida.

Carimbo da irresponsabilidade

A cada estação do ano, o Brasil ganha um carimbo. As intempéries de um ciclo de chuvas, crateras, devastação e mortes, típicos do início do ano na região Sudeste, cedem lugar à descontração, por ocasião do período carnavalesco, na cabal demonstração de que o slogan pátrio nunca foi ordem e progresso, mas o eterno recomeço que a ampulheta do tempo, vira e mexe, impõe como o nosso conceito de devir. O Brasil não leva jeito. Assistimos em pleno ciclo de chuvas, o definhamento de milhares de famílias por falta de alimento adequado.

A devastação

A mãe natureza, porém, não tem culpa. A obra de devastação a cargo do homem, em sua incessante obstinação para apressar o fim do planeta, é a principal responsável por catástrofes. Os homens públicos deveriam ir ao paredão da vergonha por não construírem barreiras preventivas nos espaços que administram. Deixando-se levar por um obreirismo que confere visibilidade e votos, incrementam o Custo Brasil, quando se esforçam para apagar rastros de antecessores e motivar comparações que os favoreçam.

Eterno recomeço

Inexiste coordenação para ajustar as demandas do federalismo cooperativo. Um governo eficaz tem aptidão para prever problemas e antecipar soluções. Deveria usar a técnica da "decalagem" (avanço), a capacidade do atirador, que calculando a distância e a trajetória do alvo móvel, acerta-o em cheio, disparando um pouco à frente do ponto escolhido. Mas a ausência de planejamento se faz ver em toda a parte. Os fatos de hoje se repetiram no passado e se multiplicarão no amanhã. Um eterno retorno, ou, se preferirem, um eterno recomeço.

Jesus, Jesus

E na hora do aperto, resta clamar aos céus. A lancha que abrigava 10 turistas tinha o nome de Jesus. Os incréus parecem dizer: "viu como temos razão"? Esse escriba cristão só pode replicar: eles não sabem o que dizem.

Coincidências

A vida abriga um continuum de coincidências. O desmoronamento de um bloco de rochas nas águas de Capitólio, cidade turística de Minas Gerais, ocorre no aniversário de um ano no capitólio dos EUA, em Washington, por trumpistas, os fanáticos de Donald Trump. Para relembrar: centenas de apoiadores de Trump irromperam pelas portas e janelas do Congresso Nacional, em 6 de janeiro de 2021, que certificava a vitória presidencial do democrata Joe Biden.

Presos

Mais de 725 pessoas foram presas e indiciadas por crimes como invasão e destruição de propriedade pública e lesão corporal a policiais. Cerca de 70 já foram julgadas e 31 delas - entre as quais Jacob Chansley, que ficou conhecido mundialmente pelos adornos de chifre que usava enquanto desfilava pelas salas congressuais - cumprem pena em cadeias pelo país.

Acenos à esquerda?

A gangorra mostra seu movimento, o sobe e desce, o desce e sobe. Na América Latina, acenos à esquerda são os sinais últimos. O Chile é o mais novo país latino-americano a ter um governo de esquerda. O deputado Gabriel Boric Font, do partido de esquerda Convergência Social (CS), derrotou o conservador José Antonio Kast, da Frente Social Cristã, no segundo turno da eleição presidencial. Aos 35 anos e com uma trajetória de sete anos como deputado Federal, Boric terá como missão governar o país entre 2022 e 2026. Terá de negociar com um Congresso fragmentado e manter aliados do centro para fazer avançar seu programa de governo.

Favoritos

O ciclo eleitoral da América Latina, que começou em 2020, exibe a volta ao poder partidos de esquerda. Nas últimas semanas de 2021, Chile e Honduras elegeram presidentes esquerdistas para substituir líderes conservadores. Este ano, três eleições apresentam favoritos à esquerda: Brasil, Colômbia e Costa Rica. Os novos líderes esquerdistas enfrentarão restrições econômicas e oposição legislativa, que podem frear suas ambições, além de terem de lidar com eleitores inquietos e dispostos a punir quem não cumprir as promessas de campanha. Vitórias serão balizadas por raiva contra governos em final de mandato, e não foram resultado de uma adesão a ideias socialistas.

O almirante

O presidente da ANVISA, almirante Antônio Barra Torres, deu um xeque que imobilizou o rei faceiro no tabuleiro: uma resposta dura contra as insinuações de Bolsonaro sobre "interesses de tarados por vacinas", uma acusação contra diretores da Agência, que decidiu vacinar crianças de 5 a 11 anos. Deixou o capitão no tamanho de sua identidade. Colocou o presidente na esfera da difamação e do ultraje. Defendeu os subordinados, desafiando Bolsonaro: prove o que disse. Barra Torres, indemissível, tem mandato até 2025.

Estado laico

As igrejas pentecostais estão atuando forte na frente política. E formam barreiras contra a ciência, propagando o negacionismo. O pastor Silas Malafaia é uma fonte de desinformação. Igrejas evangélicas adentram a esfera do Estado, em clara intromissão inconstitucional. Um post de Malafaia atribuiu à vacinação de crianças "um infanticídio". O Twitter o removeu. A atitude da plataforma ocorreu após usuários levarem a hashtag "DerrubaMalafaia" para o primeiro lugar entre os assuntos mais comentados na rede. Dizia a mensagem: "Vacinar crianças é um verdadeiro infanticídio". A ANVISA concluiu, após análise de estudos, a vacina é segura também para esse público.

No barbeiro

Conversa ouvida no cabeleireiro entre três pessoas:

- Ora, só tomei uma vacina e estou com medo.

- Não me vacinei; essa vacina tem alguns metais, a pessoa acaba morrendo do coração três anos depois de tomar a danada.

- Eu só tomei uma e foi por insistência de minha mulher. Confio mais na palavra de Bolsonaro, que até hoje não se vacinou.

Estupidez

A ignorância é a mãe da estupidez.

O velho-novo Lula

Luis Inácio não se contém. Ensaia uma visita ao centro do arco ideológico, namora com Geraldo Alckmin, com a intenção de puxar o voto de parte da direita, mas o velho Lula palanqueiro fala mais alto: quer derrubar a reforma trabalhista, aprovada no Governo Temer, e, com isso, mostra sua intenção de fazer valer a cartilha petista, que prega uma modelagem inspirada no passado da luta de classes. Dialoga com os espanhóis sobre a contrarreforma que estão fazendo no território do trabalho. Lula promete rever, também, as privatizações. Abre uma discussão nos partidos que abraçariam sua candidatura, entre os quais o MDB e o PSD. Lula, o favorito, começa a queimar as margens do conforto em que, hoje, se abriga. Uma carta assinada por petistas de alto coturno pede que Lula não aceite Alckmin como vice em sua chapa.

Haddad

Fernando Haddad começa a viver seu recomeço. Tem chances de se eleger governador de São Paulo. Se o PT levar a melhor no páreo paulista, implantará as estacas em chão profundo e fará do Estado mais forte da Federação uma fortaleza para resgatar a velha identidade petista, rota e despedaçada.

Até onde irá Bolsonaro?

A continuar sua rede de impropérios, devaneios e acusações sem fundamento, o estoque de adesistas e simpatizantes do capitão tende a se esvaziar. Deu a louca no capitão. Nem os generais conseguem conter seu ímpeto.

Moro e seus namoros

O ex-juiz Sergio Moro mostra apetite político. Corre o Brasil à cata de apoios e ideias. Esteve até com o ex-presidente do STF, Joaquim Barbosa. A pauta foi substantiva: reforma do Judiciário. Foi ao Nordeste e correrá em outras regiões. Vai se fixando como um pré-candidato forte. Poderia haver acordo com João Doria? Difícil. O governador paulista é um perfil com muita determinação. Este analista acredita que ele irá até o fim.

Fecho a coluna com as alavancas do discurso político.

Há alguns símbolos detonadores e indutores do entusiasmo das massas em, pelo menos, quatro categorias. Ei-las:

1. Alavancas de adesão - Discurso voltado para fazer com que a população aceite os programas, associando-se a valores considerados bons. Nesse caso, o candidato precisa demonstrar a relação custo-benefício da proposta ou da promessa.

2. Alavancas de rejeição - Discurso voltado para o combate à coisas ruins (administrações passadas, por exemplo). Aqui, o candidato passa a combater as mazelas de seus adversários, os pontos fracos das administrações, utilizando, para tanto, as denúncias dos meios de comunicação que funcionam como elemento de comprovação do discurso.

3. Alavancas de autoridade - Abordagem em que o candidato usa a voz da experiência, do conhecimento, da autoridade, para procurar convencer. Sob essa abordagem, entram em questão os valores inerentes à personalidade do ator, suas qualidades pessoais. Quando se trata de figura de alta respeitabilidade, o discurso consegue muita eficácia.

4. Alavancas de conformização - Abordagem orientada para ganhar as massas e que usa, basicamente, os símbolos da unidade, do ideal coletivo, do apelo à solidariedade. É quando o político apela para o sentimento de integração das massas, a solidariedade grupal, o companheirismo, as demandas sociais homogêneas.

Torquato Gaudêncio, cientista político, é Professor Titular na Universidade de São Paulo e consultor de Marketing Político.

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Teste de covid: as respostas às principais perguntas feitas no Google sobre PCR e antígeno

A busca na internet reflete o recente aumento de casos da doença no país, o que naturalmente leva à maior procura por testes.

Desde o início da pandemia de coronavírus, os brasileiros nunca procuraram tanto no Google por respostas sobre o teste considerado "padrão ouro" para detectar a covid-19. (Getty Images)

Segundo dados da plataforma de buscas fornecidos com exclusividade à BBC News Brasil, este mês de janeiro   registrou o maior volume de buscas sobre o teste PCR desde março de 2020, quando foi declarada a pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Em comparação com dezembro de 2021, o volume de pesquisas sobre o teste mais que dobrou neste mês, com alta de 110%.

De um mês para outro, também cresceram em 240% as buscas sobre testes rápidos de covid-19. Neste mês de janeiro, o interesse no termo "teste rápido" foi o mais alto desde dezembro de 2020.

Na liderança de buscas pelos dois testes, estão os Estados do Rio de Janeiro (1º) e São Paulo (2º).

A BBC News Brasil conversou com dois especialistas e buscou as orientações da OMS, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Centro de Controle de Doenças (CDC) do Departamento de Saúde dos EUA para responder a algumas das principais perguntas registradas no Google sobre os testes PCR e rápidos.

A busca na internet reflete o recente aumento de casos da doença no país, o que naturalmente leva à maior procura por testes.

Embora o país já esteja enfrentando há um mês um apagão de dados do Ministério da Saúde relativos à covid-19 — atribuído pelo governo federal a um ataque hacker —, serviços de saúde em várias partes do país estão registrando maior procura por atendimento não só pela covid-19, mas também pelo vírus influenza A.

E os dados mais recentes do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), de terça-feira (11/1), mostram que o Brasil voltou a patamares de julho de 2021 nos indicadores de novos casos diários de covid e da média diária de casos dos últimos sete dias. Ou seja, o país se aproxima de uma situação de volume de infecções semelhantes a quando começava a sair da pior fase da pandemia, em meados do ano passado.

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou na segunda-feira (10/1) que a expectativa do governo é que o aumento de casos não seja acompanhado por um crescimento significativo no número de óbitos. Especialistas têm apontado que o avanço da vacinação tem se mostrado essencial para evitar mais casos graves da doença.

Vale lembrar que os testes sobre os quais há tanta procura na internet estão escassos em várias partes do país, tanto na rede privada e ainda mais na rede pública. É uma novidade diante do avanço da ômicron, mas não na pandemia como um todo, já que especialistas sempre apontaram a testagem no Brasil como problemática e insuficiente.

Confira abaixo respostas a algumas das perguntas mais feitas por brasileiros no Google nos últimos sete dias.

O que é o PCR?

Literalmente, as letras PCR remetem (em inglês) à "reação em cadeia por polimerase" (polymerase chain reaction), uma técnica que multiplica segmentos de material genético até que se possa analisar se o coronavírus está ali ou não. O nome completo da técnica é RT-PCR, e o RT significa "transcriptase reversa", uma espécie de cópia invertida do material genético fruto da conversão do RNA em DNA.

A infectologista Melissa Valentini, do grupo Pardini (rede especializada em medicina diagnóstica), explica que o PCR é um teste "viral", porque detecta pedaços do vírus, e não anticorpos produzidos por nosso organismo, como fazem os exames sorológicos; e "molecular", por buscar genes do vírus, de preferência pelo menos dois ou três.

Quando fazer o PCR? E o teste rápido de covid?

Tanto o PCR quanto os testes rápidos estão sendo usados para as mesmas ocasiões: o aparecimento de sintomas e/ou contato recente com alguém que teve a covid-19 confirmada.

No entanto, eles são diferentes. O RT-PCR tem alto grau de confiança, mas o resultado costuma demorar. E o antígeno tem resultados menos certeiros, mas a acessibilidade pesa a favor. Veja aqui mais detalhes.

José Eduardo Levi, virologista da rede Dasa (rede de laboratórios e hospitais), diz que, no caso do contato com alguém cuja infecção foi confirmada, a recomendação é fazer testes de três a cinco dias após esse contato.


O RT-PCR exige profissionais bem treinados e equipamentos mais complexos (Getty Images)

"Não adianta fazer imediatamente. Há uma limitação porque tem um tempo até que o vírus entre nas nossas células e comece a se reproduzir. Isso demora em torno de três dias. Antes da variante ômicron, a gente falava de cinco a sete dias depois do último contato, agora reduziu para três porque com ela tudo é mais aceleradinho: começa mais rápido e termina mais rápido também", explica Levi, doutor em microbiologia.

Melissa Valentini lembra ainda que há situações específicas em que o PCR é recomendado, como em pacientes pré-cirúrgicos e antes do embarque em voos internacionais.

Como é feito o PCR para Covid?

A forma mais comum de realização do teste RT-PCR é o uso de um swab nasal (haste semelhante a um cotonete).

José Eduardo Levi, da Dasa, diz que a "melhor amostra" é aquela coletada especificamente na nasofaringe, em que o vírus tende a estar mais presente. Mas há locais que ainda fazem coletas também na orofaringe, o que segundo o especialista é menos eficaz — que continua por ser uma herança de práticas do início da pandemia.

Existe ainda a modalidade do PCR-Lamp, um teste molecular que também investiga a presença do RNA viral na saliva, mas não tem um resultado considerado tão preciso quanto o do RT-PCR.

O que significa PCR positivo?

Um PCR positivo significa simplesmente que uma pessoa está infectada pelo vírus, o que é evidenciado pela presença dele no trato respiratório superior (onde o material para análise é coletado).

Onde fazer o PCR?

Na rede particular, laboratórios realizam o teste sem necessidade de prescrição médica e pagamento avulso. Em caso de convênio médico, costuma ser necessária a prescrição.

Na rede pública, os testes são bem mais difíceis de serem acessados e isso varia por realidade local.

A infectologista Melissa Valentini diz que, na situação atual, é comum que os hospitais públicos estejam reservando os testes para pacientes graves.

PCR positivo, o que fazer?

Isolamento em caso de suspeita ou confirmação de covid é essencial para barrar a transmissão do vírus (Getty Images)

Uma pessoa que teve teste PCR positivo para coronavírus e manifesta sintomas deve observá-los e procurar assistência médica em caso de manifestações mais preocupantes, como dificuldade de respirar, desidratação e dificuldade de comer.

Para casos mais leves ou até assintomáticos, deve ser feito o isolamento. Mas o tempo recomendado para isso, que já foi de 14 dias, tem mudado.

Na segunda-feira (10/1), o Ministério da Saúde anunciou que o tempo mínimo de isolamento passou para 7 dias desde que não haja mais febre e sintomas nas 24 horas finais desse período e nem uso de antitérmicos.

Segundo a diretriz, aqueles que realizarem testagem (RT-PCR ou teste rápido de antígeno) para covid com resultado negativo no 5º dia poderão sair do isolamento antes do prazo de 7 dias - desde que não apresentem sintomas respiratórios e febre há pelo menos 24 horas, e sem o uso de antitérmicos. Se o resultado for positivo, é necessário permanecer em isolamento por 10 dias a contar do início dos sintomas.

Em quanto tempo sai o resultado do PCR?

Existem testes que podem ter seus resultados entregues em poucas horas, no mesmo dia. Alguns deles são comercializados em aeroportos. Mas em geral, na situação de alta demanda hoje no Brasil, o tempo para entrega de resultados tem sido estendido. Na rede Pardini, por exemplo, o prazo atual é de quatro dias, enquanto em outros momentos da pandemia foi de 24h.

O que é teste rápido antígeno?

Melissa Valentini, do grupo Pardini, explica que enquanto os testes PCR procuram pelo material genético do vírus no nosso corpo, os testes rápidos de antígeno buscam proteínas produzidas pelo vírus. Ambos usam o swab nasal.

Assim como apontou José Eduardo Levi, Valentini diz que o PCR é o "padrão ouro" para diagnóstico, mas mesmo assim defende que os testes antigênicos têm seu lugar.

Testes de antígeno e RT-PCR exigem o swab nasal e oral, que envolve inserir uma haste flexível no fundo do nariz e da boca (Getty Images)

"A gente sabe que o teste antigênico tem uma sensibilidade limitada em relação ao PCR, mas ele é positivo, te dá um norte. É um resultado rápido, que faz com que você consiga ter uma ação imediata, isolando aquela pessoa imediatamente", diz a infectologista, definindo sensibilidade como "a chance daquele teste dar positivo em uma pessoa doente".

Para os testes rápidos de antígeno, a situação mais delicada é a dos falsos negativos — resultados negativos para pessoas que na verdade, estão sim infectadas.

"O teste antigênico precisa ser interpretado da seguinte forma: deu positivo, você vai considerar positivo. Se deu negativo mas o paciente tem sintomas e alta chance de ter tido uma infecção por covid-19, o ideal é fazer o RT-PCR e não liberar da quarentena antes disso. Com alta chance de covid, o ideal é fazer o RT-PCR. Todo teste precisa ser interpretado junto com a história epidemiológica", aponta Melissa Valentini.

A vantagem desse teste está no próprio nome — ele é rápido, com padrão de entrega em menos de uma hora — e no seu preço, mais barato que o PCR (um teste de antígeno varia entre R$ 100 e R$ 200 em laboratórios privados).

Em um cenário de muitas infecções como a atual, isso é especialmente valioso, pois permite a resolução de parte considerável dos diagnósticos.

Como funciona o teste rápido de Covid?

A infectologista Melissa Valentini explica que o teste rápido de antígeno é um teste do tipo imunocromatográfico — como aqueles usados para detectar uma gravidez, embora estes não busquem um antígeno, e sim um hormônio.

A plataforma em que esses testes são realizados lembram um cartãozinho. Há um orifício onde será depositada a amostra; um papel de celulose por onde o material vai escorrer; e um pequeno visor onde aparecerão tracinhos indicando o resultado.

Onde fazer o teste rápido de Covid?

Os testes rápidos também estão disponíveis em unidades de saúde e laboratórios, sendo oferecidos mediante regras próprias e pedidos médicos. Outra opção popular também é a realização destes testes em farmácia mediante pagamento avulso. Entretanto, diferente de alguns outros países que permitem os autotestes, apenas alguns profissionais de saúde estão habilitados a aplicar este teste no Brasil.

Mariana Alvim,  da BBC News Brasil em São Paulo, em 12.01.22. Com informações de reportagem de André Biernath, da BBC News Brasil em São Paulo

segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

Mário Sabino: É preciso matar o Sergio Moro do futuro

Só isso explica a intensidade dos ataques contra um pré-candidato que mostra, neste momento, dificuldade para atrair aliados e crescer nas pesquisas

Foto: Saulo Rolim / Sérgio Lima / Danilo Martins - Podemos

Não canso de me espantar — e de expressar o meu espanto — com a verdadeira caçada que políticos, jornalistas, advogados e juízes promovem contra Sergio Moro (foto). O sujeito prendeu corruptos graudíssimos e mandou a escumalha que roubou bilhões de reais da Petrobras devolver o dinheiro à empresa. Missão cumprida, virou alvo de hackers vagabundos (história mal explicada) que roubaram mensagens do celular do então procurador Deltan Dallagnol e viram-se tratados como heróis nacionais pela imprensa petista ou simplesmente oportunista. Na sequência, foi avacalhado por ministros de tribunais superiores que atuam politicamente e politicamente o consideraram suspeito. 

Por fim, saiu do governo atirando contra a interferência na Polícia Federal. Apesar de tudo isso, ele vem sendo tratado como o pior criminoso do Brasil.

Escrevi “apesar de tudo isso”, mas é claro que não sou ingênuo. Sei que Sergio Moro sofre perseguição justamente por ter-se comportado do modo oposto ao dos que mantêm o sistemão em funcionamento, para a desgraça de muitos e o benefício de poucos — e que o seu grande pecado foi, com esse comportamento, ter colocado no xadrez empresários e chefões políticos poderosos, como Marcelo Odebrecht e Lula. Mas, ainda assim, espanto-me com o despudor da caçada do agora pré-candidato à presidência da República.

Na imprensa, uma penca de colunistas que desonestamente não se declaram petistas ataca Sergio Moro utilizando argumentos fajutos sobre sua suspeição como juiz, como se as sentenças proferidas por ele não tivessem sido chanceladas por outras instâncias e algumas até com agravamento de pena. Fustigam também a sua falta de “profissionalismo” na política, como se o fato de passar por media training, sessões de fonoaudiologia e cercar-se de notáveis interessados em mudar o Brasil fosse sinal de amadorismo. 

Um pré-candidato que precisa de “coaching”, veja só que absurdo. De que “profissionais” essa gente sente falta? De Lula, José Dirceu, Renan Calheiros, Jair Bolsonaro, Ciro Nogueira, Ciro Gomes, Aécio Neves, Geraldo Alckmin? Do que estamos falando aqui? De alguém forjado num “passado de lutas”? Bem, se há alguém que lutou de verdade, esse alguém foi Sergio Moro, não? Ou a Lava Jato não foi uma luta contra tudo e contra todos? Quanto à capacidade intelectual, o único presidente da República que chegou preparado para ocupar o cargo — o único — na história da Nova República (e, quiçá, da República) foi Fernando Henrique Cardoso. O que, infelizmente, não o impediu de sucumbir à vaidade, fazendo passar a emenda da reeleição, e de dar corda à corrupção de aliados.

Sergio Moroe sua mulher, Rosangela, gravaram uma mensagem de Natal. Eles não formam propriamente um casal Obama, mas foram tratados por essa mesma imprensa — e nas redes sociais — como se destoassem para baixo da média brasileira em termos de comunicabilidade, estética e crenças. Além de criticarem a voz do “marreco”, debocharam da voz da “pata” na mensagem. 

Como se Lula fosse um Pavarotti e Jair Bolsonaro, um José Carreras. Muitos dos que se deliciaram com o que seriam a caipirice do casal não aprenderam nem mesmo a comer direito com garfo e faca (meninos, eu vi). Um dos maiores malas sem alça que conheci classificou Moro de maior mala sem alça de 2022. Seria divertido, se não fosse assustador o ponto a que chegamos.

O braço jurídico do PT, mais conhecido como o clube do charuto e do vinho Prerrogativas, nunca esteve tão ativo nas redes sociais — e nos bastidores. Advogados de corruptos pescados pela Lava Jato repisam que Sergio Moro e os procuradores agiram politicamente quando estavam à frente da operação — e o lançamento da pré-candidatura do ex-juiz só confirmaria que ele agiu fora da lei. 

Para quem olha de fora, parece ser o contrário: se resolveu entrar na política, isso mostra que não fez nada de errado quando vestia toga e, por isso, não teme ter esse telhado de vidro. Acuado por Deltan Dallagnol, um dos integrantes do clube foi obrigado a concordar que a Lava Jato recuperou 15 bilhões de reais de dinheiro de corrupção. O rapaz, no entanto, continua a disparar contra Sergio Moro no Twitter (afinal de contas, pode se candidatar a deputado pelo PT), fazendo gracinhas sem usar vírgula antes de vocativo, como se o seu sobrenome quatrocentão fosse suficiente para abolir a gramática. 

Juntamente com ministros de tribunais superiores, o braço jurídico do partido atua para tentar criar embaraços ao pré-candidato Sergio Moro e quem ousa apoiar o moço. O Tribunal de Contas da União, por exemplo, agora quer saber quanto o ex-juiz ganhou para sair da empresa de consultoria americana que o empregou nos Estados Unidos, depois de ele sair do governo. O que isso tem a ver com dinheiro da União? Nada, absolutamente nada, mas a alopragem vai ao ponto de ligar o salário de Sergio Moro a um suposto conflito de interesses na condenação da Odebrecht e executivos da empreiteira. 

Os malandros da Brasília querem fazer crer que Sergio Moro quebrou a Odebrecht, cliente da empresa na qual ele viria a trabalhar, para conseguir o emprego. A versão se choca com a outra — a de que ele condenou Lula para eleger Jair Bolsonaro e virar ministro da Justiça –, mas cabe tudo na fantasia brasiliense.

Sergio Moro está num partido sem muito dinheiro de fundo eleitoral, esbarra em imensas dificuldades para atrair aliados e está com 9% nas pesquisas de intenção de voto. O povão praticamente ignora a sua existência, e não está dito que ele terá traquejo para se dar bem em palanques e debates. 

Por esses motivos, não vejo, neste momento, muita possibilidade de a sua candidatura crescer enormemente. Como sempre faço questão de dizer, não sou futurólogo, apenas jornalista. Pode ser que esse quadro vire lá adiante. Mas, independentemente da minha miopia e dos cálculos que estão sendo feitos pelos seus adversários, ainda assim acho a intensidade dos ataques ao pré-candidato do Podemos desproporcionalmente alta e o nível, extremamente baixo. Por que tanto medo de Sergio Moro?

A minha tese é a de que a virulência não visa somente ao presente, mas ao futuro. Assim como políticos, juízes e advogados trataram de inviabilizar juridicamente o surgimento de outra operação Lava Jato, esses mesmos personagens, secundados por seus mercenários na imprensa, agora querem matar na raiz o crescimento de quem se opõe ao sistema que raptou a democracia brasileira. Foi o caminho que restou depois de não conseguirem impedir a entrada dos protagonistas da maior operação anticorrupção da história do país no cenário político, com aquela vergonha de quarentena de 8 anos para magistrados e procuradores. 

Moro é jovem. Completará 50 anos em agosto. Como é presumível que, mesmo que não seja eleito em 2022, continue a fazer política, poderá chegar à presidência em 2026, 2030, 2034 ou qualquer outra data nos próximos 20 anos. Se trabalhar direito e não entrar no desvio, terá condição de criar uma nova, forte e perigosa corrente política que represente um basta no Estado de Dinheiro, que se sobrepôs ao Estado de Direito. Não basta, portanto, matar o Moro do presente. É preciso matar o Moro do futuro.

Mário Sabino, o autor deste artigo, é Editor d'O Antagonista e da revista eletronica Cruzoé. Publicado em 17.01.2022.

Miguel Srougi: Tenham piedade, excelências

Ministro Queiroga, rogo-lhe que abandone a complacência oportunista


O professor de urologia da USP Miguel Srougi durante fórum promovido pela Folha para debater a saúde no Brasil - Daniel Guimarães - 27.mar.14/Folhapress

No início de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou que a humanidade estava sob ataque de um vírus ensandecido, espraiado pelos cinco continentes. Explicitamente, anunciou uma nova pandemia e, implicitamente, indicou que esse patógeno não mais abandonaria o nosso planeta.

Como a história e a ciência previram, e em resposta à pressão evolucionária, o coronavírus ancestral de Wuhan, na China, sofreu sucessivas transmutações para se perenizar, culminando agora com o aparecimento da variante ômicron, já disseminada pelo planeta.

Com a mesma velocidade e competência, os nossos cientistas desvendaram os principais mistérios que envolviam esse novo agente com o objetivo de enfrentar o novo desafio. Assim, demonstraram que:

1 - essa infecção tem uma assombrosa capacidade de disseminação: 10 portadores de ômicron infectam, dentro de 2 a 3 dias, 100 pessoas não vacinadas; 

2 - em 8 de janeiro, a variante já era responsável por 98,7% dos casos de Covid no Brasil; 

3 - previsão da Universidade de Washington indica uma escalada incontrolável no número de casos em nosso país, com 1 milhão de pessoas sendo infectadas diariamente dentro de dez dias. Esse número não será reconhecido pelo governo federal, que insiste em subestimar vergonhosamente a prevalência da doença;

4 - as taxas de internações em UTI e de óbitos são de 4 a 5 vezes menores nos pacientes infectados pela ômicron se comparadas aos casos atingidos pelas variantes prévias. Esses índices mais baixos não devem ser menosprezados, já que a disseminação irrefreada da doença talvez mate 400 ou mais brasileiros por dia dentro de três semanas; 

5 - a vacinação com duas doses do imunizante protege entre 10% e 51% das pessoas expostas à ômicron, mas três doses protegem 88%;

6 - a capacidade da ômicron de infectar crianças é duas vezes maior que a das variantes anteriores. Apesar da baixa letalidade, crianças precisam ser vacinadas para não se transformarem em reservatórios perpetuadores da pandemia. E, também, porque baixa letalidade não é baixa se quem morre é um ente querido; 

7 - bobagens têm sido ditas por pessoas que convencem mais quando ficam caladas. A vacina da Pfizer é bastante segura em crianças, e nenhum óbito foi relatado após quase 9 milhões de doses administradas a esse grupo nos Estados Unidos; e 

8 - finalmente, a pandemia pela ômicron só será extinta se pelo menos 90% da população em cada país for imunizada de forma correta e rápida para evitar a emergência de novas variantes agressivas. Como essa meta é utópica, e provavelmente inatingível, o vírus continuará bailando pelo mundo, reescrevendo de forma trágica a nossa história.

Confesso que, neste momento, não consigo disfarçar minha aflição. Vivendo numa nação estraçalhada, com uma rede sanitária inacessível às pessoas mais simples e, pior, com líderes que não prestam, prevejo um futuro tenebroso para os nossos cidadãos. Sem vislumbrar qualquer possibilidade de o nosso presidente modificar suas atitudes imperfeitas e rudes, só me resta fazer um apelo público, aberto e sincero.

Ministro Marcelo Queiroga: você, como membro de uma classe de heróis que recentemente mudou os destinos da humanidade e com uma história pessoal que até há pouco lhe proporcionou o respeito e a admiração dos cardiologistas brasileiros, não tem o direito de manchar sua biografia e envergonhar seu entorno com atitudes que estão contribuindo para aniquilar o Brasil e o nosso povo.

Por isso, rogo-lhe que se coloque ao lado de tantos filhos da nação e assuma o combate irrestrito à pandemia, pautado na ciência, inspirando e apoiando os demais governantes, estimulando a aplicação das medidas sanitárias reconhecidas, fortalecendo os sistemas de suporte à vida, divulgando estatísticas honestas, necessárias para a gestão da crise, e promovendo a vacinação da nossa população de forma abrangente e rápida. Abandone a complacência oportunista e defenda a nação brasileira contra os ataques do vírus e da indecência.

Pedindo desculpas por repetir, termino relembrando Albert Einstein: "O mundo é um lugar perigoso para se viver, não por causa daqueles que fazem o mal, mas por causa daqueles que observam e deixam o mal acontecer". Hoje, com duplo sentido.

Miguel Srougi, o autor deste artigo, é Professor titular de urologia da Faculdade de Medicina da USP, é pós-graduado em urologia pela Universidade Harvard, membro da Academia Nacional de Medicina e presidente do conselho do Instituto ‘Criança é Vida’. Publicado originalmente na Folha de São Paulo, em 16.01.2022.