quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Bolsonaro assina uma declaração do G20 que contradiz seus três anos de Governo

Entre os compromissos estão não divulgar desinformação sobre vacinas contra covid-19, defender o meio ambiente e proteger direitos de indígenas e mulheres. Leia a íntegra

O presidente Bolsonaro durante a Cúpula do G20 em Roma, no dia 31 de outubro. (CAROFEI/FOTOGRAMMA / ZUMA PRESS / CONTACTOPHOTO (EUROPA PRESS)

Os líderes das 20 maiores economias do mundo assinaram nesta semana uma série de compromissos para enfrentar as crises econômica e sanitária geradas pela pandemia da covid-19. A declaração dos chefes de Estado e de Governo do G20 foi subscrita por todos os participantes do encontro, entre eles o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, que, nos dois dias de debates, preferiu passear por Roma a buscar reuniões bilaterais com seus pares. Talvez o desinteresse explique por que parte do que foi firmado pelo mandatário brasileiro vai na contramão do que ele apregoa em seus discursos ou da maneira como age seu Governo desde janeiro de 2019. Listamos cinco exemplos que constam do documento e confrontam a práxis bolsonarista. Ao final do texto, está a íntegra da declaração, divulgada nesta terça-feira pelo Ministério das Relações Exteriores.

Saúde

Os líderes se comprometeram a aumentar a capacidade de fabricação de imunizantes contra o coronavírus e a promover “a aceitação da vacina, confiança e combate à desinformação”. Um contrassenso para Bolsonaro, que é um dos principais divulgadores de desinformação sobre o tema. Em diversas ocasiões colocou em xeque a eficácia da vacina e, em uma live, o presidente chegou a vincular a imunização contra a covid-19 à Aids. O vídeo em que ele trata do tema foi retirado das plataformas Facebook, Instagram e YouTube —desta última, a conta do presidente foi suspensa por uma semana. Além disso, ele já disse que não pretende se vacinar tão cedo. Sua decisão já rendeu embaraços diplomáticos, como o de não ter a mão apertada pelo premiê da Itália, Mario Draghi, na mesma cúpula do G20, em Roma.

Ainda no sentido de não incentivar a vacinação, o Ministério do Trabalho do Governo Bolsonaro proibiu que empresas exijam comprovante de vacinação no ato da contratação ou manutenção do emprego do trabalhador. “Ao empregador é proibido, na contratação ou na manutenção do emprego do trabalhador, exigir quaisquer documentos discriminatórios ou obstativos para a contratação, especialmente comprovante de vacinação, certidão negativa de reclamatória trabalhista, teste, exame, perícia, laudo, atestado ou declaração relativos à esterilização ou a estado de gravidez”, diz a portaria.

A imunização contra covid-19 é uma das principais marcas de ineficiência da gestão de Bolsonaro. Seu Governo protelou a aquisição de vacinas da Pfizer, se viu enredado em um esquema de corrupção para a compra de vacinas da Covaxin e comprou menos imunizantes do que poderia do projeto Covax Faciltiy, promovido pela Organização Mundial da Saúde. Essa última iniciativa aparece como algo a ser valorizado pelos líderes do G20. “Reiteramos nosso apoio a todos os pilares do ACT-Accelerator, incluindo o COVAX, e continuaremos a melhorar sua eficácia”, diz a declaração conjunta.

Meio Ambiente e povos indígenas

Na área ambiental, os líderes do G20 se comprometeram a proteger as áreas florestais, incentivando a plantação de 1 trilhão de árvores ao redor do planeta, para ajudar a controlar os efeitos climáticos com novos sumidouros de carbono. O Brasil de Bolsonaro, contudo, foi provavelmente o único país do G20 a aumentar suas emissões de carbono em 2020. No mesmo ano, também viu a Amazônia chegar a 10.851 quilômetros quadrados de área desmatada, a maior taxa em 12 anos. Um levantamento do Observatório do Clima, baseado em dados preliminares do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, indicam que, em 2021, poderá ser ultrapassada pela terceira vez a marca de 10.000 quilômetros quadrados de destruição. “A soma desses três anos equivale à derrubada de uma área semelhante à da Bélgica em florestas”, alerta a ONG.

Na declaração dos líderes do G20, também há o compromisso de “combater crimes que afetam o meio ambiente, como a extração ilegal de madeira, mineração ilegal, comércio ilegal de animais selvagens e movimentação e eliminação ilegais de resíduos e substâncias perigosas”. A gestão Bolsonaro, porém, tem desmontado os órgãos de fiscalização ambiental, reduzido o orçamento do Ministério do Meio Ambiente, feito vista grossa para a mineração ilegal e incentivado a grilagem de terras. No Congresso Nacional tramitam projetos de lei, com o apoio do Governo, que enfraquecem os mecanismos de fiscalização e permitem a ocupação, hoje ilegal, de terras da União.

A participação dos povos indígenas na formulação de políticas públicas é outra preocupação estampada no documento do G20. Diz a declaração: “Vamos ampliar e incentivar a implementação de soluções baseadas na natureza ou abordagens baseadas em ecossistemas como ferramentas valiosas que fornecem benefícios econômicos, sociais, climáticos e ambientais, incluindo dentro e ao redor das cidades, de forma inclusiva e por meio da participação das comunidades locais e dos povos indígenas”.

No Brasil, essa população tem sido cada vez menos atendida pelo Governo. Desde que Bolsonaro assumiu a presidência, em 2019, nenhuma nova terra indígena foi demarcada. Para piorar, nos últimos dois anos houve um considerável aumento nos casos de “invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio” em áreas dos povos originários. Conforme o Relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil, publicado anualmente pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), foram 263 casos do tipo registrados em 2020 —um aumento em relação a 2019, quando foram contabilizados 256 casos, e um acréscimo de 137% em relação a 2018, quando haviam sido identificados 111 casos. Se não bastassem esses ataques, áreas destinadas para indígenas isolados também correm o risco de perder a proteção da Fundação Nacional do Índio e cair nas mãos de invasores.

Indígena pataxó durante protesto contra Bolsonaro no dia 19 de junho, em Brasília. (Sergio Lima / AFP)

Igualdade de gênero e empoderamento feminino

Quando se trata de igualdade de gênero, o Governo Bolsonaro está longe de servir como exemplo. Quando deputado, por exemplo, ele disse que não estupraria uma colega deputada, Maria do Rosário, porque ela não merecia. Enquanto presidente, vetou uma lei que previa distribuição gratuita de absorventes para cerca de 5,6 milhões brasileiras em situação de vulnerabilidade e sinalizou que vai vetar um projeto de lei que prevê a igualdade salarial entre homens e mulheres. Argumenta que, se o fizesse, os empregadores deixariam de contratar mulheres.

No último 8 de março, Dia Internacional da Mulher, o Brasil se recusou a assinar um compromisso mundial em defesa da saúde feminina porque havia no texto referências a “saúde sexual reprodutiva”. Apenas países com gestões conservadoras de direita ou extrema direita se abstiveram de firmar o documento, como Polônia, Hungria e Arábia Saudita. Ainda assim, Bolsonaro concordou com seus pares do G20 e afirmou ter compromisso “com a igualdade de gênero”. “Enfatizamos o papel central do empoderamento e liderança de mulheres e meninas em todos os níveis para o desenvolvimento inclusivo e sustentável”, ressalta o documento.

Educação

Entre os líderes do G20 há um consenso de que a educação é uma “ferramenta fundamental para a recuperação econômica inclusiva e sustentável”. Eles se comprometeram a “garantir o acesso à educação de qualidade para todos, com atenção especial às mulheres, meninas e alunos vulneráveis”. “Aumentaremos nossos esforços para tornar os sistemas educacionais inclusivos, adaptáveis e resilientes e aprimoraremos a coordenação entre educação, emprego e políticas sociais para melhorar a transição da educação para o emprego de qualidade, também por meio da aprendizagem ao longo da vida”.

O Brasil de Bolsonaro, na prática, se depara com um ministro da Educação, Milton Ribeiro, que já afirmou que alunos com alguma deficiência intelectual “atrapalham” a evolução dos demais colegas na sala de aula —posteriormente ele se desculpou da fala. Ribeiro é o quarto ministro do tumultuado Ministério da Educação de Bolsonaro. Além disso, o país tem 25% de suas escolas públicas sem acesso à internet. É como se mantiveram durante a pandemia de covid-19, quando os alunos se viram obrigados a assistir aulas online. O Governo Bolsonaro ainda vetou uma lei que garantia o fornecimento da internet a alunos pobres. Mais tarde, o veto foi derrubado pelo Congresso, mas o Executivo recorreu à Justiça para não investir os 3,5 bilhões de reais previstos na lei, que pressionariam o orçamento para o ano.

O ministro Milton Ribeiro, em julho de 2020. (Isac Nóbrega / PR)

Anticorrupção

Os líderes do G20 também se comprometeram a ter tolerância zero com os crimes de corrupção e de se aproximar da sociedade civil nos esforços para impedir esses delitos. “Fortaleceremos ainda mais nosso envolvimento com outras partes interessadas, como academia, sociedade civil, mídia e setor privado, e continuaremos a promover seu importante papel e participação ativa neste campo”, diz o comunicado.

A proximidade com o meio acadêmico e a imprensa é algo difícil de se esperar de Bolsonaro. Seu Governo se diz perseguido pela imprensa e usualmente instiga seus apoiadores a criticarem os meios de comunicação. O presidente costuma dar entrevistas apenas para rádios pequenas do interior do país ou para veículos amigos. Geralmente encerra entrevistas coletivas quando é questionado sobre temas espinhosos ou agride verbalmente o jornalista que faz a pergunta. Na sua viagem a Roma, repórteres que o acompanhavam relatam ter sido agredidos por membros da equipe da segurança, e o mandatário nada fez para impedir as agressões.

Também há quase um consenso em Brasília de que o presidente conseguiu minar diversos mecanismos de combate à corrupção e até se blindar de futuras apurações. Ele admitiu em 2020 que tentou interferir no trabalho da Polícia Federal —no episódio que resultou na saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça— e tentou nomear um amigo de sua família para o cargo de diretor-geral da PF. Além disso, praticamente toda sua família está envolvida em um escândalo de contratação de funcionários fantasmas, uma prática popularmente conhecida como rachadinha.

Íntegra da Declaração dos Líderes do G20


Os líderes do G20 com um grupo de médicos em Roma, no dia 30. (Erin Schaff / Pool Reuters)

1. Nós, os Líderes do G20, nos reunimos em Roma em 30 e 31 de outubro, para abordar os desafios globais mais urgentes da atualidade e para convergir em esforços comuns para recuperar melhor da crise causada pela pandemia de COVID-19 e fomentar o crescimento sustentável e inclusivo em nossos países e em todo o mundo. Como o principal fórum para cooperação econômica internacional, estamos empenhados em superar a crise econômica e de saúde global decorrentes da pandemia, que afetou bilhões de vidas, dificultou drasticamente o progresso na realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, interrompeu as cadeias de abastecimento globais e dificultou a mobilidade internacional. Com isso em mente, expressamos nossa profunda gratidão aos profissionais de saúde, trabalhadores da linha de frente, organizações internacionais e comunidade científica por seus esforços incansáveis para lidar com o COVID-19.

2. Sublinhando o papel crucial do multilateralismo na busca de soluções compartilhadas e eficazes, concordamos em fortalecer ainda mais nossa resposta comum à pandemia e preparar o caminho para uma recuperação global, com atenção especial às necessidades dos mais vulneráveis. Tomamos medidas decisivas para apoiar os países que mais precisam superar a pandemia, melhorar sua resiliência e enfrentar desafios críticos, como garantir a segurança alimentar e a sustentabilidade ambiental. Concordamos com uma visão compartilhada para combater a mudança climática e demos passos importantes para o alcance da igualdade de gênero. Também avançamos ainda mais em nossos esforços comuns para garantir que os benefícios da digitalização sejam amplamente compartilhados, com segurança, e contribuam para a redução das desigualdades.

3. Economia global. Ao longo de 2021, a atividade econômica global tem se recuperado em um ritmo sólido, graças à aplicação de vacinas e ao apoio contínuo de políticas públicas. No entanto, a recuperação permanece altamente variável entre os países e dentro deles, e exposta a riscos negativos, em particular a possível disseminação de novas variantes de COVID-19 e os ritmos de vacinação desiguais. Continuamos determinados a usar todas as ferramentas disponíveis pelo tempo necessário para enfrentar as consequências adversas da pandemia, em particular sobre os mais afetados, como mulheres, jovens e trabalhadores informais e pouco qualificados, e sobre as desigualdades. Continuaremos a sustentar a recuperação, evitando qualquer retirada prematura das medidas de apoio, ao mesmo tempo em que preservamos a estabilidade financeira e a sustentabilidade fiscal de longo prazo e protegemos contra riscos de queda e repercussões negativas. Os bancos centrais estão monitorando de perto a dinâmica atual dos preços. Eles agirão conforme necessário para cumprir seus mandatos, incluindo estabilidade de preços, enquanto examinam as pressões inflacionárias onde são transitórias e permanecem comprometidos com a comunicação clara das posições políticas. Continuamos atentos aos desafios globais que afetam nossas economias, como interrupções nas cadeias de abastecimento. Trabalharemos juntos para monitorar e abordar essas questões à medida que nossas economias se recuperam e para apoiar a estabilidade da economia global. Comprometemo-nos a fazer avançar a agenda voltada para o futuro definida no Plano de Ação do G20, conforme atualizado em abril de 2021, e recebemos com satisfação o quarto Relatório de Progresso. Reafirmamos os compromissos sobre taxas de câmbio assumidos por nossos Ministros das Finanças e Presidentes do Banco Central em abril de 2021.

4. Saúde. Reconhecendo que as vacinas estão entre as ferramentas mais importantes no combate à pandemia e reafirmando que a ampla imunização contra a COVID-19 é um bem público global, avançaremos nossos esforços para garantir o acesso oportuno, equitativo e universal a vacinas seguras, acessíveis, de qualidade e eficazes, a tratamentos e a diagnósticos, com atenção especial às necessidades dos países de baixa e média renda. Para ajudar a avançar em direção às metas globais de vacinação de pelo menos 40 por cento da população em todos os países até o final de 2021 e 70 por cento até meados de 2022, conforme recomendado pela estratégia de vacinação global da Organização Mundial da Saúde (OMS), nós iremos tomar medidas para ajudar a aumentar o fornecimento de vacinas e produtos médicos essenciais e insumos nos países em desenvolvimento e remover as restrições de fornecimento e financiamento relevantes. Pedimos aos nossos Ministros da Saúde que monitorem o progresso nesse sentido e explorem maneiras de acelerar a vacinação global conforme necessário.

5. Reforçaremos as estratégias globais para apoiar a pesquisa e o desenvolvimento (P&D), bem como para garantir sua produção e distribuição rápida e equitativa em todo o mundo, também fortalecendo as cadeias de abastecimento e expandindo e diversificando a capacidade global de fabricação de vacinas em nível local e regional, ao mesmo tempo promovendo a aceitação da vacina, confiança e combate à desinformação. Para esse fim, comprometemo-nos a abster-nos de restrições à exportação inconsistentes com as regras da OMC e a aumentar a transparência e a previsibilidade na entrega de vacinas. Reiteramos nosso apoio a todos os pilares do ACT-Accelerator, incluindo o COVAX, e continuaremos a melhorar sua eficácia. Apoiamos a extensão do mandato da ACT-A ao longo de 2022 e reconhecemos a formação da Força-Tarefa de Líderes Multilaterais sobre o COVID-19. Saudamos o trabalho realizado pelo Grupo de Trabalho de Fabricação de Vacinas do Conselho de Facilitação COVAX ACT-A e seu relatório com o objetivo de criar uma base mais ampla para a fabricação de vacinas. Em particular, apoiaremos o aumento da distribuição, administração e capacidade de fabricação local de vacinas em PRMIs, inclusive por meio de centros de transferência de tecnologia em várias regiões, como os Centros de mRNA recém-estabelecidos na África do Sul, Brasil e Argentina, e por meio de arranjos de produção e processamento conjuntos. Trabalharemos juntos para o reconhecimento pela OMS das vacinas COVID-19 consideradas seguras e eficazes e de acordo com a legislação e circunstâncias nacionais, e para fortalecer a capacidade da organização quanto à aprovação de vacinas, incluindo a otimização de procedimentos e processos, com o objetivo de ampliar a lista de vacinas autorizadas para uso emergencial (EUL), continuando a proteger a saúde pública e garantindo a privacidade e proteção de dados. Como um esforço coletivo do G20, e à luz das lacunas de vacinação que ainda persistem, comprometemo-nos a aumentar substancialmente a oferta e o acesso às vacinas, bem como a tratamentos e ao diagnóstico. Aumentaremos nossos esforços para garantir a entrega e aceitação das vacinas de forma transparente, rápida e previsível onde for necessário. Apelamos ao setor privado e às instituições financeiras multilaterais para contribuírem para esse esforço. Agradecemos o trabalho do Banco Mundial a esse respeito e do FMI e da OMS por meio do painel de previsão do fornecimento de vacinas.

6. Reafirmamos nosso compromisso com a Declaração de Roma da Cúpula de Saúde Global como uma bússola para a ação coletiva e estamos comprometidos com o fortalecimento da governança da saúde global. Apoiamos o trabalho em andamento para fortalecer o papel de liderança e coordenação de uma OMS com financiamento adequado e sustentável. Reconhecemos que o financiamento para a prevenção, preparação e resposta à pandemia (PPR) deve se tornar mais adequado, mais sustentável e mais bem coordenado e requer uma cooperação contínua entre os tomadores de decisão de saúde e finanças, incluindo para abordar potenciais lacunas de financiamento, mobilizando uma combinação apropriada de mecanismos de financiamento multilateral existentes e explorar o estabelecimento de novos mecanismos de financiamento. Estabelecemos uma Força-Tarefa Conjunta de Finanças e Saúde do G20 com o objetivo de intensificar o diálogo e a cooperação global em questões relacionadas à PPR pandêmico, promovendo a troca de experiências e melhores práticas, desenvolvendo acordos de coordenação entre os Ministérios das Finanças e da Saúde, promovendo ação coletiva, avaliando e abordando emergências de saúde com impacto transfronteiriço e encorajando a administração eficaz de recursos para PPR pandêmico, ao mesmo tempo em que se adota uma abordagem de Saúde Única (One Health). Dentro deste contexto, esta Força-Tarefa trabalhará, e apresentará um relatório no início de 2022, sobre as modalidades para estabelecer um mecanismo financeiro, a ser elaborado inclusive com o papel de coordenação central da OMS, impulsionado pelo G20 e engajado desde o início. - Países de entrada, parceiros adicionais não pertencentes ao G20 e bancos multilaterais de desenvolvimento, para garantir financiamento adequado e sustentado para prevenção, preparação e resposta à pandemia.

7. Reafirmamos nosso compromisso de alcançar os ODS relacionados à saúde, em particular a Cobertura Universal de Saúde. Acolhemos os esforços multilaterais voltados para apoiar e fortalecer a preparação e resposta à pandemia, incluindo a consideração de um possível instrumento ou acordo internacional no âmbito da OMS, e para fortalecer a implementação e conformidade com o Regulamento Sanitário Internacional de 2005. Comprometemo-nos a buscar um Abordagem de saúde em nível global, regional, nacional e local. Para este fim, iremos melhorar a vigilância global, detecção precoce e sistemas de alerta precoce, sob o papel de coordenação da OMS, FAO, OIE e PNUMA, e abordar os riscos emergentes da interface humano-animal-ambiental, particularmente o surgimento de doenças zoonóticas , ao mesmo tempo em que busca esforços globais para combater a resistência antimicrobiana, ao mesmo tempo em que garante o acesso aos antimicrobianos e sua administração prudente, e continua a abordar outras questões críticas, incluindo doenças não transmissíveis e saúde mental. Reconhecendo a importância de reação rápida às pandemias, apoiaremos a ciência para encurtar o ciclo de desenvolvimento de vacinas, tratamentos e diagnósticos seguros e eficazes de 300 para 100 dias após a identificação de tais ameaças e trabalharemos para torná-los amplamente disponíveis.

8. Reafirmamos a importância de garantir a continuidade dos serviços de saúde além do COVID-19 e de fortalecer os sistemas nacionais de saúde e os serviços de atenção primária à saúde, à luz das repercussões da pandemia na saúde mental e bem-estar, devido ao isolamento, desemprego , insegurança alimentar, aumento da violência contra mulheres e meninas e acesso limitado à educação, bem como a serviços de saúde, incluindo saúde sexual e reprodutiva, com atenção especial às mulheres e meninas e às necessidades dos mais vulneráveis. Continuaremos apoiando iniciativas de combate à AIDS, Tuberculose e Malária. Continuaremos nossos esforços para aprimorar a inovação em tecnologias digitais e outras relacionadas à saúde, levando em consideração a necessidade de proteger dados pessoais de saúde, encorajar a transferência voluntária de tecnologia em termos mutuamente acordados e trabalhar com a OMS para atualizar e reforçar padrões da força de trabalho de saúde pública por meio do melhoramento de currículos de saúde e materiais de treinamento. Para este fim, continuaremos nosso envolvimento com o Centro de Inovação Global para Melhorar o Valor na Saúde e saudamos o lançamento da Academia da OMS e iniciativas como o Laboratório de Força de Trabalho de Saúde Pública proposto pela Presidência Italiana do G20.

9. Desenvolvimento sustentável. Continuamos profundamente preocupados com os impactos da crise da pandemia de COVID-19, especialmente nos países em desenvolvimento, que atrasou o progresso em direção à Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e à Agenda de Ação de Adis Abeba. Reafirmamos nosso compromisso com uma resposta global para acelerar o progresso na implementação dos ODS e apoiar uma recuperação sustentável, inclusiva e resiliente em todo o mundo, capaz de promover a equidade e acelerar o progresso em todos os ODS, reconhecendo a importância das estratégias de propriedade nacional, Localização dos ODS, empoderamento de mulheres e jovens, produção sustentável e padrões de consumo responsáveise acesso a energia acessível, confiável, sustentável e moderna para todos. Reforçaremos nossas ações para implementar o Plano de Ação do G20 sobre a Agenda 2030 e o Apoio do G20 à Resposta e Recuperação do COVID-19 nos países em desenvolvimento, com base na Atualização de Roma de 2021, com particular atenção aos países mais vulneráveis. Saudamos o progresso feito e reiteramos nosso apoio contínuo aos países africanos, em particular por meio da Iniciativa do G20 sobre o Apoio à Industrialização na África e nos PMDs, a Parceria do G20 na África, o Pacto com a África e outras iniciativas relevantes. Continuamos comprometidos em lidar com os fluxos financeiros ilícitos.

10. Apoio a países vulneráveis. Saudamos a nova alocação geral de Direitos Especiais de Saque (DES), implementada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) em 23 de agosto de 2021, que disponibilizou o equivalente a US $ 650 bilhões em reservas adicionais globalmente. Estamos trabalhando em opções viáveis para membros com fortes posições externas para ampliar significativamente seu impacto por meio da canalização voluntária de parte dos DES alocados para ajudar os países vulneráveis, de acordo com as leis e regulamentos nacionais. Saudamos os recentes compromissos de cerca de US$ 45 bilhões como um passo em direção a uma ambição global total de US $ 100 bilhões em contribuições voluntárias para os países mais necessitados. Saudamos também o trabalho em andamento para aumentar significativamente a capacidade de empréstimo do Poverty Reduction and Growth Trust e pedimos mais empréstimos voluntários e contribuições subsidiárias de países capazes de fazê-lo. Também pedimos ao FMI que estabeleça um novo Resilience and Sustainability Trust (RST) - em linha com seu mandato - para fornecer financiamento acessível de longo prazo para ajudar os países de baixa renda, incluindo no continente africano, pequenos estados insulares em desenvolvimento e países vulneráveis de renda média para reduzir os riscos para a estabilidade da balança de pagamentos, incluindo os decorrentes de pandemias e mudanças climáticas. O novo RST preservará as características dos ativos de reserva dos SDRs canalizados por meio do Trust. Nossos Ministros das Finanças aguardam uma discussão mais aprofundada sobre a política de sobretaxas no Conselho do FMI no contexto da revisão provisória dos saldos de precaução.

11. Saudamos o progresso alcançado no âmbito da Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida do G20 (DSSI), que também foi acordada pelo Clube de Paris. Estimativas preliminares apontam para pelo menos US $ 12,7 bilhões do total do serviço da dívida diferido, no âmbito desta iniciativa, entre maio de 2020 e dezembro de 2021, beneficiando 50 países. Saudamos o recente progresso no Quadro Comum para o tratamento da dívida além do DSSI. Comprometemo-nos a intensificar nossos esforços para implementá-lo de maneira oportuna, ordenada e coordenada. Essas melhorias dariam mais certeza aos países devedores e facilitariam a rápida prestação de apoio financeiro do FMI e dos MDBs. Esperamos avançar nas negociações atuais no âmbito do Quadro Comum. Ressaltamos a importância de os credores privados e outros credores bilaterais oficiais oferecerem tratamentos de dívida em termos pelo menos tão favoráveis, de acordo com o princípio de comparabilidade do tratamento. Recordamos o trabalho futuro dos BMDs, conforme declarado no Quadro Comum, à luz das vulnerabilidades da dívida. Afirmamos a importância de esforços conjuntos de todos os atores, incluindo credores privados, para continuar a trabalhar no sentido de aumentar a transparência da dívida. Esperamos o progresso do FMI e do Banco Mundial em sua proposta de um processo para fortalecer a qualidade e consistência dos dados da dívida e melhorar a divulgação da dívida.

12. Reafirmamos o papel crucial do apoio de longo prazo dos Bancos Multilaterais de Desenvolvimento (MDBs) para alcançar os ODS. Reconhecendo as altas necessidades de financiamento dos países de baixa renda, esperamos uma reposição ambiciosa da AID20 até dezembro de 2021, inclusive por meio do uso sustentável do balanço patrimonial da AID. Também aguardamos com expectativa a futura reposição do Fundo Africano de Desenvolvimento-16. Saudamos o lançamento da Revisão Independente das Estruturas de Adequação de Capital dos MDBs e as Recomendações do G20 sobre o uso de empréstimos baseados em políticas públicas, que ajudarão a maximizar o impacto das operações dos MDBs.

13. Arquitetura Financeira Internacional. Reiteramos nosso compromisso de fortalecer a resiliência financeira de longo prazo e apoiar o crescimento inclusivo, inclusive por meio da promoção de fluxos de capital sustentáveis, do desenvolvimento de mercados de capital em moeda local e da manutenção de uma rede de segurança financeira global forte e eficaz com um FMI forte, com base em cotas e com recursos adequados em seu centro. Aguardamos com expectativa a próxima revisão da Visão Institucional do FMI sobre a liberalização e gestão dos fluxos de capital, subsidiada, entre outros, pelo Quadro de Política Integrada. Continuamos empenhados em rever a adequação das cotas do FMI e continuaremos o processo de reforma da governança do FMI de acordo com a 16ª Revisão Geral de Cotas, incluindo uma nova fórmula de cotas como guia, até 15 de dezembro de 2023.

14. Reconhecendo a importância de fortalecer o alinhamento de todas as fontes de Financiamento para o Desenvolvimento Sustentável com os ODS e a necessidade de abordar as lacunas de financiamento relacionadas, em linha com os compromissos existentes, endossamos a Estrutura do G20 para Apoio Voluntário a Estruturas de Financiamento Nacional Integrado, os Princípios de Alto Nível do G20 sobre Instrumentos Financeiros Relacionados à Sustentabilidade e a Visão Comum do G20 sobre o Alinhamento dos ODS, observando a importância da transparência e da responsabilidade mútua. Pedimos também aos nossos Ministros do Desenvolvimento e das Finanças que intensifiquem ainda mais sua cooperação.

15. Segurança alimentar, nutrição, agricultura e sistemas alimentares. Estamos empenhados em alcançar a segurança alimentar e nutrição adequada para todos, sem deixar ninguém para trás. Para tanto, endossamos a Declaração de Matera e seu Apelo à Ação. Encorajamos os parceiros e partes interessadas a colaborar ou aderir à Coalizão Alimentar lançada pela FAO como meio de responder aos impactos do COVID-19 na segurança alimentar e nutricional. Estamos preocupados com as condições de fome e insegurança alimentar aguda alimentadas por conflitos armados em muitas partes do mundo, especialmente nos países listados no Relatório Global sobre Crises Alimentares de 2021. Promoveremos sistemas alimentares sustentáveis e resilientes e inovação agrícola, que são vitais para acabar com a fome e a desnutrição, erradicar a pobreza e garantir a sustentabilidade, também aumentando o acesso ao financiamento por meio de financiamento responsável, desenvolvendo e melhorando programas de alerta precoce, reduzindo a perda e o desperdício de alimentos ao longo da cadeia de produção alimentar, melhorando os meios de subsistência para pequenos proprietários e agricultores auxiliares e melhorando a integração da interface urbano-rural. Reconhecemos que a promoção de sistemas alimentares sustentáveis, incluindo o fortalecimento das cadeias de valor alimentares globais, regionais e locais e o comércio internacional de alimentos, contribuirá não apenas para a segurança alimentar, mas também dará uma grande contribuição para enfrentar os desafios globais interligados de mudança climática e perda de biodiversidade. Reconhecemos os resultados da Cúpula dos Sistemas Alimentares, incluindo iniciativas como a School Meals Coalition, e convidamos todos os parceiros a contribuírem para o seu acompanhamento, destacando a importância de uma coordenação reforçada na formulação de políticas do sistema alimentar e de melhores ferramentas de financiamento para sistemas alimentares sustentáveis.

16. Meio Ambiente. Comprometemo-nos a fortalecer as ações para deter e reverter a perda de biodiversidade até 2030 e conclamamos as Partes da CDB a adotar um Quadro de Biodiversidade Global ambicioso, equilibrado, prático, eficaz, robusto e transformador pós-2020 na COP15 em Kunming. Saudamos o lançamento da Década das Nações Unidas para a Restauração do Ecossistema 2021-2030, reafirmamos a ambição compartilhada de alcançar uma redução de 50% das terras degradadas até 2040 de forma voluntária e nos esforçaremos para alcançar a Neutralidade da Degradação da Terra até 2030. Vamos continuar a Iniciativa Global do G20 para Reduzir a Degradação de Terras e Melhorar a Conservação de Habitats Terrestres, lançada sob a Presidência Saudita e aguardamos com expectativa sua próxima Estratégia de Implementação. Reconhecemos os esforços feitos por uma série de países para aderir ao Compromisso dos Líderes para a Natureza e para garantir que pelo menos 30% das terras globais e pelo menos 30% dos oceanos e mares globais sejam conservados ou protegidos até 2030, e iremos ajudar a continuar o progresso em direção a este objetivo, de acordo com as circunstâncias nacionais. Encorajamos e apoiamos outros países a assumirem compromissos ambiciosos semelhantes. Continuaremos nossos esforços para garantir a conservação, proteção e uso sustentável dos recursos naturais e tomaremos medidas concretas para acabar com a sobrepesca, cumprir nosso compromisso de acabar com a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada e combater crimes que afetam o meio ambiente, como a extração ilegal de madeira, mineração ilegal, comércio ilegal de animais selvagens e movimentação e eliminação ilegais de resíduos e substâncias perigosas. Ressaltamos as muitas sinergias nos fluxos financeiros para o clima, a biodiversidade e os ecossistemas e fortaleceremos essas sinergias para maximizar os co-benefícios. Nesse contexto, reconhecemos a importância do trabalho de divulgação financeira relacionada à natureza.

17. Vamos ampliar e incentivar a implementação de soluções baseadas na natureza ou abordagens baseadas em ecossistemas como ferramentas valiosas que fornecem benefícios econômicos, sociais, climáticos e ambientais, incluindo dentro e ao redor das cidades, de forma inclusiva e por meio da participação das comunidades locais e dos povos’ indígenas. Vamos integrar a implementação de uma abordagem de Saúde Única em políticas relevantes e processos de tomada de decisão. Reconhecemos que os recursos hídricos estão em risco globalmente devido à pressão antropogênica. Continuaremos a compartilhar inovação e melhores práticas, também como um meio de apoiar a gestão integrada de recursos hídricos, inclusive por meio do Diálogo do G20 sobre Água e da Plataforma de Água do G20, adotada sob a Presidência Saudita.

18. Comprometemo-nos a intensificar nossas ações para conservar, proteger, restaurar e usar de forma sustentável a biodiversidade marinha e reiterar nosso compromisso com a Plataforma Global do Acelerador de P&D de Recife de Coral lançada sob a Presidência Saudita. Destacamos a importância de as partes da UNCLOS progredirem o mais rápido possível nas negociações em andamento para um instrumento internacional legalmente vinculativo ambicioso e equilibrado sob a UNCLOS sobre a conservação e uso sustentável da biodiversidade marinha de áreas fora de jurisdição nacional. No contexto do Sistema do Tratado da Antártica, apoiamos totalmente e encorajamos o progresso para implementar o compromisso de longa data da Comissão para a Conservação dos Recursos Vivos Marinhos da Antártica (CCAMLR), reconhecendo que as Áreas Marinhas Protegidas (AMPs) podem servir como uma ferramenta poderosa para proteger ecossistemas sensíveis representativos da Área da Convenção, em particular na Antártica Oriental, no Mar de Weddell e na Península Antártica. Reafirmamos nosso compromisso de proibir subsídios à pesca que contribuam para a sobrepesca e a sobrecapacidade, em linha com os ODS. Em linha com a Visão do Oceano Azul de Osaka, reafirmamos nosso compromisso com o fim da pesca ilegal, não declarada e não regulamentada e para lidar com o lixo plástico marinho, com base nas iniciativas conduzidas, inter alia, pela UNEA, com vistas a fortalecer os instrumentos existentes e desenvolver um novo acordo ou instrumento global.

19. Reconhecendo a urgência de combater a degradação do solo e criar novos sumidouros de carbono, compartilhamos a meta aspiracional de plantar coletivamente 1 trilhão de árvores, com foco nos ecossistemas mais degradados do planeta, e instamos outros países a unirem forças com o G20 para alcançar isso meta global até 2030, inclusive por meio de projetos climáticos, com o envolvimento do setor privado e da sociedade civil.

20. Cidades e economia circular. Comprometemo-nos a aumentar a eficiência de recursos, inclusive por meio do Diálogo de Eficiência de Recursos do G20 e reconhecemos a importância das cidades como facilitadoras do desenvolvimento sustentável e a necessidade de melhorar a sustentabilidade, saúde, resiliência e bem-estar em contextos urbanos, conforme destacado pela Nova Agenda Urbana - Habitat III. Com o envolvimento de empresas, cidadãos, universidades e organizações da sociedade civil, intensificaremos nossos esforços para alcançar padrões de consumo e produção sustentáveis e gestão e redução de emissões, incluindo a adoção de abordagens de economia circular, e apoiaremos ações locais de mitigação e adaptação ao clima. Endossamos a Plataforma G20 sobre Localização de ODS e Cidades Intermediárias, com o apoio da OCDE e da UN-Habitat. Apoiaremos as cidades intermediárias na adoção de um planejamento urbano integrado e inclusivo; acelerando suas transições em direção a energia limpa e sustentável e mobilidade sustentável para todos; melhorando a gestão de resíduos; promovendo a capacitação e o trabalho decente para mulheres, jovens, migrantes e refugiados; auxiliando pessoas com deficiência e idosos; aumentando a sustentabilidade dos sistemas alimentares; e possibilitando um acesso mais equitativo às inovações digitais. Parcerias como a Coalition for Disaster Resilience Infrastructure poderiam atuar como um veículo para acelerar essa agenda.

21. Energia e Clima. Respondendo ao apelo da comunidade científica, observando com preocupação os relatórios recentes do IPCC e cientes de nosso papel de liderança, nos comprometemos a enfrentar a ameaça crítica e urgente da mudança climática e a trabalhar coletivamente para alcançar o sucesso da UNFCCC COP26 em Glasgow. Para tanto, reafirmamos nosso compromisso com a implementação plena e efetiva da UNFCCC e do Acordo de Paris, tomando medidas de mitigação, adaptação e financiamento durante esta década crítica, com base no melhor conhecimento científico disponível, refletindo o princípio de responsabilidades comuns mas diferenciadas e respectivas capacidades, à luz das diferentes circunstâncias nacionais. Continuamos comprometidos com a meta do Acordo de Paris de manter o aumento da temperatura média global bem abaixo de 2 ° C e envidar esforços para limitá-lo a 1,5 ° C acima dos níveis pré-industriais, também como um meio de possibilitar o cumprimento da Agenda 2030.

22. Reconhecemos que os impactos das mudanças climáticas a 1,5 °C são muito menores do que a 2 °C. Manter a meta de 1,5 °C ao alcance exigirá ações significativas e eficazes e comprometimento de todos os países, levando em consideração diferentes abordagens, por meio do desenvolvimento de caminhos nacionais claros que alinhem a ambição de longo prazo com objetivos de curto e médio prazo e com a cooperação e apoio internacional, incluindo em finanças e tecnologia, no consumo responsável e na produção sustentável como facilitadores críticos, no contexto do desenvolvimento sustentável. Esperamos uma COP26 de sucesso.

23. Neste esforço, subsidiado pelas avaliações do IPCC, iremos acelerar nossas ações através da mitigação, adaptação e financiamento, reconhecendo a relevância chave de alcançar zero emissões líquidas globais de gases de efeito estufa ou neutralidade de carbono por volta de meados do século e a necessidade de fortalecer esforços globais necessários para atingir os objetivos do Acordo de Paris. Assim, reconhecendo que os membros do G20 podem contribuir significativamente para a redução das emissões globais de gases de efeito estufa, nos comprometemos, de acordo com os mais recentes desenvolvimentos científicos e com as circunstâncias nacionais, a tomar outras medidas nesta década e a formular, implementar, atualizar e melhorar, onde necessário, nossos NDCs de 2030 e formular estratégias de longo prazo que estabeleçam caminhos claros e previsíveis consistentes com o alcance de um equilíbrio entre as emissões antropogênicas e a remoção de carbono por sumidouros até meados do século, ou em torno de meados do século, levando em consideração diferentes abordagens, incluindo a Economia Circular de Carbono,o desenvolvimento socioeconômico, econômico, tecnológico e de mercado, e a promoção das soluções mais eficientes. Reconhecemos os esforços feitos até o momento, incluindo compromissos de zero líquido e de neutralidade de carbono e novos e ambiciosos NDCs e LTSs por membros do G20, e aqueles que virão por ou na COP26.

24. Vamos entregar planos nacionais de recuperação e resiliência que aloquem, de acordo com as circunstâncias nacionais, uma parte ambiciosa dos recursos financeiros para mitigar e se adaptar às mudanças climáticas e evitar danos ao clima e ao meio ambiente. Reconhecemos o Sustainable Recovery Tracker desenvolvido em cooperação com a IEA, incentivando sua atualização. A fim de implantar todo o potencial de soluções zero, de baixa emissão, inovadoras, modernas e limpas, iremos colaborar para acelerar o desenvolvimento e implantação das soluções mais eficientes e eficazes e ajudá-los a alcançar rapidamente a paridade de custos e viabilidade comercial, incluindo para garantir o acesso à energia limpa para todos, especialmente nos países em desenvolvimento. Comprometemo-nos a expandir a pesquisa, o desenvolvimento e a implementação públicos. Aumentaremos nossa cooperação no fortalecimento da capacitação dirigida ao país e no desenvolvimento e transferência de tecnologia em termos mutuamente acordados, inclusive por meio de iniciativas globais importantes e projetos conjuntos ou bilaterais sobre as soluções mais eficientes em todos os setores da economia.

25. Os impactos das mudanças climáticas estão sendo sentidos em todo o mundo, especialmente pelos mais pobres e vulneráveis. Ressaltamos a importância da implementação efetiva da meta global de adaptação e apresentaremos comunicações sobre adaptação. Também nos comprometemos a aumentar o financiamento de adaptação, com vistas a alcançar um equilíbrio com a provisão de financiamento para mitigação para atender às necessidades dos países em desenvolvimento, incluindo mecanismos de facilitação, condições e procedimentos para acessar os fundos disponíveis, levando as estratégias, prioridades e necessidades nacionais em consideração. Lembramos e reafirmamos o compromisso assumido pelos países desenvolvidos com a meta de mobilizar conjuntamente US $ 100 bilhões por ano até 2020 e anualmente até 2025 para atender às necessidades dos países em desenvolvimento, no contexto de ações de mitigação significativas e transparência na implementação e enfatizamos a importância de cumprir essa meta plenamente o mais rápido possível. Nesse sentido, saudamos os novos compromissos assumidos por alguns dos membros do G20 para aumentar e melhorar suas contribuições globais para o financiamento público do clima internacional até 2025 e esperamos novos compromissos de outros. Observamos o Climate Finance Delivery Plan, que mostra, com base nas estimativas da OCDE, que a meta deverá ser cumprida o mais tardar em 2023. Lembramos também que o Acordo de Paris visa fortalecer a resposta global à ameaça das mudanças climáticas, no contexto de desenvolvimento sustentável e esforços para erradicar a pobreza, e que um de seus objetivos é tornar os fluxos de financiamento consistentes com um caminho para baixas emissões de GEE e desenvolvimento resiliente ao clima. Encorajamos as instituições financeiras internacionais, incluindo MDBs, a intensificar seus esforços para buscar o alinhamento com o Acordo de Paris dentro de prazos ambiciosos, para apoiar estratégias de recuperação e transição sustentáveis, NDCs e estratégias de desenvolvimento de baixa emissão de gases de efeito estufa de longo prazo em mercados emergentes e economias em desenvolvimento , e estabelecer planos para mobilizar financiamento privado, de acordo com seus mandatos, continuando a apoiar a realização da Agenda 2030 da ONU.

26. Comprometemo-nos a reduzir significativamente nossas emissões coletivas de gases de efeito estufa, levando em consideração as circunstâncias nacionais e respeitando nossos NDCs. Reconhecemos que as emissões de metano representam uma contribuição significativa para as mudanças climáticas e reconhecemos, de acordo com as circunstâncias nacionais, que sua redução pode ser uma das formas mais rápidas, viáveis e econômicas de limitar as mudanças climáticas e seus impactos. Saudamos a contribuição de várias instituições a esse respeito e tomamos nota de iniciativas específicas sobre o metano, incluindo o estabelecimento do Observatório Internacional de Emissões de Metano (IMEO). Promoveremos ainda mais a cooperação para melhorar a coleta, verificação e medição de dados em apoio aos inventários de GEE e para fornecer dados científicos de alta qualidade.

27. Vamos aumentar nossos esforços para implementar o compromisso assumido em 2009 em Pittsburgh para eliminar e racionalizar, a médio prazo, subsídios aos combustíveis fósseis ineficientes que incentivam o consumo perdulário e nos comprometemos a atingir esse objetivo, ao mesmo tempo que forneceremos apoio direcionado para os mais pobres e os mais vulneráveis.

28. Reconhecemos a estreita ligação entre clima e energia e nos comprometemos a reduzir a intensidade das emissões, como parte dos esforços de mitigação, no setor de energia para cumprir os prazos alinhados com a meta de temperatura de Paris. Cooperaremos na implantação e disseminação de tecnologias renováveis e de emissão zero ou baixa de carbono, incluindo bioenergia sustentável, para permitir uma transição para sistemas de energia de baixa emissão. Isso também permitirá que os países que se comprometem a eliminar gradualmente o investimento em nova capacidade de geração de energia a carvão, o façam o mais rápido possível. Comprometemo-nos a mobilizar o financiamento público e privado internacional para apoiar o desenvolvimento de energia verde, inclusiva e sustentável e encerraremos o fornecimento de financiamento público internacional para a geração de energia a carvão no exterior até o final de 2021.

29. Enquanto estamos nos recuperando da crise, também estamos comprometidos em manter a segurança energética, ao mesmo tempo em que abordamos as mudanças climáticas e garantimos transições justas e ordenadas de nossos sistemas de energia que garantam acessibilidade, inclusive para as famílias e empresas mais vulneráveis. Para isso, estaremos atentos à evolução dos mercados de energia, atendendo às tendências ao longo dos anos, e promovendo um diálogo intenso. Assim, o G20, em colaboração com o Fórum Internacional de Energia (IEF), facilitará o diálogo entre produtores e consumidores para reforçar a eficiência, transparência e estabilidade dos mercados de energia. Enfatizamos a importância de manter fluxos ininterruptos de energia de várias fontes, fornecedores e rotas, explorando caminhos para aumentar a segurança energética e a estabilidade dos mercados, enquanto promovemos mercados de energia internacionais abertos, competitivos e livres. Reconhecemos o papel da digitalização no aumento da segurança energética e da estabilidade do mercado por meio de um planejamento energético aprimorado, ao mesmo tempo em que garantimos a segurança dos sistemas de energia contra riscos de ataques, inclusive por meio do uso malicioso de TIC. Além de continuar a abordar os desafios tradicionais de segurança energética, estamos cientes de que as transições de energia limpa exigem um melhor entendimento da segurança energética, integrando aspectos como o aumento da participação de fontes de energia intermitentes; a crescente demanda por armazenamento de energia, a flexibilidade do sistema mudando os padrões climáticos; o aumento de eventos climáticos extremos; desenvolvimento responsável de fontes e tipos de energia; cadeias de suprimento confiáveis, responsáveis e sustentáveis de minerais e materiais essenciais, bem como de semicondutores e tecnologias relacionadas.

30. Políticas para a transição e finanças sustentáveis. Saudamos o acordo dos Ministros das Finanças e Presidentes de Bancos Centrais para coordenar seus esforços para enfrentar os desafios globais, como mudança climática e proteção ambiental, e para promover a transição para economias verdes, mais prósperas e inclusivas. Saudamos a introdução de um Pilar dedicado à Proteção do Planeta no Plano de Ação do G20. Concordamos com a importância de uma análise mais sistemática dos riscos macroeconômicos decorrentes das mudanças climáticas e dos custos e benefícios das diferentes transições, bem como do impacto macroeconômico e distributivo das estratégias de prevenção de riscos e das políticas de mitigação e adaptação, inclusive com base em metodologias bem estabelecidas. Solicitamos às diferentes linhas de trabalho do G20 que atuem em sinergia, dentro de seus respectivos mandatos e evitando a duplicação, para subsidiar nossas discussões sobre a combinação de políticas mais adequada para alcançar a transição para economias de baixa emissão de gases de efeito estufa, levando em consideração as circunstâncias nacionais. Essa combinação de políticas deve incluir investimento em infraestrutura sustentável e tecnologias inovadoras que promovam a descarbonização e a economia circular, e uma ampla gama de mecanismos fiscais, de mercado e regulatórios para apoiar as transições de energia limpa, incluindo, se apropriado, o uso de incentivos e mecanismos de precificação de carbono, ao mesmo tempo em que fornece apoio direcionado aos mais pobres e vulneráveis. Saudamos as discussões construtivas realizadas na Conferência Internacional de Veneza sobre o Clima e no Simpósio Tributário de Alto Nível do G20 sobre Política Tributária e Mudança Climática e reconhecemos que o diálogo político sobre o impacto macroeconômico e fiscal das políticas de mudança climática poderia se beneficiar de mais trabalho técnico.

31. O financiamento sustentável é crucial para promover transições ordenadas e justas para economias verdes e mais sustentáveis e sociedades inclusivas, em linha com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e o Acordo de Paris. Saudamos a criação do Grupo de Trabalho de Finanças Sustentáveis do G20 (SFWG) e endossamos o Roteiro de Finanças Sustentáveis do G20 e o Relatório de Síntese. O Roteiro, inicialmente focado no clima, é um documento plurianual voltado para a ação, de natureza voluntária e flexível, que subsidiará a agenda mais ampla do G20 sobre clima e sustentabilidade. Reconhecemos a importância de expandir gradualmente a cobertura do Roteiro para incluir questões adicionais, como biodiversidade e natureza, bem como questões sociais, com base no acordo mútuo dos membros do G20 nos próximos anos. Saudamos o Roteiro do Conselho de Estabilidade Financeira (FSB) para abordar os riscos financeiros das mudanças climáticas, que complementará o trabalho realizado pelo SFWG. Saudamos o relatório do FSB sobre a disponibilidade de dados sobre riscos de estabilidade financeira relacionados ao clima e o relatório do FSB sobre a promoção de divulgações financeiras relacionadas ao clima globalmente consistentes, comparáveis e confiáveis e suas recomendações. Também saudamos o programa de trabalho da International Financial Reporting Standards Foundation para desenvolver um padrão de relatório global de base sob governança robusta e supervisão pública, com base na estrutura da Força-Tarefa do FSB sobre Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima e o trabalho dos definidores de padrões de sustentabilidade.

32. Tributação internacional. O acordo político final, conforme estabelecido na Declaração sobre uma Solução de Dois Pilares para Abordar os Desafios Fiscais decorrentes da Digitalização da Economia e no Plano de Implementação Detalhado, divulgado pelo Quadro Inclusivo OCDE / G20 sobre Erosão de Base e Transferência de Lucros (BEPS) em 8 de outubro, é uma conquista histórica, por meio da qual vamos estabelecer um sistema tributário internacional mais estável e justo. Apelamos ao Quadro Inclusivo da OCDE / G20 sobre BEPS para desenvolver rapidamente as regras modelo e os instrumentos multilaterais acordados no Plano de Implementação Detalhado, com vistas a assegurar que as novas regras entrarão em vigor a nível global em 2023. Notamos o Relatório da OCDE sobre Países em Desenvolvimento e o Quadro Inclusivo OCDE / G20 sobre BEPS identificando o progresso dos países em desenvolvimento feito por meio de sua participação no Quadro Inclusivo OCDE / G20 sobre BEPS e possíveis áreas onde os esforços de mobilização de recursos domésticos poderiam ser mais apoiados.

33. Igualdade de gênero e empoderamento feminino. Reafirmamos nosso compromisso com a igualdade de gênero e enfatizamos o papel central do empoderamento e liderança de mulheres e meninas em todos os níveis para o desenvolvimento inclusivo e sustentável. Comprometemo-nos a colocar mulheres e meninas, que foram desproporcionalmente afetadas pela pandemia, no centro de nossos esforços para progredir melhor. Trabalharemos em fatores-chave como igualdade de acesso à educação e oportunidades, incluindo nos setores STEM, promoção do empreendedorismo e liderança femininos, eliminação da violência de gênero, melhoria dos serviços sociais, de saúde, de assistência e educacionais, a superação de estereótipos de gênero e a distribuição desigual de cuidados não remunerados e trabalho doméstico. Comprometemo-nos a implementar o Roteiro do G20 em direção e além da meta de Brisbane e a melhorar rapidamente a qualidade e a quantidade do emprego feminino, com um foco particular em diminuir a disparidade de gênero em salários. Reiteramos nosso compromisso de compartilhar o progresso e as ações tomadas em direção ao Objetivo de Brisbane no relatório anual relacionado e pedimos à OIT e à OCDE que continuem a relatar anualmente nosso progresso, levando em consideração os Indicadores Auxiliares dos Roteiros.

34. Saudamos a realização da primeira conferência do G20 sobre o Empoderamento Feminino e continuaremos a aprimorar nossas medidas concretas em direção a uma abordagem sistêmica e transversal à igualdade de gênero em nossas políticas nacionais, com ferramentas de implementação adequadas. Trabalharemos no empoderamento das mulheres em cooperação com a academia, a sociedade civil e o setor privado. Para esse fim, apoiamos a convocação de uma Conferência do G20 sobre o Empoderamento Feminino durante as próximas Presidências. Saudamos o trabalho da EMPOWER Alliance e seu envolvimento com o G20, a ser revisado em 2025. Reconhecemos a Women Entrepreneurs Finance Initiative como uma parceria importante para apoiar as PMEs lideradas por mulheres.

35. Emprego e proteção social. A pandemia de Covid-19 exacerbou as desigualdades em nossos mercados de trabalho, afetando desproporcionalmente os trabalhadores vulneráveis. Em cooperação com os parceiros sociais, adotaremos abordagens políticas centradas no ser humano para promover o diálogo social e garantir maior justiça social; condições de trabalho seguras e saudáveis; e trabalho decente para todos, inclusive nas cadeias de abastecimento globais. Para reduzir as desigualdades, erradicar a pobreza, apoiar as transições e reintegração dos trabalhadores nos mercados de trabalho e promover o crescimento inclusivo e sustentável, fortaleceremos nossos sistemas de proteção social, conforme descrito nos Princípios de Política do G20 para Garantir o Acesso à Proteção Social Adequada para Todos em um Mundo de Trabalho em Mudanç. Acolhemos as Opções de Política do G20 para Melhorar as Estruturas Regulatórias para Acordos de Trabalho Remoto e Trabalho por meio de Plataformas Digitais. Trabalharemos para garantir condições de trabalho decentes para trabalhadores remotos e de plataforma e nos esforçaremos para adaptar nossas estruturas regulatórias a novas formas de trabalho, garantindo que sejam justas e inclusivas, sem deixar ninguém para trás, ao mesmo tempo em que prestamos atenção especial à abordagem da divisão digital de gênero e desigualdades intergeracionais. Pedimos também à OIT e à OCDE que continuem monitorando o progresso em direção ao Objetivo da Juventude de Antalya. Ressaltamos nosso compromisso com uma maior cooperação internacional para fortalecer as condições de trabalho seguras e saudáveis para todos os trabalhadores e saudamos as Abordagens do G20 sobre Segurança e Saúde no Trabalho.

36. Educação. O acesso à educação é um direito humano e uma ferramenta fundamental para a recuperação econômica inclusiva e sustentável. Comprometemo-nos a garantir o acesso à educação de qualidade para todos, com atenção especial às mulheres, meninas e alunos vulneráveis. Aumentaremos nossos esforços para tornar os sistemas educacionais inclusivos, adaptáveis e resilientes e aprimoraremos a coordenação entre educação, emprego e políticas sociais para melhorar a transição da educação para o emprego de qualidade, também por meio da aprendizagem ao longo da vida.

37. Reconhecemos o papel crítico da educação para o desenvolvimento sustentável, incluindo a gestão ambiental, em capacitar as gerações mais jovens com as habilidades e a mentalidade necessárias para enfrentar os desafios globais. Comprometemo-nos a aumentar a cooperação e a promover medidas mais fortes e eficazes para esse fim.

38. Migração e deslocamento forçado. O impacto da pandemia nos colocou diante de novos desafios em relação à migração em nossas economias globalizadas. Comprometemo-nos a tomar medidas para apoiar a inclusão total de migrantes, incluindo trabalhadores migrantes e refugiados em nossos esforços de resposta e recuperação à pandemia, no espírito de cooperação internacional e em linha com as políticas, legislação e circunstâncias nacionais, garantindo total respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais, independentemente do seu status migratório. Reconhecemos também a importância de prevenir os fluxos de migração irregular e o contrabando de migrantes, como parte de uma abordagem abrangente para uma migração segura, ordenada e regular, ao mesmo tempo em que atende às necessidades humanitárias e às causas mais profundas do deslocamento. Observamos o Relatório Anual de Políticas e Tendências de Migração Internacional e Deslocamento Forçado de 2021 para o G20, preparado pela OCDE em cooperação com a OIT, a Organização Internacional para as Migrações (OIM) e o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). Continuaremos o diálogo sobre migração e deslocamento forçado nas futuras Presidências.

39. Transporte e viagens. Faremos o possível para reiniciar as viagens internacionais de maneira segura e ordenada, consistente com o trabalho de organizações internacionais relevantes, como a OMS, a Organização da Aviação Civil Internacional, a Organização Marítima Internacional e a OCDE. Para este fim, levando em consideração as políticas nacionais de saúde pública, reconhecemos a relevância de padrões compartilhados para garantir viagens contínuas, incluindo requisitos e resultados de testes, certificados de vacinação e interoperabilidade e reconhecimento mútuo de aplicativos digitais, continuando a proteger a saúde pública e garantindo a privacidade e proteção de dados. Reiteramos o papel essencial do pessoal de transporte e a necessidade de uma abordagem coordenada para o tratamento das tripulações aéreas, marítimas e terrestres, em conformidade com as normas de saúde pública e com o princípio da não discriminação.

40. Regulamentação financeira. Saudamos o relatório final do FSB sobre as lições aprendidas com a pandemia COVID-19 de uma perspectiva de estabilidade financeira e as próximas etapas propostas. Embora o sistema financeiro global tenha sido amplamente resiliente, permanecem lacunas na estrutura regulatória que estamos comprometidos em abordar, incluindo a conclusão dos elementos restantes das reformas regulatórias do G20 acordadas após a crise financeira de 2008. Também estamos empenhados em fortalecer a resiliência do setor de intermediação financeira não bancária (NBFI) com uma perspectiva sistêmica e reduzir a necessidade de intervenções extraordinárias de bancos centrais, por meio da implementação do programa de trabalho FSB NBFI. Endossamos o relatório final do FSB sobre propostas de políticas para aumentar a resiliência de fundos do mercado monetário (MMF) e avaliaremos e abordaremos as vulnerabilidades de MMF em nossas jurisdições, usando a estrutura e o kit de ferramentas de políticas públicas no relatório, reconhecendo a necessidade de adaptar as medidas para as circunstâncias específicas de cada jurisdição, bem como tendo em conta as considerações transfronteiriças.

41. Saudamos o progresso relatado em relação aos marcos definidos para 2021 pelo Roteiro do G20 para melhorar os pagamentos transfronteiriços, e endossamos as metas globais quantitativas ambiciosas, mas alcançáveis, para enfrentar os desafios de custo, velocidade, transparência e acesso até 2027 estabelecidos no relatório FSB. Pedimos às autoridades públicas e ao setor privado que trabalhem em conjunto para fazer as melhorias práticas para atingir esses objetivos. Reiteramos que nenhum dos assim chamados “stablecoins globais” deve começar a operar até que todos os requisitos legais, regulamentares e de supervisão relevantes sejam atendidos de forma adequada por meio de um projeto apropriado e aderindo aos padrões aplicáveis. Incentivamos as jurisdições a progredir na implementação das Recomendações de Alto Nível do FSB e os órgãos de definição de padrões a concluírem sua avaliação sobre a possibilidade de fazer ajustes nos padrões ou orientações à luz das Recomendações do FSB. Encorajamos o Comitê de Pagamentos e Infraestruturas de Mercado, o Centro de Inovação do Banco de Compensações Internacionais, o FMI e o Banco Mundial a continuarem a aprofundar a análise sobre o papel potencial das moedas digitais de bancos centrais no aprimoramento dos pagamentos transfronteiriços e suas implicações mais amplas para o sistema monetário internacional . Agradecemos ao Sr. Randal K. Quarles por seus serviços como Presidente do FSB e saudamos a nomeação do Sr. Klaas Knot como seu sucessor.

42. Comércio e investimento. Afirmamos o importante papel de um sistema de comércio multilateral baseado em regras, aberto, justo, equitativo, sustentável, não discriminatório e inclusivo para restaurar o crescimento, a criação de empregos e a produtividade industrial e promover o desenvolvimento sustentável, bem como nosso compromisso de fortalecê-lo com a OMC em seu centro. Relembrando a Iniciativa de Riade sobre o futuro da OMC, continuamos comprometidos em trabalhar ativa e construtivamente com todos os Membros da OMC para realizar a reforma necessária da OMC, melhorando todas as suas funções, e destacamos a necessidade de implementar este compromisso na prática por meio de uma abordagem inclusiva e transparente, incluindo lidar com as questões de desenvolvimento. Comprometemo-nos com uma 12ª Conferência Ministerial da OMC produtiva e bem-sucedida (MC12) como uma oportunidade importante para fazer avançar essa reforma e revitalizar a organização. Trabalharemos com todos os membros da OMC na preparação para o MC12 e além para aumentar a capacidade do sistema de comércio multilateral de aumentar nossa prontidão e resiliência para pandemias e desastres por meio de uma resposta multifacetada, com vistas a obter um resultado em comércio e saúde até o MC12, incluindo o trabalho para melhorar o acesso oportuno, equitativo e global às vacinas. Apoiamos o alcance de um acordo significativo da OMC sobre subsídios à pesca prejudiciais até o MC12, de acordo com o ODS 14.6, e saudamos o trabalho em andamento na agricultura.

43. Reconhecemos a importância de estruturas regulatórias nacionais sólidas, previsíveis e transparentes para o comércio de serviços e investimentos. Ressaltamos a importância da concorrência justa e continuaremos a trabalhar para garantir condições equitativas para promover um ambiente favorável de comércio e investimento. Reduzir as tensões comerciais, lidar com as distorções em todos os setores de comércio e investimento, abordar interrupções na cadeia de suprimentos e promover relações comerciais e de investimento mutuamente benéficas será fundamental à medida em que as economias se recuperam da pandemia de COVID-19. Acreditamos que as políticas comerciais e ambientais devem apoiar-se mutuamente e serem consistentes com a OMC e devem contribuir para o uso otimizado dos recursos do mundo de acordo com os objetivos do desenvolvimento sustentável. Destacamos a importância de fortalecer a capacidade das MPMEs de se tornarem mais integradas à economia global.

44. Investimento em infraestrutura. Reconhecemos o papel crítico dos investimentos em infraestrutura de qualidade na fase de recuperação. Reconhecemos que sistemas resilientes, devidamente financiados, bem mantidos e gerenciados de forma otimizada são essenciais para preservar os ativos de infraestrutura ao longo de seus ciclos de vida, minimizando perdas e interrupções e garantindo o fornecimento de serviços de infraestrutura seguros, confiáveis e de alta qualidade. Para tanto, endossamos a Agenda de Políticas do G20 para Manutenção de Infraestrutura. Em linha com o Roteiro do G20 para Infraestrutura como Classe de Ativos, e com base no Diálogo de Investidores em Infraestrutura do G20, continuaremos, de maneira flexível, a desenvolver ainda mais a colaboração entre os investidores públicos e privados para mobilizar capital privado. Ressaltamos a importância de promover o compartilhamento de conhecimento entre as autoridades locais e os governos nacionais para fomentar uma infraestrutura mais inclusiva. Continuaremos avançando no trabalho relacionado aos Princípios do G20 para Investimento em Infraestrutura de Qualidade. Concordamos em estender o mandato do Global Infrastructure Hub até o final de 2024.

45. Produtividade. A transformação digital tem o potencial de aumentar a produtividade, fortalecer a recuperação e contribuir para uma prosperidade ampla e compartilhada. Endossamos o Menu de Opções de Políticas do G20 - Transformação Digital e Recuperação da Produtividade, que oferece opções de políticas, compartilha boas práticas, promove a inclusão e lança luz sobre o papel fundamental da cooperação internacional para aproveitar as oportunidades de crescimento da digitalização. Com base no Menu, continuaremos discutindo políticas para sustentar o crescimento da produtividade e para ajudar a garantir que os benefícios sejam compartilhados igualmente dentro e entre países e setores. Reconhecemos a importância de boas estruturas de governança corporativa e mercados de capitais em bom funcionamento para apoiar a recuperação e esperamos a revisão dos Princípios de Governança Corporativa do G20 / OCDE.

46. Economia digital, ensino superior e pesquisa. Reconhecemos o papel da tecnologia e da inovação como facilitadores-chave para a recuperação global e o desenvolvimento sustentável. Reconhecemos a importância das políticas para criar uma economia digital capacitadora, inclusiva, aberta, justa e não discriminatória que fomente a aplicação de novas tecnologias, permita que empresas e empreendedores prosperem e proteja e capacite os consumidores, ao mesmo tempo em que aborda os desafios relacionados à privacidade, proteção de dados, direitos de propriedade intelectual e segurança. Cientes da necessidade de apoiar uma melhor inclusão das MPMEs na economia digital, nos comprometemos a reforçar nossas ações e cooperação internacional para a transformação digital da produção, processos, serviços e modelos de negócios, também por meio da utilização de padrões internacionais consensuais e a melhoria da proteção do consumidor, das competências digitais e da alfabetização digital. Saudamos os resultados da Liga de Inovação do G20, como uma plataforma por meio da qual iniciativas multilaterais podem impulsionar parcerias, colaboração, cocriação e investimentos privados em tecnologias e aplicações que beneficiem a humanidade, destacando como as políticas comerciais e digitais podem ajudar a fortalecer a competitividade das MPMEs nos mercados globais e abordando os desafios específicos que enfrentam. Também começamos a abordar a aplicação de tecnologias de razão distribuída, como redes blockchain para proteger os consumidores por meio de maior rastreabilidade. Reconhecemos o papel crescente que as tecnologias da informação e da comunicação desempenham em nossas sociedades. Nesse contexto, enfatizamos a necessidade de abordar os crescentes desafios de segurança no ambiente digital, incluindo ransomware e outras formas de crime cibernético. Com isso em mente, trabalharemos para fortalecer a cooperação bilateral e multilateral para proteger nossas TIC, abordar vulnerabilidades e ameaças compartilhadas e combater o crime cibernético.

47. Cientes dos benefícios decorrentes do uso responsável e do desenvolvimento de Inteligência Artificial (IA) centrada no ser humano confiável, avançaremos na implementação dos Princípios de IA do G20, considerando as necessidades específicas das MPMEs e start-ups para incentivar a competição e inovação, bem como diversidade e inclusão, e a importância da cooperação internacional para promover a pesquisa, o desenvolvimento e a aplicação da IA. Congratulamo-nos com os Exemplos de Políticas do G20 sobre Como Melhorar a Adoção de IA por MPMEs e Start-ups.

48. Reconhecemos a importância do fluxo livre de dados com confiança e dos fluxos de dados transfronteiriços. Reafirmamos o papel dos dados para o desenvolvimento. Continuaremos a trabalhar para enfrentar desafios como os relacionados à privacidade, à proteção de dados, à segurança e aos direitos de propriedade intelectual, de acordo com os marcos legais aplicáveis. Também continuaremos a promover um entendimento comum e a trabalhar no sentido de identificar pontos comuns, complementaridades e elementos de convergência entre as abordagens regulatórias existentes e os instrumentos que permitem o fluxo de dados com confiança, a fim de promover a interoperabilidade futura. Reconhecendo a responsabilidade dos provedores de serviços digitais, trabalharemos em 2022 para aumentar a confiança no ambiente digital, melhorando a segurança na Internet e combatendo o abuso online, discurso de ódio, violência online e terrorismo, protegendo os direitos humanos e as liberdades fundamentais. Continuamos comprometidos com a proteção dos mais vulneráveis e reconhecemos os Princípios de Alto Nível do G20 para a Proteção e Empoderamento de Crianças no Ambiente Digital, extraídos da Recomendação da OCDE sobre Crianças no Ambiente Digital e outras ferramentas relevantes, como as Diretrizes de 2020 da ITU para Proteção de Crianças online.

49. Inclusão financeira. Reafirmamos nosso compromisso de aumentar a inclusão financeira digital de segmentos vulneráveis e carentes da sociedade, incluindo micro, pequenas e médias empresas (MPMEs), levando adiante o trabalho da Parceria Global para a Inclusão Financeira (GPFI) e implementando o Plano de ação de inclusão financeira 2020 do G20. Endossamos o Menu G20 de Opções de Política para alfabetização financeira digital e proteção do consumidor financeiro e MPME “Melhorando a inclusão financeira digital para além da crise do COVID-19″, com o objetivo de fornecer um guia para os formuladores de políticas em seus esforços para lançar as bases para novas estratégias de inclusão financeira no mundo pós-pandêmico. Reconhecemos o Relatório de Progresso do GPFI de 2021 para os Líderes do G20 e à Atualização de 2021 para os Líderes sobre o Progresso em relação à Meta de Remessas do G20. Apoiamos o GPFI em trazer para debate o monitoramento dos Planos Nacionais de Remessas, também coletando dados mais granulares, e encorajamos fortemente a facilitação contínua do fluxo de remessas e a redução dos custos médios de transferência de remessas.

50. Lacunas de dados. Melhorar a disponibilidade e o fornecimento de dados, inclusive sobre questões ambientais, e aproveitar a riqueza de dados produzidos pela digitalização é fundamental para melhor subsidiar nossas decisões. Tomamos nota do trabalho realizado até agora pelo FMI, em estreita cooperação com o FSB e o Grupo Interinstitucional de Estatísticas Econômicas e Financeiras (IAG) em direção a uma possível nova Iniciativa de Lacunas de Dados do G20 e esperamos seu futuro desenvolvimento.

51. Reconhecendo a importância do uso eficiente de ferramentas digitais nas administrações públicas, continuaremos a promover estruturas regulatórias ágeis e forneceremos serviços públicos digitais centrados no ser humano, proativos, fáceis de usar e acessíveis a todos. Saudamos a nova ênfase em soluções de identidade digital seguras, interoperáveis e confiáveis que podem fornecer melhor acesso aos serviços dos setores público e privado, promovendo a privacidade e a proteção de dados pessoais. Continuaremos a trabalhar no desenvolvimento de ferramentas de identidade digital, implantáveis também em cenários de emergência.

52. Reconhecendo que o investimento sustentável em infraestrutura digital de qualidade pode contribuir significativamente para reduzir a exclusão digital, promoveremos o acesso universal e acessível à conectividade para todos até 2025. Reconhecendo a infraestrutura digital universal, segura, acessível, avançada e em bom funcionamento como um importante motor para a recuperação econômica, endossamos as Diretrizes do G20 para o Financiamento e Promoção da Conectividade de Banda Larga de Alta Qualidade para um Mundo Digital, desenvolvidas com o apoio da OCDE.

53. Aumentaremos nossos esforços para garantir que nossa equipe de pesquisa e trabalho seja capaz de adaptar suas habilidades ao ambiente digital em rápida evolução e aproveitar o potencial de inovação e ferramentas digitais, ao mesmo tempo em que preserva princípios e valores éticos compartilhados. Também alavancaremos infraestruturas digitais comuns para promover a colaboração em pesquisa, ciência aberta e ensino superior. Firmemente convencidos da importância crucial do progresso científico na melhoria da vida de bilhões em todo o mundo e na abordagem eficaz dos desafios globais, também continuaremos a garantir que a pesquisa científica, inclusive em tecnologia digital, seja realizada de forma responsável, segura, transparente, equitativa, inclusiva e segura, levando em consideração os riscos decorrentes das tecnologias de ponta.

54. Saudamos a transformação da Força-Tarefa de Economia Digital em um Grupo de Trabalho e convidamos nossos Ministros Digitais a aprofundar suas discussões sobre a economia digital, conforme apropriado.

55. Turismo. Com base no trabalho feito em 2020, continuaremos a apoiar uma recuperação rápida, resiliente, inclusiva e sustentável do setor de turismo, que está entre os mais afetados pela pandemia, com foco particular nos países em desenvolvimento e MPMEs. Apoiamos as Diretrizes de Roma do G20 para o Futuro do Turismo e nos comprometemos a tomar medidas para cumprir seus objetivos, em particular no que diz respeito à mobilidade segura e viagens contínuas e à sustentabilidade e digitalização. Exploraremos a colaboração nas áreas de economia criativa e inovação em apoio ao turismo. Para este fim, pedimos aos nossos Ministros do Turismo que continuem a colaborar com a OCDE, a OMT e outras organizações internacionais relevantes.

56. Cultura. Recordando que a cultura tem um valor intrínseco, destacamos o papel da cultura e dos profissionais e empresas culturais e criativos como motores do desenvolvimento sustentável e na promoção da resiliência e da regeneração das nossas economias e sociedades, salientando a importância dos esforços internacionais para salvaguardar e promover a cultura, com um papel fundamental a ser desempenhado pela UNESCO, e a necessidade de apoiar os trabalhadores, inclusive na área cultural, também facilitando o acesso ao emprego, a proteção social, a digitalização e as medidas de apoio às empresas. Enfatizamos a importância de abordar as ameaças aos recursos culturais insubstituíveis e de proteger e preservar o patrimônio cultural danificado, traficado ou ameaçado por conflitos e desastres, relembrando os objetivos da Resolução 2347 do Conselho de Segurança. Pedimos às nossas instituições relevantes que continuem a avançar na cooperação do G20 em cultura.

57. Anticorrupção. Renovando nosso compromisso com a tolerância zero para a corrupção nos setores público e privado e com o alcance de objetivos comuns na luta global contra a corrupção, adotamos nosso Plano de Ação Anticorrupção 2022-2024. Fortaleceremos ainda mais nosso envolvimento com outras partes interessadas, como academia, sociedade civil, mídia e setor privado, e continuaremos a promover seu importante papel e participação ativa neste campo. Estamos empenhados em combater todas as formas novas e sofisticadas de corrupção. Endossamos os Princípios de Alto Nível do G20 sobre Corrupção relacionada ao Crime Organizado, Combate à Corrupção no Esporte e Prevenção e Combate à Corrupção em Emergências, e adotamos o Relatório de Prestação de Contas Anticorrupção do G20. Reafirmamos nosso compromisso de negar refúgio seguro aos infratores por corrupção e seus bens, de acordo com as leis internas e de combate à corrupção transnacional. Também forneceremos às autoridades competentes informações adequadas, precisas e atualizadas, adotando medidas legalmente apropriadas para melhorar a transparência doméstica e internacional da propriedade beneficiária e de pessoas jurídicas e bens imóveis, especialmente em fluxos transnacionais, em linha com as Recomendações da Força-Tarefa de Ação Financeira.

58. Continuamos comprometidos com a promoção de uma cultura de integridade no setor privado, especialmente em suas relações com o setor público. Em nossos esforços coletivos para medir melhor a corrupção, acolhemos o Compêndio de Boas Práticas para Medir a Corrupção. Asseguraremos que os países do G20 adaptem suas regulamentações e legislação para cumprir a obrigação relevante de criminalizar o suborno, incluindo o suborno de funcionários públicos estrangeiros, e reforçar os esforços para prevenir, detectar, investigar, processar e punir com eficácia o suborno nacional e estrangeiro. Demonstraremos esforços concretos durante a vigência do Plano de Ação e compartilharemos informações sobre nossas ações no sentido de criminalizar o suborno estrangeiro e aplicar a legislação contra o suborno estrangeiro de acordo com o artigo 16 da UNCAC, com vistas à possível adesão de todos os países do G20 à Convenção Anti-Suborno da OCDE. Como forma de melhorar ainda mais a cooperação internacional em combate à corrupção, saudamos o progresso feito pela Rede GlobE.

59. Reafirmamos nosso total apoio à Força-Tarefa de Ação Financeira (FATF) e à Rede Global e reconhecemos que a implementação efetiva de medidas de combate à lavagem de dinheiro / combate ao financiamento do terrorismo e proliferação (AML/CFT/CPF) é essencial para a construção de confiança nos mercados financeiros, garantindo uma recuperação sustentável e protegendo a integridade do sistema financeiro internacional. Ressaltamos a relevância da abordagem baseada no risco das recomendações do FATF com o objetivo de garantir pagamentos transfronteiriços legítimos e promover a inclusão financeira. Confirmamos nosso apoio ao fortalecimento das recomendações do FATF para melhorar a transparência da propriedade beneficiária e conclamamos os países a combater a lavagem de dinheiro decorrente de crimes ambientais, principalmente agindo de acordo com as conclusões do relatório do FATF. Reafirmamos os compromissos assumidos pelos Ministros da Fazenda e Presidentes de Bancos Centrais com o objetivo de sustentar e fortalecer o trabalho de Órgãos Regionais do tipo GAFI.

60. Olhamos adiante para os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de Pequim de 2022, como oportunidades de competição para atletas de todo o mundo, o que serve como um símbolo da resiliência da humanidade.

61. Agradecemos às organizações internacionais e aos Grupos de Participação do G20 por suas valiosas contribuições e recomendações de políticas públicas. Agradecemos à Itália por sua Presidência, por sediar com sucesso a Cúpula da Saúde Global, co-presidida com a Comissão Europeia, e a Cúpula dos Líderes de Roma, e por sua contribuição para o processo do G20, e esperamos nos encontrar novamente na Indonésia em 2022, na Índia em 2023 e no Brasil em 2024.

AFONSO BENITES, de Brasília - DF para o EL PAÍS, em 03.11.21

Brasil ainda não tem uma política nacional com foco em órfãos da pandemia

Milhares de crianças perderam os pais para a covid-19. No entanto, país ainda mal começou a mapear e estabelecer políticas para ajudar esses órfãos. Apenas algumas iniciativas estaduais de amparo foram criadas

País não tem nem mesmo dados precisos sobre quantas crianças ficaram órfãs. Estimativas oscilam de 12 mil a 282 mil

Sem saber com precisão quantos são, onde estão e do que mais necessitam, crianças e adolescentes em situação de orfandade por causa da covid-19 – em especial os que vivem em situação de vulnerabilidade econômica e social – não contam com uma política pública nacional e coordenada que possa minimizar os efeitos dessas perdas, que impactarão o futuro de uma geração inteira.

Em números absolutos, estima-se que o Brasil seja o segundo país com mais órfãos no mundo, atrás apenas do México.

Somente alguns Estados e municípios já aprovaram leis e políticas de assistência material e amparo psicossocial específicos a essas crianças e adolescentes em luto, como é o caso, por exemplo, dos 9 estados do Nordeste, São Paulo e a cidade de Campinas. No entanto, poucas ações já estão funcionando na prática, incluindo as de transferência de renda, e elas são bastante limitadas.

O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos informou à DW Brasil, por e-mail, que a empresa Finatec venceu edital e iniciou, em 13 de outubro, mapeamento sobre o impacto da covid-19 em crianças e adolescentes, incluindo a questão da orfandade.

Esse estudo será concluído em março de 2022. O objetivo, segundo a pasta, é identificar "os principais efeitos psicossociais gerados pelo contexto relacionado à pandemia”. O trabalho será feito em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Não foram informados valores da contratação.

Corrida contra o tempo

Ainda que reconheçam que é preciso dimensionar o fenômeno da orfandade pela covid-19 e tirar da invisibilidade essas crianças e adolescentes, especialistas em infância e juventude têm enorme preocupação com o tempo. É sobretudo a primeira infância (0 a 6 anos) que vai determinar o futuro da criança e já se passaram 20 meses desde o início da pandemia no Brasil. Muitas dessas crianças perderam os pais ou responsáveis no ano passado.

A desestruturação completa da família, sob os aspectos material e emocional, pode provocar danos irreversíveis que implicam evasão escolar, trabalho infantil, abuso sexual e até mesmo a entrada dessas crianças e adolescentes para a rede do crime organizado. Outra preocupação é com políticas apenas pontuais e temporárias.

A CPI da Covid, no Senado, cujo relatório final foi aprovado em outubro, recomendou a pensão de um salario mínimo a esses órfãos até que completem 18 anos. No entanto, é preciso aprovar uma lei.

Com o país afundado no dilema fiscal sobre furar ou não o teto de gastos para criar o Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família, ainda não há sinais concretos de que essa proposta possa ser aprovada com prioridade neste ano. Há mais de um projeto sobre o tema em tramitação no Congresso.

Movimento precisa ser combinado e urgente

"Temos que fazer um movimento combinado entre dimensionar e encontrar formas imediatas de garantir apoio a essas crianças e adolescentes”, afirmou à DW Brasil Benedito Santos, consultor de proteção à criança do Unicef no Brasil. Segundo ele, o receio do Unicef é que os governos gastem muito tempo no dimensionamento o fenômeno e demorem demais a agir.

Essas políticas públicas precisam fazer acompanhamento contínuo dos órfãos até a maioridade, pela rede de proteção social já existente no Brasil – o Sistema Único da Assistência Social (Suas) – defende o consultor do Unicef.

"Se houver só ajudas momentâneas agora, isso tem impacto no desenvolvimento futuro da criança. Além de ajuda financeira pontual e eventual, essa família precisa estar apoiada em torno do próprio luto, da saúde mental, ter um acompanhamento da rede de proteção social”, afirma Santos.

Ele alerta, ainda, que não se pode utilizar esse debate para flexibilizar, sem critérios, as regras de adoção no Brasil. "Há uma série de pré-requisitos para adoção e estamos com receio de que isso seja flexibilizado. Deve haver um cuidado especial para isso não virar também um esquema de flexibilização de normas e garantias que a criança tem no processo de adoção.”

Quantos são: números oscilam de 12 mil a 282 mil

Há poucos dados quantitativos concretos sobre a orfandade na pandemia. O estudo mais robusto foi feito por um grupo de pesquisadores, coordenado pelo Imperial College London. Publicado em julho pela revista científica The Lancet, o estudo cria um modelo estatístico de orfandade para 21 países do mundo, com ferramenta de atualização.

A última atualização para o Brasil foi feita em 12 de outubro. Se consideradas as perdas primárias e secundárias (de um dos pais, de ambos ou do responsável legal, como avó ou avô), o país já tem 282;800 menores de 18 anos órfãos pela covid. Quando se leva em conta apenas a morte de um dos pais ou de ambos, essa estatística é de 168.500. Os próprios pesquisadores alertaram que a subnotificação é provável.

Outra estatística foi divulgada pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil). A partir do cruzamento de certidões de óbitos com registros de nascimento, os cartórios apontaram que há no Brasil 12.211 crianças órfãos na faixa etária de 0 a 6 anos.

Os cartórios só fizeram o cruzamento de crianças de 0 a 6 anos porque, desde 2015, há uma legislação no país que concede a cada criança um número de CPF que fica registrado, de imediato, na certidão de nascimento. Como a base de dados é integrada com a Receita Federal, foi possível fazer o cruzamento online.

A pressão do MP: casos de São Luís (MA) e Campinas (SP)

A região Nordeste é a única no país que criou política de transferência de renda e assistência direcionada aos órfãos da covid-19, via Consórcio Nordeste. O programa, Nordeste Acolhe, foi inspirado no Maranhão, o primeiro estado do país a criar transferência de renda aos órfãos bilaterais (que perderam o pai e a mãe) até que completem a maioridade. As famílias beneficiadas precisam ter renda mensal inferior a três salários mínimos.

O governo federal não considera a possibilidade de  pagamento pensão aos órfãos da covid-19.

Titular da 1ª Promotoria de Justiça de Infância e Juventude de São Luís, Márcio Thadeu Silva Marques identificou, nos últimos meses, que situações de ameaça ou violação de direitos de crianças e adolescentes estavam relacionadas à orfandade.

"O Ministério Público tem a possibilidade de acompanhar políticas públicas. Foi o que fiz. Queria saber do município e do Estado do Maranhão se os órfãos da covid já tinham entrado no radar. Abri esse procedimento não no sentido investigativo ou punitivo, mas para tentar induzir políticas públicas. Percebi, logo, que elas não existiam”, disse o promotor de justiça à DW Brasil.

O promotor pediu auxílio à Corregedoria Geral de Justiça do Maranhão, que determinou aos cartórios que, ao registrarem os óbitos por covid, informassem também se o falecido deixou filhos menores de idade, constando na certidão seus respectivos nomes e idades, bem como a informação se há responsável (pai ou mãe) sobrevivente.

Se configurada a orfandade bilateral, o cartório aciona imediatamente os órgãos de assistência social. Além disso, hospitais do Maranhão também foram orientados a preencher ficha detalhada de pacientes de covid-19 no ato da internação, registrando se o paciente tem filhos menores de 18 anos.

O promotor Márcio Thadeu ressalta a importância da "desinvibilização dos órfãos” para criar políticas públicas.

"Preservar a convivência da criança com a família extensa é prioridade. A família extensa, sobrevivente, não é só a de sangue, mas é a quem tem laços de convivência e afeto”, explica. Garantir segurança de renda para essas crianças é outra prioridade, além da proteção psicossocial. "Se a orfandade atinge extratos populacionais mais vulneráveis social e economicamente, isso pode definir se essa criança vai para a rua ou não”, assegura o promotor.

Em Campinas, a promotora de Justiça da Infância e Juventude Andréa Santos Souza também conseguiu pressionar o poder público e tem, hoje, dados concretos de orfandade pela covid-19 no município. "Pedi para os cartórios me mandassem as certidões de óbitos dos que morreram por covid, se possível só os que deixaram menores. Recebi mais de 2 mil certidões de óbitos”, conta.

Depois de filtrar toda a documentação de março de 2020 a julho de 2021, a promotora encontrou 455 órfãos só no município. A partir da articulação da promotoria, Campinas tem agora lei municipal que assegura um benefício à família que acolher o órfão. Mas serão apenas 3 parcelas de R$ 500. A transferência de renda até a maioridade, diz a promotora, é o recomendável pela ONU. "É meu horizonte, mas não posso forçar o poder público a fazer isso agora. Temos que ir devagar.”

Transferência de renda para órfãos

O governo do Maranhão começaria a pagar os benefícios (R$ 500) a partir do início de novembro às crianças e adolescentes que perderam pai e mãe. De acordo com Márcio Honaiser, secretário de Desenvolvimento Social do Estado, o poder público está ciente de que a orfandade é uma situação de dificuldade para as crianças que perderam um ou os ambos os pais, mas o "cobertor é curto” e, por razões orçamentárias, o governo deu prioridade ao auxílio se houver orfandade bilateral.

"A preocupação inicial é com quem perdeu os dois, não tem ninguém, ficou sem vínculo”, disse o secretário. O governo estadual estima que há cerca de 800 crianças e adolescentes nesta situação e admite que, em 2022, a política poderá ser redesenhada.

O Consórcio Nordeste seguiu as mesmas orientações da lei maranhense e vai conceder o auxílio de R$ 500 a órfãos bilaterais, até a maioridade completa.

Íris Oliveira, coordenadora da Câmara Temática de Assistência Social do Consórcio do Nordeste, reconhece que o auxílio financeiro apenas para órfãos que perderam pai e mãe é limitado. Porém, ela justifica que as famílias em situação de vulnerabilidade "precisam ter direito a outros programas de transferência de renda para além do benefício concedido dos órfãos”. É por isso, complementa, que o Consórcio Nordeste luta pela ampliação do Bolsa Família.

Em São Paulo, o governo estadual criou uma bolsa mensal, de R$ 300, por seis meses, para famílias de baixa renda que perderam algum ente vítima fatal da covid-19. O programa, São Paulo Acolhe, não é específico para os órfãos, mas a secretaria de Desenvolvimento Social do Estado, Célia Parnes, explica que, entre os 27.500 beneficiários, 5.851 estão na faixa etária entre 0 a 18 anos, e 5.500 deles estão registrados nas categorias de filho, neto ou bisneto.

"Esse programa foi criado, como vários outros na pandemia, de forma a responder rapidamente a situações novas. O governador vem estendendo programas criados na pandemia de forma sistemática. Não me surpreenderia se esse também for prorrogado”, diz.

Célia Parnes elogiou o trabalho da CPI da Covid, ao dar visibilidade a esse problema e propor uma pensão nacional. "Acho que isso tem que ser uma ação do governo federal. É uma resposta macro, que deve partir do governo federal, já que temos um problema nacional. O SUAS é um sistema tripartite. As ações emergenciais feitas por governadores são respostas rápidas. Não acho que deva haver sobreposição de ações. Deve haver uma ação tripartite de cofinanciamento, interligada, isso seria o correto.”

Além do estudo de diagnóstico, que será conduzido sob a orientação da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, a pasta alega que implementou ações específicas para crianças e adolescentes afetados pela pandemia.

Pasta de Damares Alves lançou mapeamento de órfãos, mas especialistas temem que iniciativa demore demais

Não foi atendido o pedido de entrevista da DW Brasil para que as ações da pasta pudessem ser detalhadas. O ministério citou um trabalho "em busca de caminhos para aprimorar os procedimentos de adoção, buscando amparo aos órfãos da Covid-19, propondo a adequação e o aperfeiçoamento da legislação, com segurança jurídica e sempre centrada no melhor interesse da criança e do adolescente e no direito a convivência familiar e comunitária”.

Já o Ministério da Cidadania informou que "implementou atendimento especial para crianças inscritas no Cadastro Único que perderam ao menos um de seus responsáveis familiares, durante o período da pandemia da Covid-19, por meio do Programa Criança Feliz”.

Esse programa atende a famílias em que há crianças de 0 a 6 anos. Não há transferência de renda no Criança Feliz. Trata-se de um programa de visitação domiciliar. De acordo com a nota enviada à DW Brasil, o intuito desta medida é "que os profissionais do Criança Feliz incluam temas como perda e luto nas atividades, atualmente focadas no pleno desenvolvimento cognitivo, afetivo e motor das crianças”. Em 2021, foram visitadas 1,2 milhão de famílias no país.

Deutsche Welle Brasil, em 03.11.21

Brasil cortou 93% da verba para pesquisa em mudanças climáticas

As mudanças climáticas são um conjunto de alterações no clima do planeta causadas pela ação humana. Entre os principais fatores está a emissão de gases causadores do efeito estufa como o gás carbônico e metano.

Dados levantados pela BBC News Brasil mostram corte em pesquisas sobre mudanças climáticas no Brasil (Reuters)

O governo do presidente Jair Bolsonaro cortou em 93% os gastos para estudos e projetos de mitigação e adaptação às mudanças climáticas nos três primeiros anos da sua gestão quando comparado com os três anos anteriores.

Os dados foram levantados pela BBC News Brasil por meio do Sistema Integrado de Orçamento do Governo Federal (Siop). Entre janeiro de 2016 e dezembro de 2018, os investimentos nessa área foram de R$ 31,1 milhões. Na gestão Bolsonaro, porém, os gastos foram de apenas R$ 2,1 milhões.

Procurados, os ministérios do Meio Ambiente e da Ciência, Tecnologia e Inovações, e a Presidência da República não se pronunciaram.

As mudanças climáticas são um conjunto de alterações no clima do planeta causadas pela ação humana. Entre os principais fatores está a emissão de gases causadores do efeito estufa como o gás carbônico e metano.

Estudos indicam que países altamente dependentes da exportação de commodities agrícolas como o Brasil estão particularmente vulneráveis ao fenômeno porque ele pode causar, por exemplo, alterações no regime de chuvas e ventos e resultar em eventos climáticos extremos como secas prolongadas, ondas de frio e de calor mais frequentes.

Pressionado por altas taxas de desmatamento nos últimos anos, o governo Bolsonaro participa da COP26, Conferência do Clima da ONU, que acontece em Glasgow, no Reino Unido. O próprio presidente não viajou para a Escócia.

Um dos principais objetivos da delegação brasileira é convencer a comunidade internacional do seu compromisso com a agenda ambiental.

Na terça-feira (2/11), representantes de mais de cem países, entre eles China e Brasil, assinaram um acordo para proteção de florestas que tem como meta zerar o desmatamento no mundo até 2030. O Brasil também aumentou a meta de redução de gases poluentes de 43% para 50% até 2030 e se comprometeu em antecipar a meta de zerar o desmatamento ilegal de 2030 para 2028.

Na semana passada, a BBC News Brasil antecipou que o Brasil decidiu assinar um importante acordo sobre proteção de florestas conhecido como "Forest Deal".

Mais promessas, menos verba

O levantamento feito pela BBC News Brasil, porém, mostra uma redução drástica do investimento do governo federal em estudos para preparar o país para os efeitos da crise no clima.

Os dados consideram duas ações orçamentárias do governo federal destinadas, especificamente, a produzir estudos e projetos com essa temática: 20G4 — Fomento a Estudos e Projetos para Mitigação e Adaptação à Mudança do Clima (sob responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente) e 20VA — Apoio a Estudos e Projetos de Pesquisa e Desenvolvimento à Mudança do Clima (a cargo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações).

O levantamento aponta que o ritmo de investimento entre 2016 e 2018 era de redução. Em 2016, por exemplo, o governo gastou R$ 20,7 milhões. No ano seguinte, esse valor caiu para R$ 8,4 milhões. Em 2018, chegou a R$ 2 milhões.

Governo Bolsonaro reduziu drasticamente recursos para estudos sobre efeitos de mudanças climáticas, apontam dados. (EPA/Joedson Alves)

A queda prosseguiu no governo Bolsonaro. Em 2019, o governo investiu R$ 1 milhão. Em 2020, foram gastos R$ 659 mil. Neste ano, até outubro, foram gastos R$ 426 mil.

Os dados mostram ainda que no Ministério do Meio Ambiente os investimentos em estudos sobre mudanças climáticas foram zerados a partir de 2019.

Política climática

A política ambiental do governo Bolsonaro é alvo de críticas domésticas e internacionais. Por outro lado, ele é apoiado por diversos setores do agronegócio e da mineração. Em sua campanha, em 2018, ele prometeu acabar com o que chamava de "indústria das multas" ambientais.

Em 2019 e 2020, o Brasil registrou as piores taxas anuais de desmatamento desde 2008. No período, foram desmatados mais de 20 mil quilômetros quadrados, uma área equivalente a 13 cidades de São Paulo. O avanço do desmatamento e dos incêndios florestais nesses dois anos despertaram reações de organizações não-governamentais e de chefes de estado estrangeiros como o presidente da França, Emmanuel Macron.

A posição de Bolsonaro em relação às mudanças climáticas também é fruto de críticas de ambientalistas e cientistas. Em 2019, após a COP25, por exemplo, Bolsonaro chegou a afirmar que a pressão internacional em torno do assunto seria parte de um "jogo comercial" com o objetivo de prejudicar países em desenvolvimento como o Brasil.

"Eu quero saber... alguma resolução para a Europa começar a ser reflorestada? Alguma decisão? Ou só ficam perturbando o Brasil? É um jogo comercial, eu não sei como o pessoal não consegue entender que é um jogo comercial", disse o presidente.

O ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, que ficou no cargo janeiro de 2019 a março de 2021, chegou a colocar em dúvida que as mudanças climáticas seriam causadas pela ação humana, na contramão do consenso da comunidade científica.

"Há mudanças climáticas? Sim, certamente, sempre teve. É causada pelo homem? Muitas pessoas dizem que sim, não sabemos com certeza", disse o ex-chanceler em um evento nos EUA, em setembro de 2019.

Política ambiental do governo Bolsonaro é alvo de críticas domésticas e internacionais (Ricardo Moraes / Reuters)

O ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, que ficou na pasta de janeiro de 2019 a junho de 2021, admitia a responsabilidade do ser humano nas mudanças climáticas. Mesmo assim, foi na sua gestão que a pasta extinguiu, no início do governo Bolsonaro, a secretaria responsável por elaborar políticas públicas sobre o assunto.

Foi apenas em 2020, em meio a críticas internacionais, que Salles determinou a recriação de uma secretaria dedicada às mudanças climáticas dentro do ministério. Salles deixou o cargo em junho deste ano em meio a investigações sobre seu suposto envolvimento com um grupo de empresários que faria contrabando de madeira da Amazônia.

Críticas

Especialistas ouvidas pela BBC News Brasil criticaram os cortes nos investimentos do governo em estudos sobre as mudanças climáticas. Segundo elas, o governo Bolsonaro prejudicou a política climática do país.

Para Natalie Unterstell, presidente do think tank Talanoa, os números mostram os investimentos aquém da necessidade do Brasil para lidar com a crise climática.

"Estudos recentes mostram que o mundo deveria investir pesado em estudos e projetos para mitigar os efeitos da mudança climática. Esses cortes comprometem a forma como o Brasil se prepara. Isso mostra que ela não é prioridade para um órgão que deveria ser um importante formulador de políticas públicas. Isso é um reflexo da paralisação da agenda ambiental o governo que se deu dentro do MMA e a partir dele", diz Natalie.

"Um olhar para o esvaziamento da ação orçamentária referente ao fomento a projetos para mitigação e adaptação à mudança do clima mostra bem isso. Em 2021, foram empenhados na ação orçamentária 20G4 míseros R$ 110 mil reais até agora. Para 2022, estão previstos pouco mais de 500 mil reais. Nesses números fica patente a desatenção ao tema", afirmou a ex-presidente do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e pesquisadora sênior do Observatório do Clima, Suely Araújo.

A BBC News Brasil enviou questionamentos para o Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações e para a Presidência da República sobre os cortes. Nenhum dos três se pronunciou sobre o assunto.

Leandro Prazeres, de Brasília para a BBC News Brasil, em 03.11.21 

terça-feira, 2 de novembro de 2021

Bolsonaro enfrenta protestos em cidade onde recebe homenagem

Presidente chega a localidade italiana de Anguillara Veneta, onde nasceu seu bisavô. Prefeitura local comandada por política de extrema direita concedeu título de cidadão honorário ao chefe de Estado brasileiro.

"Ao lado do povo brasileiro": militantes de esquerda protestam contra honraria ao presidente

O presidente Jair Bolsonaro chegou nesta segunda-feira (01/11) a Anguillara Veneta, no norte da Itália, para receber o título de cidadania honorária do vilarejo, em meio a manifestações contra e a favor da honraria.

Houve registro de choques entre a polícia e manifestantes contrários a Bolsonaro. Agentes de segurança usaram cassetetes e canhões d´água contra os manifestantes.

Os protestos têm se repetido na cidade dos ancestrais do chefe de governo brasileiro desde o anúncio da proposta da homenagem, feita pela prefeitura local, chefiada por uma integrante do partido de extrema direita italiano Liga Norte.

Um bisavô de Bolsonaro, Vittorio Bolzonaro, era de Anguillara Veneta e imigrou para o Brasil. Atualmente, a localidade tem cerca de 4 mil moradores. A horaria ao chefe de governo foi aprovada na semana passada pela a câmara de vereadores local.

A solenidade, inicialmente marcada para ocorrer na prefeitura, foi transferida para uma residência do século 17 na periferia, onde Bolsonaro tem agendado almoço com cerca de 200 convidados, entre parentes distantes e vereadores do município.

Bolsonaro em Anguillara Veneta: presidente teve agendado almoço com cerca de 200 convidados

A Diocese de Pádua, que engloba Anguillara Veneta, divulgou na sexta-feira nota afirmando que a concessão da homenagem ao presidente brasileiro é motivo de "grande constrangimento".

Militantes de esquerda

A chegada do presidente mobilizou tanto militantes de esquerda quanto organizações antifascistas, contrárias às suas políticas de extrema direita, como também um setor da comunidade brasileira residente na Itália.

Sob uma garoa persistente e no meio do nevoeiro, representantes de vários partidos de esquerda, assim como do sindicato CGIL e do grupo antifascista ANPI, manifestaram-se pacificamente na praça central, agitando bandeiras e cartazes.

"Que ele visite a cidade de onde vem sua família é justo, mas não que o apresentem como um exemplo ao conceder-lhe a cidadania honorária", lamentou Antonio Spada, vereador da oposição.

A prefeita de Anguillara Veneta, cidade na região de Veneto, mobilizou policiais e serviços de segurança para evitar confrontos.

Apoiadores do presidente Bolsonaro agitam bandeiras do Brasil em Anguillara Veneta

"Fora Bolsonaro, fora Bolsonaro", dizia um enorme pôster, enquanto outro, escrito à mão, dizia "Anguillara ama o Brasil, mas não Bolsonaro".

Entre os manifestantes mais indignados estava o missionário italiano Massimo Ramundo, que viveu 20 anos no Brasil, 12 deles em Maranhão, estado com 34% de seu território ocupado pela Floresta Amazônia. "É uma vergonha. Estou furioso com a prefeita desta cidade. Ela não sabe o que o Bolsonaro fez e disse, ela não ouviu suas declarações de cunho racista, contra os indígenas, os vacinados, as mulheres. Além disso, quer que a Amazônia seja um negócio. Não respeita os valores do papa Francisco", lamentou o religioso.

Adeptos de Bolsonaro

Na manifestação, organizada na cidade para onde a família de Bolsonaro emigrou há mais de um século, também compareceram grupos de partidários do presidente, em sua maioria brasileiros que residem em várias regiões da península.

"Estou aqui para dizer que você não está sozinho", disse Silvana Kowalsky, uma elegante senhora de 50 anos que viajou de Vicenza, a cerca de 85 quilômetros de distância, para dar seu apoio.

Portando bandeiras brasileiras, os simpatizantes do presidente cantavam e gritavam "mito, mito", ao mesmo tempo em que gritavam expressões como "Lula ladrão", referindo-se ao ex-presidente Lula.

"Ele é um grande presidente e tem direito porque é de ascendência italiana. Tudo o que a CPI (da Pandemia) fala sobre ele é mentira", disse o brasileiro Claudio Resende, 65 anos, que mora na Itália há 17 anos.

Encontro com Salvini

Na terça-feira, Bolsonarovai se encontrar com o líder do partido Liga Norte, Matteo Salvini, na cidade de Pistoia, região central da Itália. Os dois vão participar de uma cerimônia em frente ao monumento erguido em memória dos quase 500 pracinhas brasileiros que morreram na Segunda Guerra Mundial.

Atualmente, Salvini responde a uma ação judicial por ter impedido - na época em que ocupou o cargo de ministro do Interior - o desembarque de um navio com mais de 140 migrantes resgatados no mar Mediterrâneo por uma ONG.

Em agosto, subsecretário de Economia da Itália filiado à Liga, o partido de Salvini, renunciou após sugerir que um parque de sua cidade natal fosse renomeado em homenagem ao irmão do ditador fascista Benito Mussolini. A sugestão provocou uma onda de críticas.

Conhecido por suas posições xenófobas, Salvini já se referiu várias vezes a Jair Bolsonaro como "o meu amigo brasileiro". Ele também tem relações com Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente brasileiro, e já participou de lives com o deputado brasileiro. Salvini também já defendeu publicamente a forma como Jair Bolsonaro lidou com a pandemia, que deixou até o momento mais de 600 mil mortos no Brasil.

Deutsche Welle Brasil, em 01.11.21

'Bolsonaro vem fazer campanha. Meu pai vai se revirar na tumba', diz filho de pracinha enterrado na Itália

"O soldado desconhecido que fica ali no monumento vai se revoltar, meu pai, um pracinha que está no cemitério ali do lado, vai se revoltar muito, se revirar na tumba. Infelizmente, temos a ideologia contrária vindo homenagear quem combateu e derrotou o nazifascismo."

Monumento Votivo Brasileiro foi construído para homenagear soldados mortos na Segunda Guerra Mundial

É assim que Mario Pereira, guardião por décadas do monumento em homenagem aos soldados brasileiros mortos na Segunda Guerra Mundial, reagiu à visita nesta terça-feira (2/11) do presidente Jair Bolsonaro e do senador italiano Matteo Salvini ao local em Pistoia, cidade que fica 300 km ao norte de Roma.

Para Pereira, funcionário da embaixada brasileira, o presidente do Brasil só está preocupado em fazer campanha política na Itália e não parece natural que Bolsonaro e Salvini visitem o monumento "visto o perfil ideológico dos dois", "uma ideologia muito parecida com o nazifascismo".

Mario é filho de um "amor de guerra" entre Giuliana Menichini, italiana de Pistoia, e Miguel Pereira, soldado gaúcho natural de Passo Fundo. Eles se conheceram por acaso quando ela abriu a janela de seu quarto, se deparou um caminhão e ouviu um "buongiorno, signorina". Acabaram se casando anos depois.

Miguel se tornou único pracinha que decidiu permanecer na Itália depois da guerra e acabou sendo responsável pelo Monumento Votivo Brasileiro de 1966 a 2003, ano de sua morte. Foi quando então Mario, que ajudava o pai desde 1997, assumiu o posto de guardião do local, mantido com recursos do governo brasileiro e do próprio bolso dele (para custear palestras no Brasil sobre os pracinhas).

Mario Pereira quando criança (Arquivo Pessoal)

"Os brasileiros não davam... Eles dividiam. Se tinham café, levavam café em casa. Se tinham chocolate, levavam chocolate em casa, o mingau, o pão branco. Era uma divisão, o que era muito diferente (dos outros soldados). Era como confraternizar com os brasileiros; eles se integraram logo à família", relembrou Giuliana Menichini a uma publicação do Exército brasileiro.

Para Mario Pereira, o Monumento Votivo marca esse lado humano das relações entre os soldados brasileiros e os cidadãos italianos, algo que ele diz comover até hoje a população local. "O lado humano do monumento é que, no meio drama da maior guerra do mundo, a postura e o caráter dos soldados brasileiros se destacaram mais do que própria força militar contra os alemães. Eles conseguiram trazer esperança e ajuda para uma população fragilizada por 20 anos de fascismo e cinco anos de guerra, e isso é reconhecido por mais de 50 monumentos espalhados pela Itália."

O mais importante deles é o Monumento Votivo Brasileiro, construído em 1966 no mesmo lugar em que havia um cemitério para os soldados brasileiros mortos em combate até 1960, ano em que eles foram levados para o Brasil.

 "Este cemitério tão puro / é um dormitório de meninos: / e as mães de muito longe chamam, / entre as mil cortinas do tempo, / cheias de lágrimas, seus filhos. / (...) E as mães esperam que ainda acordem, / como foram, fortes e belos, / depois deste rude exercício, / desta metralha e deste sangue", escreveu a poeta Cecília Meireles.


Mario Pereira é guardião do monumento desde 1997

Em audiência no Senado brasileiro em 2019, Vinicius Mariano de Carvalho, professor e pesquisador do Brazil Institute do King's College, citou a expressão "diplomacia de memória" para ressaltar a importância do monumento em Pistoia. Segundo ele, o local é capaz de fazer lembrar que "em momentos de dificuldade as nações amigas podem contar umas com as outras".

Segundo dados oficiais, 20.573 pracinhas foram enviados para lutar na Itália e 465 morreram em batalha. Do total, 16 nunca foram identificados, entre eles o Soldado Desconhecido, que continua enterrado em Pistoia e garante que ali continue sendo considerado um lugar sagrado. Ali há também um fogo eterno, a lista dos brasileiros mortos e das batalhas na Itália e um altar em formato de véu (leia mais abaixo).

Matteo Salvini é líder da Liga Norte, partido de extrema-direita com 113 deputados e 64 senadores (Reuters).

A cerimônia em homenagem a esses soldados da Força Expedicionária Brasileira (FEB) mortos em solo italiano marca o último dos cinco dias de visita presidencial ao país. Bolsonaro esteve em reuniões do G20 (grupo das 20 maiores economias do mundo), cumprimentou apoiadores nas ruas, promoveu ato com apoiadores em que jornalistas acabaram agredidos por seus seguranças, participou de homenagem feita pela cidade natal de seu bisavô paterno e agendou encontro com seu principal aliado na Itália, Matteo Salvini, ex-vice-primeiro ministro que falhou em sua tentativa de comandar a Itália, mas continua sendo o líder de um partido com 113 deputados e 64 senadores e também líder de uma coalizão de centro-direita que comanda 14 das 20 regiões da Itália.

Salvini e seus aliados fazem oposição ao atual governo do primeiro-ministro Mario Draghi, que não recebeu Bolsonaro durante sua visita à Itália.

Para David Magalhães, professor de relações internacionais da PUC-SP e da Faap e coordenador do Observatório da Extrema Direita, o encontro entre Bolsonaro e Salvini visa "reforçar uma tendência de fortalecimento internacional de uma rede ultradireitista, que inclui outras peças como Donald Trump, o Vox espanhol e o AfD alemão"

Monumento foi construído em local onde funcionava CEB (Cemitério do Exército Brasileiro)

Quem é Matteo Salvini e quais são seus elos com o fascismo?

Um dos principais expoentes da direita nacionalista e populista em expansão na Europa, Salvini é líder do partido Liga, identificado especialmente com o Norte da Itália (daí o nome anterior da sigla, Liga do Norte). Parte do seu sucesso se deve à reconhecida habilidade de comunicação.

Nascido em Milão em 1973 numa família de classe média, filho de um diretor de uma empresa privada e de uma dona de casa, ele estudou história e ciência política na sua cidade natal, mas não concluiu nenhum dos cursos. Na época, teve seu primeiro emprego, numa rede de fast food.

Ex-comunista, ele se filiou à então Liga Norte no início dos anos 1990. Aos 20 anos, em 93, foi eleito vereador em Milão e nunca mais deixou a política — apesar de assumir a imagem de alguém antissistema.

Além de passar pela Câmara dos Deputados e pelo Parlamento Europeu, ele também já atuou como jornalista e hoje é um crítico ferrenho do jornalismo, que considera um inimigo do governo, embora apareça com frequência em debates na TV ou em programas de auditório.

Desde 2013, quando se tornou o principal nome do seu partido, ele cercou-se de uma equipe de dezenas de pessoas que o ajudou a se transformar em uma liderança nacional, sendo bem-avaliado inclusive no Sul, região historicamente menos desenvolvida do país. "Salvini criou um carisma muito particular e aprendeu a se vender de forma simpática, próximo do povo e com uma comunicação direta e envolvente. Sua popularidade vem daí", disse Gianpietro Mazzoleni, professor de comunicação política da Universidade de Milão, em 2018, auge do poder político de Salvini.

Miguel Pereira, soldado gaúcho natural de Passo Fundo, casou-se com Giuliana Menichini, italiana de Pistoia (Foto do arquivo pessoal de Mário Pereira).

Naquele ano, o líder da Liga publicou no dia de aniversário do ditador fascista Benito Mussolini uma pequena variação ("Tantos inimigos, tanta honra.") do slogan usado pela propaganda pelo regime totalitário ("Muitos inimigos, muita honra."). Em 2019, Salvini citou outra famosa frase de Mussolini ao pedir à população "plenos poderes".

Mas essas não são as únicas associações apontadas entre regime fascista derrotado por tropas incluindo as brasileiras, e Salvini, que chegou perto de comandar a Itália e hoje tem sua hegemonia na direita enfraquecida e ameaçada por Giorgia Meloni, deputada do partido Irmãos da Itália que disse ter uma relação "serena" com o fascismo, ao ressaltar diversos avanços, mas condenar erros profundos como as leis raciais e o autoritarismo. Vale lembrar que Rachele Mussolini, neta do ditador fascista, foi a vereadora mais votada de Roma pelo partido Irmãos da Itália.

O cientista político italiano Fabio Gentile, professor da Universidade Federal do Ceará e especialista em fascismo, explica que classificar qualquer pessoa hoje como fascista é incorreto porque o fascismo clássico acabou e nunca mais será reproduzido. Então, desde o fim da Segunda Guerra, pessoas ou práticas identificadas com parte dos valores fascistas são classificadas por pesquisadores como neofascistas ou pós-fascistas, termos também de difícil definição.

Gentile afirma à BBC News Brasil ser bastante complexo enquadrar Salvini em uma dessas "caixinhas", porque políticos como ele se aproveitam de ambiguidades "para conseguir ganhar consenso em setores mais radicais e setores mais moderados". O pesquisador descarta de início o termo neofascista porque a Liga de Salvini não defende o resgate do regime totalitário nem se limita ao papel de apoiar governos conservadores sem integrá-los. Dessa forma, Gentile descreve Salvini como mescla de "pós-fascista" com "neoliberal". Mas por quê?

Para responder a essa pergunta, o cientista político italiano cita as principais semelhanças de Salvini com a ideologia fascista, em sua avaliação: uma ideia racista de uma raça superior, a manipulação midiática usando a mentira como elemento fundamental do poder, a homofobia e o pragmatismo político de empunhar e abandonar bandeiras a depender as circunstâncias. Há outros pontos em comum, segundo outros pesquisadores, como o anticomunismo, o nacionalismo, as paixões mobilizadoras e a defesa de valores cristãos.

"Na crise atual da democracia, o fascismo voltou a ser um modelo de organização das massas para líderes como Salvini e Bolsonaro", resume Gentile.

Na questão racial, a Liga defendeu em 2001 a existência de uma raça da Padânia, região do Norte da Itália onde ficam os Estados mais ricos, em contraposição à "sociedade multicultural" e a imigrantes que não descendem de italianos. Salvini costuma protestar contra o que ele chama de "limpeza étnica" na questão dos refugiados que chegam à Europa, considerada uma "tentativa de genocídio contra as populações que têm vivido na Itália há séculos, que alguém queria substituir por dezenas de milhares de pessoas procedentes de outras partes do mundo".

Ao longo dos anos, Salvini criticou aqueles que o classificam como extremista, radical ou pós-fascista. "Quero libertar a Itália de todos os extremismos de direita, de esquerda, islâmicos, de todos. Os extremismos nunca estão certos. Quero tranquilizar: comunismo, fascismo e nazismo não voltam", disse o então vice-premier italiano. Curiosamente, essa frase foi proferida no mesmo dia em que ele foi o único membro do governo a faltar à tradicional celebração do Aniversário da Libertação da Itália do regime nazifascista. "Cada um decide o que faz com seus dias", rebateu.

Especialista em radicalismo e populismo, o historiador argentino Federico Finchelstein, chefe do departamento de História e do programa de Estudos Latinos Americanos da New School, inclui Salvini entre os líderes populistas de direita do século 21 com traços semelhantes ao fascismo histórico do início do século 20. Para ele, o principal é a mentira.

Em seu estudo mais recente, Uma Breve História das Mentiras Fascistas, ele afirma que o poder político fascista derivou em grande parte da "cooptação da verdade e da ampla propagação de mentiras" e que o populismo adota essas práticas como uma espécie de pós-fascismo. Para Finchelstein, o "populismo é o fascismo adaptado à democracia", usando a mentira como instrumento para perturbar a confiança nas instituições democráticas.

"Os líderes fascistas proeminentes do século 20 - de Mussolini a Hitler - consideravam as mentiras como sendo verdades encarnadas por eles. Esse era o ponto central das noções que tinham do poder, da soberania popular e da história. Um universo alternativo, no qual a verdade e a falsidade não podem ser distinguidas, se baseia na lógica do mito. No fascismo, a verdade mítica substituiu a verdade factual."

Gentile, por outro lado, ressalta aquela que é a principal diferença entre a plataforma da Liga de Salvini e o regime fascista liderado por Mussolini: o papel do Estado. O político contemporâneo defende algo mais ligado ao neoconservadorismo, que incorporou a bandeira do neoliberalismo econômico ao conservadorismo. Ou seja, defende-se um "desmonte neoliberal do Estado", segundo as palavras de Gentile, algo bem diferente do fascismo clássico, que tinha o Estado grande como pilar de um regime totalitário que controla diversos aspectos das relações pessoais e econômicas.

Por fim, o pesquisador italiano ressalta que a luta entre fascismo e antifascismo se arrasta há décadas na Itália e que a disputa política também envolve o uso indiscriminado de termos como "fascista" e "neofascistas" sem uma preocupação rigorosa com o significado. "É claro que existe um uso bastante ideológico desses conceitos, porque nem tudo que a extrema-esquerda está combatendo é fascismo".

Para a Liga Antidifamação dos Estados Unidos, organização que luta contra o antissemitismo e outras discriminações, a resposta é mais genérica: a comparação com o fascismo clássico é amplamente usada no debate político porque este foi "o evento histórico que mais facilmente ilustra o certo versus o errado".

Matheus Magenta, enviado especial da BBC News Brasil a Roma, em 02.11.21