terça-feira, 28 de setembro de 2021

O Senado e a proteção das eleições

Entre os absurdos gerados na Câmara, tem até proposta de censura sobre pesquisas eleitorais

 Sob a presidência de Arthur Lira (PP-AL), a Câmara tem produzido propostas legislativas que são verdadeiros retrocessos em matéria eleitoral. Felizmente, o Congresso é composto por duas Casas, e o Senado tem conseguido limitar os danos. Na quarta-feira passada, os senadores impediram a volta das coligações partidárias nas eleições proporcionais (deputado federal, deputado estadual e vereador). É preciso advertir, no entanto, que o Senado tem ainda muito a fazer na defesa do sistema eleitoral e dos direitos políticos. Entre os absurdos gerados na Câmara, tem até proposta de censura a pesquisas eleitorais.

São dois os principais projetos sobre legislação eleitoral: a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 28/2021 e o projeto de um novo Código Eleitoral. No dia 22 de setembro, o plenário do Senado concluiu a votação da PEC 28/2021, mas sem a volta das coligações. Os senadores aprovaram a redação apresentada pela senadora Simone Tebet (MDB-MS), que, entre outros itens, estabeleceu novos critérios para a distribuição de recursos públicos entre as legendas e incluiu na Constituição a regra da fidelidade partidária. Além disso, a partir de 2026, a posse do presidente da República será no dia 5 de janeiro e a dos governadores, no dia 6. Como os senadores aprovaram uma parte da PEC original, o texto não voltará à Câmara.

Com a nova redação da PEC 28/2021, o Senado impediu um significativo retrocesso. Autorizadas até 2017, as coligações partidárias nas eleições proporcionais faziam com que o voto em determinado candidato pudesse eleger outro candidato, de outro partido, simplesmente em razão do convênio entre as legendas. Nesse sistema, o eleitor não tinha controle sobre os efeitos do seu voto, o que é profundamente problemático para a representação política.

Além disso, as coligações serviam para esconder a falta de representatividade de muitos partidos nanicos. Apesar de receberem pouquíssimos votos, candidatos dessas legendas usufruíam, em razão da coligação, dos votos de outros candidatos, de outras legendas, no cálculo do preenchimento das cadeiras legislativas. Com isso, as coligações ajudavam a viabilizar partidos totalmente inviáveis, sem nenhuma representatividade, o que favorecia a disfuncional e perniciosa fragmentação partidária.

Agora, o Senado recebeu a proposta relativa ao novo Código Eleitoral, com mais de 900 artigos, aprovada na Câmara. De pronto, chama a atenção a precipitação na tramitação de um projeto de tamanha envergadura. Em tempos de pandemia, com outras prioridades e, principalmente, com as limitações decorrentes das regras sanitárias, não há condições mínimas de avaliação desse novo marco legal.

A confirmar a precipitação, o projeto de novo Código Eleitoral contém graves e inconstitucionais aberrações. Prevê-se, por exemplo, a proibição da divulgação das pesquisas de intenção de voto na véspera e no dia das eleições. A proibição de cobertura jornalística sobre algum aspecto do pleito é violação das liberdades individuais e dos direitos políticos.

Além de configurar censura prévia e de tratar o cidadão como incapaz – o Estado assumiria o papel de interventor na autonomia individual, regulando o que cada um deveria utilizar na decisão sobre o seu voto –, a medida seria forte incentivo à desinformação e à manipulação. Com os veículos de comunicação impedidos de divulgar as pesquisas de intenção de voto, feitas com metodologia reconhecida, não haveria contraponto a pesquisas falsas ou distorcidas que certamente vão circular nas redes sociais e grupos de WhatsApp, confundindo os eleitores.

Além disso, o projeto do novo Código Eleitoral abranda a Lei da Ficha Limpa, diminui a transparência do uso do dinheiro público por partidos, exclui restrições relativas ao emprego desses recursos e diminui a punição de condutas que ferem a lei eleitoral. Diante desse perigoso quadro, cabe ao Senado ser muito cauteloso. É preciso submeter a proposta de um novo Código Eleitoral a uma rigorosa e pausada análise, que exclua os retrocessos e as inconstitucionalidades. Mudar para piorar é um atentado contra o eleitor.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 28 de setembro de 2021

Com o País distraído com crises e as bobagens do presidente, a Câmara passa boiadas e jabutis

O atual desafio é evitar que a Lei de Improbidade se transforme na festa da impunidade

Com tantas crises, declarações e revelações absurdas, o foco nestes mil dias de governo Jair Bolsonaro foi no presidente e no governo. Enquanto isso, variadas boiadas continuaram passando pelo Congresso, especialmente pela Câmara. A mais nova foi uma drástica mudança num dos eixos do combate à corrupção: a Lei de Improbidade.

Assim como teve de devolver ao Planalto o pedido de impeachment do ministro do STF Alexandre de Moraes e o projeto mexendo com o Marco Civil da Internet, o Senado teve de agir firmemente também para evitar audácias da Câmara: distritão, volta das coligações partidárias e novo Código Eleitoral já para 2022. O atual desafio é evitar que a Lei de Improbidade se transforme na festa da impunidade.

Câmara discute regulamentar publicidade do governo em programa de banda larga

Plenário da Câmara dos Deputados.  Foto: Cleia Viana/Agência Câmara - 1/9/2021

O projeto da Câmara seria aprovado a toque de caixa pelo Senado na semana passada, não fosse uma articulação para uma audiência pública nesta terça-feira, 28/9, antes da votação pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), na quarta-feira de manhã, e pelo plenário, já à tarde. Assim, rapidinho.

Toda lei é sujeita a mudanças e adaptações à realidade e à dinâmica da política e do próprio País. Foi assim, com bons propósitos, que surgiu o projeto para atualizar a Lei de Improbidade, debatido em 14 audiências públicas por dois anos e meio na Câmara. Ele, entretanto, foi trocado por um substitutivo, aprovado em surpreendentes oito minutos, em junho deste ano, unindo de bolsonaristas a petistas.

Os contrários ao substitutivo conseguiram retirar um “liberou geral” para o nepotismo, mas muitos bois, ou jabutis, como se diz em Brasília, permaneceram. Não para preservar o erário e as boas práticas administrativas e éticas, mas para criar uma blindagem, ou anistia, para os responsáveis.

São três blocos de improbidade na atual lei. Enriquecimento ilícito, dano ao patrimônio público e violação aos princípios da administração pública: impessoalidade, legalidade, publicidade e moralidade, previstos na Constituição. No texto em pauta, porém, só os atos especificados na lei, um por um, serão enquadrados. O que não for citado não vale, como “carteirada” ou furar fila de vacinação, entre tantos outros.

“As maneiras de violar esses princípios são infinitas e é impossível relacionar todas as possibilidades na lei. É por isso que são citados exemplos, referências”, diz o procurador Roberto Livianu, do Instituto Não Aceito Corrupção, ativista contra o substitutivo da Câmara e um dos participantes da audiência pública de terça-feira.

A justificativa dos deputados foi conter promotores que extrapolam no uso da lei, tratando como criminosos gestores públicos que cometam erros administrativos por falta de experiência ou de assessoria. Sim, isso acontece, mas é preciso conter esses promotores, não matar a lei. A Lei de Abuso de Autoridade existe para isso.

O relator no Senado é Weverton Rocha (PDT-MA), alvo de processo por... improbidade. Ele não acatou nenhuma emenda e não mudou uma vírgula no texto da Câmara que, em resumo, estabelece que quem desvia dinheiro público ou causa dano ao patrimônio sem dolo, sem má-fé, coitadinho, está perdoado.

O prazo para investigar quebras de sigilos, provas do exterior e, eventualmente, vários envolvidos será só de seis meses. Mais: a prescrição também é rapidinha, até retroativa; o tempo de pena máxima aumenta, mas acaba o tempo mínimo, que era de oito anos. Cereja do bolo: os procuradores terão de pagar honorários se as ações forem consideradas descabidas.

Se a Câmara não conseguiu criar a “Lei Moro”, para impedir a candidatura do ex-juiz Sérgio Moro em 2022, foi bem-sucedida para transformar a Lei de Improbidade em pá de cal da Lava Jato, a maior operação de combate à corrupção da história. Em vez de ajustes, de meio-termo, joga-se tudo no lixo. Quem comemora?

Eliane Cantanhede, a autora deste artigo, é comentarista da Rádio Eldorado, da Rádio Jornal (PE) e do Telejornal Globo News "Em Pauta". Publicado originalmente n'O Estado de São Paulo, em 28.09.21

Mil dias a menos

Este é um dos poucos motivos para celebrar o milésimo dia de Jair Bolsonaro no Planalto, o mais completo e desastroso desgoverno do Brasil independente

Completados mil dias, são mil dias a menos com Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto. Este é um dos poucos motivos para celebrar o milésimo dia do mais completo e mais desastroso desgoverno do Brasil independente. Haver sobrevivido também pode ser uma razão para festejar, se for possível conter, por algum tempo, a indignação e a dor pelos milhares de mortes atribuíveis ao negacionismo, à irresponsabilidade e a uma incompetência fora dos padrões conhecidos. Passados quase três quartos do mandato, restam, no entanto, os perigos associados à ambição de um presidente empenhado em continuar no poder – se possível, por meio de uma reeleição.

Não há por que esperar uma transfiguração de Bolsonaro, em sua luta para sobreviver politicamente e adiar, ou talvez evitar, as consequências legais de seus desmandos e omissões. Enquanto estiver na Presidência, ele tentará preservar o custoso apoio do Centrão. Além disso, continuará forçando a equipe econômica a encontrar, no Orçamento, recursos para gastos eleitoreiros. Não há por que esperar, também, um desempenho, em qualquer setor – educação, crescimento econômico, saúde, emprego e bem-estar –, melhor do que aquele registrado até agora.

O primeiro grande feito de Bolsonaro foi interromper a recuperação econômica iniciada em 2017, depois da recessão de 2015-2016. A economia cresceu apenas 1,4% em 2019, menos que no ano anterior, e já estava mais fraca no começo de 2020, antes da pandemia. O recuo de 4,1% naquele ano foi menor que o de várias economias desenvolvidas e emergentes, mas o País entrou em 2021 com desemprego de 14,7%, muito acima dos padrões dos países de renda média. Pior que isso, milhões de pessoas estavam desassistidas e dependentes de campanhas de solidariedade para comer.

Ameaças golpistas foram o complemento do cenário econômico de insegurança, desemprego e miséria crescente. Logo depois da invasão do Congresso americano por uma turba incitada pelo presidente Trump, Bolsonaro ameaçou algo semelhante, no Brasil, se a eleição do próximo ano for feita com voto eletrônico. Meses depois, um projeto de restabelecimento do voto impresso foi derrubado no Parlamento, mas o presidente continuou insistindo no assunto.

Conflitos com os Poderes Legislativo e Judiciário marcaram toda a gestão bolsonariana, e neste ano ele se concentrou em ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ataques às duas Cortes foram temas das manifestações golpistas de 7 de setembro, lideradas pelo presidente em Brasília e em São Paulo. Essas manifestações foram por ele descritas como democráticas, em seu vergonhoso discurso na abertura da assembleia anual das Nações Unidas, em Nova York.

Rejeição das instituições e ameaças de golpe, mais ou menos ostensivas segundo as circunstâncias, foram acompanhadas, em alguns dos momentos mais feios, de elogios à ditadura militar e a um notório torturador daquele período, o coronel Brilhante Ustra, chamado de herói por Bolsonaro. O mesmo qualificativo foi atribuído a um conhecido miliciano morto pela polícia na Bahia.

Elogios a um torturador e a um miliciano combinam com a política de facilitação de acesso às armas. Pessoas sérias podem apoiar essa política, mas seus principais beneficiários são obviamente os criminosos e os bolsonaristas dispostos a formar milícias de apoio a um líder antidemocrático.

Alimentada pela incompetência e pela irresponsabilidade, a inflação acumulada em 12 meses bateu em 10%, atormentando famílias já acuadas pelo desemprego e pela perda de renda. As projeções de crescimento econômico em 2022 estão abaixo de 2% e algumas instituições do mercado já anunciaram estimativas próximas de 0,5%. O desastre na saúde e o fracasso econômico foram complementados, nesses mil dias, com devastação ambiental, desmonte do Ministério da Educação e comprometimento da imagem do País, manchada por um extremista percebido em todo o mundo como caricatura patética do já patético Donald Trump. Cada um desses mil dias é para ser lamentado.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 28 de setembro de 2021 

Lula tenta reescrever a história da corrupção no Brasil

Segundo ex-presidente, a culpa da grave crise econômica nacional caberia à Operação Lava Jato – não à própria corrupção. Uma cínica tentativa de criar uma nova narrativa e evitar um mea culpa, escreve Alexander Busch.

Corrupção na Petrobras manchou imagem internacional da estatal e do Brasil

Em 10 de março de 2021 o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva expôs pela primeira vez sua visão particular do escândalo de corrupção da Lava Jato: devido à operação, o Brasil teria perdido cerca de R$ 172 bilhões em investimentos, e 4 milhões de cidadãos teriam ficado sem emprego, queixou-se, lamentando que uma empresa tão imponente como a estatal Petrobras tenha sofrido danos.

As sentenças de Lula por lavagem de dinheiro e corrupção acabavam de ser suspensas por motivos formais. Seus adeptos festejaram o fato como uma absolvição, muitos interpretaram essa aparição pública em março como seu primeiro discurso de campanha.

Na realidade, o ex-chefe de Estado está incorrendo numa estranha distorção da história. Pois não foram os inquéritos da Justiça no escândalo que causaram danos à economia e à Petrobras, mas sim a corrupção, a má gestão, as decisões econômicas equivocadas nos cerca de 13 anos em que o Partido dos Trabalhadores (PT) de Lula esteve no poder.

Jogar para a Justiça a responsabilidade pelos prejuízos é como culpar pela doença o médico que a diagnosticou no paciente.

O drama da Petrobras

Lula citou uma análise realizada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), por encomenda da Central Única dos Trabalhadores (CUT), examinando as consequências econômicas da Operação Lava Jato, entre 2014 e 2017. Nela, os pesquisadores distorcem os fatos, pois o ocaso da Petrobras já havia iniciado muito antes das investigações judiciárias, a partir de março de 2014.

O ex-chefe de Estado e sua sucessora, Dilma Rousseff, tencionavam transformar a estatal na locomotiva industrial do Brasil. Mas no processo dividiram a pele da onça antes de ela ter sido caçada, já que os lucros com o petróleo não jorravam tão rápido como se esperava, devido às complexas tecnologias do pré-sal.

Em consequência, a Petrobras se endividou ao ponto de, em 2013, se tornar a companhia cotada na bolsa de valores com o maior volume de dívidas do mundo. Ao mesmo tempo, o governo recrutou a multinacional também para o combate à inflação, e a gasolina e o diesel passaram a ser vendidos mais barato.

Quando, a partir de 2014, o preço do petróleo começou a cair, investigadores de Curitiba revelaram gradualmente um gigantesco esquema de corrupção, em que firmas de construção privadas, em especial a Odebrecht, haviam desviado bilhões, junto com a gerência da Petrobras e com a bênção do governo e seus parceiros de coalizão.

Teorias de conspiração em curso online

No decorrer das investigações, prenderam-se diversos diretores da Petrobras e da indústria de construções, e suas empresas foram excluídas das concorrências públicas. Muitos fornecedores que haviam pagado propina também ficaram proibidos de trabalhar com a Petrobras.

Nesse ínterim, o Instituto Lula elaborou as conclusões do Dieese na forma de um curso online, em que especialistas explicam como as investigações da Justiça prejudicaram a classe trabalhadora.

A abertura cabe ao ex-chefe da Petrobras Sergio Gabrielli, que reproduz as teorias de conspiração de praxe da esquerda. Segundo estas, o FBI e as Forças Armadas americanas teriam usado como seu capanga o juiz Sergio Moro, "treinado nos Estados Unidos", a fim de enfraquecer a estatal do petróleo. Gabrielli se permite até explicar que os R$ 6 bilhões de subornos, divulgados oficialmente pela primeira vez em 2014, seriam "quase nada" diante do faturamento da Petrobras.

Tudo isso é a tentativa cínica de sobrepor uma nova narrativa à Lava Jato – evitando assim o mea culpa necessário a um recomeço político para Lula e seu partido.

--

Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil. Publicado originalmente por Deutsche Welle Brasil, em 18.08.21

Tasso Jereissati desiste de prévias do PSDB para apoiar Eduardo Leite contra Doria

O senador Tasso Jereissati (CE) vai abrir mão de disputar as prévias do PSDB em favor do governador gaúcho Eduardo Leite, que tem como principal adversário João Doria (SP).


Governador Eduardo Leite receberá apoio do Senador Tasso Jereissati

O anúncio está previsto para esta terça, 28, às 15h, no Congresso, com a presença de Leite. Logo, será um bom termômetro do posicionamento das bancadas tucanas no Senado e na Câmara.

Os dois vinham discutindo a possível aliança desde agosto, como mostrou o Estadão. As prévias tucanas estão marcadas para 21 de novembro.

No mês passado, Doria afirmou em entrevista ao programa Roda Viva que Tasso já tinha abandonado a disputa interna do partido. Diante da má repercussão dentro do partido, o governador paulista recuou e pediu desculpas.

“Quem achava que seria um passeio para Doria, errou feio”, afirmou à Coluna o ex-senador Cássio Cunha Lima (PB).

Eliane Cantanhêde para O Estado de São Paulo, em 28.09.21

Valdemar Costa Neto fala em irregularidades no Banco do Nordeste e pede a demissão da diretoria

Presidente nacional do PL e um dos principais líderes do Centrão, Valdemar Costa Neto gravou um vídeo em que pede a Jair Bolsonaro a demissão de toda a diretoria do Banco do Nordeste por suspeita de irregularidade em um contrato com uma ONG. A atual presidência do banco foi indicada pelo partido de Costa Neto.

O valor chegaria a R$ 600 milhões por ano. Costa Neto já teria entrado em contato pessoalmente com o presidente. No Planalto, o clima era de apreensão à espera da divulgação do vídeo.

Costa Neto foi condenado pelo envolvimento no escândalo do mensalão, em 2012, durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do qual era aliado.

Alberto Bombig e Matheus Lara para o Estado de S. Paulo, em 27 de setembro de 2021

segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Covid no Brasil: por que últimos dias de setembro são decisivos para futuro da pandemia

O final de setembro é marcado pelo fim do inverno e o início da primavera no Hemisfério Sul. Mas, em 2021, esse período também pode estar relacionado a outra mudança significativa, ao menos no Brasil: especialistas indicam que os próximos dias serão decisivos para entender o futuro da pandemia de covid-19 por aqui.

Apesar de queda constante nos registros de infecções e óbitos relacionados ao coronavírus, acontecimentos recentes podem alterar perspectivas de controle da pandemia(Getty Images)

E isso tem a ver com uma série de fatores que ocorreram nas últimas semanas e que podem ter influência direta no número de casos, hospitalizações e mortes pela doença provocada pelo coronavírus.

O que alta em internação de idosos revela sobre efetividade da vacina e 3ª dose contra covid

Por que governo Bolsonaro voltou a recomendar vacina contra covid para adolescentes

Falamos aqui de aglomerações registradas em protestos, eventos e viagens, o menor impacto da variante Delta no Brasil, o avanço da vacinação e até o alívio em algumas medidas restritivas que foram mantidas por cidades e Estados nos últimos meses.

Por ora, as estatísticas trazem certa esperança: desde junho, as médias móveis de casos e óbitos por covid-19 caem constantemente. Mesmo assim, os últimos dias foram marcados por ligeiros aumentos nesses índices.

"De uma maneira geral, podemos dizer que o cenário está cada vez melhor, após aquele período de caos na saúde que vivemos entre março e maio", destaca o epidemiologista Paulo Petry, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Mas será que os gráficos seguirão nessa trajetória de queda daqui para frente? E o que cidadãos e gestores públicos deveriam fazer agora para manter essa onda de boas notícias?

Onde estamos?

O primeiro semestre de 2021 foi marcado por uma segunda onda altíssima de infecções e óbitos por covid-19 no Brasil. Os sistemas de saúde de várias cidades entraram em colapso e não existiam vagas suficientes para suprir a demanda de novos pacientes.

No auge da crise, o país chegou a registrar médias móveis de 77 mil novos casos e 3 mil mortes pela doença todos os dias. Não à toa, o país foi classificado como o epicentro da pandemia naquele momento.

Na virada para o segundo semestre, essas curvas começaram a cair, embora tenham se mantido em patamares muito elevados durante os meses de julho e agosto.

Mais recentemente, ao longo do mês de setembro, as médias móveis estavam na casa dos 14 mil novos casos e 500 óbitos por covid-19 — números que chegam a ser seis vezes menores do que o registrado lá no pico da segunda onda.

O que explica essa queda tão grande? O pesquisador em saúde pública Leonardo Bastos, da Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz), destaca o papel das vacinas.

"O que aconteceu nesse meio tempo foi a vacinação, que teve um efeito muito claro e impressionante. Vimos uma redução consistente nos casos e nos óbitos", analisa.

A campanha de imunização contra a covid-19 começou em janeiro e fevereiro de 2021, mas os primeiros meses foram marcados pela escassez de doses, que serviram para proteger apenas a camada mais vulnerável da população, como os idosos e os profissionais da saúde.

No meio do ano, a chegada de milhões de unidades de imunizantes permitiu incluir praticamente toda a população adulta brasileira na campanha — no início de setembro, muitos prefeitos e governadores comemoraram o fato de que praticamente 100% dos cidadãos acima de 18 anos já haviam recebido ao menos a primeira dose que protege contra o coronavírus.

Adesão dos brasileiros à campanha de vacinação foi muito mais alta do que o observado em partes dos EUA e da Europa (Getty Images)

No momento, cerca de 70% de todos os brasileiros já tomaram a primeira dose e 40% completaram o esquema vacinal (com a segunda dose ou com a vacina da Janssen, que exige apenas uma aplicação).

E aqui pesou bastante o fato de o Brasil ser um dos locais do mundo onde há grande aceitação dos imunizantes. Em partes dos Estados Unidos e da Europa, a campanha de vacinação até começou bem, mas esbarra atualmente numa parcela da população que se recusa a tomar as doses.

Uma nova subida?

Apesar da queda sustentada nos números durante os últimos meses, algumas estatísticas mais recentes, colhidas nos últimas dias, mostram um ligeiro aumento nos casos e nas mortes por covid-19.

Na segunda quinzena de setembro, a média móvel de mortes voltou a ficar acima de 500 por dia no Brasil — no início do mês, essa taxa estava na casa dos 400.

Outra coisa que chamou a atenção foi a inclusão repentina de dados que estavam represados em alguns Estados. São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, incluíram 150 mil casos de covid-19 "atrasados" no sistema de vigilância.

Isso fez com que a média móvel de casos explodisse de um dia para outro: segundo o site do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), essa taxa estava em 14 mil no dia 17 de setembro e pulou para 34 mil em 18/9.

De acordo com informações divulgadas pelas próprias Secretarias Estaduais de Saúde, o e-SUS Notifica, a plataforma onde esses números são registrados, passou por atualizações e ajustes.

Com isso, as equipes responsáveis por realizar a notificação encontraram algumas dificuldades nos últimos dias. A expectativa é que as curvas voltem a se normalizar em breve, mas é preciso acompanhar se isso realmente acontecerá ou teremos efetivamente um novo aumento entre o finalzinho de setembro e o início de outubro.

7 de setembro

Manifestações do dia 7 de setembro foram marcadas por aglomerações (Getty Images)

Ainda entre as possíveis ameaças com potencial de quebrar essa sequência de boas notícias, os especialistas chamam a atenção para o que ocorreu no feriado do dia 7 de setembro.

"Nesta data, tivemos manifestações em várias cidades do país e muitas pessoas também aproveitaram para viajar", destaca o virologista José Eduardo Levi, coordenador de pesquisa e desenvolvimento da Dasa.

Em locais como Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, centenas de milhares de brasileiros se reuniram para demonstrar apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Em setembro, também ocorreram manifestações contra o presidente.

"E nós vimos pelas imagens que as pessoas estavam aglomeradas e muitas não usavam máscara" complementa o cientista, que também faz pesquisas no Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (USP).

A janela entre o contato com o coronavírus e o desenvolvimento da covid-19 costuma demorar até 15 dias. Ou seja: se alguns indivíduos que estiveram aglomerados no dia 7 de setembro se infectaram e criaram novas cadeiras de transmissão a partir dali, os efeitos práticos disso só serão sentidos do dia 22/9 em diante.

"O último feriado foi a prova dos noves. Os eventos ocorreram em plena circulação da variante Delta e precisamos ver como isso repercutirá na pandemia a partir de agora", completa Levi.

A Delta triunfou ou refugou?

Variante Delta foi identificada no fim de 2020 e causou enorme estrago em várias partes do mundo (Getty Images)

Falando em variantes, um terceiro aspecto que ajuda a explicar os números recentes tem justamente a ver com a Delta, que surgiu no final de 2020 e causou (e ainda causa) um enorme estrago em várias partes do mundo, como Índia, Indonésia, Reino Unido, Israel e Estados Unidos.

As novas ondas de casos e mortes relacionadas a essa nova linhagem viral no mundo deixaram os pesquisadores brasileiros de cabelo em pé: o que impediria a Delta de provocar o mesmo problema em nosso país?

Alguns grupos de pesquisa que fazem a vigilância dos coronavírus que estão em circulação mostraram que essa variante se tornou dominante em algumas cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, a partir de agosto.

Mas, felizmente, a realidade contraria essas expectativas e não houve um aumento das internações e mortes por covid-19 no Brasil, pelo menos até agora.

"Em locais como Londres, Nova York e Israel, passaram-se cerca de dois meses entre a chegada da Delta e um grande aumento no número de casos de covid-19", calcula Levi.

"As projeções matemáticas indicavam um cenário catastrófico para o Brasil também. Mas essa variante foi detectada aqui no começo de junho, então a explosão de casos deveria ocorrer em agosto. Já estamos no final de setembro e os números não subiram", conclui.

Mas como explicar isso? Por que essa variante não foi um bicho de sete cabeças até agora no Brasil, como se esperava?

De acordo com os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, há algumas teorias que podem ajudar a entender esse fenômeno.

O primeiro deles é novamente o avanço da vacinação: apesar de as doses disponíveis perderem um pouco da efetividade contra a Delta, elas continuam a funcionar relativamente bem, especialmente contra as formas mais graves da covid-19, que exigem hospitalização e intubação.

A taxa de ocupação de leitos por covid-19 no Brasil também caiu consideravelmente neste segundo semestre, apontam os boletins da FioCruz (Getty Images)

O segundo motivo está relacionado àquela segunda onda de casos que acometeu o país entre março e maio.

"Tivemos muitas pessoas infectadas, então ainda há uma resposta imune natural relacionada à variante Gama, que foi responsável pelo pico registrado no primeiro semestre", contextualiza Levi.

Juntos, esses dois ingredientes podem ter feito com que uma parcela considerável da população brasileira ainda tenha um bom nível de anticorpos, seja pela vacinação ou pela infecção natural (que, aliás, nunca é desejável, pois isso está relacionado ao aumento de mortes). E, por sua vez, essa soma de fatores poderia ter sido capaz de barrar uma nova onda de infecções pela Delta.

Vale reforçar aqui que essas são apenas suspeitas e ainda não existem evidências científicas sólidas para confirmar a ligação entre essas duas coisas.

Para onde vamos?

Num cenário positivo, mas com algumas incertezas importantes, os especialistas entendem que é preciso observar o que acontecerá nas próximas semanas antes de ter a certeza de que o pior já passou.

A epidemiologista Ethel Maciel, professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), pondera que a pandemia no Brasil parece estar sempre atrasada em relação ao que ocorre em algumas partes do Hemisfério Norte.

"Até o momento, as curvas epidemiológicas da covid-19 nos Estados Unidos e na Europa se repetiram algumas semanas depois em nosso país", lembra.

E a situação de momento nesses locais não é das melhores: com o avanço da Delta e as dificuldades em convencer parte da população a tomar as vacinas, o número de casos e mortes voltou a subir de forma considerável por lá. Em terras americanas, por exemplo, já são registrados mais de 2 mil óbitos por covid-19 todos os dias, de acordo com os últimos boletins.

Será que o mesmo cenário vai acontecer no Brasil? Ninguém sabe. "Dada nossa cobertura vacinal, a tendência é que a gente mantenha essa queda nos dados ou a situação se estabilize num certo patamar de casos e mortes", projeta Bastos, da FioCruz.

"Agora, não temos certeza se esse patamar será 'aceitável' ou ainda estaremos com muitas hospitalizações e mortes por infecções respiratórias todos os dias", completa.

Falamos aqui de probabilidades. E é preciso ter em mente outras coisas que podem aparecer pelo caminho, como o surgimento de uma nova variante ainda mais potente que a Gama ou a Delta e com capacidade de driblar completamente as vacinas.

"Uma coisa que aprendemos durante essa pandemia é o quanto o coronavírus é imprevisível, portanto não podemos cantar vitória ainda", concorda Levi.

O efetivo controle da pandemia depende do engajamento da população, que precisa ir aos postos de saúde para tomar a primeira, a segunda ou, se for o caso, a terceira dose dos imunizantes.

É importante que todas as pessoas voltem ao posto para tomar as doses de vacina preconizadas para proteger contra as formas mais graves de covid-19 (Getty Images).

"Também devemos tomar muito cuidado com as medidas não farmacológicas, como usar máscaras de qualidade e evitar aglomerações", diz Maciel.

"Não podemos cometer o mesmo erro dos Estados Unidos, que retirou a obrigatoriedade das máscaras e precisou voltar atrás logo depois. Retomar essas políticas é sempre muito difícil", diz a epidemiologista.

Petry entende que as reaberturas anunciadas por Estados e municípios do Brasil também precisam ser feitas aos poucos e com muito cuidado. "A flexibilização precisa ser gradual, e não aquele oba-oba que vimos na Europa", conta.

"E os gestores precisam sempre acompanhar os números e ter pulso para agir a tempo caso percebam uma piora", sugere o epidemiologista da UFRGS.

No reino das incertezas, será necessário aguardar as próximas semanas de setembro e outubro para entender se o futuro da pandemia no Brasil será marcado por frustração ou esperança.

André Biernath - @andre_biernath, de S. Paulo para a  BBC News Brasil, em 27.09.21

domingo, 26 de setembro de 2021

Merval: O desejo de mudança

Diz-se que em política existem dois fatos: o novo e o consumado. Não temos fato consumado ainda na corrida presidencial, embora a polarização entre Bolsonaro e Lula seja uma forte possibilidade. Mas o fato novo pode ser o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite. 

Mesmo que recebida com ceticismo, a análise da consultoria Eurasia indicando que ele pode ganhar as prévias do PSDB trouxe ao debate político a única novidade no campo da eleição presidencial do ano que vem. Uma novidade que poderá dar mais força à tese da terceira via.

Derrotando o governador João Doria dentro da máquina partidária que em teoria ele controla, Leite indicaria um desejo de renovação no PSDB, apesar de Doria também ser uma novidade na política paulista, onde surgiu em 2017 vencendo a eleição para prefeito de São Paulo. Leite, porém, tem apenas 36 anos e, embora tenha sido vereador em Pelotas com 26 anos, não está  marcado pela prática da velha política como seus eventuais concorrentes.

Inclusive Doria, que depois de ter sido lançado pelo então governador Geraldo Alckmin para a Prefeitura de São Paulo, e apoiado pelo hoje presidente Jair Bolsonaro na campanha para governador, abandonou os dois para uma carreira solo. Embora faça um governo considerado de alta qualidade, a popularidade de Doria não avaliza que venha a conseguir o apoio do partido na campanha presidencial, nem do eleitorado paulista, como ele acredita.

São Paulo sempre foi fundamental para a votação do PSDB nas eleições presidenciais. Fernando Henrique chegou a levar 5 milhões de votos à frente quando venceu Lula no primeiro turno em 1994 e 1998. O hoje deputado Aécio Neves saiu de São Paulo com 7 milhões de vantagem, e só perdeu a eleição para presidente porque foi derrotado em seu próprio estado, Minas Gerais, que hoje apóia Eduardo Leite. Jair Bolsonaro teve uma votação recorde em São Paulo, se elegendo presidente.

Se o governador do Rio Grande do Sul for apoiado por São Paulo e Minas Gerais na corrida presidencial de 2022, o PSDB terá reforçada sua presença em estados que já foram base eleitoral dos tucanos, e hoje estão dominados pelo bolsonarismo. Caso Doria vença, como parece mais provável, o PSDB se dividirá, com o ex-governador Geraldo Alckmin disputando o governo paulista contra o candidato de Doria, e Aécio Neves comandará a dissidência tucana em Minas.

A proposta do ex-presidente Fernando Henrique de que se faça uma união partidária contra Bolsonaro, com a presença do PT, parece inviável na prática. No mínimo porque o nome de união só poderia ser o de Lula, que está na frente das pesquisas e não abrirá mão da candidatura. Nada indica que o eleitorado que já foi dos tucanos e abandonou o candidato Geraldo Alckmim para votar em Bolsonaro em 2018 se transferiria agora para Lula. Como bem disse Carlos Alberto Sardenberg, não tem graça votar no Bolsonaro para derrotar Lula, e agora votar no Lula para derrotar Bolsonaro.

Daí a importância de uma terceira via que represente uma novidade no cenário político nacional. Esse candidato poderia ser o ex-juiz Sergio Moro, mas tudo indica que ficou fragilizado diante da campanha promovida contra ele para inocentar Lula, mesmo condenado em três instâncias. Até agora, o ex-presidente não foi absolvido em nenhum dos processos em que foi condenado, eles foram arquivados ou prescreveram, sem que o mérito fosse revisto.

Os dois candidatos que polarizam as pesquisa eleitorais a um ano das eleições enfrentarão campanhas duríssimas, com o retorno de todas as acusações, sejam o governo desastroso de Bolsonaro e suas tentativas de golpe, quanto o mensalão, o petrolão e as medidas autoritárias que o PT tentou impor para controlar os meios de comunicação e a produção cultural brasileira. A crítica à economia será do mesmo peso contra os dois governos, Bolsonaro e Dilma.

Tanto Bolsonaro quanto Lula negociam com os mesmos partidos que estiveram envolvidos nos escândalos financeiros dos últimos anos. O Centrão joga com as regras que estão em vigor, e representa a velha política. Se não surgir uma candidatura desligada desses padrões, a disputa ficará mesmo entre os dois populistas, um de esquerda, outro de direita. A não ser que Bolsonaro caia tanto em popularidade, que se inviabilize. Nesse caso, o candidato que impedir Lula de ganhar no primeiro turno terá grandes chances de vencer no segundo.

Merval Pereira, o autor deste artigo é comentarista de política na GloboNews. Publicado oriiginalmente n'O Globo, em 26.09.21.

Um poeta

 Bonfim Tobias

 MASSA ETÉREA

A vida é u'a vela que se apaga

Escurecendo aos poucos nosso  tempo!

E não adianta àquele que indaga

O por quê é chegado o seu momento!


De repente a esperança é desalento

Incerto, triste, que não mais afaga.

É um lírio tombado pelo ,vento,

Levando a existência para o nada!


É preciso saber a eternidade

Que vibra no ínfimo de cada idade

Passada neste Plano de mistérios!

Base fiel bolsonarista passa por uma hiperradicalização, aponta estudo

A base fiel bolsonarista está passando por um processo de “hiperradicalização”, aponta pesquisa de Esther Solano, doutora em sociologia e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) que estuda o fenômeno do bolsonarismo desde 2017.

“Os bolsonaristas radicais têm uma ligação cada vez mais emocional e psicológica com Bolsonaro. A base que anteriormente chamávamos de fiel está passando por um processo de fortalecimento e consolidação do discurso de defesa do presidente”, diz Solano.

Segundo ela, os radicais estão convictos de que Bolsonaro é perseguido por todos, e eles encaram isso como uma perseguição a eles próprios e ao Brasil que idealizam.

Esta base de “bolsonaristas heavy”, como define Mauro Paulino, diretor-geral do Datafolha, correspondia a 17% do eleitorado em agosto de 2020 e, hoje, é de 11%.

De acordo com a última pesquisa do Datafolha, os bolsonaristas heavy são aqueles que votaram no Bolsonaro no primeiro e segundo turno em 2018, avaliam o governo como ótimo ou bom e que confiam em tudo o que o presidente diz.

Bolsonaro, diz Solano, representa o empoderamento de grupos políticos que previamente se sentiam isolados politicamente ou silenciados.

“É o empoderamento do homem médio, conservador, que nunca se sentiu visibilizado pela grande política, e hoje se vê reconhecido pelo bolsonarismo. É a exaltação da masculinidade, branquitude, e da direita”, diz a acadêmica.

“Para eles, caindo o Bolsonaro, eles caem junto, e tudo em que eles acreditam cai também; é como se eles voltassem para a invisibilidade.”

A acadêmica faz pesquisas etnográficas, que reúnem pequenos grupos de pessoas que já se conhecem e conversam entre si, de diferentes localidades e classes sociais, para avaliar as narrativas e as visões.

Ela começou a acompanhar apoiadores de Bolsonaro em 2017, e hoje monitora grupos de bolsonaristas fiéis, críticos e arrependidos.

O último estudo foi realizado com grupos de bolsonaristas de Paraná, Rio de Janeiro e Brasília após as ameaças golpistas de Bolsonaro no 7 de Setembro.

Houve especulação de que o recuo de Bolsonaro, por meio da carta costurada pelo ex-presidente Michel Temer, podia decepcionar a base bolsonarista mais fiel, que apoia os atos mais agressivos do presidente.

Vários dos bolsonaristas analisados por Solano afirmaram ter se sentido inicialmente decepcionados com o recuo, pois ficaram “confusos com as informações de uma imprensa que sempre tenta enganar e destruir o presidente”.

Eles foram às ruas esperando que algo fosse feito contra o STF. Mas, depois, entenderam que foi “pura estratégia” de Bolsonaro, que foi a atitude correta para melhorar as coisas sem que houvesse violência ou caos.

“Ele foi um estrategista de primeiro nível, a imagem dele saiu fortalecida porque demonstrou que é um sujeito explosivo e autêntico, mas que também pode ser um negociador e um homem tático que escuta sua equipe. O dólar baixou, a bolsa subiu, o poder econômico está satisfeito com o recuo e a imagem internacional dele também melhorou”, disse um dos participantes.

“Ele vai tentar primeiro resolver a situação com o STF de forma não violenta, aí, se não der, como última alternativa, ele partirá para uma revolução junto com o povo.”

Muitos, segundo Solano, encaram o presidente Bolsonaro e a pátria como uma coisa só, acreditam que o Brasil está em perigo porque Bolsonaro está em perigo, e foram às ruas atendendo ao chamado do presidente.

“Pelo fato de querer o melhor para o Brasil, a oposição contra nosso presidente estava muito alta, eu vi que o presidente só tem o povo, e resolvi ir para apoiá-lo. Esperava que naquele mesmo dia o STF recuasse do que eles estavam impondo contra o Zé Trovão e os que estavam sendo perseguido por conta de expor a sua opinião, além dos projetos do presidente que o STF vetou", disse outro.

"E esperava que o voto impresso fosse aprovado. Vendo que o STF não se moveu, fiquei um pouco decepcionado não com presidente, mas sim com as autoridades maiores”, completou.

Os bolsonaristas acreditam que o acordo fechado com ajuda de Temer fará com que “o STF pare de perseguir bolsonaristas por sua ideologia, pare de perseguir Bolsonaro sem provas (inquérito das fake news), adote uma posição mais favorável ao voto impresso e pare de impor obstáculos a algumas pautas bolsonaristas ligadas a armas e valores morais.”

Segundo a pesquisadora, essa base radical dificilmente vai se decepcionar com o presidente, porque a conexão desses apoiadores com Bolsonaro não é programática, nem política; é uma ligação afetiva, emocional, que passa pela forma de entender o mundo.

Discutindo se iriam às ruas de novo se Bolsonaro pedisse, ainda que fosse para tentar algo mais radical como fechar o STF, os pesquisados responderam sem titubear: “Sem dúvidas, estamos fechados com Bolsonaro”. Para eles, fechar o STF não seria golpe.

“Ele está tentando resolver a situação com o STF de um jeito pacífico, mas se os acordos forem descumpridos pelos ministros, e Bolsonaro decidir radicalizar, todo mundo estará com ele, mesmo com guerra civil”, disse um deles.

“Se for necessário chegar nesta situação extrema pelo bem do povo brasileiro, não será culpa de Bolsonaro e sim do STF”, afirmou outro. “Não seria um ‘golpe’, se tudo fosse conforme a Constituição, já que a Carta Magna prevê este tipo de situações. Uma grande parte de militares e as policiais responderiam a este chamado de Bolsonaro”.

Segundo Solano, para eles, foi a esquerda que deu um golpe com a captura do Estado pela corrupção. Bolsonaro, na visão deles, quer fortalecer a democracia ao limpar o Brasil de corruptos.

Em relação à vantagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas pesquisas eleitorais, os bolsonaristas heavy demonstram ceticismo com os levantamentos e dizem que o petista só vencerá se houver fraude nas urnas.

“Lula é forte no Nordeste, mas só ganhará se houver fraude eleitoral (se não houver voto impresso)”, disse um participante.

“Eu não tenho medo de o Lula se eleger não, eu tenho medo de existir fraude nas urnas. Eu não acredito nessas pesquisas, são fontes da esquerda, querendo confundir o eleitor. Só procurar as pesquisas certas que o Lula está muito abaixo.”

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/09/base-fiel-bolsonarista-passa-por-uma-hiperradicalizacao-aponta-estudo.shtm

A política e a esperança

Não existe motivo para que o País fique refém de forças do atraso. Há muito a fazer para se ter uma candidatura de centro com viabilidade eleitoral

Nota-se na população um sentimento de ceticismo em relação à política. Os governos petistas e o bolsonarista parecem ter minado a esperança de um futuro melhor por meio da política. Diante do histórico recente do País, seria ingenuidade – esta é a impressão amplamente difundida – nutrir alguma expectativa de dias melhores por meio da política.

Lula e Bolsonaro não apenas contribuíram para a atual polarização político-ideológica que divide o País. Com seus respectivos escândalos, negacionismos e incompetências, o lulopetismo e o bolsonarismo difundiram uma profunda desesperança em relação à política. Nos tempos atuais, o slogan da campanha eleitoral do humorista Tiririca – “pior que tá não fica” – soa falso. Parece já não haver limites para o retrocesso institucional e a degradação cívica.

Para piorar, Lula e Bolsonaro valem-se dessa desesperança, que eles mesmos difundiram e continuam a difundir, para alavancar suas bases eleitorais. Não oferecem propostas políticas transformadoras, aptas a enfrentar com responsabilidade os problemas e entraves nacionais. A tática é meramente negativa. Cada um vale-se do medo do outro – do medo de que as coisas piorem ainda mais – na tentativa de angariar algum apoio da população.

Diante desse círculo vicioso, não seria exagero chamá-lo de infernal, é preciso lembrar que os efeitos deletérios do lulopetismo e do bolsonarismo não podem ser atribuídos à política. Lula e Bolsonaro são, com todo o rigor do termo, a antipolítica. Em vez de conduzirem à frustração com a política, os fracassos e escândalos dos governos petistas e bolsonarista são um poderoso alerta sobre a necessidade da política e, consequentemente, da esperança.

Dito de outra forma, não é que a política fracassou ao tentar resolver os problemas nacionais. Lula e Bolsonaro nunca quiseram resolver os problemas nacionais. Suas pretensões sempre se limitaram a perpetuar-se no poder. É precisamente essa perversão da política que produz a desesperança.

Também não é verdade que Lula e Bolsonaro sejam forças políticas imbatíveis, contra as quais não valeria a pena se insurgir. As eleições de 2020 mostraram uma realidade política bem mais plural do que o lulopetismo e o bolsonarismo gostariam de admitir. Cinco partidos se destacaram quanto ao número de prefeitos eleitos: MDB (783), Progressistas (687), PSD (654), PSDB (521) e DEM (466). O PT e o PSL, a última legenda de Jair Bolsonaro, elegeram 182 e 90 prefeitos, respectivamente.

Há espaço para a política, como também o há para a esperança. Não existe nenhum motivo, a não ser o interesse de Lula e de Bolsonaro, para que o País fique refém dessas forças do atraso. Ainda há muito a fazer para se ter uma candidatura de centro competente e responsável, com vigorosa viabilidade eleitoral. Mas as condições já estão dadas. Basta ver os altos índices de rejeição de Lula e de Bolsonaro.

É gritante que a população prefere ter outras opções políticas. O eleitor não tem nenhum interesse em ficar refém – afinal, tal limitação não lhe traz nenhum benefício – dos mesmos nomes e dos mesmos problemas. Aqui, entra em cena a política. Se Lula e Bolsonaro produzem desesperança e se valem dela para seus objetivos eleitorais, as lideranças políticas têm a responsabilidade de realizar a equação inversa, tão própria da política: a propositura de nomes e programas consistentes, capazes de tornar visível à população a possibilidade de um futuro diferente, de um futuro melhor.

Nessa empreitada por dias melhores, deve-se destacar também outro aspecto. Ainda há tempo, mais que suficiente, para a construção de opções políticas responsáveis e viáveis para as eleições presidenciais de 2022. Logicamente, os mercadores da desesperança não têm nenhum interesse em admitir esse fato e ficam repetindo suas asfixiantes disjuntivas. Tentam, assim, negar não apenas a essência da política e da democracia, como o núcleo da esperança e da liberdade: a existência de outros caminhos possíveis.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 26 de setembro de 2021 | 03h00


Brasil teve política de infecção em massa, diz juíza que atuou no Tribunal de Haia

Para Sylvia Steiner, há provas 'abundantes' contra governo, mas abertura de processo e condenação de Bolsonaro na corte internacional dependerá de decisão do procurador.

Entrevista com

Sylvia Steiner, ex-juíza do Tribunal Penal Internacional

A jurista Sylvia Steiner, em 2016, quando integrava a corte do Tribunal de Haia Foto: ICC-CPI

O relatório final da CPI da Covid deverá ser encaminhado ao Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, na Holanda. Única juíza brasileira que já atuou na corte (2003-2016), Sylvia Steiner acredita que há “prova abundante” contra o chefe do Executivo que justifique a abertura de impeachment. Mas avisa que a aberura de processo que leve a uma possível condenação internacional do chefe do Executivo – além de lenta – dependerá da análise do procurador do TPI. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Um grupo de juristas do qual a sra. faz parte entregou à CPI da Covid um parecer com crimes que teriam sido cometidos pelo presidente Jair Bolsonaro na condução da pandemia. Qual deles a senhora considera o mais grave? 

Para começar, os crimes de responsabilidade, pois as provas são bastante robustas. O crime de causar epidemia, em que há provas, inclusive, científicas pela comparação com outros países de que se tivessem sido tomadas as medidas adequadas no momento certo nós não estaríamos chegando neste número espantoso de 600 mil mortes. O crime de causar epidemia e incitação ao desrespeito às medidas sanitárias está muito bem demonstrado. Essas são condutas que estão muito bem demonstradas. A prova é abundante, até porque as pessoas do governo nunca tiveram muito cuidado em não se expor. 

Um dos prováveis destinos do relatório da CPI será o Tribunal Penal Internacional. Desde o início do mandato, Bolsonaro já foi denunciado outras vezes nesta Corte, mas não houve nenhum encaminhamento. Por quê?

As denúncias que foram encaminhadas ao TPI, foram três ou quatro, tratavam de um problema de má gestão da covid. Falava-se de incompetência, de um problema administrativo, de pessoas incompetentes que estavam gerindo mal uma crise sem precedentes. Quando nós recebemos a documentação da CPI e examinamos — foram 10 mil páginas de documentos, relatórios, transcrições de depoimentos, etc. —, o que ficou demonstrado foi que o problema não era de má gestão. Porque má gestão e ignorância, infelizmente, não são crimes. 

Na sua avaliação, desta vez pode ser diferente?

O que nós vimos com essa documentação é que houve realmente um projeto, uma política propositada de gerar aquilo que vulgarmente se chama de imunidade de rebanho. Sendo uma política, é um elemento de contexto de crime contra a humanidade. A grande diferença é que, depois dessa análise, percebe-se que não era simplesmente ignorância, incompetência e falta de conhecimento. Foi a implementação de uma política de que uma suposta infecção da população geraria um resultado positivo. Isso é uma política, um ataque. Não se usa uma população como cobaia de um teste; isso, em tese, é um crime contra a humanidade. 

Qual sua expectativa para os outros dois prováveis destinos do relatório final da CPI, que deve ser acompanhado do parecer: PGR e Câmara?

Acredito que a CPI vai encaminhar o relatório acompanhado do parecer, mas também como qualquer parte num tema jurídico se pede um parecer e depois se utiliza ou não, pois ele pertence a quem o pediu. Eu presumo que vai ser encaminhado para o Ministério Público e à Presidência da Câmara, sem dúvida nenhuma. Agora, qual vai ser o andamento dado a partir disso, vai depender desses órgãos. O parecer está muito bem fundamentado. Fora isso, a CPI também está sendo assessorada pelo setor jurídico que vai acrescentar novas perspectivas a esses fatos apurados mais recentemente. 

A sra. defende que sejam feitas alterações na lei do impeachment?

Alio-me ao que o professor Miguel Reale Jr. falou. Me parece que tem de ser modificada urgentemente a legislação que deixa esse juízo de conveniência e oportunidade exclusivamente na mão do presidente da Câmara. Isso não pode ser. Esse juízo político preliminar de se há clima político deveria ser feito pelo colegiado da Câmara dos Deputados, por uma maioria simples que fosse. Deixar ao bel-prazer do presidente da Câmara eu acho um verdadeiro absurdo. Essa legislação tem de ser modificada imediatamente. Não se pode concentrar tanto poder assim nas mãos de uma só pessoa. 

Ao fazer a defesa do tratamento precoce na Assembleia-Geral da ONU, o presidente Jair Bolsonaro se autoincriminou?

Não é bem uma questão de autoincriminação, mas reforça aquilo que nós na comissão de juristas expusemos no sentido de analisar as provas da CPI e de que realmente ele, desde o início da pandemia, por alguma razão, botou na cabeça que cloroquina é o tratamento adequado, contrariando a tudo e a todos. Ele apenas reforçou que as nossas conclusões estavam certas. Neste sentido, o parecer fala desde crime de responsabilidade até crime de charlatanismo. Ele apenas reforça as provas que já estão na CPI e mostra isso para o mundo, o que nos deixa bastante incomodados, para não dizer envergonhados.

Em caso de condenação, quais os tipos de pena aplicadas pelo tribunal?

Se houver investigação que se transforme numa ação penal, e ela terminar com uma condenação, o tribunal pode impor pena de reclusão, de até 30 anos, e penas de multas. Mas é algo que, se for adiante, vai ocorrer daqui a seis, sete, oito anos.

A investigação do TPI é uma medida mais simbólica ou pode ter de fato algum efeito?

É difícil dizer, pois, temos um novo procurador (o britânico Karim Ahmad Khan) e ainda não sabemos como vai ser a política adotada por ele. Vai depender muito do julgamento da procuradoria, principalmente sobre a gravidade. Digo isso porque, lamentavelmente, no mundo estão acontecendo inúmeras situações de catástrofes humanitárias, de modo que o procurador é obrigado a fazer uma escolha. É muito difícil antecipar se o procurador vai entender que a conduta do presidente Bolsonaro e de outras autoridades é de gravidade suficiente para justificar a abertura de uma investigação. Atualmente já existem nove investigações em andamento no TPI.

O Tribunal Penal Internacional foi criado como órgão judiciário permanente para tratar de crimes de guerra. Foto: Martijn Beekman/European Pressphoto Agency

Entenda o funcionamento do Tribunal Penal Internacional

O que é e como atua

O Tribunal Penal Internacional (TPI) é uma corte de último recurso para o julgamento de crimes internacionais graves, incluindo genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Seu tratado, o Estatuto de Roma, foi adotado a partir de julho de 1998 por mais de 100 países. O TPI começou a atuar em 2003. Na prática, o TPI, também conhecido como Tribunal de Haia, atua quando as cortes nacionais não conseguem ou não desejam realizar processos criminais. Sendo assim, a formação desse foro internacional geralmente se justifica como um último recurso e só atua se o processo não estiver sendo julgado por outro Estado.

Como é o rito de um processo?

Após a chegada de uma representação, ela passa por uma triagem para ver se estão presentes os requisitos temporais e de competência do tribunal. Se passar, ela vai para uma fase de exame preliminar, que vai discutir se a corte tem jurisdição, se tem competência sobre esse caso, se ele é admissível, e se é de gravidade suficiente para justificar a abertura de uma investigação. Ao final dessa fase, se o procurador decidir que o tribunal é competente, e que o caso é admissível e grave o suficiente, ele pedirá a uma das câmaras a autorização para iniciar uma investigação. Trata-se de um processo lento. Em caso de condenação, o tribunal pode impor pena de reclusão, de até 30 anos, e penas de multas. 

Crimes de Bolsonaro apontados pela comissão de juristas à CPI:

Crime de responsabilidade pela violação de garantias individuais;

Crime de epidemia;

Crime de infração de medida sanitária preventiva;

Charlatanismo;

Incitação ao crime;

Prevaricação; e

Crimes contra a humanidade.

Correções - 26/09/2021 | 14h46

Diferentemente do informado anteriormente, Sylvia Steiner avalia que uma possível condenação futura de Bolsonaro dependerá da análise do procurador Karim Ahmad Khan. A informação já foi corrigida.

Cássia Miranda para O Estado de S.Paulo, em 26 de setembro de 2021 | 05h00 Atualizado 26 de setembro de 2021 | 14h46

Congresso dos EUA convoca ex-assessores de Trump para deporem sobre invasão do Capitólio

Mark Meadows, que foi chefe de Gabinete do ex-presidente, e o ideólogo de ultradireita Steve Bannon estão entre os intimados a depor

Mark Meadows (à esquerda) acompanha o presidente Donald Trump ao deixar o hospital Walter Reed, em 2 de outubro de 2020. (BRENDAN SMIALOWSKI / AFP)

Comissão que investiga ataque ao Capitólio dos EUA questiona papel de Trump no episódio

Quatro dos homens mais leais a Donald Trump foram intimados a depor na CPI do Congresso norte-americano que investiga a invasão do Capitólio em 6 de janeiro. São eles: Mark Meadows, ex-chefe de Gabinete; Daniel Scavino, estrategista digital da Casa Branca no mandato republicano; Steve Bannon, influente ideólogo da ultradireita; e Kashyap Patel, chefe de assessores do ex-secretário de Defesa Christopher Miller. A comissão especial de inquérito, composta por 11 deputados democratas e 2 republicanos, exigiu uma série de documentos e pede aos ex-funcionários que se preparem para depor aos parlamentares em meados de outubro, numa data ainda a definir.

Bennie Thompson, o deputado que preside a CPI, enviou aos quatro ex-assessores presidenciais uma carta em que diz buscar “fatos, circunstâncias e causas” da revolta. O documento afirma que o depoimento deles ajudará a montar o quebra-cabeça do ocorrido naquele dia, e Thompson considera que as testemunhas podem fornecer informações fundamentais para os investigadores.

Os democratas querem remexer o papel de Bannon nos incidentes. O radical assessor participou em 5 de janeiro de uma reunião no hotel Willard, a poucos metros da Casa Branca. No encontro, planejou-se uma estratégia para atrapalhar a confirmação de Joe Biden como presidente-eleito. “Vai ser um deus-nos-acuda”, disse Bannon segundo algumas testemunhas. O fundador do site Breitbart, um meio de comunicação fundamental para o impulso de Trump, foi obrigado a deixar o Executivo em agosto de 2017, mas nunca parou de influenciar o magnata. Prova disso, consideram os democratas, foram suas comunicações com o presidente uma semana antes dos fatos de 6 de janeiro. Donald Trump, por outro lado, indultou Bannon no último dia de sua presidência por uma suposta fraude.

Meadows, que assumiu o cargo de chefe de Gabinete em março de 2020, foi convocado por ter pressionado o Departamento de Justiça e algumas autoridades locais, como as do Novo México, a investigarem acusações sem fundamento de supostas fraudes eleitorais que teriam dado o triunfo ao aspirante democrata nas eleições de novembro de 2020. Os legisladores democratas dizem ter “evidência confiável” de que ao longo do dia 6 de janeiro ele se comunicou “sem parar” com Kashyap Patel, que havia chegado ao Pentágono apenas dois meses antes.

Scavino, por sua vez, esteve com Trump em 5 de janeiro, numa reunião onde se discutiram algumas opções para impedir o reconhecimento da vitória eleitoral de Biden. O funcionário, um dos pouquíssimos sobreviventes dentro do Gabinete após quatro anos de demissões e trocas, era o encarregado de gerenciar as redes sociais e estratégia digital da Casa Branca. Em 6 de janeiro, afirmam os democratas da CPI, tuitou mensagens da sede da presidência. Parte da informação citada pelo comitê está incluída no mais recente livro dos jornalistas Bob Woodward e Robert Costas.

As convocações, enviadas nesta quinta-feira, são parte de uma estratégia mais agressiva da comissão de inquérito para explicar atos tão violentos em um dos lugares mais sagrados de Washington. Os deputados democratas já pediram informação à Casa Branca e inclusive solicitaram a quebra do sigilo telefônico e das redes sociais dos integrantes da turba que deixou cinco mortos. Os republicanos recriminaram essa intrusão.

O ex-presidente Trump disse que lutará contra essas solicitações argumentando um privilégio do chefe do Executivo de manter em sigilo as comunicações e discussões que teve como mandatário com alguns de seus assessores próximos.

LUIS PABLO BEAUREGARD, de Los Angeles para o EL PAÍS, em  24 SET 2021 - 09:54 BRT

O machismo que ainda deseja acender fogueiras para as mulheres que ousam fazer política

As mulheres ocupam apenas 15% das cadeiras do Congresso Nacional, e as poucas representantes nesse espaço ainda lidam com violência machista verbal e simbólica entre seus pares

A senadora Simone Tebet confronta o ministro da CGU Wagner Rosário durante sessão da CPI da Pandemia, no dia 21 de setembro.(LEOPOLDO SILVA / LEOPOLDO SILVA/AGÊNCIA SENADO)

Histérica. Louca. Descontrolada. Bruxa. Os insultos historicamente usados para desqualificar uma mulher aludem a sua sanidade mental, a uma suposta superioridade cromossômica e hormonal dos machos, sempre em controle de si mesmos —e do mundo. Essas ofensas que persistem em pleno 2021 ecoam com maior gravidade quando repetidas a plenos pulmões em espaços políticos, como aconteceu na quarta-feira com a senadora Simone Tebet (MDB), que foi chamada de descontrolada por Wagner Rosário, ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), durante sessão da CPI da Pandemia. “Quando a mulher começou a buscar espaços de poder, ela passou a ser taxada de uma pessoa histérica, uma pessoa louca, uma pessoa descontrolada. Essa palavra não vem à toa, ela está no inconsciente daqueles que ainda acham que mulheres são menores, inferiores”, afirmou Tebet depois do ocorrido.

Por coincidência histórica —ou não—, Tebet foi a primeira mulher a se candidatar à presidência do Senado, em 130 anos de história da Casa do Povo no Brasil, e isso só aconteceu neste ano. Não foi eleita. O Brasil ocupa o 152º lugar no ranking internacional da Inter-Parliamentary Union sobre a presença feminina nos parlamentos, ficando atrás não só dos vizinhos México e Argentina, como também de países como a Somália e até o Afeganistão, antes da volta dos talibãs ao poder. Elas ocupam apenas 15% das cadeiras do Congresso Nacional.

“É por isso que os homens se sentem muito à vontade para tentar diminuir a voz de mulheres. Tanto na plateia, ali, quanto entre seus pares, a imensa maioria ainda é de homens. Isso cria uma ilusória percepção de que há uma hierarquia, porque, afinal, é visual, é numérico”, analisa Giulliana Bianconi, codiretora da revista Gênero e Número e especialista no estudo de mulheres na política.

Um dia antes do ataque a Tebet na CPI, a deputada socialista espanhola Laura Berja foi chamada de bruxa pelo colega ultradireitista José María Sánchex, do partido VOX, enquanto defendia no plenário o direito de mulheres abortarem sem serem acossadas nas portas dos hospitais —o aborto é legalizado na Espanha. Como escreve a colunista do EL PAÍS Luz Sánchez-Mellado, o deputado não apenas desumanizou a colega, mas ressuscitou o fantasma da fogueira, o maior castigo imposto àquelas que, séculos atrás, ousaram desafiar a lógica e o poder dos homens.

“Violências recorrentes nesses espaços de poder estão ficando mais visíveis. No caso da Tebet, houve uma tentativa de desestabilizá-la, de diminuir sua função e limitar o exercício de poder de seu cargo com linguajar de violência que são seculares”, diz Amanda Kamanchek, gerente da Think Olga e diretora do documentário Chega de Fiu Fiu.

Tanto Kamanchek quanto Bianconi ressaltam, no entanto, a importância da reação no caso da agressão à senadora brasileira: imediatamente, Tebet foi apoiada por muitos dos colegas da CPI, inclusive homens, que acusaram o ministro da CGU de “machista” e censuraram sua tentativa de “agredir” a senadora. “Já há uma compreensão de que essa violência não é aceitável. Mas, nos espaços corporativos, por exemplo, essas mulheres continuam sendo chamadas de descontroladas sem ter nenhum respaldo”, lembra a gerente da Think Olga. Trata-se, segundo ela, de uma agressão social e cultural, “um duplo ataque”, que vem não apenas do indivíduo que agride diretamente, mas também do ambiente social, que, muitas vezes, respalda essa violência.

No caso dos espaços da política brasileira, onde a presença de mulheres é uma realidade de menos de três décadas, evocar o estereótipo da mulher que não tem equilíbrio significa reforçar a ideia de que elas não têm vocação ou o dom de ocupar um lugar tão hostil. A deputada federal Tabata Amaral, que esta semana trocou o PDT pelo PSB, tem sido um dos alvos preferidos do machismo político, uma violência suprapartidária e que atravessa todos os espectros ideológicos. No início da semana, o ator José de Abreu compartilhou nas redes sociais uma publicação na qual um homem dizia que “socaria” a deputada “até ser preso” e foi apoiado por tuiteiros de esquerda. Ela própria havia se solidarizado com Simone Tebet, desejando “força” à senadora, e recebeu uma nota de apoio da Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados contra as agressões que sofreu nas redes. “Só teremos uma democracia plena quando as mulheres puderem atuar politicamente de forma segura”, afirmou Amaral.

Só teremos uma democracia plena quando as mulheres puderem atuar politicamente de forma segura. Agradeço as palavras de apoio e solidariedade da
@secmulher, que foi tão importante na construção e aprovação da lei que combate a violência política de gênero!

A deputada publicou um artigo no jornal Folha de  S.Paulo neste sábado em que alude no título ao episódio com o ator (‘Se encontro na rua, soco até ser preso’, retuitou José de Abreu) e reúne algumas das ofensas que recebeu nos últimos anos: “Quem você quer provocar com esse batom vermelho? Linda, não precisava nem abrir a boca. Mocinha, se inscreve no Big Brother, põe um silicone e tenta algo na TV ou na indústria pornô! Foi para Harvard, mas com certeza foi uma aluna medíocre lá. Adiantou pouco ter estudado em Harvard, informou-se até em astronomia, mas não se educou nem aprendeu a pensar. Você é muito burra, meu Deus, como pode. Meu anjo, cala a boca”. “Jamais seremos um país realmente democrático enquanto a política não for um espaço seguro, física e psicologicamente, para as mulheres”, conclui Amaral no artigo.

“Temos que combater essa desqualificação, porque se só mulheres saem em defesa de mulheres, parece que é uma questão meramente feminina, quando, na verdade, trata-se de uma questão de equidade social”, afirma Giulliana Bianconi. A especialista lembra que, desde o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) —que sofreu diversos ataques machistas tanto nas ruas quanto no Congresso antes, durante e depois de seu processo de destituição— o não reconhecimento da importância das mulheres na política se intensificou. “Há uma validação do discurso de ódio contra a mulher no Governo atual, ainda que não seja de forma explícita, mas com uma política que não dialoga com a reivindicação dos nossos direitos”, diz.

Bianconi destaca, por exemplo, que todos os sete Projetos de Lei relacionados aos direitos reprodutivos das mulheres que tramitam na Câmara dos Deputados buscam impedir ou criar barreiras para o acesso ao aborto mesmo nos casos previstos por lei. “Isso mostra que a política brasileira é tão avessa aos nossos direitos que mesmo os partidos e grupos que poderiam trabalhar para ampliá-los se recolhem numa espiral de silêncio, porque é uma pauta que gera muito desgaste. O momento é zero amigável para se caminhar com essas pautas de avanço”, lamenta. Ela lembra que a pesquisadora Debora Diniz, colunista do EL PAÍS, precisou deixar o Brasil justamente por sofrer constantes ameaças ao se destacar como uma voz em defesa dos direitos das mulheres.

Bianconi diz também que, ainda que a representatividade seja sempre importante, a violência política não é diretamente proporcional ao número de mulheres presentes nesses espaços. “Óbvio que quanto mais mulheres na Câmara, no Senado, no Governo, em geral, a reação contra esse machismo vai ser maior, mas essa violência política é um fenômeno por si só e temos que enfrentar seus mecanismos.” O primeiro deles, segundo ela, é a forma como os partidos lidam com as mulheres que ingressam nessas siglas. “É aqui que está o grande funil, é onde vemos muitos casos de desistência de uma carreira nessa esfera, porque elas não têm acesso aos espaços decisórios dentro dos partidos, muito menos acesso aos recursos quando se candidatam. Muitas siglas sequer têm secretarias de mulheres”, conta. Quando se trata de violência machista na política, os pequenos golpes já começam na origem.

JOANA OLIVEIRA, de São Paulo para o EL PAÍS, em  26 SET 2021 - 18:08 BRT.