domingo, 26 de setembro de 2021

Eleição alemã deixa sucessão de Merkel em aberto

Disputa acirrada tem leve vantagem social-democrata frente a conservadores, mas nenhum vencedor inconteste. Escolha do novo chanceler federal deve depender de costura de coalizões, que pode se arrastar por meses.

Scholz, social-democrata, e Laschet, conservador, têm chances de governar a Alemanha

Na eleição federal mais pulverizada da Alemanha do pós-guerra, os tradicionais Partido Social-Democrata (SPD) e  União Democrata Cristã (CDU) terminaram o pleito deste domingo (26/09) numa disputa acirrada, com leve vantagem para a centro-esquerda, mas sem um vencedor inconteste. O cenário, com menos de dois pontos percentuais separando ambos os partidos (cerca de 26% a 24%), deixa a sucessão da chanceler federal Angela Merkel em aberto e dependendo de um processo de costura de alianças que pode se arrastar por meses.

O SPD tem como candidato o atual vice-chanceler e ministro das Finanças Olaf Scholz. Já a CDU, o partido de Merkel, é representada por Armin Laschet, atual presidente da legenda e governador do estado da Renânia do Norte-Vestfália. A depender de como vão ser as negociações para a formação de coalizões, um dos dois vai comandar a Alemanha.

O processo deve adiar a aposentadoria de Merkel, que pretende deixar o poder após 16 anos de governo. No pós-eleição de 2017, o processo para a costura de coalizões se estendeu por quatro meses e foi marcado por reviravoltas, resultando em mais uma aliança entre a CDU e o SPD, que não estava nas previsões iniciais de analistas e observadores políticos, que apostavam num governo com conservadores, verdes e liberais.

Para conseguir liderar um governo estável, um pretendente a chanceler precisa garantir mais de 50% dos votos no Parlamento Federal (Bundestag). Como nenhum partido obteve essa marca sozinho, são necessárias a costura de alianças. Nesse pleito pulverizado, tais coalizões muito provavelmente vão ter que incluir três partidos, algo que não ocorre na Alemanha desde o final dos anos 1950.

Na Alemanha, os eleitores não votam diretamente nos candidatos a chanceler, mas em seus partidos. Normalmente, cabe a legenda que conquistar mais cadeiras no Parlamento Federal (Bundestag) e/ou que tem mais chances de liderar a costura de uma coalizão com mais de 50% das cadeiras liderar um governo - e consequentemente escolher o chanceler federal.

Mas também não é inédito que um candidato conquiste a chancelaria sem que seu partido tenha terminado em primeiro lugar nas eleições e que isso aconteça graças a uma costura de alianças. Isso já ocorreu nos pleitos de 1969, 1972, 1976 e 1980. Por isso, Laschet, mesmo em desvantagem em relação a Scholz ainda está no páreo.

Agora, com a fase de negociações, partidos que aparecem na terceira e quarta posições, como os Verdes e Liberais, devem ser cortejados pelos conservadores e social-democratas. É certo que qualquer que seja o próximo chanceler, o novo governo alemão deve ser plural, sem qualquer costura completamente à esquerda ou à direita.

Os ultradireitistas da Alternativa para a Alemanha (AfD), que obtiveram 11% dos votos, são irrelevantes nesse processo de costura de coalizões, já que tanto a CDU e o SPD descartaram qualquer aliança com a legenda radical.

Nem Laschet nem Scholz demonstraram que estão dispostos a desistir de conquistar a chancelaria após o anúncio dos primeiros resultados.

"Faremos de tudo para formar um grupo conservador governo, porque a Alemanha precisa de uma coalizão voltada para o futuro que modernize nosso país", reagiu Laschet.

"É certo que muitos marcaram o SPD nas cédulas porque querem que o próximo chanceler da Alemanha seja Olaf Scholz", afirmou seu rival social-democrata.

Essa foi a eleição alemã mais acirrada desde 2002, quando a CDU e SPD ficaram tecnicamente empatados. 

Os primeiros resultados deste domingo também mostram uma mudança no panorama partidário eleitoral, com nenhuma legenda conquistando uma posição de dominância inconteste. É a primeira vez desde 1949 que nenhum partido conquistou mais de 30% dos votos.  Esse cenário de pulverização também deve resultar num inchaço no número de deputados no Parlamento por causa de peculiaridades do sistema eleitoral alemão.

Esta também foi a primeira eleição desde 1949 que não contou com um chanceler no poder em busca da reeleição. Merkel é a primeira chanceler alemã do pós-guerra que vai deixar o poder por vontade própria.

A campanha ainda foi marcada por um sobe e desce, com três candidatos se alternando na liderança nos últimos meses.

Declínio conservador, mas ainda com chance de virada

Para a União Democrata Cristã de Angela Merkel esse foi o pior resultado da história. Nunca o partido e seu braço bábaro, a CSU, haviam registrado no plano federal uma votação tão baixa desde a sua fundação logo após a Segunda Guerra Mundial. O resultado é ainda mais desolador porque Merkel registra índices de aprovação pessoal que beiram os 80% na Alemanha. Mas essa popularidade não se traduziu em uma enxurrada de votos para seu candidato à sucessão.

Para alguns, a culpa foi do próprio candidato. Armin Laschet, o atual líder da CDU, chegou a largar na frente das pesquisas, registrando índices confortáveis acima dos 30%. Mas uma série de gafes e declarações que geraram controvérsia acabaram minando sua campanha.

Governador do estado da Renânia-Vestfália, o mais populoso da Alemanha, ele perdeu a oportunidade de se projetar como líder após as enchentes que atingiram sua região, em contraste com antigos chanceleres como Helmut Schmidt e Gerhard Schröder, que souberam tirar proveito eleitoral de desastres naturais. No final, sua gestão do desastre foi mais lembrada por gafes e declarações controversas.

Sua campanha ainda sofreu com críticas de que não tinha propostas práticas para o futuro da Alemanha. Laschet foi seguidamente acusado de não saber deixar claro qual seria a marca do seu governo. Já a CDU havia sofrido no início do ano com o desgaste de escândalos envolvendo alguns deputados da sigla que lucraram com negócios envolvendo a gestão da pandemia.

Em declínio, Laschet e Merkel ainda tentaram apostar num discurso de "medo" contra o SPD e os "riscos" de uma eventual coalizão 100% de esquerda no comando da Alemanha, com membros da CDU/CSU fazendo também críticas às propostas dos verdes e afirmando que elas eram prejudiciais à economia.

A tática teve pelo menos o efeito de frear a queda livre de Laschet e ajudá-lo a recuperar terreno na fase final, diminuindo a desvantagem em relação a Scholz.

A depender da costura de coalizões, Laschet ainda pode liderar uma virada para manter a CDU/CSU no poder, mas sua campanha vai carregar a marca de ter obtido o pior resultado da história dos conservadores alemães no pós-guerra.

Merkel e Laschet. Chanceler não conseguiu transferir popularidade para seu colega de partido. Conservadores registraram pior resultado de sua história.

Sobrevida social-democrata

Atual vice-chanceler e ministro das Finanças, o social-democrata Olaf Scholz, de 63 anos, era considerado um "azarão" na campanha eleitoral. Sua campanha chegou a amargar menos de 15% das intenções de voto no primeiro semestre, mas se recuperou conforme a aproximação do pleito.

O crescimento ocorreu em grande parte por causa da própria figura de Scholz, considerado um político pragmático que compensa a falta de carisma como gestor de crises. Com base eleitoral em Hamburgo, Scholz é membro do SPD desde 1975 ele acumula um longo currículo em cargos estratégicos do partido e mandatos de vereador, deputado, prefeito além de ter comandado dois ministérios.

O SPD ainda se beneficiou com erros da campanha dos conservadores.

O social-democrata Olaf Scholz. Sua candidatura freou o declínio de seu partido, mas conquista da chancelaria ainda vai depender de negociações

No final, foi o social-democrata Olaf Scholz, e não Armin Laschet, o candidato apoiado pela atual chanceler, que teve mais sucesso durante a campanha em emplacar entre os eleitores uma imagem de "nova Merkel", ou seja, uma figura de continuidade tranquilizadora. Em agosto, o ministro das Finanças chegou a posar para uma revista imitando o "Merkel-Raute", o gesto com as mãos em formato de losango que é a marca registrada da chanceler.

No entanto, na reta final a campanha de Scholz voltou a perder fôlego e ficou estagnada em 25% das intenções de voto.

Na Alemanha, os eleitores não votam diretamente nos candidatos a chanceler, mas em seus partidos. Normalmente, cabe a legenda que conquistar mais cadeiras no Parlamento Federal (Bundestag) liderar um governo - e consequentemente escolher o chanceler federal.

O resultado é visto com alívio para o Partido Social-Democrata, que assim como outras legendas de centro-esquerda europeias registrou um declínio nas duas primeiras décadas do século. O SDP, que foi fundado em 1853 e ao longo da sua história exerceu influência decisiva na história alemã, desta vez não ampliou sua base de eleitores em relação a eleição de 2017, mas parece ter finalmente estancado as perdas.

A depender da costura de coalizões, com Scholz o partido tem agora a chance de voltar a comandar a chancelaria após 16 anos.

Verdes obtêm seu melhor resultado

Enquanto outros partidos encolheram ou apenas mantiveram seus resultados de 2017, o Partido Verde alemão ampliou significativamente sua votação em relação ao último pleito. De 8,9% há quatro anos, o partido saltou para mais de 14% neste domingo, segundo projeções. Com as mudanças climáticas aparecendo no topo das principais preocupações dos eleitores alemães e uma campanha que foi marcada pelas enchentes devastadoras no oeste do país, os verdes receberam um aumento expressivo de votos.

Tal ganho ocorreu mesmo com os problemas registrados pela candidata do partido a chanceler federal, Annalena Baerbock, que chegou a aparecer brevemente no topo das pesquisas em maio, mas logo perdeu pontos por causa de controvérsias envolvendo acusações de plágio e imprecisões no seu currículo. Os verdes também tiveram que aprender a se diferenciar dos outros partidos.

Com a preocupação ambiental aumentando na Alemanha, todos as legendas - com exceção da ultradireitista AfD - incluíram em seus programas em maior ou menor escala medidas para conter as mudanças climáticas. A resposta dos verdes foi adotar propostas ainda mais incisivas, como a adoção de um cronograma para banir carros com motores de combustão e uma antecipação das metas de abandono de carvão no país. As propostas geraram críticas dos conservadores da CDU/CSU e dos liberais do FDP, que acusaram os verdes de tentar prejudicar a economia. Uma parte considerável do eleitorado, porém, abraçou a agenda ambiciosa do Partido Verde.

Oficialmente chamado de Aliança 90/Os Verdes, o partido foi fundado na Alemanha Ocidental em 1980 por movimentos pacifistas que defendiam a desnuclearização da Europa. Em 1990, eles realizaram uma fusão com seus equivalentes na antiga Alemanha Oriental. O partido era inicialmente conhecido por abordagens consideradas radicais, mas com o tempo passou a focar num programa mais pragmático. Analistas apontam que é praticamente certo que os verdes venham a incluir o futuro governo alemão numa aliança tripartite. A legenda não é estranha ao governo. Entre 1998 e 2005, os verdes foram parceiros de coalizão dos social-democratas sob a liderança do chanceler federal Gerhard Schröder.

A consolidação liberal

O resultado deste domingo também marcou a consolidação do processo de recuperação do Partido Liberal Democrático (FDP). O partido ampliou levemente sua votação nacional, de 10,7% em 2017 para 11,2%, segundo as primeiras sondagens. Nas eleições de 2013, a legenda pró-mercado havia atingido o fundo do poço, não conseguindo ultrapassar a cláusula de barreira de 5% e ficando fora do Parlamento.

Desde então, o partido passou por um intenso processo de renovação, tentando desfazer de afastar da pecha de apenas favorecer os ricos e apostando em um discurso que buscou reforçar sua mensagem liberal, tanto no campo da economia quanto na sociedade. Essa mudança de discurso parece ter gerado efeito entre os mais jovens, 21% dos eleitores entre 18 e 29 anos manifestaram preferência pela FDP numa pesquisa divulgada em agosto. Nesse grupo, os liberais só ficam abaixo dos verdes.

O liberal Christian Lindner (no centro da imagem), que comandou o renascimento do seu partido após uma derrota estrondosa em 2013.

Desde o fim da guerra, os liberal-democratas quase sempre ocuparam um papel tradicional e influente na formação dos governos, atuando como os responsáveis por "coroar" um chanceler de outro partido ao forjarem alianças decisivas. Nos 72 anos da moderna democracia alemã, os liberais passaram 49 deles no papel de parceiros de coalizão de governos federais. O candidato do partido neste pleito foi Christian Lindner, que chefia a legenda desde o debacle de 2013 e é creditado como o principal responsável pela recuperação da legenda.

Após os resultados deste domingo, espera-se que os liberais negociem sua volta como parceiros de um governo. A incógnita ainda é com quais parceiros. Em 2017, Lindner foi amplamente criticado por abandonar abruptamente negociações para uma coalizão com a CDU/CSU de Merkel e os verdes, o que resultou em mais quatro anos de uma coalizão conservadora e social-democrata na chefia do governo.

Após o desgaste provocado pelo episódio, espera-se que Lindner evite tais surpresas desta vez. No entanto, ele deve negociar agressivamente a entrada numa aliança, provavelmente exigindo postos-chaves na condução da economia, o que deve gerar resistências de potenciais parceiros como os verdes e social-democratas. Após o anúncio dos primeiros resultados, ele afirmou que prefere uma coalizão liderada pelos conservadores e com a participação dos verdes, mas não descartou negociar com o SPD. 

A estagnação da ultradireita

Novidade desagradável para o establishment político alemão no pleito de 2017, quando conquistaram pela primeira vez cadeiras no Parlamento, os ultradireitistas da Alternativa para a Alemanha (AfD) não ampliaram seus ganhos nas eleições federais. O partido deve conquistar 12% dos votos, segundo projeções deste domingo, praticamente o mesmo resultado conquistado há quatro anos. Com isso, o partido deve cair de terceira maior força no parlamento para quarta ou quinta posição.

A AfD foi fundada em 2013 inicialmente como um partido eurocético light, na esteira da crise financeira da Grécia, que levantava a bandeira da rejeição de qualquer ajuda dos cofres alemães ao país mediterrâneo.

No entanto, rapidamente o partido passou por um processo de radicalização e adotou posições abertamente nacionalistas e bandeiras anti-imigração. Diversos setores do partido são acusados de ligações com neonazistas e extremistas de direita. Em março deste ano, o partido chegou a ser colocado sob vigilância pelo Departamento de Proteção à Constituição da Alemanha (BfV), mas a medida foi posteriormente derrubada pela Justiça. Mas uma ala extremista do partido,  chamada "Der Flügel", continuou sob vigilância.

Boicotada no Parlamento por outros partidos e sem força suficiente para aprovar ou barrar projetos, a AfD se destacou mais nos últimos quatro anos pelas declarações racistas, xenófobas e incendiárias de seus membros. Brigas internas entre seus membros - muitos deles novatos na política - também dominaram o noticiário sobre o partido.

Considerados párias na Alemanha, parlamentares da sigla também ganharam destaque negativo ao viajar para países que têm governos tão isolados no cenário internacional quanto o partido. Uma deputada da legenda visitou o presidente brasileiro Jair Bolsonaro em julho. Outros parlamentares foram recebidos pela ditadura síria e pelo autoritário governo de Belarus.

Membros da AfD após o anúncio dos primeiros resultados. Agenda radical não atraiu mais eleitores, mas partido conseguiu se fixar na paisagem política.

Nesta campanha, a AfD continuou a apostar no discurso anti-imigração, mas o programa do partido também abraçou o negacionismo da pandemia. Os dois principais candidatos do partido foram Tino Chrupalla, atual copresidente da legenda, e Alice Weidel, líder da bancada do partido no Parlamento. Chrupalla e Weidel fazem parte da ala mais à direita da AfD, leal a Björn Höcke, justamente o líder da "Der Flügel". Oficialmente, a ala foi dissolvida no primeiro semestre pela AfD, mas seus membros continuam a exercer influência decisiva na legenda.

Os resultados de 2021 mostram que esse novo passo na radicalização no partido não se traduziu em crescimento. Ainda assim, a votação deste domingo não deixa de mostrar que um partido radical como a AfD consolidou seu espaço no espectro político alemão e que os resultados de 2017 não foram um acidente pontual.

Ao manter parte do seu terreno conquistado em 2017, a AfD evitou a sina de outros partidos de protesto da história política alemã, como o Partido Pirata, que foi uma sensação eleitoral no país entre 2011 e 2012, entrando em diversos parlamentos estaduais. Pouco anos depois, o Partido Pirata se tornou uma sigla irrelevante da política alemã.

O partido continuou a demonstrar força no leste, em estados que faziam parte da antiga Alemanha Oriental. Na Saxônia, por exemplo, projeções indicam que o partido obteve 25% dos votos locais - mais que o dobro do percentual nacional.

O partido, porém, deve continuar isolado no Parlamento. Conservadores, verdes, social-democratas, liberais e esquerdistas descartam qualquer tipo de coalizão que possa incluir os ultradireitistas da AfD, que são encarados como párias pelo establishment político alemão por suas posições radicais e ligações com extremistas.

Fundada em 1945, a CDU se considera "popular de centro". Seus governos predominaram na política alemã do pós-guerra. O partido soma em sua história cinco chanceleres federais, entre eles Helmut Kohl, que governou por 16 anos e conduziu o país à reunificação em 1990, e Angela Merkel, a primeira mulher a assumir o cargo, em 2005.

Deutsche Welle Brasil, em 26.09.21

Supremo ignora pedidos de investigação contra Bolsonaro por atos do 7 de Setembro

Os pedidos para que o presidente Jair Bolsonaro seja investigado pelo discursos golpistas do 7 de Setembro estão parados no STF.                

Mais de duas semanas se passaram desde as manifestações em Brasília e São Paulo sem que a corte responda aos requerimentos enviados por adversários do Palácio do Planalto.

Situação que ocorre na esteira da chamada Declaração à Nação, nota com a qual Bolsonaro afirmou, dois dias depois dos atos, não ter tido "nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes".

Também de interesse do presidente, vem sendo adiado pelo Supremo nas últimas semanas o julgamento de um processo que discute se o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) tem direito a foro especial no caso das rachadinhas.

Os pedidos de investigação referentes às manifestações do Dia da Independência foram distribuídos à ministra Cármen Lúcia. É da liturgia processual que o Supremo colha a opinião da PGR (Procuradoria-Geral da República) sobre tais requerimentos.

Até a sexta-feira (24), segundo o sistema de acompanhamento processual do STF, a Procuradoria não havia sido acionada.

A Folha enviou um email ao gabinete da ministra e perguntou sobre o assunto, mas não houve resposta até a publicação deste texto.

Após os atos do dia 7 de Setembro, foram apresentadas ao Supremo cinco petições (tipo processual em que os pedidos tramitam) para que Bolsonaro seja investigado.

Em um deles, o vice-presidente da CPI da Covid, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), pediu a abertura de inquérito pela "grave ameaça ao livre funcionamento do Judiciário e pelo uso de recursos públicos para financiar os atos antidemocráticos".

O congressista defendeu ainda que seja apurada a utilização indevida da máquina pública em favor dos atos, por exemplo o uso de helicópteros.

"As ameaças contra o Poder Judiciário, notadamente ao TSE [Tribunal Superior Eleitoral] e ao STF, nas pessoas dos ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, são inaceitáveis e apenas confirmam, mais uma vez, que o senhor Jair Bolsonaro não pretende pacificar a relação com os demais", disse Randolfe.

Na avenida Paulista, em São Paulo, o presidente chegou a chamar Moraes, relator de investigações que miram o chefe do Executivo e apoiadores, de canalha e pregou desobediência às decisões do magistrado.

O PDT também bateu às portas do Supremo para defender uma apuração sobre a conduta de Bolsonaro. Afirmou que ele, ao conclamar sua militância a ir às ruas em meio à pandemia da Covid-19, deve ser enquadrado criminalmente. O partido citou o trecho do Código Penal que define como delito o ato de "expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente". Acusou também o presidente de "incitar a desordem nos seus apoiadores, especialmente a instaurar um clima bélico contra o Supremo Tribunal Federal", passível de punição segundo a mesma lei.

A legenda pediu o envio dos autos à PGR "para fins de adoção de todas as medidas necessárias à elucidação dos crimes narrados".

O procurador-geral da República, Augusto Aras, é a autoridade com poderes para investigar o presidente da República. Após os atos do 7 de Setembro, ele não fez qualquer comentário sobre as declarações do mandatário.

Na semana passada, ao ser empossado para seu segundo mandato no cargo, Aras afirmou que "a caneta do procurador-geral da República não será instrumento de peleja política, menos ainda de perseguição".

Aras estava presente na sessão do plenário quando o presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, reagiu às declarações de Bolsonaro. Na ocasião, Fux disse que a ameaça de descumprimento a decisões judiciais, se confirmada, configura "crime de responsabilidade".

Em meio ao agravamento e ao posterior arrefecimento da tensão institucional, com articulações que incluíram o ex-presidente Michel Temer (MDB) e o ministro Gilmar Mendes, o Supremo adiou, mais uma vez, a análise da reclamação do MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) contra a decisão do Tribunal de Justiça do Rio que concedeu foro ao senador Flávio Bolsonaro.

Inicialmente, o julgamento estava marcado para 31 de agosto, mas o relator da matéria, Gilmar Mendes, decidiu adiá-lo a pedido do advogado do senador, Rodrigo Roca. O defensor afirmou que não poderia comparecer à sessão.

Presidente da Segunda Turma, colegiado encarregado de julgar o recurso, o ministro Kassio Nunes Marques indicou o dia 14 deste mês para o julgamento, que não ocorreu. E não há, segundo o tribunal, data marcada para análise.

Os atos de 7 de setembro são alvo de uma apuração do corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Luis Felipe Salomão. O magistrado avalia se houve propaganda antecipada e abuso de poder.

A investigação decorre de indícios de que a mobilização em apoio a Bolsonaro pode ter sido financiada por empresários ou políticos.

O TSE reuniu informações que incluem um vídeo no interior de um ônibus fretado por apoiadores do presidente que participaram da manifestação, além de notícias veiculadas pela imprensa.

Na gravação, segundo informou a corte eleitoral, aparece um homem trajando camiseta com dizeres de apoio ao voto impresso e que distribui dinheiro para os ocupantes do veículo.

Será apurado também se houve pagamento de transporte e diárias a quem participou dos atos e se houve conteúdo de campanha eleitoral antecipada, informou a corte eleitoral.

O material foi enviado à Polícia Federal, para que seja providenciada a transcrição do vídeo e o aprofundamento da investigação.

Marcelo Rocha para a Folha de São Paulo, em 26.09.21

No STF corre um inquérito, instaurado antes do feriado da Independência e sob a relatoria de Moraes, com a finalidade de apurar a mobilização, a organização e o financiamento das manifestações do dia 7.


Bolsonaro não aparece como investigado nele. São alvos, entre outros, o presidente nacional do PTB e ex-deputado Roberto Jefferson, o cantor Sérgio Reis e o caminhoneiro Marco Antonio Pereira Gomes, conhecido como Zé Trovão, este foragido do país e contra quem há uma ordem de prisão a ser cumprida.

Casas de aposta esportiva tomam o Brasil, mas movimentam seus bilhões de reais fora do país

Atividade é legalizada há três anos, mas uma legislação precária faz que empresas operem com sede no exterior. Popularização levanta debate sobre consequências psicológicas como a dependência

São Paulo e Fluminense se enfrentam pelo Brasileirão, ambos os times patrocinados por casas de aposta. (LUCAS MERÇON / FLUMINENSE FC)

Se você fosse apostar, diria que atuam no Brasil quantas casas de aposta esportiva? E quanto dinheiro fazem circular? Permitidos há apenas três anos, os cerca de 450 sites ativos no país já movimentam em torno de 12 bilhões de reais anualmente —e patrocinam 19 dos 20 clubes mais importantes do futebol nacional. Os números sintetizam o espantoso crescimento do mercado, que convence fãs de esporte a investirem seu dinheiro com a promessa do lucro sem esforço. Apesar do sucesso, a atividade ainda não tem a devida proteção da legislação brasileira. Por receio, as empresas que operam no Brasil estão sediadas no exterior. Assim, não pagam impostos e podem oferecer também jogos de azar —ilegais no país—, por não responderem à legislação brasileira. Além disso, trazem junto grandes riscos de dependência psicológica.

Do ponto de vista jurídico, estar legalizado é diferente de estar regulamentado. As apostas esportivas são permitidas no Brasil desde dezembro de 2018, quando se estabeleceu um prazo de até quatro anos para que a atividade fosse regulamentada. Desde então, contudo, a única mudança na legislação, em julho último, foi uma alteração na forma de tributação das empresas que realizam apostas esportivas. O advogado André Fehér explica que falta esclarecer “questões de tributação e limitações da operacionalização das apostas esportivas, entre outros fatores”.

Até que isso seja resolvido, as empresas seguirão fora do país, para não se exporem à Lei de Contravenções Penais, que veda a exploração e estabelecimento de jogos de azar. Esse conceito ainda permeia debates sobre apostas esportivas, apesar da legalização recente, diz Fehér. A Sportingbet, uma das casas mais famosas, é sediada em Londres. Outras preferem os populares paraísos fiscais, onde o sistema tributário oferece vantagens. A Betano, por exemplo, se estabeleceu em Malta, enquanto a Dafabet fica nas Filipinas.

Os obstáculos da lei brasileira não impediram o crescimento do mercado. Levantamento da H2 Gambling Capital, consultora de jogos e apostas, indica que a atividade faturou cerca de 12,5 bilhões de reais no Brasil em 2020. Globalmente, o valor chegou a 59,6 bilhões de dólares (mais de 300 bilhões de reais). Essas casas de apostas patrocinam 19 dos 20 clubes brasileiros da primeira divisão do campeonato nacional, por meio de estampas nas camisas e campanhas virtuais.

Grupos como Dafabet, Casa de Apostas, Betano, Betmotion, Betsul, Netbet, Sportsbet.io, Galera.bet, Amuleto Bet e Marsbet preenchem com propagandas as grades televisivas dos principais canais esportivos do país e se escoram em figuras de renome do cenário, como o ex-jogador Denílson, rosto da Sportsbet.io no Brasil, e os lutadores de MMA Wanderley Silva, Fabrício Werdum e Lyoto Machida, que aparecem em todas as publicidades da Sportingbet.

Página inicial do site da Betano, com diversos esportes e possibilidades de apostas.

“Comecei com 100 reais, hoje ganho até 4.000 por mês”

Rodrigo Barros, de 44 anos, conheceu as apostas virtuais em 2016, e se tornou um apostador diário desde de setembro do ano passado. Ele tinha uma agência de turismo em Orlando, nos Estados Unidos, mas voltou ao Brasil por conta da pandemia. Desde então, complementa a renda com as apostas. “Fui atraído pelos anúncios de ganhar dinheiro com futebol no conforto de sua casa”, conta. “Na primeira vez, coloquei 100 reais e perdi em cinco minutos. Aí coloquei mais 100 reais e fui persistindo. Hoje, começo todo mês com uma banca inicial de 5.000 reais e, ao fim dele, lucro de 3.000 a 4.000 reais”, explica.

Para se cadastrar numa casa de apostas, basta ter mais de 18 anos, fornecer um email, criar um usuário e senha. A partir daí, as transações são feitas por cartão de crédito, pix ou boleto. E as apostas vão muito além de quem vai ganhar ou perder o jogo. As combinações possíveis são infinitas, como tentar adivinhar quantos gols uma equipe fará, quantos cartões amarelos terão no jogo ou até quantos escanteios acontecerão até o fim do primeiro tempo. Casar diferentes apostas, juntando mais de um jogo ou mais de uma estatística, costuma dar um retorno ainda maior. E as apostas não se limitam ao campeonato brasileiro, e muito menos ao futebol, contemplando inclusive os e-sports.

“Não é só dar dois cliques e apostar, exige um estudo e um conhecimento geral de todos os times. Quem quer levar como um investimento precisa fazê-lo de forma séria”, argumenta Barros. As especificidades fizeram surgir até comunidades de especialistas que dão dicas e acumulam milhares de seguidores em canais do YouTube e grupos no Telegram, chamados de traders esportivos.

Risco de dependência

O próprio apostador, que visita os sites todos os dias, confessa que os jogos oferecem um grande risco dependência, entre outros problemas psicológicos. “Conheço pessoas que perderam muito dinheiro.” Barros diz que, para evitar que o mesmo aconteça, adotou um stop loss —um valor que, se perdido em um dia, o obriga a pausar. Além disso, diz que a melhor forma de prevenir é não se desesperar pelo que perde e nem se empolgar com o que ganha.

Hermano Tavares, psiquiatra e especialista em dependências e transtornos do jogo, diz que “apostar ativa a mesma região cerebral despertada pela sensação de comer, fazer sexo ou usar drogas de abuso”. “Não quer dizer que necessariamente causa dependência, mas tem um risco muito grande”, esclarece. Tavares considera “absurdo” não conseguir ver um jogo de futebol na TV sem ser bombardeado por publicidade de casas de aposta. Segundo ele, “quanto mais longe ficam dos jogos ou apostas, melhor estão” seus pacientes.

O debate deve ser amplificado com a regulamentação da atividade, prevista para sair até 2022. A última mudança na lei, em julho, favoreceu os empresários ao mudar o sistema de tributação da atividade, o que “sem dúvidas é uma tentativa do Governo de facilitar a entrada dessas empresas”, segundo André Fehér —e o consequente recolhimento de impostos. De acordo com o levantamento da Money Times, o mercado tem o potencial de arrecadar 74 bilhões de reais brutos em caso de regulamentação no país, o que geraria até 22,2 bilhões em receitas tributárias.

“A regulamentação é o desejo da grande maioria dos stakeholders da indústria de gambling e a SECAP [Secretaria de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria do Ministério da Economia] está trabalhando arduamente para isso”, diz Udo Seckelmann, advogado especialista na indústria de apostas. “Não acho que existirá um afrouxamento das regras federais em prol da arrecadação tributária, mas uma tentativa de adoção das melhores práticas internacionais —as quais buscam um mercado seguro e lucrativo, mas não muito burocrático e custoso para operadores.”

Essa “adoção de práticas internacionais” pode significar também a liberação de outros jogos de azar. A maioria das empresas do ramo que operam no Brasil não oferece somente as legalizadas apostas esportivas, mas jogos de cassino, ilegais no país, e tiram deles grande parte da arrecadação. “Não existe justificativa plausível para que um seja legal, e o outro não. Caso os operadores obtenham uma licença para operar no Brasil, eles serão obrigados a limitar o leque de produtos que ofereceriam aos brasileiros”, pontua Seckelmann. “Isso pode afastar muitas empresas de se regularizarem no Brasil, então esperamos que os demais jogos de azar sejam legalizados em breve. Entendo que hoje vivemos uma tempestade perfeita para a indústria de gambling no Brasil”, admite.

Novamente, a regulamentação e popularização da atividade levanta questões de ordem sanitária. O psiquiatra Hermano Tavares classifica a “tempestade perfeita” como “revoltante” e diz que o assunto não é discutido seriamente pela indústria e pelas autoridades brasileiras. “Se fala em legalizar, mas não em medidas de prevenção e controle social.” Para ele, grande parte dos impostos arrecadados deveria ser destinado à saúde pública, para campanhas de prevenção e sistemas de fiscalização de sonegação. “É um mercado pode gerar muitos problemas, como dívidas, desemprego e depressão, e isso não é considerado do jeito que deveria”, finaliza.

A reportagem tentou contato com as casas de aposta Sportsbet.io, Sportingbet, Betfair, Betano e Dafabet. A Dafabet respondeu que não poderia atender aos questionamentos por “política interna da empresa”. O restante não retornou os pedidos até o fechamento da edição.

DIOGO MAGRI, de São Paulo, em  25 SET 2021 - 09:21 para o EL PAÍS.

Por que o brasileiro não para de votar em corruptos?

Dos políticos eleitos em 2018, 35% respondem a processos. Mas logo serão reeleitos, como ocorre há décadas. É como se parte dos brasileiros invejasse a vida de clãs políticos, nepotistas e burladores da Justiça.

Certas notícias despertam pouca atenção no Brasil por fazerem parte da normalidade deste país. Os brasileiros se acostumaram a elas, no fundo não esperam mais outra coisa. Mas são notícias que em mim continuam despertando incompreensão e cólera.

Quando as conto aos meus conhecidos na Alemanha, em geral me perguntam, cheios de perplexidade: "E essa gente está no poder, no Brasil? Eles não renunciam por conta própria, quando algo assim vem à luz? Ou são forçados a renunciar?" Aí eu sempre digo: "É pior ainda, porque essa gente é até eleita vez após vez. Parece que os brasileiros, de certa maneira, os admiram."

Mas cada coisa a seu tempo. O estopim imediato da minha indignação é Ciro Nogueira, atual ministro-chefe da Casa Civil do presidente "anticorrupção" Jair Bolsonaro. Quando ainda era senador, ele ganhou o questionável título de "campeão de gastos com locomoção, hospedagem, alimentação e combustíveis".

Nenhum senador gastou mais dinheiro de vocês, queridos leitores, para fins que, na minha opinião, deveriam ser pagos por ele mesmo. Entre janeiro e julho de 2021, o atual ministro gastou R$ 263.300 dos cofres públicos somente para abastecer seu jatinho, que costumava usar nas viagens para Brasília. O salário mensal de um senador da República é de R$ 33.763.

Nepotismo sistêmico

Quando Nogueira, hoje com 52 anos, foi nomeado ministro-chefe da Casa Civil, a mãe dele foi atrás, ocupando uma vaga de senadora. O que em democracias funcionantes seria proibido como nepotismo é perfeitamente normal no Brasil. Aqui, os políticos fundam pequenos impérios familiares, empurram os cargos de um lado para o outro, dentro do clã. Em 2017, seis de cada dez parlamentares tinham parentes na política. O Congresso brasileiro, portanto, não representa o povo brasileiro: é um negócio de certas famílias.

Do avô ao neto, passando pelo filho, cargos políticos são herdados, e postos lucrativos, entregues a tios, tias, sobrinhas, sobrinhos e amigos íntimos da família – fazendo pensar mais em feudalismo do que em democracia. Em 2015 veio à tona o caso de Bonifácio de Andrada: em seu décimo mandato na Câmara, ele representava a quinta geração de um clã que, nos últimos 194 anos, já teve outros 14 representantes no órgão legislativo brasileiro.

E enquanto isso, os brasileiros se perguntam: por que nossa política nunca muda? Por que algumas famílias acumulam riquezas e terras inimagináveis, enquanto a maioria da população vive no limite da pobreza?

E assim voltamos à mãe de Ciro, Eliane Nogueira. Parece que o Senado não vai economizar muito com ela, que repete o hábito do filho de gastar o dinheiro dos brasileiros para o próprio conforto e já apresentou notas fiscais no valor de R$ 14.200 em combustível para o seu jatinho.


Quando senador, Ciro Nogueira ganhou o título de "campeão de gastos com locomoção, hospedagem, alimentação e combustíveis".

Assim se criam monstros

O caso é emblemático da arrogância de grande parte da classe política do Brasil. Aqui muitos não entram para a política com a intenção de melhorar algo para a população, fazer algo pela educação, justiça, proteção ambiental, segurança e saúde dos brasileiros, mas para usufruir pessoalmente dos privilégios que o disfuncional sistema político do país garante.

Na Alemanha, os políticos eleitos são também chamados representantes do povo. No Brasil, eles são representantes de si mesmos e de seu clã. Os únicos que poderiam mudar esse sistema são os próprios políticos, e estes não vão mover uma palha para limitar os próprios privilégios. Eles vivem como pinto no lixo, desfrutam de restaurantes, hotéis e viagens caros, pagos pelo contribuinte.

Um ótimo exemplo é o clã Bolsonaro. Perfeitos representantes do neofeudalismo brasileiro não são só os três filhos mais velhos – que estão sendo investigados por corrupção, e dos quais ninguém até hoje sabe o que é mesmo que fazem na vida, além de suas carreiras políticas – mas também o caçula, Jair Renan Bolsonaro.

As escapadas dele mostram de forma exemplar como o poder deforma certos indivíduos. "Há uma fera em cada ser humano, quando se coloca uma espada na mão dele" – é como dizem na série Game of Thrones.

No Twitter, Jair Renan descreveu o que considera um dia perfeito. "Bom dia rapaziada. Então, com vocês aí, melhor jeito de acordar: tomando um suquinho, comendo um pão de queijo, visitando a loja de um grande amigo meu aqui: Júnior. Sabe o que o cara vende? Arma, brinquedo." O rapaz, ao que tudo indica, não estuda, não trabalha, apenas aproveita a vida com o dinheiro e os contatos proporcionados pelo pai e os irmãos mais velhos. Assim se criam monstros.

Decadência moral generalizada

Tenho certeza de que no próximo pleito os brasileiros vão reeleger Aécio Neves, Fernando Collor, Eliane Nogueira, o palhaço Tiririca e os cerca de 35% dos deputados e senadores que já elegeram em 2018 embora a Justiça os esteja processando por corrupção, lavagem de dinheiro, assédio sexual, fraude e numerosos outros delitos. Trata-se de 160 parlamentares e 38 senadores. Quem sabe também Michel Temer e Eduardo Cunha voltem a ocupar cargos na política.

E é o próprio governo Bolsonaro que contribuiu, através de seu próprio exemplo, para a banalização da corrupção e do nepotismo.

Um dos financiadores dos atos bolsonaristas do Sete de setembro, Antônio Galvan, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil). já foi multado por desmatar 500 hectares de vegetação nativa e vender soja sem nota fiscal. Também responde na Justiça por plantio clandestino de grãos e por uma tentativa de invasão de terra numa fazenda vizinha à sua.

Essa é a gente de bem do bolsonarismo. Gente que representa a suposta elite política e econômica deste país. E os brasileiros a elegem. Repetidamente, a cada quatro anos. Já há décadas.

Por isso acho que muitos se identificam com eles. Também gostariam de enriquecer à custa da coletividade e de burlar a Justiça. Como nenhum outro, o atual governo contribuiu com seu nepotismo, suas mentiras e sua moral dupla para essa decadência moral generalizada.

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Philipp Lichterbeck, o autor deste artigo, queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha,Suíça e Áustria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio. Publicado oriiginalmente por Deutsche Welle Brasil, em 22.09.21

A CORRUPÇÃO ATRAVÉS DA HISTÓRIA DO BRASIL

As origens

A colonização do Brasil foi baseada na concessão de cargos, caracterizada pelo patrimonialismo (ausência de distinção entre o bem público e privado) e o clientelismo (favorecimento de indivíduos com base nos laços familiares e de amizade). Apesar de mudanças no sistema político, essas características se perpetuaram ao longo dos séculos.

Por que é possível pegar covid mesmo vacinado, como o ministro Queiroga

O diagnóstico positivo para covid do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, durante viagem do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e comitiva aos Estados Unidos para a Assembleia Geral da ONU vem dominando o noticiário e reacendeu o debate sobre a eficácia das vacinas.

Marcelo Queiroga foi vacinado com duas doses

Pelo Twitter, Queiroga anunciou que está com coronavírus — diferentemente de Bolsonaro, no entanto, ele diz ter sido vacinado com as duas doses. A informação foi confirmada em nota divulgada pela Secretaria Especial de Comunicação Social.

De acordo com o comunicado, o ministro passa bem. Os demais integrantes da comitiva foram testados e receberam diagnóstico negativo para a doença.

O ministro terá que cumprir quarentena na cidade por 14 dias antes de retornar ao Brasil. Ele foi o segundo integrante da equipe presidencial a contrair o vírus nos Estados Unidos. Antes dele, um diplomata que foi enviado para preparar a viagem de Bolsonaro à ONU também recebeu resultado positivo para a covid-19.

"Comunico a todos que hoje testei positivo para Covid19. Ficarei em quarentena nos EUA, seguindo todos os protocolos de segurança sanitária. Enquanto isso, o Ministério da Saúde seguirá firme nas ações de enfrentamento à pandemia no Brasil. Vamos vencer esse vírus", escreveu ele, em sua conta pessoal no Twitter.

Queiroga não é o primeiro caso de infecção após duas doses. Em julho, a apresentadora Ana Maria Braga, por exemplo, diz ter tido covid mesmo depois de ter sido duplamente vacinada.

Outras personalidades, também duplamente vacinadas, morreram mesmo depois de imunizadas — como o ator Tarcísio Meira, em agosto.

Mas o que explica a infecção por covid mesmo depois de a vacinação com as duas doses?

Em primeiro lugar, nenhuma vacina para covid é 100% eficaz — como, aliás, nenhum imunizante é, mesmo aqueles que estão disponíveis há décadas para outras enfermidades, como sarampo, gripe e catapora.

Mas estudos científicos apontam há meses que elas têm uma boa eficácia para barrar os casos mais graves das doenças que combatem.

Por isso, especialistas advertem que, no caso da covid, todos devem continuar se cuidando com o distanciamento físico e o uso de máscaras, até que uma grande porcentagem da população esteja vacinada e a pandemia fique controlada, com números de casos e mortes bem baixos.

Nos EUA, por exemplo, onde Queiroga provavelmente contraiu o vírus, os números de casos confirmados estão subindo, assim como o de mortes — a imensa maioria entre não vacinados.

Há algumas hipóteses para isso, entre as quais o ceticismo de muitos americanos quanto ao imunizante — para se ter uma ideia, hoje o Brasil tem uma proporção de vacinados com a primeira dose (68,57%) maior do que a dos Estados Unidos (63,11%), segundo dados da plataforma Our World in Data, ligada à Universidade de Oxford.

Outras suposições estão relacionadas a tipo de imunizante, tempo desde a vacinação, variantes e ao sistema imunológico (leia mais abaixo).

Também é preciso lembrar que os efeitos protetores da vacina só chegam ao auge somente 14 dias depois da imunização.

Infecção 'breakthrough'

Portanto, se você ainda tiver covid-19 depois de duas semanas da segunda dose, como foi o caso de Queiroga, você sofreu uma infecção "breakthrough" (invasiva), ou seja, quando uma pessoa é infectada mesmo tendo recebido vacina contra uma doença.

Em termos gerais, as infecções breakthrough são semelhantes às infecções comuns de covid-19 em pessoas não-vacinadas — mas existem algumas diferenças.

De acordo com o estudo Covid Symptom Study, os cinco sintomas mais comuns de uma infecção breakthrough são dor de cabeça, coriza, espirros, dor de garganta e perda do olfato. Alguns desses sintomas são os mesmos sentidos por pessoas que não se vacinaram.

Se você não foi vacinado, três dos sintomas mais comuns também são dor de cabeça, dor de garganta e coriza.

No entanto, os outros dois sintomas mais comuns em pessoas não-vacinadas são febre e tosse persistente. Esses dois sintomas "clássicos" da covid-19 se tornam muito menos comuns depois que você recebe as vacinas. Um estudo descobriu que pessoas com infecções breakthrough têm 58% menos probabilidade de ter febre em comparação com pessoas não-vacinadas. Em vez disso, a covid-19 após a vacinação tem sido descrita como sensação de resfriado por muitos.

Pessoas vacinadas também têm menos probabilidade do que pessoas não-vacinadas de serem hospitalizadas caso tenham covid-19. Elas também são propensas a ter menos sintomas durante os estágios iniciais da doença e são menos propensas a desenvolver covid longa.

O motivo para a doença ser mais branda em pessoas vacinadas pode ser porque as vacinas, quando não bloqueiam a infecção, parecem fazer com que as pessoas infectadas tenham menos partículas de vírus em seu corpo. No entanto, isso ainda não foi comprovado.

O que aumenta o risco?

No Reino Unido, pesquisas descobriram que 0,2% da população — ou uma pessoa em cada 500 — sofre uma infecção breakthrough depois de totalmente vacinada. Mas nem todos correm o mesmo risco. Quatro fatores parecem contribuir para seu nível de proteção com a vacina.

1. Tipo de vacina

O primeiro é o tipo específico de vacina que você recebeu e a redução do risco relativo que cada tipo oferece. A redução do risco relativo é uma medida de quanto uma vacina reduz o risco de alguém desenvolver covid-19 em comparação com alguém que não foi vacinado.

Ensaios clínicos descobriram que a vacina Moderna reduz o risco de uma pessoa desenvolver covid-19 sintomático em 94%, enquanto a vacina Pfizer reduz esse risco em 95%. As vacinas Johnson & Johnson e AstraZeneca tiveram pior desempenho, reduzindo esse risco em cerca de 66% e 70%, respectivamente (embora a proteção oferecida pela vacina AstraZeneca parecesse aumentar para 81% se um intervalo maior fosse deixado entre as doses).

2. Tempo desde a vacinação

Mas esses números não dão o quadro completo. Está se tornando cada vez mais evidente que o tempo decorrido desde a vacinação também é importante e é uma das razões pelas quais o debate sobre as imunizações de reforço está crescendo em intensidade.

Pesquisas iniciais, ainda em pré-publicação (ainda não revisadas por outros cientistas), sugerem que a proteção da vacina Pfizer diminui ao longo dos seis meses após a vacinação. Outro artigo pré-publicação de Israel também sugere a mesma coisa. É muito cedo para saber o que acontece com a eficácia da vacina depois de seis meses da segunda dose, mas é provável que ela caia ainda mais.

3. Variantes

Outro fator importante é a variante do vírus que você está enfrentando. As reduções no risco acima foram calculadas testando vacinas contra a forma original do coronavírus.

Mas, ao enfrentar a variante alfa, os dados da Public Health England sugerem que duas doses da vacina Pfizer são ligeiramente menos protetoras, reduzindo o risco de sintomas de covid-19 em 93%. Contra a delta, o nível de proteção cai ainda mais, para 88%. A vacina AstraZeneca também é afetada.

O estudo Covid Symptom Study confirma tudo isso. Seus dados sugerem que em duas a quatro semanas após receber a segunda dose da Pfizer, você tem cerca de 87% menos probabilidade de ter sintomas de covid-19 ao enfrentar a variante delta. Depois de quatro a cinco meses, esse número cai para 77%.

4. Seu sistema imunológico

É importante lembrar que os números acima se referem à redução média do risco em uma população. O seu próprio risco dependerá de seus próprios níveis de imunidade e de outros fatores específicos da pessoa (como o grau de exposição ao vírus, que pode ser determinado pelo tipo de trabalho que você faz).

A aptidão imunológica geralmente diminui com a idade. Condições médicas de longo prazo também podem prejudicar nossa resposta à vacinação. Idosos ou pessoas com sistema imunológico comprometido podem, portanto, ter níveis mais baixos de proteção induzida por vacina contra covid-19 ou podem ver sua proteção diminuir mais rapidamente.

Também vale a pena lembrar que os mais vulneráveis clinicamente receberam vacinas primeiro, possivelmente há mais de oito meses, o que pode aumentar o risco de sofrer uma infecção inicial devido ao declínio da proteção.

Vacinas têm boa eficácia, mas não protegem 100% contra nenhuma doença

As vacinas ainda reduzem muito suas chances de contrair covid-19. Elas também protegem em um grau ainda maior contra hospitalização e morte.

No entanto, é preocupante haver mais infecções breakthrough, como a de Queiroga. O temor é que elas possam aumentar se a proteção da vacina, como se suspeita hoje, cair com o tempo.

Portanto, muitos países ao redor do mundo, como o Brasil, estão oferecendo uma terceira dose aos mais vulneráveis e também considerando se os reforços devem ser dados mais amplamente ao restante da população.

Mas mesmo que eles venham a ser usados, isso não deve ser interpretado como "vacinas não funcionam".

E, enquanto isso, é essencial promover a vacinação para todos aqueles que possam ser vacinados mas que ainda não foram, advertem os especialistas.


Ganho individual ou um bem coletivo?

Quando tomamos uma vacina, sempre pensamos em nossa própria saúde: na maioria das vezes, o objetivo é diminuir o risco de pegar determinada doença infecciosa.

Mas precisamos ter em mente que o benefício da vacinação vai muito além de nós mesmos.

Quando nos protegemos, estamos beneficiando por tabela toda a sociedade.

Afinal, o imunizante pode quebrar as cadeias de transmissão de um vírus (quando ele é capaz de prevenir a infecção) ou diminuir o risco de superlotação dos leitos hospitalares (quando ele minimiza as chances de evolução para os quadros mais graves).

Mas há um detalhe importante nessa história. Esses efeitos positivos só costumam ser sentidos quando uma parcela considerável da população está efetivamente imunizada.

"A vacina é, principalmente, um bem coletivo. E esse impacto individual, de proteção contra determinada doença ou suas formas mais graves, cresce à medida que uma maior parte da população é vacinada", explicou a epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente do Instituto Sabin de Vacinas, nos Estados Unidos, em entrevista recente à BBC News Brasil.

Publicado originalmente por BBC News Brasil, em 22.09.21

Com gasolina cara, brasileiros se arriscam com gás de cozinha em carro

Os brasileiros viram voltar em 2021 o que não queriam que voltasse, como a fome, a inflação, o fogareiro a lenha e o sequestro relâmpago. Agora, mais um item pode ser acrescentado a essa lista: a conversão clandestina de veículos para GLP (gás liquefeito de petróleo), mais conhecido como gás de cozinha ou gás de botijão.

Explosão provocada por conversão clandestina de veículo para GLP em Natal, no Rio Grande do Norte (12/07/2020)

Na plataforma de comércio eletrônico Mercado Livre, o kit para conversão de automóveis para GLP é vendido por valores que variam de cerca de R$ 500 a R$ 1 mil, com a promessa do vendedor de uma economia de "30% na cidade e 50% na estrada".

A economia prometida não é verdadeira, segundo cálculo feito por professor de finanças da FGV (Fundação Getulio Vargas) e da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) a pedido da BBC News Brasil. E a prática ilegal expõe motorista e passageiros a risco elevado de explosão.

Na Câmara dos Deputados, um projeto de lei (PL 4217/19) que autoriza o uso do gás de cozinha em motores diversos, incluindo o de veículos, foi aprovado na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) em agosto e está pronto para ir à votação em Plenário.

O projeto divide opiniões no setor de gás. Representantes do segmento de GNV (gás natural veicular) — combustível que é diferente do GLP e pode ser usado em automóveis legalmente — são contrários à aprovação. Eles argumentam que ela pode estimular a conversão clandestina e, com o aumento de demanda, encarecer o gás de cozinha para as famílias, já que entre 27% e 30% do GLP consumido no Brasil é atualmente importado.

Em agosto, o preço médio do botijão de gás de 13 kg estava em R$ 93, segundo a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), mas já superava os R$ 100 em diversos Estados brasileiros, como Mato Grosso (R$ 114), Rondônia (R$ 111), Amapá (R$ 109), Roraima (R$ 109) e Pará (R$ 102).

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Os representante dos distribuidores de GLP, por sua vez, acusam o setor de GNV de querer manter reserva de mercado e defendem a liberdade de escolha dos consumidores, lembrando que o combustível é utilizado em automóveis na Europa.

Procurado, o Mercado Livre disse que a venda de kits de GLP na plataforma é proibida e que, assim que identificados, os anúncios com esse teor são derrubados e o vendedor, notificado. Após a resposta da empresa à BBC News Brasil, diversos anúncios foram apagados.

Kit para conversão clandestina de automóvel para GLP à venda no Mercado Livre

'Serve para carro Uno, ano 92, carburado?'

O anúncio diz que é de "Kit Gás GLP Botijão P13 para Empilhadeiras Barcos Geradores", mas as dúvidas dos compradores e respostas do vendedor não deixam dúvidas: o principal uso pretendido por quem compra um desses kits é a conversão clandestina de automóveis.

"Bom dia, serve [para] carro uno ano 92 carburado?", pergunta um comprador. "Olá, serve sim", recebe de resposta.

"Kit para Saveiro injetada", pede outro cliente. "Qual ano e motor? Monoponto ou 4 bicos? Especifique", responde o vendedor.

"Boa tarde. Esse kit consigo instalar em um Chevette 1.6 a gasolina? Desde já agradeço", questiona um terceiro. "Consegue sim", é a resposta.

Para quem pergunta a economia obtida com a conversão, a resposta é sempre a mesma: "Economia em R$ [reais], 30% cidade e 50% estrada, essa é a média", promete o vendedor.

Além do kit supostamente para empilhadeiras — único veículo no qual o uso de GLP é autorizado —, muitos outros anúncios trazem explicitamente o modelo de veículo a que o produto se destina: "Kit Gás GLP Botijão P13 Vectra Ano 98 Motor 2.2 8v", "Kit Gás GLP Botijão P13 Doblo 1.3 16v 2005 Gasolina", "Kit Gás GLP Botijão P13 Meriva 1.4 Flex", eram alguns dos exemplos disponíveis na quinta-feira (23/9).

Inflação e proibição

A busca por economia no combustível é justificada: segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a gasolina acumula alta de 31% no ano, até agosto, e de 39% em 12 meses. Já o etanol subiu 41% entre janeiro e agosto e 62% no acumulado de 12 meses.

No entanto, a conversão para GLP é ilegal. A Lei 8.176 de 1991 define como crime contra a ordem econômica o uso do "gás liquefeito de petróleo em motores de qualquer espécie, saunas, caldeiras e aquecimento de piscinas, ou para fins automotivos".

A resolução 673 do Contran (Conselho Nacional de Trânsito) diz que utilizar gás de cozinha em automóveis é uma infração grave. O motorista flagrado perde cinco pontos na carteira, pode ser multado em R$ 195,23 e ter o veículo apreendido.

A infração também está descrita no artigo 230 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e em normativa da ANP (Resolução ANP nº 49 de 2016).

A conversão clandestina de veículos para GLP era uma prática comum no Brasil dos anos 1980, particularmente nas periferias, mesmo sendo proibida pelo Contran desde 1986. Já a definição do uso como "crime contra a ordem econômica" aconteceu em 1991, em meio à Guerra do Golfo, uma das principais regiões produtoras de petróleo do mundo — o GLP é um derivado do óleo.

Mesmo após a proibição, a prática continuou nos anos 1990. Uma reportagem da Folha de S. Paulo de 1998, por exemplo, relatava que cerca de 25 mil veículos rodavam movidos a gás de cozinha na região de Irecê, no interior da Bahia.

"Os proprietários dos veículos argumentam que o gás de cozinha é mais econômico. Com um botijão de gás (13 kg), o proprietário de um veículo pode rodar até 170 km", dizia a reportagem. "O botijão de gás custa R$ 9 nos postos de Irecê."

Botijão de gás a R$ 9. Realmente, eram outros tempos.

Conversão clandestina de veículos para GLP era prática comum no Brasil dos anos 1980, particularmente nas periferias, mesmo sendo proibida pelo Contran desde 1986 (Ag. Brasil)

Economia de 30%? Longe disso!

E atualmente, compensa fazer a conversão clandestina com o botijão acima dos R$ 90?

O professor Fabio Gallo Garcia, da FGV e da PUC-SP, é taxativo: não compensa, nem do ponto de vista econômico, nem no da segurança de motoristas e passageiros.

A pedido da BBC News Brasil, o especialista em finanças estimou o custo por quilômetro rodado dos diversos tipos de combustíveis, considerando um preço médio de R$ 6,076 por litro para a gasolina, R$ 4,704 por litro para o etanol, R$ 4,146 por metro cúbico para o GNV e R$ 16,12 por metro cúbico para o GLP (equivalente a R$ 98,33 por botijão de 13 kg).

Pelas contas do professor, considerando apenas o preço dos combustíveis, o GNV — que é usado legalmente nos veículos — gera uma economia por quilômetro rodado de 51% em relação à gasolina e de 56% em relação ao etanol. Já no GLP — de uso clandestino —, a economia é de apenas 4,4% em relação à gasolina e 13,5% na comparação com o etanol.

Ou seja: nem de longe a economia chega nos 30% ou 50% prometidos pelo vendedor de kits do Mercado Livre.


Tabela mostra diferença de gastos entre diferentes combustíveis

Como a economia por quilômetro rodado é menor, o tempo de retorno do investimento na conversão também é pior para o GLP, em relação ao GNV, estima Gallo Garcia.

Considerando o desconto dado por muitos Estados no IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores) e a economia por quilômetro rodado, um veículo convertido da gasolina para o GNV recupera o investimento de cerca de R$ 5 mil na conversão em pouco mais de 12 meses, se rodar 1.000 km por mês.

Já para o GLP, considerando um kit de conversão de R$ 1 mil, levaria 38 meses para o investimento se pagar, rodando 1.000 km por mês.

"Isso confirma que a economia propalada não é verdadeira. Além de todo risco", conclui o professor.

GLP Vs. GNV

Por ser uma prática ilegal, não há dados de quantos veículos rodam a GLP atualmente no país.

Já os veículos a GNV são hoje 2 milhões, segundo a Abegás (Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado), menos de 5% da frota de cerca de 46,2 milhões de automóveis em circulação no Brasil, pela estimativa do Sindipeças (Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores).

Gustavo Galiazzi, gerente técnico da Abegás, explica que o GLP (gás de botijão) é uma mistura de dois gases, propano e butano, a proporção de mais ou menos 50/50. Ele é obtido através do refino do petróleo.

O GNV (gás natural veicular), por sua vez, é composto em quase 90% de metano e é extraído diretamente de reservatórios no subsolo.

Do ponto de vista físico, o GLP tem mais moléculas de carbono e o gás natural, menos. Na prática, isso significa que o GLP pode ser pressurizado no botijão e ele vira líquido. Já o gás natural só tem uma molécula de carbono. Como ele é muito leve, não pode ser facilmente liquefeito, por isso é sempre comercializado encanado.

"Como o GNV é mais leve do que o ar, em caso de vazamento, ele se dissipa com facilidade. Já o GLP é mais pesado do que o ar, então quando vaza, ele fica no fundo da mala do carro", diz Galiazzi, lembrando ainda que a temperatura de autoignição do GNV é bastante superior à do GLP, o que também torna o gás natural mais seguro do que o de botijão para uso automotivo.

Táxi sendo abastecido com GLP em Manila, capital das Filipinas (Getty Images)

Sergio Bandeira de Mello, presidente do Sindigás (Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Gás Liquefeito de Petróleo), concorda que a conversão clandestina é perigosa, mas afirma que o uso legalizado e com as devidas certificações do GLP automotivo é seguro, como atesta o crescimento desse mercado na Europa.

"O maior desenvolvimento de utilização de GLP no mundo é o que se chama de Autogas, que é o GLP automotivo", argumenta Mello. "Tecnicamente, em termos de segurança, o GLP é um combustível espetacular para motores."

Segundo dados da Acea (sigla em inglês para a Associação Europeia de Fabricantes de Automóveis), o registro de novos veículos movidos a GLP cresceu 134% na União Europeia no segundo trimestre de 2021, em relação a igual período do ano passado, para 59,4 mil unidades. Já o registro de novos veículos a GNV cresceu 42% no período, para 13,5 mil.

Ambos os mercados, no entanto, são bastante pequenos se comparados, por exemplo, ao de veículos elétricos, que somou mais de 400 mil novas unidades na Europa no período.

Projeto de lei na Câmara

Um projeto de lei na Câmara tenta tirar o uso do GLP em motores do âmbito da gambiarra para a legalidade.

O deputado federal Felício Laterça, ex-delegado de polícia e atualmente no PSL-RJ, diz que a ideia veio de um amigo seu, também policial.

"A motivação foi minha experiência policial. Não raro, nós vemos certas situações que são criminalizadas para se resolver um problema que não é criminal", diz Laterça.

"Um colega policial civil me apresentou esse problema e eu falei: é agora. Porque, por uma questão de política econômica, vedaram o uso do gás para caldeiras e motores, o que é uma situação completamente esdrúxula e anômala", avalia.

Em sua justificativa para o projeto, o deputado argumenta que a lei que define o uso do GLP em motores como crime contra a ordem econômica "foi elaborada [em] um contexto que reclamava medidas de contenção do consumo de derivados do petróleo".

"Passados quase 30 anos, o cenário atual contraria o cenário econômico daquela época, registrando aumento substancial da produção interna de petróleo e considerável independência do GLP importado", escreve o ex-delegado.

Questionado se não há um equívoco na argumento, posto que o Brasil ainda importa entre 27% e 30% do GLP que consome, Laterça diz que a produção de gás no país está crescendo e que eventualmente chegaremos à autonomia.

No entanto, o que tem crescido no Brasil é a produção de gás natural (GNV), enquanto a produção de GLP é limitada pela capacidade nacional de refino de petróleo — mesmo motivo pelo qual o país ainda importa outros combustíveis, apesar de ser autossuficiente em óleo cru.

O Sindigás apoia o projeto de lei, mas lembra que, mesmo que ele seja aprovado, o uso do GLP em veículos ainda seria proibido, devido às normativas do Contran e da ANP.

"Se alguém está comprando kit para adaptação para GLP, significa que ele é competitivo. Não seria a hora de ser permitido que o GLP seja usado para qualquer fim e o consumidor faça — com normas — a escolha pelo combustível que ele queira?", questiona Mello.

A Abegás, por sua vez, é contrária à mudança, segundo Galiazzi. "Esse projeto não faz sentido. Para liberar para veículos, vamos ter que aumentar as importações — são divisas que vamos ter que alocar para fora do país. Quem vai acabar pagando a conta são as famílias de baixa renda."

Thais Carrança - @tcarran, de S. Paulo para a BBC News Brasil, em 25 setembro 2021

sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Sarney: A Revolução de 30, a Carta de 1934, o Estado Novo, a Constituição de 46, o golpe de 1964 passaram por crises sucessivas

A Fundação Ulysses Guimarães, do MDB, promoveu um Seminário, não fulanizado, como dizia Marco Maciel, da maior importância para discutir a crise brasileira, suas raízes históricas e soluções futuras. Foi muito útil, e a presidência do Nelson Jobim, um dos mais preparados homens públicos do Brasil, deu o tom ao debate. 

Duas constatações foram unânimes: que vivemos sempre em crise e que estas sempre encontraram uma solução pacífica, característica do país.

Nunca vivemos a paz e a tranquilidade que gostaríamos de ter tido. Na Colônia os jesuítas foram várias vezes expulsos por defender a liberdade dos índios. A vida era, no testemunho fundamental de Antonil, um desastre de egoísmo. As revoltas se sucederam até chegarmos à de um homem que queria apenas servir, o Alferes, cuja confiança era no Brasil e não em Portugal.

No Brasil Reino se tentou logo a república, e as punições foram drásticas. Depois o príncipe-herói-pai-da-pátria-constitucional revelou-se um autocrata e, com seu filho, inventa um parlamentarismo disfuncional em que o príncipe-sábio-republicano derruba os governos com crises artificiais. E nada das duas questões essenciais do século XIX: o fim da escravidão pela educação e pela reforma agrária e o estabelecimento de uma federação.

A Constituição outorgada em 1824 foi rasgada por um grande soldado, fiel ao Imperador, mas possuído por um acesso de ciúme político. Sim, o povo assistiu bestializado à chegada da República, na frase de Aristides Lobo, e mais bestializados ficaram os políticos, pois, criada por um golpe de Estado, ela tinha esse defeito de nascença, o de não o ser pela vontade geral da nação.

A Revolução de 30, a Carta de 1934, o Estado Novo, a Constituição de 46, o golpe de 1964 passaram por crises sucessivas. Coube-me, por força do destino, comandar a Transição Democrática. Convoquei e garanti a Constituinte e fui o primeiro a jurar a Constituição de 1988. É a melhor que tivemos. Avisei, no entanto, sobre o risco da ingovernabilidade.

Montou-se, sob a sempre meritória repulsa à corrupção, uma guerra de destruição da política. A grande atingida foi a confiança nas instituições. O Legislativo, o Executivo e o próprio Judiciário tiveram seu prestígio esfacelado. O resultado foi a gravíssima crise econômica, sem saída à vista, pois qualquer caminho passa pela confiança destruída. Mas não deve ser esquecida a insegurança expressa em números — de assassinatos que superam os das maiores guerras contemporâneas e de presos por medidas cautelares; a educação, a ciência e a saúde destruídas; o desemprego e mais de 50 milhões de trabalhadores desamparados.

Todos esses problemas foram levantados, e a tônica maior foi a defesa da Democracia e nossa defesa extrema do Estado de Direito e do respeito à Constituição, que protege todos os direitos. E o Seminário continua com a discussão dos problemas com o objetivo de apresentar soluções e defendê-las.

Em resumo, agora continuamos nosso calvário de lidar com crises. Mas as Instituições estão consolidadas e atravessaremos, como sempre o fizemos, as nossas crises, agora o excesso delas, da política, dos partidos, da pandemia, da energia, das secas, das queimadas, da economia, da inflação e da autoestima.

O Brasil, vivendo sempre com crises em nossa História.

José Sarney, o autor deste artigo, foi Governador do Maranhão e Presidente da República. Publicado originalmente n'O Estadi do Maranhão, em 19.09.21.

CPI avalia que caso Prevent pode chegar ao governo e traz gabinete paralelo de volta ao foco

Os senadores do grupo majoritário da CPI da Covid já trabalham internamente com a possibilidade de adiar por mais tempo a conclusão das atividades da comissão, em previsões que variam do meio ao fim de outubro. O principal motivo é a evolução da apuração envolvendo a operadora Prevent Senio

Integrantes da CPI dizem acreditar que merece atenção a possível relação da Prevent com o governo Jair Bolsonaro, principalmente pela suspeita de o Ministério da Saúde ter usado um protocolo da operadora para incentivar a utilização do chamado "kit Covid", com remédios ineficazes contra a doença.

Também afirmam que os novos fatos trazem mais uma vez para o foco a atuação do gabinete paralelo da pasta, grupo de médicos que assessorava informalmente o presidente da República a favor de tratamentos sem eficácia contra a Covid-19

O ponto de ligação entre a Prevent e o gabinete paralelo estaria principalmente nos médicos Nise Yamaguchi e Paolo Zanotto.

Nesta quinta-feira (23), foram aprovados requerimentos para a convocação da advogada Bruna Morato, representante dos médicos da Prevent que realizaram denúncias contra a empresa, e do empresário bolsonarista Luciano Hang, cuja mãe, Regina Hang, morreu após ser vítima da Covid --o prontuário dela feito em unidade da operadora omitiu a menção à doença.

Bruna e Hang irão depor, respectivamente, na terça (28) e na quarta-feira (29) da semana que vem.

A convocação de Hang não foi consenso nos bastidores do grupo majoritário da CPI. Alguns parlamentares avaliam que o empresário tem pouco a acrescentar na apuração e que a sessão pode virar só um palco para que ele defenda o que chama de tratamento precoce.

Por outro lado, há a percepção de que os depoimentos da próxima semana voltarão a colocar em evidência o gabinete paralelo, estrutura de aconselhamento para temas da pandemia do presidente Jair Bolsonaro, fora da estrutura do Ministério da Saúde.

Para o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da comissão, os depoimentos serão decisivos para entender a participação do grupo e da relação da Prevent com o governo Bolsonaro.

Senadores governistas minimizam os achados da comissão na reta final dos trabalhos e dizem que os fatos sobre a Prevent estariam requentados, por isso não atingiriam mais o presidente.

Em sessão da CPI, os senadores transmitiram um vídeo em que o médico Paolo Zanotto, apontado como um elo entre a Prevent e o gabinete paralelo, afirma estar desenvolvendo um protocolo para a operadora de saúde, baseado nos medicamentos sem eficácia comprovada.

"Eu não sei qual protocolo que ele redigiu", disse Pedro Batista Júnior, diretor-executivo da Prevent Senior, durante depoimento à CPI, sendo questionado posteriormente que ele estava na mesma transmissão e não rebateu a informação de Zanotto.

Segundo um dossiê dos médicos da Prevent, após as declarações do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta criticando as subnotificações e o atendimento da empresa aos idosos, a diretoria da operadora, em especial o diretor-executivo, fez um pacto com o gabinete paralelo para livrar a empresa das críticas.

O gabinete paralelo funcionaria da seguinte forma, segundo a avaliação do grupo majoritário da CPI: influenciadores como Nise Yamaguchi e Paolo Zanotto disseminavam o chamado tratamento precoce junto com o governo Bolsonaro, enquanto a Prevent Senior seria a instituição médica que validaria por estudos a eficiência do tratamento.

Outra possível conexão da Prevent com o gabinete paralelo é o empresário Carlos Wizard. Durante a sessão da CPI na quarta-feira, Batista Júnior foi questionado se fazia parte de um grupo de WhatsApp criado por Wizard, no qual se discutiriam formas de enfrentamento da pandemia. O diretor-executivo confirmou a existência do grupo e que foi adicionado, mas afirmou em seguida que se retirou rapidamente.

O relator Renan Calheiros (MDB-AL) já avalia sugerir o indiciamento do diretor-executivo da Prevent em seu relatório final sob a acusação de fraude documental. Um dos motivos seria a suposta omissão da Covid no prontuário do óbito do médico negacionista Anthony Wong, que também é apontado como integrante do gabinete paralelo e defensor do "kit Covid".

O objetivo da alteração seria não admitir que o pediatra e toxicologista morreu aos 73 anos, no dia 15 de janeiro deste ano, em consequência da doença.

Inicialmente, havia a expectativa de que as atividades da CPI poderiam ser encerradas ainda na semana que vem. Renan Calheiros vinha dizendo que estava pronto para apresentar o seu texto final nesta quinta-feira (23), deixando a votação e uma possível cerimônia de encerramento na próxima.

Agora, ele não crava mais uma data para o encerramento dos trabalhos. À reportagem ele afirmou que vai esperar até o último depoimento da CPI, sem dizer qual, e que a comissão deve chegar a um consenso quanto à data.

Publicamente, a maior parte dos membros da comissão defende o encerramento o mais rapidamente possível, defendendo que a CPI já cumpriu o seu papel.

No entanto, há a avaliação de que o caso Prevent Senior surgiu com grande impacto. Embora venha sendo falado internamente na comissão pelo senador Humberto Costa (PT-PE), que sempre defendeu a investigação da operadora, foi a divulgação de um dossiê na semana passada que mudou o rumo das investigações.

Um grupo de 15 médicos enviou à comissão o documento no qual denunciam que a Prevent usava seus hospitais como laboratórios para estudos com a hidroxicloroquina e outros medicamentos do chamado "Kit Covid".

Mensagens obtidas pela comissão indicam a entrada em vigor nos hospitais de um "novo protocolo", que deve priorizar aqueles medicamentos sem eficácia comprovada para o tratamento da Covid-19. Os profissionais também são alertados a não avisarem pacientes e familiares. A operadora também teria omitido sete mortes nesses estudos, segundo a denúncia.

Em depoimento à CPI da Covid, o diretor-executivo da Prevent negou as acusações do dossiê. Afirmou que não se tratava de "estudos" e sim de uma simples "observação". Acusou dois ex-médicos de acessarem e alterarem as planilhas para prejudicarem a empresa.


Por outro lado, na denúncia mais grave na percepção dos senadores, Batista Júnior reconheceu que um protocolo da Prevent orientava a reclassificação do chamado CID, o código de diagnóstico da doença, para excluir dos prontuários a Covid-19, passando a considerar que os pacientes, depois de determinado tempo de internação, estavam com outros problemas de saúde.

O diretor-executivo da Prevent disse na CPI que o Ministério da Saúde usou um protocolo elaborado pela operadora, mas sem que houvesse um acordo entre as partes. Integrantes da comissão avaliam que essa informação, se aprofundada, pode chegar a atores importantes da pasta e do Palácio do Planalto.

"Eles simplesmente utilizaram um documento interno da Prevent, um documento que é utilizado para orientação médica, para incorporar à normativa do Ministério da Saúde, sem nenhuma anuência ou, então, participação nossa", afirmou Batista Júnior no depoimento.

Por isso os membros da CPI vão investir no depoimento da advogada Bruna Morato na próxima semana, mas não descartam depois ouvir os próprios médicos --seja em sessão aberta ou mesmo fechada. Alguns já calculam que a CPI terá sua conclusão já perto do fim de outubro, perto da data regimental --5 de novembro. Além dos novos fatos, há o risco de que a semana do feriado de 12 de outubro seja perdida.

Outros, como afirmou Randolfe Rodrigues, dizem que vão dar o máximo para que ela seja encerrada na metade de outubro.

Além do caso Prevent, há uma divisão no grupo majoritário sobre um novo depoimento do ministro Marcelo Queiroga.

Na quarta-feira, Renan disse que a CPI "não pode encerrar seus trabalhos sem ouvir novamente o ministro". No entanto, em viagem a Nova York para acompanhar o presidente Jair Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU, o ministro foi infectado pelo novo coronavírus e vai permanecer duas semanas em isolamento nos Estados Unidos.

A maior parte dos membros defende esperar o depoimento do ministro. Alguns, como o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), tem dito que a comissão não deve aguardar essa nova oitiva para encerrar os trabalhos da comissão.

Renato Machado, Constança Rezende e Julia Chaib para a Folha de São Paulo online, em24.09.21

terça-feira, 21 de setembro de 2021

O Brasil da realidade paralela

Na ONU, Bolsonaro cria realidade paralela e confronta o mundo por não tomar vacina, ser contra isolamento e pregar o 'tratamento precoce'

O presidente Jair Bolsonaro usou a abertura da Assembleia-Geral da ONU para se gabar de vitórias dos governos passados, transformar erros da sua gestão em méritos e confrontar todo o mundo civilizado, ao discursar sem tomar vacina, fazer apologia do “tratamento precoce” contra a covid-19 e condenar o isolamento social. 

Só faltou Bolsonaro se referir diretamente à “imunidade de rebanho” e atacar também as máscaras, mas não chegou a tanto. Sem vacina e depois de comer pizza na calçada em Nova York, falar em deixar todo mundo morrer e aparecer sem máscara seria demais, mesmo para padrões bolsonaristas.

Segundo o presidente do Brasil, massacrando a realidade e contrariando o consenso internacional, “a história e a ciência” vão responsabilizar quem batalhou pelas vacinas e pelo isolamento social e rejeitou a cloroquina e a ivermectina (que foram condenadas pela Organização Mundial da Saúde e por todas as agências sanitárias mundo afora). Na verdade, ocorrerá o oposto: a história e a ciência condenarão quem trabalhou a favor do coronavírus e de tratamentos inadequados, como ele.

Convicto em sua realidade paralela, Bolsonaro voltou a insistir na ONU que seu governo tirou o Brasil do rumo do comunismo — o que é não só ficção, mas uma fraude histórica —, e fez a descrição de um país onde tudo está uma maravilha: queda do desmatamento, comunidades indígenas livres e felizes, recuperação de credibilidade externa, economia de vento em popa, empregos brotando, vacinas para todos.

Quem acha que não é bem assim, levante o dedo! Mas, por favor, não como o dr. Marcelo Queiroga, ministro da Saúde, para manifestantes anti-Bolsonaro na Big Apple.

Além de criticar diretamente o “passaporte vacinal” exigido por todos os países responsáveis, inclusive o anfitrião, Bolsonaro convidou a todos a visitarem “a nossa Amazônia”, que, apesar de ele negar e esconder, vem sendo queimada e desmatada como poucas vezes se viu. Os fundos internacionais já até ameaçaram retaliar o Brasil e os próprios EUA já denunciaram a exportação criminosa de madeira de lei brasileira.

Atenção: praticamente todas as vitórias reais do Brasil citadas no discurso não são fruto do governo Bolsonaro, mas dos vários governos que o antecederam, como a legislação ambiental, considerada das melhores do mundo, a extraordinária geração de energia limpa, também invejável, e a posição brasileira entre os principais fornecedores de alimentos do planeta.

Como fecho de ouro, o presidente brasileiro destacou a “liberdade de culto e de expressão” no Brasil e defendeu “a família tradicional” como base civilizatória. Ou seja: Bolsonaro virou as costas ao mundo no combate à pandemia, na preservação do meio ambiente e até no enorme esforço internacional pela inclusão e pelo respeito à orientação sexual e aos direitos LGBT+. Logo, falou exclusivamente para o cercadinho do Alvorada.

Eliane Cantanhêde, a autora deste artigo, é Jornalista. Publicado originalmente n' O Estado de S.Paulo edição online, em 21 de setembro de 2021 às 12h46.

 

PT divulga que Lula foi inocentado em ações não julgadas

Ex-presidente obteve vitórias recentes na Justiça, mas houve absolvição em apenas três casos; partido fala em 19 processos e defesa diz que ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado das sentença

Nos últimos anos, o ex-presidente Lula se tornou alvo de pelo menos 20 ações. Foto: Carla Carniel/Reuters

As recentes vitórias do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Justiça levaram o PT a usar politicamente as decisões e a divulgar que o petista foi “inocentado” em ações que não tiveram o mérito julgado. Segundo juristas ouvidos pelo Estadão, embora Lula possa ter se livrado da maioria dos processos, as decisões não atestam, necessariamente, que ele foi absolvido.

Nos últimos anos, após derrotas jurídicas que lhe custaram 580 dias de prisão, Lula respondeu a 20 ações. Em apenas três situações houve, de fato, a absolvição. Outros 16 casos foram interrompidos por questões processuais ou reviravoltas que levaram ao arquivamento das ações.  O ex-presidente ainda responde a uma ação criminal que apura tráfico de influência na compra de caças suecos, alvo da Operação Zelotes. Neste último, não houve julgamento.

Lula segue à frente de Bolsonaro e, no 2º turno, tem 56% contra 31%, mostra pesquisa

A defesa reafirma que Lula é inocente. "É o que decorre da Constituição da República ao dispor em seu art. 5º, LVII, como garantia fundamental, que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença condenatória.  Com efeito, se o ex-presidente não possui qualquer condenação criminal, muito menos transitada em julgado (sem a possibilidade de interposição de recursos), como sustentar que ele não é inocente?”, diz o advogado Cristiano Zanin Martins.

Em um caso recente que marcou as últimas derrotas da Operação Lava Jato, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), ordenou a suspensão de duas investigações contra Lula. O magistrado afirmou que os processos usavam como prova delações premiadas que já haviam sido invalidadas.

Com base neste e em outros casos semelhantes, o PT lançou uma peça publicitária intitulada “Memorial da Verdade”, na qual cita 19 ações em que Lula teria sido inocentado.  O texto lista processos em que o ex-presidente foi “inocentado” e três em que foi “absolvido”. A diferença entre os termos utilizados, segundo o professor de Direito Penal da FGV-Direito Rio Felipe Lima Almeida, se deve ao fato de as decisões da Justiça não tratarem, objetivamente, de inocentar réus e acusados. 

“A expressão ‘inocente’ não é técnico-jurídica. Inocentes todos nós somos até que se tenha uma sentença condenatória transitada em julgado, e realmente isso não existe em relação ao ex-presidente Lula”, afirmou o professor. “Agora, trancamento de ação penal, arquivamento de inquérito ou rejeição de denúncia, nessas situações nós não temos o enfrentamento do mérito, então não há sentença do Estado dizendo que não houve crime.”

Ou seja, diferentemente da inocência, a absolvição é um elemento jurídico registrado no Código de Processo Penal. Esse tipo de decisão reconhece que as acusações apresentadas contra uma das partes em determinado processo são improcedentes. A partir daí, o caso é encerrado e o réu deixa a posição de suspeito.

‘Discursos’. “Não podemos confundir um discurso político com um discurso jurídico. Aqui há um tom retórico, de persuasão. Há uma disputa política e de narrativa. Parece uma estratégia política, mas, do ponto de vista jurídico, todos são considerados inocentes até uma sentença penal condenatória”, afirmou a professora de Direito Penal da FGV-Direito de São Paulo Raquel Scalcon.

Os 19 casos em que a defesa do ex-presidente alega inocência nas redes sociais são dois trancamentos de investigações, quatro denúncias rejeitadas, quatro decisões anuladas – a partir do reconhecimento de suspeição do ex-juiz Sérgio Moro –, dois arquivamentos, uma prescrição (impossibilidade de punir por causa da idade) e um reconhecimento de legalidade nas palestras realizadas por Lula. A maioria foi por ausência de provas.

Quando uma denúncia é rejeitada, o juiz responsável pelo caso indica que a acusação não conseguiu reunir elementos mínimos para oferecer uma denúncia contra o réu e encerra o caso ainda na fase preliminar, antes mesmo que haja julgamento do mérito. Algo semelhante ocorre quando há trancamento de investigação – geralmente a pedido dos próprios investigadores do caso –, pois fica reconhecido que as provas reunidas não indicam crime, de modo que não é necessário prosseguir com as apurações. 

A divulgação das vitórias processuais de Lula coincide com o momento em que o petista aparece na frente em pesquisas de intenção de voto para as eleições de 2022. Na sexta-feira passada, a primeira pesquisa Datafolha depois das manifestações antidemocráticas de 7 de Setembro mostraram o ex-presidente com ampla vantagem em relação ao presidente Jair Bolsonaro em caso de disputa no segundo turno do ano que vem. Se a disputa fosse realizada hoje, o ex-presidente venceria o atual por 56% a 31%. 

Lava Jato. Em relação ao que veicula o PT, as alegações mais questionáveis quanto à inocência do ex-presidente envolvem os casos triplex do Guarujá, do sítio de Atibaia e sobre a compra de um terreno para o Instituto Lula, porque todas foram anuladas com base em decisões do Supremo que reconheceram a incompetência da 13.ª Vara Federal de Curitiba para julgá-lo e a parcialidade do ex-juiz Sérgio Moro ao proferir as sentenças contra Lula. 

Nessas situações, a validade das decisões foram desfeitas, mas dois dos casos ainda podem ser retomados, já que o Supremo apontou erros processuais, e não ausência de provas, como sugere a publicidade petista. À exceção do caso do sítio de Atibaia, cuja denúncia foi reapresentada e rejeitada pela Justiça do Distrito Federal, nos outros dois casos é possível que as ações sejam reiniciadas.

“Todos começam o ‘jogo’ do processo penal sendo inocentes. Se esse processo não termina de uma forma específica, com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, a pessoa continua, tecnicamente, sendo inocente”, disse o advogado criminalista Fernando Castelo Branco, professor de Processo Penal da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). 

Manter o status de “inocente”, no entanto, não é a mesma coisa que “ser inocentado” pela Justiça, como sustenta a defesa do ex-presidente, afirmou o professor. “É possível que estejam (a defesa de Lula) carregando nas tintas para estender esse caráter de análise de mérito (a situações em que ela não aconteceu)”, disse Castelo Branco. “Talvez a maioria dos casos não tenha tido essa análise de mérito. Mas o fato é que ele (Lula) não perdeu a condição de inocente, muito embora não tenha tido um julgamento de mérito (em muitos dos casos)”, observou o professor.

Presunção de inocência é regra, diz defesa

Em nota, a defesa do ex-presidente se disse "perplexa" com o teor desta reportagem pela mesma "tentar colocar em dúvida o status de inocente de Lula ao sustentar que nas 19 decisões judiciais favoráveis ao ex-presidente houve absolvição em apenas 3 casos”. Segundo Zanin, a única conclusão possível é que dos 19 procedimentos de natureza criminal instaurados contra Lula, apenas 3 deles reuniram condições jurídicas para ter o mérito analisado pelo Poder Judiciário. "E o ex-presidente foi absolvido em todos eles. Ou seja, quando o Estado-acusador conseguiu levar esses 3 casos a julgamento, o Estado-juiz reconheceu expressamente a inocência do ex-presidente em relação às imputações – razão pela qual ele foi absolvido."

Para Zanin, a "constatação adequada" é que de 19 tentativas de imputar crimes a Lula, o Estado-acusador conseguiu chegar até a fase de julgamento em 3 delas. Lula foi absolvido nos 3 casos. "Nos demais, o Estado-acusador não reuniu os elementos jurídicos mínimos. Lula manteve a presunção de inocência que lhe é assegurada pelo Texto Constitucional. Logo, Lula é inocente. Tal circunstância, aliás, não se aplica apenas aos processos e a seus desdobramentos. Como observou o ministro Celso de Mello, em voto proferido no julgamento do HC 93.993/SP, a presunção de inocência é uma regra de tratamento.

Confira a situação de cada um dos processos:

1. Triplex do Guarujá

O QUE DIZ A DEFESA:

Lula nunca foi dono. O apartamento no Guarujá, que pertencia à OAS, foi dado em garantia por um empréstimo na Caixa. Caso anulado pelo STF em duas decisões, restabelecendo a inocência de Lula.

O QUE FOI DECIDIDO:

O caso transitou em julgado em fevereiro de 2021 no Superior Tribunal de Justiça (STJ), com a condenação de Lula a 8 anos, 10 meses e 20 dias de prisão. Em março, porém, o ministro Luiz Edson Fachin (STF) entendeu que a 13ª Vara Federal de Curitiba, comandada na época por Sérgio Moro, não tinha competência para julgar o caso. A decisão foi ratificada em abril pelo Plenário do STF. O colegiado também decidiu, em junho, que Moro foi parcial ao julgar o caso, fazendo com que as provas e depoimentos autorizados por ele fossem invalidados. 

STATUS: Caso anulado

2. Sítio de Atibaia

O QUE DIZ A DEFESA

Lula nunca recebeu dinheiro da Odebrecht para pagar reformas no sítio, que também nunca foi dele. A transferência de R$ 700 mil da Odebrecht, alegada na denúncia, foi feita para um diretor da empresa, não para obras no sítio.

O QUE FOI DECIDIDO

Lula foi condenado pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região em maio de 2020 e, em fevereiro de 2021, o caso chegou ao STJ. Em março, Fachin decidiu que a 13ª Vara de Curitiba er incompetente para julgar o caso, que também foi atingido pelo julgamento da parcialidade de Moro, em junho. O caso foi reiniciado em Brasília mas, em 22 de agosto de 2021, a juíza Pollyanna Martins Alves alegou “falta de elementos comprobatórios” e rejeitou a denúncia. 

STATUS: Caso anulado

3 . Terreno Instituto Lula

O QUE DIZ A DEFESA

Instituto nunca recebeu doação de terreno, ao contrário do que diz a denúncia da Lava Jato, e sempre funcionou em sede própria. Caso anulado pelo STF em duas decisões, Lula inocentado.

O QUE FOI DECIDIDO

Assim como os casos do tríplex e do sítio, o caso do terreno do Instituto Lula foi enviado para a Justiça do DF por Fachin e depois atingido pela suspeição de Moro, levando à anulação das provas coletadas.  Semana passada, no entanto, o ministro Ricardo Lewandowski (STF) suspendeu seu andamento em decisão liminar (provisória).

STATUS: Caso suspenso

4. Doações para o Instituto Lula

O QUE DIZ A DEFESA

As doações de pessoas físicas e de mais de 40 empresas brasileiras e de outros países para o Instituto Lula, entre 2011 e 2015, foram todas legais, declaradas à Receita Federal, e jamais constituíram qualquer tipo de propina ou caixa 2. Caso anulado pelo STF. Lula inocentado.

O QUE FOI DECIDIDO

Assim como os casos do tríplex, do sítio e do terreno do Instituto Lula, o processo sobre as doações  foi enviado para a Justiça do DF após decisão do STF. Na semana passada, Lewandowski, do STF, determinou a suspensão do caso de forma liminar (provisória), assim como do processo sobre o terreno do Instituto Lula. 

STATUS: Caso suspenso

5. Quadrilhão do PT:

O QUE DIZ A DEFESA

A 12ª Vara da Justiça Federal de Brasília arquivou a denúncia em 2019 por verificar que o MPF fez a acusação sem ter apontado nenhum crime, ato ilegal ou de corrupção que tivesse sido praticado por Lula, pela ex-presidenta Dilma Rousseff, seus ex-ministros ou por dirigentes do PT acusados na ação. Caso encerrado, Lula absolvido.

O QUE FOI DECIDIDO

A Justiça Federal do Distrito Federal absolveu os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, os ex-ministros Antonio Palocci e Guido Mantega e o ex-tesoureiro do PT João Vaccari por entender que as provas eram insuficientes e que havia tentativa de “criminalizar a política”. O próprio Ministério Público Federal no DF, representado pela procuradora Márcia Brandão Zollinger, já tinha pedido o arquivamento do caso.

STATUS: Caso arquivado

6. Quadrilhão do PT II

O QUE DIZ A DEFESA

Segunda denúncia no mesmo sentido da anterior foi rejeitada pela 12ª Vara da Justiça Federal de Brasília. Caso encerrado e arquivado, Lula inocentado.

O QUE FOI DECIDIDO

A Justiça Federal de Brasília rejeitou a segunda denúncia contra os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff (PT) e os ex-ministros Antonio Palocci e Guido Mantega, que os acusava de integrarem uma organização criminosa, no chamado “quadrilhão do PT”. A denúncia é de novembro de 2020 e foi dada pelo mesmo juiz que absolveu Lula, Dilma e os ministros no caso original do “Quadrilhão”, Marcus Vinícius Reis Bastos. 

Status: Caso rejeitado

7. Caso Delcídio (obstrução de Justiça):

O QUE DIZ A DEFESA

A delação do ex-senador Delcídio do Amaral era falsa e foi reconhecida dessa forma pela 10ª Vara da Justiça Federal de Brasília, que absolveu Lula. Caso encerrado, Lula absolvido.

O QUE FOI DECIDIDO

O juiz substituto da 10.ª Vara Federal do DF, Ricardo Leite, absolveu o ex-presidente Lula e mais seis réus acusados de tentar obstruir as investigações da Lava Jato em julho de 2018. Lula era acusado de ter tentado comprar o silêncio do ex-diretor da área Internacional da Petrobras Nestor Cerveró.

Status: Caso rejeitado

8. Palestras do Lula

O QUE DIZ A DEFESA

Vídeos, gravações, fotografias e notícias sobre a realização de todas as 72 palestras de Lula, organizadas pela empresa LILS, entre 2011 e 2015, comprovam que elas foram feitas. A Polícia Federal, o Ministério Público (Força Tarefa) e a Justiça reconheceram esse fato. Caso encerrado, Lula inocentado.

O QUE FOI DECIDIDO

Em outubro de 2020, a juíza Gabriela Hardt, da 13ª Vara Federal de Curitiba, disse que não havia comprovação de que o dinheiro recebido por Lula das empreiteiras tinha origem ilícita -- conforme relatório da própria Polícia Federal.

Status: Caso arquivado

9. Medida Provisória 471 (Zelotes)

O QUE DIZ A DEFESA

Lula foi falsamente acusado de ter recebido contrapartida pela edição da MP 471, que prorrogava incentivos à indústria automobilística para gerar empregos nos Estados da região Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Depois de quatro anos, o mesmo procurador que apresentou a denúncia pediu a absolvição de Lula. O Juízo da 10ª. Vara Federal de Brasília absolveu Lula e até dispensou o pronunciamento final da defesa. Caso encerrado, Lula absolvido.

O QUE FOI DECIDIDO

O juiz Frederico Botelho de Barros Viana, da 10ª Vara Federal de Brasília, absolveu em junho deste ano o ex-presidente, o ex-ministro Gilberto Carvalho e mais quatro pessoas por suposta corrupção para aprovação da MP 471. Na decisão, o juiz destaca que ficou demonstrada a atuação do lobista Mauro Marcondes em benefício de montadoras, mas diz que não há provas dos repasses a Lula ou a Gilberto Carvalho.

Status: Caso arquivado

10. Lei de Segurança Nacional:

O QUE DIZ A DEFESA

Já na condição de ministro da Justiça, Sérgio Moro requisitou à Polícia Federal a abertura de inquérito contra Lula, com base na Lei de Segurança Nacional. Lula foi intimado e prestou depoimento à PF. O inquérito foi sumariamente arquivado pela 15ª Vara Federal Criminal de Brasília. Caso arquivado, Lula inocentado.

O QUE FOI DECIDIDO

A base da acusação foi uma declaração de Lula sugerindo que o presidente Jair Bolsonaro seria um “miliciano”. O juiz Francisco Codevila, da 15ª Vara Criminal Federal do DF, arquivou o inquérito em maio de 2020. Ele entendeu que a fala de Lula, a despeito de ser “profundamente desrespeitosa”, não caracterizava uma ameaça.

Status: Caso rejeitado

11. Filho do Lula (Touchdown):

O QUE DIZ A DEFESA

São falsas as acusações do MP contra Luiz Cláudio Lula da Silva, pela atuação de sua empresa de eventos esportivos Touchdown. A denúncia foi rejeitada pela 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo. Caso encerrado, Lula inocentado.

O QUE FOI DECIDIDO

O juiz Diego Paes Moreira, da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo, arquivou em dezembro de 2020 a investigação aberta contra o ex-presidente Lula (PT) e seu filho, Luís Cláudio, a partir de delações da Odebrecht. Na decisão, o juiz concordou com a avaliação feita pelo MPF: como Lula não tinha mais cargo público à época em que teria pedido dinheiro aos executivos da Odebrecht para a empresa do filho, era impossível falar em tráfico de influência.  

Status: Caso arquivado

12. Irmão do Lula:

O QUE DIZ A DEFESA

A defesa demonstrou que não havia ilegalidade, fraude ou favorecimento nos serviços que Frei Chico, um dos irmãos de Lula, prestou à Odebrecht em negociações sindicais desde antes do presidente ser eleito. A 7ª Vara Federal Criminal de São Paulo rejeitou a denúncia. Caso encerrado, Lula inocentado.

O QUE FOI DECIDIDO

O juiz Ali Mazloum, da 7ª Vara Federal Criminal em São Paulo, rejeitou em setembro de 2019 a denúncia apresentada pelo MPF contra o ex-presidente Lula e seu irmão, José Ferreira da Silva, o Frei Chico. Os dois eram acusados de corrupção passiva pelo recebimento de supostas ‘mesadas’ da construtora Odebrecht que somariam mais de R$ 1 milhão. 

Status: Caso rejeitado

13. Sobrinho do Lula

O QUE DIZ A DEFESA

Não houve irregularidade, ilegalidade nem favorecimento na subcontratação de uma empresa de um sobrinho do ex-presidente para uma obra da Odebrecht em Angola e Lula não recebeu qualquer valor decorrente dessa relação contratual. O Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região trancou o caso porque a denúncia era inepta (sem condições mínimas para ser processada). Caso encerrado e arquivado, Lula inocentado.

O QUE FOI DECIDIDO

A Quarta Turma do TRF-1 trancou em setembro de 2020 uma das ações penais que acusavam o ex-presidente de corrupção e lavagem de dinheiro em um suposto esquema de propinas da Odebrecht em troca de influência sobre contratos do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) voltados para financiamento de obras em Angola.

Status: Caso encerrado

14. Ocupação do Triplex:

O QUE DIZ A DEFESA

A 6ª Vara Federal Criminal de Santos rejeitou a denúncia do Ministério Público referente ao protesto que integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) fizeram contra a condenação injusta de Lula no tríplex do Guarujá, em abril de 2018. Caso encerrado, Lula inocentado.

O QUE FOI DECIDIDO

Após rejeição da denúncia pela Vara Federal Criminal de Santos,  a Primeira Turma Recursal do Juizado Especial Federal da 3ª Região reconheceu que as acusações prescreveram, ou seja, o prazo para possível punição se esgotou. O caso foi rejeitado por unanimidade.

Status: Caso rejeitado

15. Carta Capital:

O QUE DIZ A DEFESA

A Lava Jato tentou caracterizar como ilegais contratos de patrocínio da Odebrecht com a revista Carta Capital. A própria Polícia Federal pediu o arquivamento. Caso encerrado, Lula inocentado

O QUE FOI DECIDIDO

Em setembro de 2020, a 10ª Vara Criminal Federal de São Paulo arquivou o caso atendendo ao pedido da Polícia Federal.

Status: Caso arquivado

16. Guiné Equatorial:

O QUE DIZ A DEFESA

A defesa provou que não havia qualquer fundamento na denúncia que tentava associar doação de uma empresa ao Instituto Lula a contratos com o governo da Guiné Equatorial. Em agosto de 2021, a 5ª Turma do Tribunal Federal da Terceira Região (São Paulo) trancou (encerrou) a ação. Caso julgado, Lula inocentado.

O QUE FOI DECIDIDO

A 5ª Turma do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região  ordenou o trancamento da ação penal. Segundo a acusação, o Instituto Lula teria recebido R$ 1 milhão para intermediar conversas entre o governo da Guiné Equatorial e o grupo brasileiro ARG. O caso foi trancado porque as investigações se originaram em e-mails apreendidos no Instituto Lula em 2016, por ordem de Sérgio Moro. Uma vez que o juiz foi declarado parcial pelo STF, as provas se tornaram inválidas.

Status: Caso encerrado

17. Tentativa de reabrir o caso Sítio de Atibaia:

O QUE DIZ A DEFESA

A defesa provou que não é possível reabrir a ação penal contra Lula pelas reformas no sítio de Atibaia como queria o procurador da República Frederico Paiva. Decisão mantida, Lula inocentado.

O QUE FOI DECIDIDO

A Justiça Federal de Brasília rejeitou a denúncia reapresentada pelo MPF contra o ex-presidente Lula no caso do sítio de Atibaia. A juíza Pollyanna Kelly Maciel Martins Alves, da 12ª Vara Federal Criminal do DF, decidiu com base na tese fixada pelo do Supremo Tribunal Federal (STF)  que o Moro era suspeito ao julgar Lula.

Status: Caso rejeitado

18. Odebrecht/BNDES

O QUE DIZ A DEFESA

A 10ª. Vara Federal de Brasília acolheu o pedido da defesa em favor de Lula para determinar o trancamento da ação que trata da linha de crédito do BNDES obtida pela Odebrecht para a exportação de bens e serviços para Angola. Com isso, a ação foi encerrada.

O QUE FOI DECIDIDO

O juiz federal Frederico Botelho de Barros Viana, da 10ª Vara da Justiça Federal do DF, trancou a ação penal em que Lula era acusado de corrupção. Viana entendeu que parte das provas do caso, obtidas em apurações determinadas por Moro, estava prejudicada por decisões do STF.

Status: Caso encerrado

19. Tráfico de influência  OAS Costa Rica

O QUE DIZ A DEFESA

Decisão proferida pela juíza federal Maria Carolina Akel Ayoub, da 9ª Vara Federal de São Paulo, acolheu pedido da defesa do ex-presidente  para determinar o trancamento da ação.

O QUE FOI DECIDIDO

A juíza Maria Carolina Akel Ayoub determinou o trancamento do inquérito contra o ex-presidente por suposto tráfico de influência internacional para favorecer a empreiteira OAS na Costa Rica. O caso começou com a delação do ex-presidente da empreiteira, Léo Pinheiro, que disse ter “contratado” Lula para influenciar autoridades do país da América Central. Mais tarde, porém, o próprio empreiteiro voltou atrás e negou ter pago vantagem indevida. 

Status: Caso encerrado

Weslley Galzo para O Estado de S.Paulo, em 21 de setembro de 2021