domingo, 26 de setembro de 2021

Com gasolina cara, brasileiros se arriscam com gás de cozinha em carro

Os brasileiros viram voltar em 2021 o que não queriam que voltasse, como a fome, a inflação, o fogareiro a lenha e o sequestro relâmpago. Agora, mais um item pode ser acrescentado a essa lista: a conversão clandestina de veículos para GLP (gás liquefeito de petróleo), mais conhecido como gás de cozinha ou gás de botijão.

Explosão provocada por conversão clandestina de veículo para GLP em Natal, no Rio Grande do Norte (12/07/2020)

Na plataforma de comércio eletrônico Mercado Livre, o kit para conversão de automóveis para GLP é vendido por valores que variam de cerca de R$ 500 a R$ 1 mil, com a promessa do vendedor de uma economia de "30% na cidade e 50% na estrada".

A economia prometida não é verdadeira, segundo cálculo feito por professor de finanças da FGV (Fundação Getulio Vargas) e da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) a pedido da BBC News Brasil. E a prática ilegal expõe motorista e passageiros a risco elevado de explosão.

Na Câmara dos Deputados, um projeto de lei (PL 4217/19) que autoriza o uso do gás de cozinha em motores diversos, incluindo o de veículos, foi aprovado na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) em agosto e está pronto para ir à votação em Plenário.

O projeto divide opiniões no setor de gás. Representantes do segmento de GNV (gás natural veicular) — combustível que é diferente do GLP e pode ser usado em automóveis legalmente — são contrários à aprovação. Eles argumentam que ela pode estimular a conversão clandestina e, com o aumento de demanda, encarecer o gás de cozinha para as famílias, já que entre 27% e 30% do GLP consumido no Brasil é atualmente importado.

Em agosto, o preço médio do botijão de gás de 13 kg estava em R$ 93, segundo a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), mas já superava os R$ 100 em diversos Estados brasileiros, como Mato Grosso (R$ 114), Rondônia (R$ 111), Amapá (R$ 109), Roraima (R$ 109) e Pará (R$ 102).

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Os representante dos distribuidores de GLP, por sua vez, acusam o setor de GNV de querer manter reserva de mercado e defendem a liberdade de escolha dos consumidores, lembrando que o combustível é utilizado em automóveis na Europa.

Procurado, o Mercado Livre disse que a venda de kits de GLP na plataforma é proibida e que, assim que identificados, os anúncios com esse teor são derrubados e o vendedor, notificado. Após a resposta da empresa à BBC News Brasil, diversos anúncios foram apagados.

Kit para conversão clandestina de automóvel para GLP à venda no Mercado Livre

'Serve para carro Uno, ano 92, carburado?'

O anúncio diz que é de "Kit Gás GLP Botijão P13 para Empilhadeiras Barcos Geradores", mas as dúvidas dos compradores e respostas do vendedor não deixam dúvidas: o principal uso pretendido por quem compra um desses kits é a conversão clandestina de automóveis.

"Bom dia, serve [para] carro uno ano 92 carburado?", pergunta um comprador. "Olá, serve sim", recebe de resposta.

"Kit para Saveiro injetada", pede outro cliente. "Qual ano e motor? Monoponto ou 4 bicos? Especifique", responde o vendedor.

"Boa tarde. Esse kit consigo instalar em um Chevette 1.6 a gasolina? Desde já agradeço", questiona um terceiro. "Consegue sim", é a resposta.

Para quem pergunta a economia obtida com a conversão, a resposta é sempre a mesma: "Economia em R$ [reais], 30% cidade e 50% estrada, essa é a média", promete o vendedor.

Além do kit supostamente para empilhadeiras — único veículo no qual o uso de GLP é autorizado —, muitos outros anúncios trazem explicitamente o modelo de veículo a que o produto se destina: "Kit Gás GLP Botijão P13 Vectra Ano 98 Motor 2.2 8v", "Kit Gás GLP Botijão P13 Doblo 1.3 16v 2005 Gasolina", "Kit Gás GLP Botijão P13 Meriva 1.4 Flex", eram alguns dos exemplos disponíveis na quinta-feira (23/9).

Inflação e proibição

A busca por economia no combustível é justificada: segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a gasolina acumula alta de 31% no ano, até agosto, e de 39% em 12 meses. Já o etanol subiu 41% entre janeiro e agosto e 62% no acumulado de 12 meses.

No entanto, a conversão para GLP é ilegal. A Lei 8.176 de 1991 define como crime contra a ordem econômica o uso do "gás liquefeito de petróleo em motores de qualquer espécie, saunas, caldeiras e aquecimento de piscinas, ou para fins automotivos".

A resolução 673 do Contran (Conselho Nacional de Trânsito) diz que utilizar gás de cozinha em automóveis é uma infração grave. O motorista flagrado perde cinco pontos na carteira, pode ser multado em R$ 195,23 e ter o veículo apreendido.

A infração também está descrita no artigo 230 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e em normativa da ANP (Resolução ANP nº 49 de 2016).

A conversão clandestina de veículos para GLP era uma prática comum no Brasil dos anos 1980, particularmente nas periferias, mesmo sendo proibida pelo Contran desde 1986. Já a definição do uso como "crime contra a ordem econômica" aconteceu em 1991, em meio à Guerra do Golfo, uma das principais regiões produtoras de petróleo do mundo — o GLP é um derivado do óleo.

Mesmo após a proibição, a prática continuou nos anos 1990. Uma reportagem da Folha de S. Paulo de 1998, por exemplo, relatava que cerca de 25 mil veículos rodavam movidos a gás de cozinha na região de Irecê, no interior da Bahia.

"Os proprietários dos veículos argumentam que o gás de cozinha é mais econômico. Com um botijão de gás (13 kg), o proprietário de um veículo pode rodar até 170 km", dizia a reportagem. "O botijão de gás custa R$ 9 nos postos de Irecê."

Botijão de gás a R$ 9. Realmente, eram outros tempos.

Conversão clandestina de veículos para GLP era prática comum no Brasil dos anos 1980, particularmente nas periferias, mesmo sendo proibida pelo Contran desde 1986 (Ag. Brasil)

Economia de 30%? Longe disso!

E atualmente, compensa fazer a conversão clandestina com o botijão acima dos R$ 90?

O professor Fabio Gallo Garcia, da FGV e da PUC-SP, é taxativo: não compensa, nem do ponto de vista econômico, nem no da segurança de motoristas e passageiros.

A pedido da BBC News Brasil, o especialista em finanças estimou o custo por quilômetro rodado dos diversos tipos de combustíveis, considerando um preço médio de R$ 6,076 por litro para a gasolina, R$ 4,704 por litro para o etanol, R$ 4,146 por metro cúbico para o GNV e R$ 16,12 por metro cúbico para o GLP (equivalente a R$ 98,33 por botijão de 13 kg).

Pelas contas do professor, considerando apenas o preço dos combustíveis, o GNV — que é usado legalmente nos veículos — gera uma economia por quilômetro rodado de 51% em relação à gasolina e de 56% em relação ao etanol. Já no GLP — de uso clandestino —, a economia é de apenas 4,4% em relação à gasolina e 13,5% na comparação com o etanol.

Ou seja: nem de longe a economia chega nos 30% ou 50% prometidos pelo vendedor de kits do Mercado Livre.


Tabela mostra diferença de gastos entre diferentes combustíveis

Como a economia por quilômetro rodado é menor, o tempo de retorno do investimento na conversão também é pior para o GLP, em relação ao GNV, estima Gallo Garcia.

Considerando o desconto dado por muitos Estados no IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores) e a economia por quilômetro rodado, um veículo convertido da gasolina para o GNV recupera o investimento de cerca de R$ 5 mil na conversão em pouco mais de 12 meses, se rodar 1.000 km por mês.

Já para o GLP, considerando um kit de conversão de R$ 1 mil, levaria 38 meses para o investimento se pagar, rodando 1.000 km por mês.

"Isso confirma que a economia propalada não é verdadeira. Além de todo risco", conclui o professor.

GLP Vs. GNV

Por ser uma prática ilegal, não há dados de quantos veículos rodam a GLP atualmente no país.

Já os veículos a GNV são hoje 2 milhões, segundo a Abegás (Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado), menos de 5% da frota de cerca de 46,2 milhões de automóveis em circulação no Brasil, pela estimativa do Sindipeças (Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores).

Gustavo Galiazzi, gerente técnico da Abegás, explica que o GLP (gás de botijão) é uma mistura de dois gases, propano e butano, a proporção de mais ou menos 50/50. Ele é obtido através do refino do petróleo.

O GNV (gás natural veicular), por sua vez, é composto em quase 90% de metano e é extraído diretamente de reservatórios no subsolo.

Do ponto de vista físico, o GLP tem mais moléculas de carbono e o gás natural, menos. Na prática, isso significa que o GLP pode ser pressurizado no botijão e ele vira líquido. Já o gás natural só tem uma molécula de carbono. Como ele é muito leve, não pode ser facilmente liquefeito, por isso é sempre comercializado encanado.

"Como o GNV é mais leve do que o ar, em caso de vazamento, ele se dissipa com facilidade. Já o GLP é mais pesado do que o ar, então quando vaza, ele fica no fundo da mala do carro", diz Galiazzi, lembrando ainda que a temperatura de autoignição do GNV é bastante superior à do GLP, o que também torna o gás natural mais seguro do que o de botijão para uso automotivo.

Táxi sendo abastecido com GLP em Manila, capital das Filipinas (Getty Images)

Sergio Bandeira de Mello, presidente do Sindigás (Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Gás Liquefeito de Petróleo), concorda que a conversão clandestina é perigosa, mas afirma que o uso legalizado e com as devidas certificações do GLP automotivo é seguro, como atesta o crescimento desse mercado na Europa.

"O maior desenvolvimento de utilização de GLP no mundo é o que se chama de Autogas, que é o GLP automotivo", argumenta Mello. "Tecnicamente, em termos de segurança, o GLP é um combustível espetacular para motores."

Segundo dados da Acea (sigla em inglês para a Associação Europeia de Fabricantes de Automóveis), o registro de novos veículos movidos a GLP cresceu 134% na União Europeia no segundo trimestre de 2021, em relação a igual período do ano passado, para 59,4 mil unidades. Já o registro de novos veículos a GNV cresceu 42% no período, para 13,5 mil.

Ambos os mercados, no entanto, são bastante pequenos se comparados, por exemplo, ao de veículos elétricos, que somou mais de 400 mil novas unidades na Europa no período.

Projeto de lei na Câmara

Um projeto de lei na Câmara tenta tirar o uso do GLP em motores do âmbito da gambiarra para a legalidade.

O deputado federal Felício Laterça, ex-delegado de polícia e atualmente no PSL-RJ, diz que a ideia veio de um amigo seu, também policial.

"A motivação foi minha experiência policial. Não raro, nós vemos certas situações que são criminalizadas para se resolver um problema que não é criminal", diz Laterça.

"Um colega policial civil me apresentou esse problema e eu falei: é agora. Porque, por uma questão de política econômica, vedaram o uso do gás para caldeiras e motores, o que é uma situação completamente esdrúxula e anômala", avalia.

Em sua justificativa para o projeto, o deputado argumenta que a lei que define o uso do GLP em motores como crime contra a ordem econômica "foi elaborada [em] um contexto que reclamava medidas de contenção do consumo de derivados do petróleo".

"Passados quase 30 anos, o cenário atual contraria o cenário econômico daquela época, registrando aumento substancial da produção interna de petróleo e considerável independência do GLP importado", escreve o ex-delegado.

Questionado se não há um equívoco na argumento, posto que o Brasil ainda importa entre 27% e 30% do GLP que consome, Laterça diz que a produção de gás no país está crescendo e que eventualmente chegaremos à autonomia.

No entanto, o que tem crescido no Brasil é a produção de gás natural (GNV), enquanto a produção de GLP é limitada pela capacidade nacional de refino de petróleo — mesmo motivo pelo qual o país ainda importa outros combustíveis, apesar de ser autossuficiente em óleo cru.

O Sindigás apoia o projeto de lei, mas lembra que, mesmo que ele seja aprovado, o uso do GLP em veículos ainda seria proibido, devido às normativas do Contran e da ANP.

"Se alguém está comprando kit para adaptação para GLP, significa que ele é competitivo. Não seria a hora de ser permitido que o GLP seja usado para qualquer fim e o consumidor faça — com normas — a escolha pelo combustível que ele queira?", questiona Mello.

A Abegás, por sua vez, é contrária à mudança, segundo Galiazzi. "Esse projeto não faz sentido. Para liberar para veículos, vamos ter que aumentar as importações — são divisas que vamos ter que alocar para fora do país. Quem vai acabar pagando a conta são as famílias de baixa renda."

Thais Carrança - @tcarran, de S. Paulo para a BBC News Brasil, em 25 setembro 2021

sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Sarney: A Revolução de 30, a Carta de 1934, o Estado Novo, a Constituição de 46, o golpe de 1964 passaram por crises sucessivas

A Fundação Ulysses Guimarães, do MDB, promoveu um Seminário, não fulanizado, como dizia Marco Maciel, da maior importância para discutir a crise brasileira, suas raízes históricas e soluções futuras. Foi muito útil, e a presidência do Nelson Jobim, um dos mais preparados homens públicos do Brasil, deu o tom ao debate. 

Duas constatações foram unânimes: que vivemos sempre em crise e que estas sempre encontraram uma solução pacífica, característica do país.

Nunca vivemos a paz e a tranquilidade que gostaríamos de ter tido. Na Colônia os jesuítas foram várias vezes expulsos por defender a liberdade dos índios. A vida era, no testemunho fundamental de Antonil, um desastre de egoísmo. As revoltas se sucederam até chegarmos à de um homem que queria apenas servir, o Alferes, cuja confiança era no Brasil e não em Portugal.

No Brasil Reino se tentou logo a república, e as punições foram drásticas. Depois o príncipe-herói-pai-da-pátria-constitucional revelou-se um autocrata e, com seu filho, inventa um parlamentarismo disfuncional em que o príncipe-sábio-republicano derruba os governos com crises artificiais. E nada das duas questões essenciais do século XIX: o fim da escravidão pela educação e pela reforma agrária e o estabelecimento de uma federação.

A Constituição outorgada em 1824 foi rasgada por um grande soldado, fiel ao Imperador, mas possuído por um acesso de ciúme político. Sim, o povo assistiu bestializado à chegada da República, na frase de Aristides Lobo, e mais bestializados ficaram os políticos, pois, criada por um golpe de Estado, ela tinha esse defeito de nascença, o de não o ser pela vontade geral da nação.

A Revolução de 30, a Carta de 1934, o Estado Novo, a Constituição de 46, o golpe de 1964 passaram por crises sucessivas. Coube-me, por força do destino, comandar a Transição Democrática. Convoquei e garanti a Constituinte e fui o primeiro a jurar a Constituição de 1988. É a melhor que tivemos. Avisei, no entanto, sobre o risco da ingovernabilidade.

Montou-se, sob a sempre meritória repulsa à corrupção, uma guerra de destruição da política. A grande atingida foi a confiança nas instituições. O Legislativo, o Executivo e o próprio Judiciário tiveram seu prestígio esfacelado. O resultado foi a gravíssima crise econômica, sem saída à vista, pois qualquer caminho passa pela confiança destruída. Mas não deve ser esquecida a insegurança expressa em números — de assassinatos que superam os das maiores guerras contemporâneas e de presos por medidas cautelares; a educação, a ciência e a saúde destruídas; o desemprego e mais de 50 milhões de trabalhadores desamparados.

Todos esses problemas foram levantados, e a tônica maior foi a defesa da Democracia e nossa defesa extrema do Estado de Direito e do respeito à Constituição, que protege todos os direitos. E o Seminário continua com a discussão dos problemas com o objetivo de apresentar soluções e defendê-las.

Em resumo, agora continuamos nosso calvário de lidar com crises. Mas as Instituições estão consolidadas e atravessaremos, como sempre o fizemos, as nossas crises, agora o excesso delas, da política, dos partidos, da pandemia, da energia, das secas, das queimadas, da economia, da inflação e da autoestima.

O Brasil, vivendo sempre com crises em nossa História.

José Sarney, o autor deste artigo, foi Governador do Maranhão e Presidente da República. Publicado originalmente n'O Estadi do Maranhão, em 19.09.21.

CPI avalia que caso Prevent pode chegar ao governo e traz gabinete paralelo de volta ao foco

Os senadores do grupo majoritário da CPI da Covid já trabalham internamente com a possibilidade de adiar por mais tempo a conclusão das atividades da comissão, em previsões que variam do meio ao fim de outubro. O principal motivo é a evolução da apuração envolvendo a operadora Prevent Senio

Integrantes da CPI dizem acreditar que merece atenção a possível relação da Prevent com o governo Jair Bolsonaro, principalmente pela suspeita de o Ministério da Saúde ter usado um protocolo da operadora para incentivar a utilização do chamado "kit Covid", com remédios ineficazes contra a doença.

Também afirmam que os novos fatos trazem mais uma vez para o foco a atuação do gabinete paralelo da pasta, grupo de médicos que assessorava informalmente o presidente da República a favor de tratamentos sem eficácia contra a Covid-19

O ponto de ligação entre a Prevent e o gabinete paralelo estaria principalmente nos médicos Nise Yamaguchi e Paolo Zanotto.

Nesta quinta-feira (23), foram aprovados requerimentos para a convocação da advogada Bruna Morato, representante dos médicos da Prevent que realizaram denúncias contra a empresa, e do empresário bolsonarista Luciano Hang, cuja mãe, Regina Hang, morreu após ser vítima da Covid --o prontuário dela feito em unidade da operadora omitiu a menção à doença.

Bruna e Hang irão depor, respectivamente, na terça (28) e na quarta-feira (29) da semana que vem.

A convocação de Hang não foi consenso nos bastidores do grupo majoritário da CPI. Alguns parlamentares avaliam que o empresário tem pouco a acrescentar na apuração e que a sessão pode virar só um palco para que ele defenda o que chama de tratamento precoce.

Por outro lado, há a percepção de que os depoimentos da próxima semana voltarão a colocar em evidência o gabinete paralelo, estrutura de aconselhamento para temas da pandemia do presidente Jair Bolsonaro, fora da estrutura do Ministério da Saúde.

Para o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da comissão, os depoimentos serão decisivos para entender a participação do grupo e da relação da Prevent com o governo Bolsonaro.

Senadores governistas minimizam os achados da comissão na reta final dos trabalhos e dizem que os fatos sobre a Prevent estariam requentados, por isso não atingiriam mais o presidente.

Em sessão da CPI, os senadores transmitiram um vídeo em que o médico Paolo Zanotto, apontado como um elo entre a Prevent e o gabinete paralelo, afirma estar desenvolvendo um protocolo para a operadora de saúde, baseado nos medicamentos sem eficácia comprovada.

"Eu não sei qual protocolo que ele redigiu", disse Pedro Batista Júnior, diretor-executivo da Prevent Senior, durante depoimento à CPI, sendo questionado posteriormente que ele estava na mesma transmissão e não rebateu a informação de Zanotto.

Segundo um dossiê dos médicos da Prevent, após as declarações do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta criticando as subnotificações e o atendimento da empresa aos idosos, a diretoria da operadora, em especial o diretor-executivo, fez um pacto com o gabinete paralelo para livrar a empresa das críticas.

O gabinete paralelo funcionaria da seguinte forma, segundo a avaliação do grupo majoritário da CPI: influenciadores como Nise Yamaguchi e Paolo Zanotto disseminavam o chamado tratamento precoce junto com o governo Bolsonaro, enquanto a Prevent Senior seria a instituição médica que validaria por estudos a eficiência do tratamento.

Outra possível conexão da Prevent com o gabinete paralelo é o empresário Carlos Wizard. Durante a sessão da CPI na quarta-feira, Batista Júnior foi questionado se fazia parte de um grupo de WhatsApp criado por Wizard, no qual se discutiriam formas de enfrentamento da pandemia. O diretor-executivo confirmou a existência do grupo e que foi adicionado, mas afirmou em seguida que se retirou rapidamente.

O relator Renan Calheiros (MDB-AL) já avalia sugerir o indiciamento do diretor-executivo da Prevent em seu relatório final sob a acusação de fraude documental. Um dos motivos seria a suposta omissão da Covid no prontuário do óbito do médico negacionista Anthony Wong, que também é apontado como integrante do gabinete paralelo e defensor do "kit Covid".

O objetivo da alteração seria não admitir que o pediatra e toxicologista morreu aos 73 anos, no dia 15 de janeiro deste ano, em consequência da doença.

Inicialmente, havia a expectativa de que as atividades da CPI poderiam ser encerradas ainda na semana que vem. Renan Calheiros vinha dizendo que estava pronto para apresentar o seu texto final nesta quinta-feira (23), deixando a votação e uma possível cerimônia de encerramento na próxima.

Agora, ele não crava mais uma data para o encerramento dos trabalhos. À reportagem ele afirmou que vai esperar até o último depoimento da CPI, sem dizer qual, e que a comissão deve chegar a um consenso quanto à data.

Publicamente, a maior parte dos membros da comissão defende o encerramento o mais rapidamente possível, defendendo que a CPI já cumpriu o seu papel.

No entanto, há a avaliação de que o caso Prevent Senior surgiu com grande impacto. Embora venha sendo falado internamente na comissão pelo senador Humberto Costa (PT-PE), que sempre defendeu a investigação da operadora, foi a divulgação de um dossiê na semana passada que mudou o rumo das investigações.

Um grupo de 15 médicos enviou à comissão o documento no qual denunciam que a Prevent usava seus hospitais como laboratórios para estudos com a hidroxicloroquina e outros medicamentos do chamado "Kit Covid".

Mensagens obtidas pela comissão indicam a entrada em vigor nos hospitais de um "novo protocolo", que deve priorizar aqueles medicamentos sem eficácia comprovada para o tratamento da Covid-19. Os profissionais também são alertados a não avisarem pacientes e familiares. A operadora também teria omitido sete mortes nesses estudos, segundo a denúncia.

Em depoimento à CPI da Covid, o diretor-executivo da Prevent negou as acusações do dossiê. Afirmou que não se tratava de "estudos" e sim de uma simples "observação". Acusou dois ex-médicos de acessarem e alterarem as planilhas para prejudicarem a empresa.


Por outro lado, na denúncia mais grave na percepção dos senadores, Batista Júnior reconheceu que um protocolo da Prevent orientava a reclassificação do chamado CID, o código de diagnóstico da doença, para excluir dos prontuários a Covid-19, passando a considerar que os pacientes, depois de determinado tempo de internação, estavam com outros problemas de saúde.

O diretor-executivo da Prevent disse na CPI que o Ministério da Saúde usou um protocolo elaborado pela operadora, mas sem que houvesse um acordo entre as partes. Integrantes da comissão avaliam que essa informação, se aprofundada, pode chegar a atores importantes da pasta e do Palácio do Planalto.

"Eles simplesmente utilizaram um documento interno da Prevent, um documento que é utilizado para orientação médica, para incorporar à normativa do Ministério da Saúde, sem nenhuma anuência ou, então, participação nossa", afirmou Batista Júnior no depoimento.

Por isso os membros da CPI vão investir no depoimento da advogada Bruna Morato na próxima semana, mas não descartam depois ouvir os próprios médicos --seja em sessão aberta ou mesmo fechada. Alguns já calculam que a CPI terá sua conclusão já perto do fim de outubro, perto da data regimental --5 de novembro. Além dos novos fatos, há o risco de que a semana do feriado de 12 de outubro seja perdida.

Outros, como afirmou Randolfe Rodrigues, dizem que vão dar o máximo para que ela seja encerrada na metade de outubro.

Além do caso Prevent, há uma divisão no grupo majoritário sobre um novo depoimento do ministro Marcelo Queiroga.

Na quarta-feira, Renan disse que a CPI "não pode encerrar seus trabalhos sem ouvir novamente o ministro". No entanto, em viagem a Nova York para acompanhar o presidente Jair Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU, o ministro foi infectado pelo novo coronavírus e vai permanecer duas semanas em isolamento nos Estados Unidos.

A maior parte dos membros defende esperar o depoimento do ministro. Alguns, como o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), tem dito que a comissão não deve aguardar essa nova oitiva para encerrar os trabalhos da comissão.

Renato Machado, Constança Rezende e Julia Chaib para a Folha de São Paulo online, em24.09.21

terça-feira, 21 de setembro de 2021

O Brasil da realidade paralela

Na ONU, Bolsonaro cria realidade paralela e confronta o mundo por não tomar vacina, ser contra isolamento e pregar o 'tratamento precoce'

O presidente Jair Bolsonaro usou a abertura da Assembleia-Geral da ONU para se gabar de vitórias dos governos passados, transformar erros da sua gestão em méritos e confrontar todo o mundo civilizado, ao discursar sem tomar vacina, fazer apologia do “tratamento precoce” contra a covid-19 e condenar o isolamento social. 

Só faltou Bolsonaro se referir diretamente à “imunidade de rebanho” e atacar também as máscaras, mas não chegou a tanto. Sem vacina e depois de comer pizza na calçada em Nova York, falar em deixar todo mundo morrer e aparecer sem máscara seria demais, mesmo para padrões bolsonaristas.

Segundo o presidente do Brasil, massacrando a realidade e contrariando o consenso internacional, “a história e a ciência” vão responsabilizar quem batalhou pelas vacinas e pelo isolamento social e rejeitou a cloroquina e a ivermectina (que foram condenadas pela Organização Mundial da Saúde e por todas as agências sanitárias mundo afora). Na verdade, ocorrerá o oposto: a história e a ciência condenarão quem trabalhou a favor do coronavírus e de tratamentos inadequados, como ele.

Convicto em sua realidade paralela, Bolsonaro voltou a insistir na ONU que seu governo tirou o Brasil do rumo do comunismo — o que é não só ficção, mas uma fraude histórica —, e fez a descrição de um país onde tudo está uma maravilha: queda do desmatamento, comunidades indígenas livres e felizes, recuperação de credibilidade externa, economia de vento em popa, empregos brotando, vacinas para todos.

Quem acha que não é bem assim, levante o dedo! Mas, por favor, não como o dr. Marcelo Queiroga, ministro da Saúde, para manifestantes anti-Bolsonaro na Big Apple.

Além de criticar diretamente o “passaporte vacinal” exigido por todos os países responsáveis, inclusive o anfitrião, Bolsonaro convidou a todos a visitarem “a nossa Amazônia”, que, apesar de ele negar e esconder, vem sendo queimada e desmatada como poucas vezes se viu. Os fundos internacionais já até ameaçaram retaliar o Brasil e os próprios EUA já denunciaram a exportação criminosa de madeira de lei brasileira.

Atenção: praticamente todas as vitórias reais do Brasil citadas no discurso não são fruto do governo Bolsonaro, mas dos vários governos que o antecederam, como a legislação ambiental, considerada das melhores do mundo, a extraordinária geração de energia limpa, também invejável, e a posição brasileira entre os principais fornecedores de alimentos do planeta.

Como fecho de ouro, o presidente brasileiro destacou a “liberdade de culto e de expressão” no Brasil e defendeu “a família tradicional” como base civilizatória. Ou seja: Bolsonaro virou as costas ao mundo no combate à pandemia, na preservação do meio ambiente e até no enorme esforço internacional pela inclusão e pelo respeito à orientação sexual e aos direitos LGBT+. Logo, falou exclusivamente para o cercadinho do Alvorada.

Eliane Cantanhêde, a autora deste artigo, é Jornalista. Publicado originalmente n' O Estado de S.Paulo edição online, em 21 de setembro de 2021 às 12h46.

 

PT divulga que Lula foi inocentado em ações não julgadas

Ex-presidente obteve vitórias recentes na Justiça, mas houve absolvição em apenas três casos; partido fala em 19 processos e defesa diz que ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado das sentença

Nos últimos anos, o ex-presidente Lula se tornou alvo de pelo menos 20 ações. Foto: Carla Carniel/Reuters

As recentes vitórias do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Justiça levaram o PT a usar politicamente as decisões e a divulgar que o petista foi “inocentado” em ações que não tiveram o mérito julgado. Segundo juristas ouvidos pelo Estadão, embora Lula possa ter se livrado da maioria dos processos, as decisões não atestam, necessariamente, que ele foi absolvido.

Nos últimos anos, após derrotas jurídicas que lhe custaram 580 dias de prisão, Lula respondeu a 20 ações. Em apenas três situações houve, de fato, a absolvição. Outros 16 casos foram interrompidos por questões processuais ou reviravoltas que levaram ao arquivamento das ações.  O ex-presidente ainda responde a uma ação criminal que apura tráfico de influência na compra de caças suecos, alvo da Operação Zelotes. Neste último, não houve julgamento.

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A defesa reafirma que Lula é inocente. "É o que decorre da Constituição da República ao dispor em seu art. 5º, LVII, como garantia fundamental, que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença condenatória.  Com efeito, se o ex-presidente não possui qualquer condenação criminal, muito menos transitada em julgado (sem a possibilidade de interposição de recursos), como sustentar que ele não é inocente?”, diz o advogado Cristiano Zanin Martins.

Em um caso recente que marcou as últimas derrotas da Operação Lava Jato, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), ordenou a suspensão de duas investigações contra Lula. O magistrado afirmou que os processos usavam como prova delações premiadas que já haviam sido invalidadas.

Com base neste e em outros casos semelhantes, o PT lançou uma peça publicitária intitulada “Memorial da Verdade”, na qual cita 19 ações em que Lula teria sido inocentado.  O texto lista processos em que o ex-presidente foi “inocentado” e três em que foi “absolvido”. A diferença entre os termos utilizados, segundo o professor de Direito Penal da FGV-Direito Rio Felipe Lima Almeida, se deve ao fato de as decisões da Justiça não tratarem, objetivamente, de inocentar réus e acusados. 

“A expressão ‘inocente’ não é técnico-jurídica. Inocentes todos nós somos até que se tenha uma sentença condenatória transitada em julgado, e realmente isso não existe em relação ao ex-presidente Lula”, afirmou o professor. “Agora, trancamento de ação penal, arquivamento de inquérito ou rejeição de denúncia, nessas situações nós não temos o enfrentamento do mérito, então não há sentença do Estado dizendo que não houve crime.”

Ou seja, diferentemente da inocência, a absolvição é um elemento jurídico registrado no Código de Processo Penal. Esse tipo de decisão reconhece que as acusações apresentadas contra uma das partes em determinado processo são improcedentes. A partir daí, o caso é encerrado e o réu deixa a posição de suspeito.

‘Discursos’. “Não podemos confundir um discurso político com um discurso jurídico. Aqui há um tom retórico, de persuasão. Há uma disputa política e de narrativa. Parece uma estratégia política, mas, do ponto de vista jurídico, todos são considerados inocentes até uma sentença penal condenatória”, afirmou a professora de Direito Penal da FGV-Direito de São Paulo Raquel Scalcon.

Os 19 casos em que a defesa do ex-presidente alega inocência nas redes sociais são dois trancamentos de investigações, quatro denúncias rejeitadas, quatro decisões anuladas – a partir do reconhecimento de suspeição do ex-juiz Sérgio Moro –, dois arquivamentos, uma prescrição (impossibilidade de punir por causa da idade) e um reconhecimento de legalidade nas palestras realizadas por Lula. A maioria foi por ausência de provas.

Quando uma denúncia é rejeitada, o juiz responsável pelo caso indica que a acusação não conseguiu reunir elementos mínimos para oferecer uma denúncia contra o réu e encerra o caso ainda na fase preliminar, antes mesmo que haja julgamento do mérito. Algo semelhante ocorre quando há trancamento de investigação – geralmente a pedido dos próprios investigadores do caso –, pois fica reconhecido que as provas reunidas não indicam crime, de modo que não é necessário prosseguir com as apurações. 

A divulgação das vitórias processuais de Lula coincide com o momento em que o petista aparece na frente em pesquisas de intenção de voto para as eleições de 2022. Na sexta-feira passada, a primeira pesquisa Datafolha depois das manifestações antidemocráticas de 7 de Setembro mostraram o ex-presidente com ampla vantagem em relação ao presidente Jair Bolsonaro em caso de disputa no segundo turno do ano que vem. Se a disputa fosse realizada hoje, o ex-presidente venceria o atual por 56% a 31%. 

Lava Jato. Em relação ao que veicula o PT, as alegações mais questionáveis quanto à inocência do ex-presidente envolvem os casos triplex do Guarujá, do sítio de Atibaia e sobre a compra de um terreno para o Instituto Lula, porque todas foram anuladas com base em decisões do Supremo que reconheceram a incompetência da 13.ª Vara Federal de Curitiba para julgá-lo e a parcialidade do ex-juiz Sérgio Moro ao proferir as sentenças contra Lula. 

Nessas situações, a validade das decisões foram desfeitas, mas dois dos casos ainda podem ser retomados, já que o Supremo apontou erros processuais, e não ausência de provas, como sugere a publicidade petista. À exceção do caso do sítio de Atibaia, cuja denúncia foi reapresentada e rejeitada pela Justiça do Distrito Federal, nos outros dois casos é possível que as ações sejam reiniciadas.

“Todos começam o ‘jogo’ do processo penal sendo inocentes. Se esse processo não termina de uma forma específica, com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, a pessoa continua, tecnicamente, sendo inocente”, disse o advogado criminalista Fernando Castelo Branco, professor de Processo Penal da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). 

Manter o status de “inocente”, no entanto, não é a mesma coisa que “ser inocentado” pela Justiça, como sustenta a defesa do ex-presidente, afirmou o professor. “É possível que estejam (a defesa de Lula) carregando nas tintas para estender esse caráter de análise de mérito (a situações em que ela não aconteceu)”, disse Castelo Branco. “Talvez a maioria dos casos não tenha tido essa análise de mérito. Mas o fato é que ele (Lula) não perdeu a condição de inocente, muito embora não tenha tido um julgamento de mérito (em muitos dos casos)”, observou o professor.

Presunção de inocência é regra, diz defesa

Em nota, a defesa do ex-presidente se disse "perplexa" com o teor desta reportagem pela mesma "tentar colocar em dúvida o status de inocente de Lula ao sustentar que nas 19 decisões judiciais favoráveis ao ex-presidente houve absolvição em apenas 3 casos”. Segundo Zanin, a única conclusão possível é que dos 19 procedimentos de natureza criminal instaurados contra Lula, apenas 3 deles reuniram condições jurídicas para ter o mérito analisado pelo Poder Judiciário. "E o ex-presidente foi absolvido em todos eles. Ou seja, quando o Estado-acusador conseguiu levar esses 3 casos a julgamento, o Estado-juiz reconheceu expressamente a inocência do ex-presidente em relação às imputações – razão pela qual ele foi absolvido."

Para Zanin, a "constatação adequada" é que de 19 tentativas de imputar crimes a Lula, o Estado-acusador conseguiu chegar até a fase de julgamento em 3 delas. Lula foi absolvido nos 3 casos. "Nos demais, o Estado-acusador não reuniu os elementos jurídicos mínimos. Lula manteve a presunção de inocência que lhe é assegurada pelo Texto Constitucional. Logo, Lula é inocente. Tal circunstância, aliás, não se aplica apenas aos processos e a seus desdobramentos. Como observou o ministro Celso de Mello, em voto proferido no julgamento do HC 93.993/SP, a presunção de inocência é uma regra de tratamento.

Confira a situação de cada um dos processos:

1. Triplex do Guarujá

O QUE DIZ A DEFESA:

Lula nunca foi dono. O apartamento no Guarujá, que pertencia à OAS, foi dado em garantia por um empréstimo na Caixa. Caso anulado pelo STF em duas decisões, restabelecendo a inocência de Lula.

O QUE FOI DECIDIDO:

O caso transitou em julgado em fevereiro de 2021 no Superior Tribunal de Justiça (STJ), com a condenação de Lula a 8 anos, 10 meses e 20 dias de prisão. Em março, porém, o ministro Luiz Edson Fachin (STF) entendeu que a 13ª Vara Federal de Curitiba, comandada na época por Sérgio Moro, não tinha competência para julgar o caso. A decisão foi ratificada em abril pelo Plenário do STF. O colegiado também decidiu, em junho, que Moro foi parcial ao julgar o caso, fazendo com que as provas e depoimentos autorizados por ele fossem invalidados. 

STATUS: Caso anulado

2. Sítio de Atibaia

O QUE DIZ A DEFESA

Lula nunca recebeu dinheiro da Odebrecht para pagar reformas no sítio, que também nunca foi dele. A transferência de R$ 700 mil da Odebrecht, alegada na denúncia, foi feita para um diretor da empresa, não para obras no sítio.

O QUE FOI DECIDIDO

Lula foi condenado pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região em maio de 2020 e, em fevereiro de 2021, o caso chegou ao STJ. Em março, Fachin decidiu que a 13ª Vara de Curitiba er incompetente para julgar o caso, que também foi atingido pelo julgamento da parcialidade de Moro, em junho. O caso foi reiniciado em Brasília mas, em 22 de agosto de 2021, a juíza Pollyanna Martins Alves alegou “falta de elementos comprobatórios” e rejeitou a denúncia. 

STATUS: Caso anulado

3 . Terreno Instituto Lula

O QUE DIZ A DEFESA

Instituto nunca recebeu doação de terreno, ao contrário do que diz a denúncia da Lava Jato, e sempre funcionou em sede própria. Caso anulado pelo STF em duas decisões, Lula inocentado.

O QUE FOI DECIDIDO

Assim como os casos do tríplex e do sítio, o caso do terreno do Instituto Lula foi enviado para a Justiça do DF por Fachin e depois atingido pela suspeição de Moro, levando à anulação das provas coletadas.  Semana passada, no entanto, o ministro Ricardo Lewandowski (STF) suspendeu seu andamento em decisão liminar (provisória).

STATUS: Caso suspenso

4. Doações para o Instituto Lula

O QUE DIZ A DEFESA

As doações de pessoas físicas e de mais de 40 empresas brasileiras e de outros países para o Instituto Lula, entre 2011 e 2015, foram todas legais, declaradas à Receita Federal, e jamais constituíram qualquer tipo de propina ou caixa 2. Caso anulado pelo STF. Lula inocentado.

O QUE FOI DECIDIDO

Assim como os casos do tríplex, do sítio e do terreno do Instituto Lula, o processo sobre as doações  foi enviado para a Justiça do DF após decisão do STF. Na semana passada, Lewandowski, do STF, determinou a suspensão do caso de forma liminar (provisória), assim como do processo sobre o terreno do Instituto Lula. 

STATUS: Caso suspenso

5. Quadrilhão do PT:

O QUE DIZ A DEFESA

A 12ª Vara da Justiça Federal de Brasília arquivou a denúncia em 2019 por verificar que o MPF fez a acusação sem ter apontado nenhum crime, ato ilegal ou de corrupção que tivesse sido praticado por Lula, pela ex-presidenta Dilma Rousseff, seus ex-ministros ou por dirigentes do PT acusados na ação. Caso encerrado, Lula absolvido.

O QUE FOI DECIDIDO

A Justiça Federal do Distrito Federal absolveu os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, os ex-ministros Antonio Palocci e Guido Mantega e o ex-tesoureiro do PT João Vaccari por entender que as provas eram insuficientes e que havia tentativa de “criminalizar a política”. O próprio Ministério Público Federal no DF, representado pela procuradora Márcia Brandão Zollinger, já tinha pedido o arquivamento do caso.

STATUS: Caso arquivado

6. Quadrilhão do PT II

O QUE DIZ A DEFESA

Segunda denúncia no mesmo sentido da anterior foi rejeitada pela 12ª Vara da Justiça Federal de Brasília. Caso encerrado e arquivado, Lula inocentado.

O QUE FOI DECIDIDO

A Justiça Federal de Brasília rejeitou a segunda denúncia contra os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff (PT) e os ex-ministros Antonio Palocci e Guido Mantega, que os acusava de integrarem uma organização criminosa, no chamado “quadrilhão do PT”. A denúncia é de novembro de 2020 e foi dada pelo mesmo juiz que absolveu Lula, Dilma e os ministros no caso original do “Quadrilhão”, Marcus Vinícius Reis Bastos. 

Status: Caso rejeitado

7. Caso Delcídio (obstrução de Justiça):

O QUE DIZ A DEFESA

A delação do ex-senador Delcídio do Amaral era falsa e foi reconhecida dessa forma pela 10ª Vara da Justiça Federal de Brasília, que absolveu Lula. Caso encerrado, Lula absolvido.

O QUE FOI DECIDIDO

O juiz substituto da 10.ª Vara Federal do DF, Ricardo Leite, absolveu o ex-presidente Lula e mais seis réus acusados de tentar obstruir as investigações da Lava Jato em julho de 2018. Lula era acusado de ter tentado comprar o silêncio do ex-diretor da área Internacional da Petrobras Nestor Cerveró.

Status: Caso rejeitado

8. Palestras do Lula

O QUE DIZ A DEFESA

Vídeos, gravações, fotografias e notícias sobre a realização de todas as 72 palestras de Lula, organizadas pela empresa LILS, entre 2011 e 2015, comprovam que elas foram feitas. A Polícia Federal, o Ministério Público (Força Tarefa) e a Justiça reconheceram esse fato. Caso encerrado, Lula inocentado.

O QUE FOI DECIDIDO

Em outubro de 2020, a juíza Gabriela Hardt, da 13ª Vara Federal de Curitiba, disse que não havia comprovação de que o dinheiro recebido por Lula das empreiteiras tinha origem ilícita -- conforme relatório da própria Polícia Federal.

Status: Caso arquivado

9. Medida Provisória 471 (Zelotes)

O QUE DIZ A DEFESA

Lula foi falsamente acusado de ter recebido contrapartida pela edição da MP 471, que prorrogava incentivos à indústria automobilística para gerar empregos nos Estados da região Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Depois de quatro anos, o mesmo procurador que apresentou a denúncia pediu a absolvição de Lula. O Juízo da 10ª. Vara Federal de Brasília absolveu Lula e até dispensou o pronunciamento final da defesa. Caso encerrado, Lula absolvido.

O QUE FOI DECIDIDO

O juiz Frederico Botelho de Barros Viana, da 10ª Vara Federal de Brasília, absolveu em junho deste ano o ex-presidente, o ex-ministro Gilberto Carvalho e mais quatro pessoas por suposta corrupção para aprovação da MP 471. Na decisão, o juiz destaca que ficou demonstrada a atuação do lobista Mauro Marcondes em benefício de montadoras, mas diz que não há provas dos repasses a Lula ou a Gilberto Carvalho.

Status: Caso arquivado

10. Lei de Segurança Nacional:

O QUE DIZ A DEFESA

Já na condição de ministro da Justiça, Sérgio Moro requisitou à Polícia Federal a abertura de inquérito contra Lula, com base na Lei de Segurança Nacional. Lula foi intimado e prestou depoimento à PF. O inquérito foi sumariamente arquivado pela 15ª Vara Federal Criminal de Brasília. Caso arquivado, Lula inocentado.

O QUE FOI DECIDIDO

A base da acusação foi uma declaração de Lula sugerindo que o presidente Jair Bolsonaro seria um “miliciano”. O juiz Francisco Codevila, da 15ª Vara Criminal Federal do DF, arquivou o inquérito em maio de 2020. Ele entendeu que a fala de Lula, a despeito de ser “profundamente desrespeitosa”, não caracterizava uma ameaça.

Status: Caso rejeitado

11. Filho do Lula (Touchdown):

O QUE DIZ A DEFESA

São falsas as acusações do MP contra Luiz Cláudio Lula da Silva, pela atuação de sua empresa de eventos esportivos Touchdown. A denúncia foi rejeitada pela 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo. Caso encerrado, Lula inocentado.

O QUE FOI DECIDIDO

O juiz Diego Paes Moreira, da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo, arquivou em dezembro de 2020 a investigação aberta contra o ex-presidente Lula (PT) e seu filho, Luís Cláudio, a partir de delações da Odebrecht. Na decisão, o juiz concordou com a avaliação feita pelo MPF: como Lula não tinha mais cargo público à época em que teria pedido dinheiro aos executivos da Odebrecht para a empresa do filho, era impossível falar em tráfico de influência.  

Status: Caso arquivado

12. Irmão do Lula:

O QUE DIZ A DEFESA

A defesa demonstrou que não havia ilegalidade, fraude ou favorecimento nos serviços que Frei Chico, um dos irmãos de Lula, prestou à Odebrecht em negociações sindicais desde antes do presidente ser eleito. A 7ª Vara Federal Criminal de São Paulo rejeitou a denúncia. Caso encerrado, Lula inocentado.

O QUE FOI DECIDIDO

O juiz Ali Mazloum, da 7ª Vara Federal Criminal em São Paulo, rejeitou em setembro de 2019 a denúncia apresentada pelo MPF contra o ex-presidente Lula e seu irmão, José Ferreira da Silva, o Frei Chico. Os dois eram acusados de corrupção passiva pelo recebimento de supostas ‘mesadas’ da construtora Odebrecht que somariam mais de R$ 1 milhão. 

Status: Caso rejeitado

13. Sobrinho do Lula

O QUE DIZ A DEFESA

Não houve irregularidade, ilegalidade nem favorecimento na subcontratação de uma empresa de um sobrinho do ex-presidente para uma obra da Odebrecht em Angola e Lula não recebeu qualquer valor decorrente dessa relação contratual. O Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região trancou o caso porque a denúncia era inepta (sem condições mínimas para ser processada). Caso encerrado e arquivado, Lula inocentado.

O QUE FOI DECIDIDO

A Quarta Turma do TRF-1 trancou em setembro de 2020 uma das ações penais que acusavam o ex-presidente de corrupção e lavagem de dinheiro em um suposto esquema de propinas da Odebrecht em troca de influência sobre contratos do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) voltados para financiamento de obras em Angola.

Status: Caso encerrado

14. Ocupação do Triplex:

O QUE DIZ A DEFESA

A 6ª Vara Federal Criminal de Santos rejeitou a denúncia do Ministério Público referente ao protesto que integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) fizeram contra a condenação injusta de Lula no tríplex do Guarujá, em abril de 2018. Caso encerrado, Lula inocentado.

O QUE FOI DECIDIDO

Após rejeição da denúncia pela Vara Federal Criminal de Santos,  a Primeira Turma Recursal do Juizado Especial Federal da 3ª Região reconheceu que as acusações prescreveram, ou seja, o prazo para possível punição se esgotou. O caso foi rejeitado por unanimidade.

Status: Caso rejeitado

15. Carta Capital:

O QUE DIZ A DEFESA

A Lava Jato tentou caracterizar como ilegais contratos de patrocínio da Odebrecht com a revista Carta Capital. A própria Polícia Federal pediu o arquivamento. Caso encerrado, Lula inocentado

O QUE FOI DECIDIDO

Em setembro de 2020, a 10ª Vara Criminal Federal de São Paulo arquivou o caso atendendo ao pedido da Polícia Federal.

Status: Caso arquivado

16. Guiné Equatorial:

O QUE DIZ A DEFESA

A defesa provou que não havia qualquer fundamento na denúncia que tentava associar doação de uma empresa ao Instituto Lula a contratos com o governo da Guiné Equatorial. Em agosto de 2021, a 5ª Turma do Tribunal Federal da Terceira Região (São Paulo) trancou (encerrou) a ação. Caso julgado, Lula inocentado.

O QUE FOI DECIDIDO

A 5ª Turma do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região  ordenou o trancamento da ação penal. Segundo a acusação, o Instituto Lula teria recebido R$ 1 milhão para intermediar conversas entre o governo da Guiné Equatorial e o grupo brasileiro ARG. O caso foi trancado porque as investigações se originaram em e-mails apreendidos no Instituto Lula em 2016, por ordem de Sérgio Moro. Uma vez que o juiz foi declarado parcial pelo STF, as provas se tornaram inválidas.

Status: Caso encerrado

17. Tentativa de reabrir o caso Sítio de Atibaia:

O QUE DIZ A DEFESA

A defesa provou que não é possível reabrir a ação penal contra Lula pelas reformas no sítio de Atibaia como queria o procurador da República Frederico Paiva. Decisão mantida, Lula inocentado.

O QUE FOI DECIDIDO

A Justiça Federal de Brasília rejeitou a denúncia reapresentada pelo MPF contra o ex-presidente Lula no caso do sítio de Atibaia. A juíza Pollyanna Kelly Maciel Martins Alves, da 12ª Vara Federal Criminal do DF, decidiu com base na tese fixada pelo do Supremo Tribunal Federal (STF)  que o Moro era suspeito ao julgar Lula.

Status: Caso rejeitado

18. Odebrecht/BNDES

O QUE DIZ A DEFESA

A 10ª. Vara Federal de Brasília acolheu o pedido da defesa em favor de Lula para determinar o trancamento da ação que trata da linha de crédito do BNDES obtida pela Odebrecht para a exportação de bens e serviços para Angola. Com isso, a ação foi encerrada.

O QUE FOI DECIDIDO

O juiz federal Frederico Botelho de Barros Viana, da 10ª Vara da Justiça Federal do DF, trancou a ação penal em que Lula era acusado de corrupção. Viana entendeu que parte das provas do caso, obtidas em apurações determinadas por Moro, estava prejudicada por decisões do STF.

Status: Caso encerrado

19. Tráfico de influência  OAS Costa Rica

O QUE DIZ A DEFESA

Decisão proferida pela juíza federal Maria Carolina Akel Ayoub, da 9ª Vara Federal de São Paulo, acolheu pedido da defesa do ex-presidente  para determinar o trancamento da ação.

O QUE FOI DECIDIDO

A juíza Maria Carolina Akel Ayoub determinou o trancamento do inquérito contra o ex-presidente por suposto tráfico de influência internacional para favorecer a empreiteira OAS na Costa Rica. O caso começou com a delação do ex-presidente da empreiteira, Léo Pinheiro, que disse ter “contratado” Lula para influenciar autoridades do país da América Central. Mais tarde, porém, o próprio empreiteiro voltou atrás e negou ter pago vantagem indevida. 

Status: Caso encerrado

Weslley Galzo para O Estado de S.Paulo, em 21 de setembro de 2021 

Eduardo Leite lança campanha às prévias e diz que não é ‘candidato a mito ou a salvador da pátria’

 “Não sou candidato a mito ou a salvador da pátria. Sou candidato a liderar a enorme potencialidade deste País, com sua gente e suas inúmeras riquezas, para que ele volte a ser aquilo que todos nós, em nossos corações, sabemos que ele pode ser”, afirmou Leite na “Carta Aberta” durante evento em Brasília.

Eduardo Leite (PSDB), governador do Rio Grande do Sul; tucano é pré-candidato à Presidência em 2022 Foto: Dida Sampaio/Estadão - 04/07/2021

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, lançou nesta terça-feira, 21, em Brasília, sua campanha para as prévias presidenciais do PSDB pregando a construção de um modelo de pacificação política do País. Apesar disso, o governador gaúcho manteve suas críticas ao presidente Jair Bolsonaro e ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lideram as pesquisas.

Doria assume que antipetismo será linha ‘predominante’ de sua campanha em 2022

Para Leite, a má condução política feita pelo PT, “especialmente pelo ex-presidente Lula”, teria permitido espaço para que Bolsonaro ascendesse politicamente. “A verdade é que, na minha análise, Bolsonaro é também resultado de uma política feita pelo PT”, disse.

“Especialmente pelo ex-presidente Lula, que sempre discursou sobre ‘nunca antes na história desse País’”, que só eles eram donos da moralidade e nós vimos depois os lamentáveis casos de corrupção que aconteceram sob aquele governo, e que o Brasil tinha começado com o governo do PT. E com isso ofendeu boa parte dos brasileiros, machucou boa parte dos brasileiros, gerando um terreno fértil para que surgisse Bolsonaro. Bolsonaro é o resultado de uma política feita com divisão pelo próprio Partido dos Trabalhadores”, criticou.

Na véspera, o governador de São Paulo, João Doria – que também concorre nas prévias – afirmou que seu tom de campanha será “predominantemente antipetista”. Mesmo com as críticas feitas a Lula e Bolsonaro, Leite disse defender um modelo propositivo para o Brasil. “É hora de superar a política do ‘uns contra os outros’ e partir para o todos contra os problemas do Brasil”, afirmou. “O Brasil precisa de alternativas novas. Está na hora de olhar para o futuro com olhos de futuro. Não é sobre o País que está aí e nem sobre o País que já foi, e sim sobre o Brasil que podemos ser. Um País que os jovens se orgulhem e não queiram ir embora. E onde os mais velhos tenham confiança que irão ver o Brasil dar certo”, acrescentou o governador.

O político tucano falou que não quer ser presidente “para brigar com Lula ou Bolsonaro”. “Para fazer este País, um presidente tem de ser presidente de todos: dos que pensam e dos que não pensam como você. Estamos precisando de paz, de união, de distensionamento e de coragem. Não desejo ser presidente para brigar com Lula ou Bolsonaro, mas sim para brigar pelos brasileiros contra os enormes problemas que nosso país tem. Eles, os problemas, é que são meus inimigos”, disse.

Por conta disso, Leite defendeu que seja feita cada vez mais política para solucionar os problemas do País. “Se eu tivesse que reduzir tudo em três grandes lutas, elas seriam: combater as desigualdades, crescimento com foco no aumento de produtividade e sustentabilidade e diversidade, com respeito a todas as diferenças. É na soma, e não na divisão, que iremos mudar o Brasil. O Brasil precisa de mais política e não menos. Política com ‘P’ maiúsculo, que dialoga para erguer pontes e construir consensos estratégicos. Não se faz reformas e avanços sem política”, reforçou.

Mesmo com as pesquisas indicando uma polarização entre Lula e Bolsonaro, Leite entende que esse quadro é possível de ser alterado por uma outra candidatura.

“Muito se fala da polarização da intenção de votos e pouco se fala da mesma polarização na rejeição. A população rejeita fortemente os dois caminhos que são mais conhecidos. Nesse momento, a população não está preocupada com a eleição porque está a um ano da eleição. A preocupação da população é se a vacina vai chegar nos seus filhos, se vai conseguir manter o emprego que tem, se vai conseguir o emprego que está procurando por conta do desemprego não ceder. Se a inflação vai permitir que essa pessoa compre comida ou não. Carne para colocar na mesa. Essas são as preocupações imediatas da população e não a eleição. Eu fui candidato a prefeito e a quatro meses da eleição eu tinha 8, 9% e terminei o primeiro turno em primeiro lugar com 40% dos votos. Para governador foi a mesma coisa. Tenho absoluta certeza que o segundo turno do ano que vem não será entre Lula e Bolsonaro”, previu.

Na disputa interna pela vaga do PSDB na corrida presidencial, Leite tem como principal adversário o governador João Doria. Outros dois candidatos inscritos nas prévias, o senador Tasso Jereissati, e o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio então participando mais com o objetivo de fomentar o debate interno do PSDB.

Para fortalecer o lançamento de sua candidatura, o governador gaúcho se apresentou acompanhado por representantes de alguns diretórios estaduais que o apoiam, como Minas Gerais, Bahia e Amapá, por exemplo. Estavam presentes, entre outros, o líder do PSDB na Câmara, Rodrigo de Castro (MG), e os deputados federais Adolfo Viana (BA), Luiz Carlos Gomes (AP), Lucas Redecker (RS) e Daniel Trzeciak (RS), além dos prefeitos Hildon Chaves (Porto Velho) e Paulo Serra (Santo André).

Marcelo de Moraes para O Estado de S.Paulo, em 21 de setembro de 2021 

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Sem política social, apenas interesse eleitoral

O governo Bolsonaro não tem política pública social. Alega não dispor de recursos. No entanto, tem dinheiro para agradar sua base

O governo de Jair Bolsonaro não tem política pública social. Alega não dispor de recursos. No entanto, Bolsonaro tem dinheiro para agradar a sua base eleitoral. Na segunda-feira, o governo e a Caixa Econômica Federal anunciaram uma nova linha de financiamento imobiliário, com juros subsidiados, voltada exclusivamente para policiais e bombeiros.

Num Estado Democrático de Direito, no qual vigora o princípio da igualdade, é inconstitucional que algumas categorias profissionais sejam privilegiadas com juros mais baixos, enquanto o restante da população não tem acesso ao benefício. Por que um policial deve ter mais facilidade para comprar a casa própria do que uma professora, uma enfermeira, uma assistente social ou um motorista de ônibus, por exemplo?

Por definição, políticas públicas devem atender quem mais precisa. Os recursos públicos não podem ser usados para beneficiar familiares, amigos ou base eleitoral de um político. Tal restrição é evidente. O dinheiro público deve atender ao interesse público, não a objetivos particulares.

Segundo o governo, o novo programa de subsídio de juros receberá R$ 100 milhões do Fundo Nacional de Segurança Pública. Ora, o objetivo desse fundo é apoiar projetos na área de segurança pública e prevenção à violência, segundo as diretrizes do Plano Nacional de Segurança Pública. São recursos que devem servir a toda a população. Seu destino não é favorecer funcionários públicos envolvidos na segurança pública.

A concessão de privilégios por parte de Bolsonaro a policiais e bombeiros não apenas tem um explícito caráter eleitoreiro – usa e abusa do cargo para tentar se manter no poder –, mas evidencia desprezo pela situação da população. Sempre, mas especialmente num quadro de crise social e econômica, é preciso priorizar quem mais necessita.

Num cenário de crescimento acelerado da pobreza e da extrema pobreza, com cada vez mais pessoas em situação de extrema vulnerabilidade, o presidente Bolsonaro, como se fosse um vereador, anunciou que sua base eleitoral poderá comprar a casa própria com juros subsidiados pelo restante da população. Eis um governo que prima pela total ausência de solidariedade.

A rigor, política pública social não é questão de altruísmo, mas dever essencial do governante. Diz o artigo 3.º da Constituição: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (i) construir uma sociedade livre, justa e solidária; (ii) garantir o desenvolvimento nacional; (iii) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; (iv) promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Jair Bolsonaro não cumpre, portanto, o compromisso que fez de respeitar a Constituição quando omite a promoção de políticas públicas sociais. Vale lembrar que, no primeiro semestre, o País bateu recordes de desigualdade social. De acordo com o Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV), no período de janeiro a março, a desigualdade de renda proveniente do trabalho foi a maior da série iniciada no fim de 2012. Com tal cenário, não há espaço fiscal, cívico ou moral para conceder privilégios à base eleitoral.

No mês passado, o governo federal editou a Medida Provisória (MP) 1.061/21, que extinguiu o programa Bolsa Família e criou o Auxílio Brasil. Em tese, a mudança poderia ser uma oportunidade de retificar e melhorar o programa de distribuição de renda. No entanto, além de ter graves deficiências, a MP 1.061/21 não recebeu nenhuma atenção do Palácio do Planalto, preocupado em promover as manifestações do 7 de Setembro.

É necessário realizar uma profunda reforma social, capaz de promover a autonomia de todos os cidadãos. Com urgência, o País precisa de políticas públicas sociais responsáveis, que atendam de forma mais efetiva possível quem mais precisa. Segundo a Constituição, esse é o melhor destino para o dinheiro público – que, por sinal, nunca deve ser usado para comprar voto ou arrebanhar simpatizantes. Dependência é antônimo de cidadania.

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 Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 17 de setembro de 2021


Comida, gasolina, conta de luz: por que está tudo tão caro no Brasil?

Os conflitos do presidente Jair Bolsonaro com os demais poderes e a antecipação do debate sobre as eleições de 2022 têm contribuído para construir um ambiente de incerteza que afasta investidores, que preferem levar seus dólares para mercados mais seguros.

Litro de gasolina passa de R$ 7 em alguns locais (Getty Images)

Em agosto, mais uma vez, a inflação oficial do país veio acima do esperado. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo, o IPCA, medido pelo IBGE, acelerou para 9,68% no acumulado em 12 meses, levando a uma onda de revisões entre os economistas.

Nesta segunda-feira (13/9), o Boletim Focus do Banco Central, que colhe estimativas entre dezenas de consultorias e instituições financeiras, registrou a 23ª alta consecutiva da mediana das projeções para o IPCA no fim de 2021, que agora está em 8%.

O aumento generalizado de preços é um produto de diferentes causas, muitas delas combinadas. A BBC News Brasil explora algumas por meio da trajetória dos três elementos que mais têm empurrado a inflação para cima nos últimos meses: combustíveis, alimentos e energia elétrica.

O efeito cascata da gasolina

O preço médio da gasolina comum no país chegou a R$ 6 na semana até 11 de setembro, conforme os dados mais recentes da Agência Nacional do Petróleo (ANP). O preço máximo, ainda de acordo com a base, passa de R$ 7 em alguns locais.

O preço dos combustíveis no Brasil segue o comportamento dos preços lá fora. Desde 2016, a Petrobras se orienta pelo Preço de Paridade Internacional (PPI), que leva em consideração a cotação do barril de petróleo e o câmbio. Assim, esses dois fatores explicam boa parte do aumento dos combustíveis nos últimos meses.

O preço do barril de petróleo vem em uma sequência de alta forte desde o início deste ano. De um lado, por conta da maior demanda, depois da abertura de muitos países que começaram a vacinar contra a covid. De outro, por conta da própria dinâmica da Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep).

Ela concentra cerca de 40% da produção global da commodity e às vezes segura os estoques para valorizar o barril. Em julho, a organização comunicou que voltaria a ampliar gradativamente a oferta, dado o crescimento expressivo dos preços neste ano.

Como a cotação é feita na moeda americana, o dólar também tem impacto direto — e o real segue perdendo valor.

A questão do dólar é um capítulo à parte, que tem inclusive confundido os economistas nos últimos meses, como retratado recentemente pela BBC News Brasil.

De forma resumida, a forte desvalorização do real é reflexo de fatores externos, como a expectativa de crescimento dos Estados Unidos e de aumento dos juros no país, mas também da forte instabilidade interna que o Brasil atravessa.

Os conflitos do presidente Jair Bolsonaro com os demais poderes e a antecipação do debate sobre as eleições de 2022 têm contribuído para construir um ambiente de incerteza que afasta investidores, que preferem levar seus dólares para mercados mais seguros.

De volta aos combustíveis, o impacto do aumento vai bem além de quem precisa encher o tanque. O efeito cascata pressiona custos como o do transporte público e do frete, com reflexo sobre os preços de uma miríade de produtos.

Alta do dólar também influencia preços dos alimentos (Getty Images)

Conta salgada também no supermercado, inclusive nos preços dos alimentos, que também vêm numa trajetória de alta há meses.

Neste caso, mais uma vez o dólar influencia, e com um duplo efeito. Como as commodities agrícolas — milho, açúcar, carne, café, trigo, laranja — são cotadas em dólar, sempre que ele sobe, o preço delas em real tende a subir também.

Em paralelo, o dólar alto incentiva o produtor a exportar em vez de vender para o mercado interno. Isso reduz a oferta doméstica e também ajuda a empurrar os preços para cima.

Aos dois fatores se soma um outro que tem contribuído para diminuir a disponibilidade interna de alimentos: a seca histórica que afetou o Sudeste e o Centro-Oeste.

A falta de chuvas provocou quebra de safra em importantes regiões produtoras e afetou a cultura do café, da laranja, do milho, da soja, do açúcar, como explicou o gerente de consultoria Agro do Itaú BBA, Guilherme Bellotti.

O milho e a soja, por exemplo, têm uma espécie de efeito cadeia. Eles são matéria-prima para a ração usada na indústria de aves, suínos e bovinos — ou seja, também pressionam o preço das carnes.

O açúcar, por sua vez, é matéria-prima para a produção do etanol — que também é usado na composição da gasolina vendida nos postos.

Mais cara e mais escassa

Para além dos alimentos, a seca também ajuda a explicar o aumento da energia elétrica. Com a redução dos níveis dos reservatórios em hidrelétricas importantes neste ano, foi preciso acionar usinas termelétricas, movidas a gás natural, óleo diesel, biomassa e carvão, para compensar a redução da oferta pelas hidrelétricas e, mais recentemente, importar energia de vizinhos como Argentina e Uruguai.

A energia termelétrica não é apenas mais poluente, é também mais cara, daí a razão porque a conta de energia tem vindo com um adicional, a bandeira escassez hídrica, anunciada pelo governo no último dia 31 de agosto.

Com redução da produção de hidrelétricas, país necessitou acionar usinas térmicas e até importar energia (Getty Images)

Até então, o maior valor previsto pelo sistema de bandeiras tarifárias era a bandeira vermelha patamar 2, que estava vigente. A bandeira escassez hídrica vai ser cobrada pelo menos até abril do próximo ano, adicionando R$ 14,20 às contas de luz a cada 100kW/h consumidos. O valor é cerca de 49% maior que o da bandeira vermelha patamar 2, que previa pagamento extra de R$ 9,49 a cada 100kW/h.

Em paralelo, a situação crítica dos reservatórios acendeu um debate sobre os riscos de apagão e de racionamento — e a demora do governo para reagir.

Desde maio, quando o cenário de restrição de chuvas começou a ficar mais claro, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, tem repetido que não existe possibilidade de apagões e racionamento no país. No fim de agosto, quando anunciou a bandeira mais cara, o governo lançou um programa para redução voluntária do consumo de energia.

Dias antes, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) informara que, a partir de outubro, a geração seria insuficiente para fazer frente à demanda, sendo necessário aumentar o nível de importação e acionamento de térmicas para evitar apagões.

Aumento da cotação do milho e da soja também empurra preços das carnes para cima (EPA)

Mais inflação, menos crescimento

Ao contrário de outros ciclos inflacionários pelos quais o Brasil passou, este não é puxado por uma alta da demanda por parte dos brasileiros, mas por choques do lado da oferta — a seca, o dólar, o petróleo, etc.

De forma geral, os choques causam um aumento de preços temporário e se dissipam. Desta vez, contudo, eles têm sido persistentes e vêm contaminando outros preços, como observou o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco Lima Gonçalves. Em relatório enviado a clientes, ele avalia que a inflação, que até o início da pandemia vinha em uma trajetória benigna, "mudou de patamar".

Como resultado, o Banco Central vem apertando cada vez mais os juros. A Selic mais alta eleva o custo do crédito e contribui para reduzir ainda mais a demanda e desacelerar a economia.

É por isso que, em paralelo às revisões das estimativas para a inflação, os economistas também estão revendo para baixo suas previsões para o PIB (Produto Interno Bruto) de 2022. Entre as casas que reduziram as projeções nesta semana estão J.P.Morgan, de 1,5% para 0,9%; Itaú, de 1,5% para 0,5% e XP, de 1,7% para 1,3%.

Camilla Veras Mota - @cavmota, de São Paulo para a BBC News Brasil, em 16.09.2021

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Datafolha: Avaliação de Bolsonaro piora, e reprovação de 53% é novo recorde do presidente

Rejeição segue tendência em pesquisa, após semana mais tensa do mandato com atos de raiz golpista do 7 de Setembro

Após a semana mais tensa de seu mandato, na qual pregou golpismo para multidões no 7 de Setembro, o presidente Jair Bolsonaro segue com sua reprovação em tendência de alta. Ela chegou a 53%, pior índice de seu mandato.

Foi o que aferiu o Datafolha nos dias 13 a 15 de setembro, quando o instituto ouviu presencialmente 3.667 pessoas com mais de 16 anos, em 190 municípios de todo o país. A margem de erro é de dois pontos para mais ou menos.

A oscilação positiva dentro da margem de erro em relação ao recorde apontado em levantamento feito em julho, de 51% de reprovação, dá sequência à curva ascendente desde dezembro do ano passado.

O presidente é avaliado como bom ou ótimo por 22%, oscilação negativa dos 24% da pesquisa anterior, que já indicava o pior índice de seu mandato. O consideram regular 24%, mesmo índice de julho.

Isso sugere que as cenas do 7 de Setembro, com a avenida Paulista cheia por exemplo, reproduzem uma fotografia do nicho decrescente do bolsonarismo entre a população. Se queria fazer algo além de magnetizar fiéis, Bolsonaro fracassou.

Por outro lado, o recuo do presidente após a pressão institucional contra sua retórica golpista mirando o Supremo Tribunal Federal, também não trouxe impacto perceptível na forma de uma queda abrupta de apoio ao presidente na sua base —como havia sido aferido nas interações de rede social.

Essa tendência de rejeição segue constante neste ano, após um 2019 marcado pelo racha em três partes iguais da opinião da população sobre o presidente e um 2020 que o viu se recuperar da resposta errática à pandemia da Covid-19 com a primeira fase do auxílio emergencial aos afetados pela crise.

Neste ano, com a ajuda menor, não houve reação. A agudização da crise política após a cooptação final do centrão como um seguro contra impeachment, por opção exclusiva de Bolsonaro, se mostra uma aposta insuficiente em termos do conjunto da população.

Também não houve uma mudança que possa ser atribuída aos esvaziado atos convocados por entidades de direita no domingo passado (12).

Não faltaram crises desde o mais recente levantamento do Datafolha. Bolsonaro fez desfilar tanques e blindados em Brasília, sem sucesso na tentativa de intimidar o Congresso que não aceitou a volta do voto impresso.

A economia registra problemas em série, a começar pela alta da inflação e da ameaça de crise energética no horizonte próximo.

O estouro do teto de gastos é uma hipótese cada vez mais comentada, e há pouca margem de manobra orçamentária para apostar numa recuperação de popularidade amparada em pacotes populistas.

Isso tem levado ao desembarque de setores usualmente simpáticos ao Planalto, como parte do agronegócio e do mercado financeiro. Fora a contínua crise sanitária que já levou quase 590 mil vidas no país e a percepção de corrupção federal evidenciada na CPI da Covid.

Nesta rodada, o Datafolha identificou um aumento mais expressivo de rejeição ao presidente entre quem ganha de 5 a 10 salários mínimos (41% para 50%, de julho para cá) e entre as pessoas com mais de 60 anos (de 45% para 51%).

Significativamente, Bolsonaro passou a ser mais rejeitado no agregado das regiões Norte e Centro-Oeste (16% da amostra), onde costuma ter mais apoio e de onde saíram muitos dos caminhoneiros que ameaçaram invadir o Supremo na esteira do 7 de Setembro. Sob muitos protestos, eles depois foram demovidos pelo pressionado presidente.

Lá, sua rejeição subiu de 41% para 48%, ainda que esteja marginalmente abaixo da média nacional.

O perfil de quem rejeita o presidente segue semelhante ao já registrado antes. Péssima notícia eleitoral, já que perfazem 51% da população na amostra, 56% daqueles que ganham até 2 salários mínimos o acham ruim ou péssimo, assim como 61% dos que têm curso superior (21% da amostra).

Aqui, nas camadas menos ricas e escolarizadas, há um lento espraiamento das visões negativas sobre o presidente. Na já citada camada de quem ganha até 2 mínimos, em julho eram 54% os que o rejeitavam. Na daqueles que recebem de 2 a 5 mínimos, a rejeição foi de 47% para 51%, oscilação positiva no limite da margem de erro.

Ambos os grupos somam 86% da população na amostragem do Datafolha. Outro grupo importante, o daqueles com ensino fundamental (33% da amostra) viu uma subida ainda maior, de 49% para 55%, enquanto houve estabilidade (49% para 48%) entre quem cursou o nível médio (46% dos brasileiros).

Em nichos, há rejeições bastante expressivas entre gays e bissexuais (6% dos ouvidos), de 73%, e entre estudantes (4%): 63%.

Na mão contrária, os mais ricos são o grupo em que a reprovação do presidente mais caiu de julho para cá, de 58% para 46%, retomando pontualmente uma correlação que remonta à campanha que levou o capitão reformado à Presidência.

Entre eles, 36% o consideram ótimo e bom. Integram esse contingente 3% da população pesquisada. O Sul (15% da amostra), bastião do presidente desde a disputa de 2018, segue avaliando ele melhor do que outras regiões: 28% dos ouvidos lá o aprovam.

Pormenorizando, os empresários (2% dos ouvidos) permanecem com os mais fiéis bolsonaristas, com 47% de aprovação. É o único grupo em que o ótimo e bom supera o ruim e péssimo (34%).

No segmento evangélico, outra base do bolsonarismo, as notícias não são boas para o presidente. Desde janeiro, a reprovação ao presidente já subiu 11 pontos, e hoje está superior (41%) à sua aprovação (29%). Na rodada anterior, havia empate técnico (34% a 37%, respectivamente).

Isso ocorre em meio à campanha por ora frustrada de emplacar o ex-advogado-geral da União André Mendonça, que é pastor, para uma vaga no Supremo

​A tensão institucional deste julho para cá foi das maiores de um governo já acostumado a bater recordes no setor. Igualmente, Bolsonaro só perde para Fernando Collor de Mello (então no PRN) em impopularidade a esta altura do mandato, contando aqui apenas presidentes eleitos para um primeiro mandato.

O hoje senador alagoano tinha neste ponto de seu governo 68% de rejeição, ante 21% de avaliação regular e só 9% de aprovação. Acabaria sofrendo a abertura de um processo impeachment na sequência, em 1992, renunciando para evitar a perda de direitos políticos.

Fernando Henrique Cardoso (PSDB), por sua vez, registrava 16% de ruim e péssimo, 42% de regular e 39% de aprovação. O petista Luiz Inácio Lula da Silva, por sua vez, marcava 23%, 40% e 35%, respectivamente, e sua sucessora Dilma Rousseff (PT), semelhantes 22%, 42% e 36%.

Em sua live semanal na noite desta quinta (16), Bolsonaro evitou comentar os resultados da pesquisa. "Datafolha falou que eu tenho 53% de rejeição. Datafolha não é parâmetro para nada", disse.

Igor Gielow, de São Paulo para o UOL / Folha, em 16.09.2021

Eduardo Leite: a hora do centro, do trabalho e da paz!

Você banca Bolsonaro e não chia

E não é de hoje; até o apartamento que ele usava em Brasília para comer gente era pago por você

Não olhe agora, mas Jair Bolsonaro, como se não bastasse, vive às custas de você desde 1973. Foi quando, aos 18 anos, ele entrou para o Exército e, como todo soldado, passou a ganhar o soldo que sustenta os militares, extraído dos nossos impostos. Enxotado da força em 1988, transferiu-se para o outro lado da vida mansa, a política. Elegeu-se vereador em 1989 e deputado federal em 1991, ambos pelo Rio, e, durante 30 anos de mamata —nunca tapou um buraco ou aprovou um projeto—, construiu notável patrimônio imobiliário.

E não apenas com seu salário e infinitos benefícios parlamentares —um deles, apartamento pago em Brasília, que ele nunca dispensou mesmo tendo imóveis lá, e que usou para “comer gente” (mulheres, presume-se). Donde você pagou por cada bimba que Bolsonaro levou para a cama no período. Não contente, Bolsonaro elegeu três filhos para eternizar a quadrilha e, entre ex-mulheres, vigaristas e laranjas, todos parentes entre si, empregou 102 pessoas, de quem, dizem, ele e os seus extorquiam 80% do salário. Dinheiro este igualmente drenado dos impostos que você deixou na fonte.

Presidente desde 2019, Bolsonaro usa todos os dias de seu mandato para nunca mais passar a faixa, e tudo pago por você. Ponha nisso a compra de políticos, PMs e juízes e as já quase mil viagens de campanha pelo país, o que exige o deslocamento da equipe que prepara sua chegada e estadia, comitiva pessoal, convidados e, por baixo, cem seguranças (aqueles sujeitos de terno mal cortado e óculos escuros, olhando para os lados, que se veem ao seu redor). Você paga por tudo isso e não chia. Paga também pela gasolina que alimenta os aviões, motos e lanchas que ele cavalga.

Ciente de que não se reelegerá, Bolsonaro precisa agora de um golpe —cujas tentativas é você também quem banca.

Um dia, Bolsonaro será preso e terá sua cadeia igualmente custeada por nós. Aí, sim.

Ruy Castro, o autor deste artigo, é Jornalista e Escritor. Publicado originalmenre na Folha de São Paulo, em 16.09.2021

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

CPI da Covid: juristas apontam 7 crimes de Bolsonaro na pandemia e pedem impeachment

Documento de 226 páginas entregue à Comissão aponta crimes contra a saúde pública, contra a administração pública, contra a paz pública e contra a humanidade, infração de medidas sanitárias preventivas, charlatanismo, incitação ao crime e prevaricação.

O presidente Jair Bolsonaro. Foto: Dida Sampaio/Estadão

O grupo de juristas coordenado pelo ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior apontou à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, no Senado, que cabe uma ação de impeachment por crime de responsabilidade contra o presidente Jair Bolsonaro no enfrentamento à pandemia. Ao todo, os juristas identificaram sete tipos de crimes cometidos pelo presidente. Além de infringir a Lei do Impeachment, Bolsonaro cometeu crimes contra a saúde pública (charlatanismo, infração de medida sanitária e epidemia), contra a administração pública (prevaricação), contra a paz pública (incitação ao crime) e contra a humanidade.

O documento aponta que há “farto material probatório” produzido pelo colegiado para responsabilizar criminalmente o presidente Jair Bolsonaro e os integrantes de seu governo. Além de Reale Jr, assinam o parecer os juristas Sylvia H. Steiner, Helena Regina Lobo da Costa e Alexandre Wunderlich. O documento é uma resposta ao requerimento do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).

Na avaliação dos especialistas, ‘não são poucas as situações que merecem o aprofundamento das investigações pelos órgãos de controle do Estado brasileiro, assim como são bastante evidentes as hipóteses reais de justa causa para diversas ações penais’.

Segundo os juristas, o comportamento de Bolsonaro ao longo da pandemia “constitui clara afronta aos direitos à vida e à saúde”, o que configura infração ao artigo 7º, que trata dos crimes de responsabilidade na Lei do Impeachment.

“A falta de coragem na imposição de medidas impopulares, mas absolutamente necessárias, e a omissão consciente, assentindo no resultado morte derivado da inação, conduzem à evidente responsabilização do desastre humanitário aos condutores da política de saúde no país, em coautoria: presidente da República Jair Messias Bolsonaro, então ministro da Saúde Eduardo Pazuello e o secretário-executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, cabendo em face do primeiro a propositura de ação por crime de responsabilidade”, diz o documento.

O parecer tem 226 páginas e é dividido em capítulos que tratam dos crimes cometidos pelo presidente. O documento destaca que algumas populações foram mais atingidas e sacrificadas pelas escolhas do governo de negar o atendimento imediato, negar o acesso à vacina, acesso à esclarecimento e optar por tratamentos que fugiam totalmente do consenso científico global.

Segundo os juristas, Bolsonaro e Pazuello cometeram crime de epidemia e a pena deveria ser aumentada “em razão dos resultados morte e lesões corporais  graves”. O parecer listou 25 exemplos de crimes contra a infração de medida sanitária pelo presidente – aglomerações promovidas por Bolsonaro, sem uso de máscara – entre 9 de maio do ano passado e 24 de junho deste ano.

O parecer registra que “a estrutura inicialmente montada no plano jurídico e operacional, de conjugação de esforços com Estados e Municípios, foi sendo conscientemente solapada, para incentivar o desrespeito às normas de isolamento social, pelo exemplo de se aglomerar, por atos normativos tornando dispensável o fornecimento de máscara, ao ampliar os setores considerados essenciais, não sujeitos, portanto, a limitações de funcionamento”.

O documento aponta também que o presidente cometeu o crime de charlatanismo por ao menos três vezes, ao incentivar o uso de medicamentos comprovadamente ineficazes contra a covid-19. O grupo cita, como exemplo, a cloroquina e a ivermectina.

“O sr. presidente da República expôs a saúde da população ao proclamar quase diariamente a positividade do tratamento precoce e as vantagens de se ingerir o remédio cloroquina ou hidroxicloroquina, não recomendado, pelo contrário, proibido pela OMS e pelo órgão de controle de medicamentos dos Estados Unidos, possibilitando a ocorrência de efeitos colaterais e facilitando a não tomada de cuidados para se evitar a disseminação da pandemia”, apontam os juristas.

Em sessão do parecer dedicada ao detalhamento dos crimes contra humanidade, os juristas indicam que o atendimento das populações indígenas durante toda a pandemia foi ‘deliberadamente ignorado’ por todas as instâncias do governo. Além disso, o parecer qualifica a crise em Manaus no início do ano, que culminou na morte de pessoas asfixiadas por falta de oxigênio, como ‘um caso exemplar do desprezo à vida’, ressaltando que a capital do Amazonas foi ‘palco de experiências e projetos absolutamente desastrosos e maléficos à saúde da população.

Autoridades do governo

O parecer também opina em investigações da CPI da Covid, como o caso da Covaxin e da Davati. O acordo para compra da vacina Covaxin foi fechado em fevereiro deste ano e cancelado em agosto por indícios de falsificação de documentos entregues pela empresa Precisa Medicamentos, intermediária do acordo entre Ministério da Saúde e a farmacêutica indiana Bharat Biotech.

Segundo os juristas, Elcio Franco e os funcionários da Saúde, coronel Marcelo Bento Pires, tenente-coronel Alex Lial Marinho e o então diretor de Logística da pasta, Roberto Ferreira Dias, praticaram o crime de advocacia administrativa.

“Usaram de influência dentro do Ministério da Saúde em favor da empresa Precisa Medicamentos, patrocinando de forma mais célere a aquisição da vacina Covaxin em relação a outros imunizantes, ainda que constatadas diversas irregularidades durante os processos administrativos de aquisição e importação”, afirma o parecer.

“O farto material enviado pela CPI para exame dá conta de um forte ânimo de advocacia administrativa por parte dos servidores públicos do Ministério da Saúde em favor dos interesses da empresa Precisa Medicamentos.”

O grupo apontou que os representantes da Precisa Medicamentos praticaram crime de falsidade de documento e de estelionato majorado – na modalidade tentada. “Foram impedidos de consuma-lo por circunstâncias alheias à sua vontade (ação do servidor Luis Ricardo Miranda, do Ministério da Saúde)”, afirma o grupo.

Os juristas destacam que houve prevaricação do presidente Jair Bolsonaro e de Eduardo Pazuello no caso Covaxin. O deputado Luis Miranda (DEM-DF) afirmou à CPI ter levado indícios de irregularidades a Bolsonaro em março e o presidente teria lhe dito que acionaria a Polícia Federal.

De acordo com os juristas, Bolsonaro e Pazuello “foram devidamente alertados acerca das irregularidades e, ainda assim, permaneceram inertes”.

“Conclui-se que as omissões dos Srs. presidente da República e Ministro da Saúde estão previstas na lei penal sob a forma de delito de prevaricação”, aponta o documento.

A Davati Medical Supply propôs vender até 400 milhões de doses da AstraZeneca ao governo, por meio do cabo da Polícia Militar Luiz Paulo Dominguetti, mas não tinha as doses. O PM denunciou à CPI um suposto pedido de propina, em fevereiro deste ano, feito por Roberto Ferreira Dias.

O documento registra que o “o conjunto probatório permite indicar que Roberto Ferreira Dias (Diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde) praticou o crime de corrupção passiva e José Ricardo Santana, que é ex-Secretário Executivo da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos da Anvisa, na forma omissiva”.

Os crimes cometidos no governo Bolsonaro durante a pandemia, segundo o grupo de juristas da CPI da Covid:

- Crime de responsabilidade” (art. 7º, número 9, da Lei 1.079/50)

- Crimes contra a saúde pública

- Crimes de epidemia (art. 267 do Código Penal)

- Infração de medida sanitária preventiva (art. 268 do Código Penal)

- Charlatanismo (art. 283 do Código Penal)

- Crime contra a paz pública, na modalidade de incitação ao crime (art. 286 do Código Penal)

- Crimes contra a Administração Pública: 

        representados pelos crimes de falso (arts. 298 e 304 do Código Penal) e de estelionato (art. 171,         §3º, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal), de corrupção passiva (art. 317 do Código Penal), de         advocacia administrativa (art. 321 do Código Penal) e de prevaricação (art. 319 do Código                Penal).

- Crimes contra a humanidade (art. 7º do Estatuto de Roma)

- Atitudes do presidente Jair Bolsonaro que desrespeitaram o direito à vida e à saúde, segundo os juristas:

- promover aglomerações

- apresentar-se junto a populares sem o uso de máscara

- pretender que proibições de reuniões em templos por via de autoridades sejam revogadas judicialmente

- incitar a invasão de hospitais, colocando em risco doentes, médicos, enfermeiros e os próprios invasores

- incentivar repetidamente a população a fazer uso da cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina, medicamentos sem eficácia comprovada e com graves efeitos colaterais

- recusar e criticar o isolamento social e as autoridades que o impõe

- conspirar contra as autoridades estaduais e municipais, inclusive indo contra suas determinações de precaução por via de ações judiciais no Supremo Tribunal Federal

- aplicar diminuta percentagem do orçamento destinado ao enfrentamento da Covid-19

- não comprar vacinas

- ridicularizar as vacinas, criando clima de desconfiança em relação às mesmas

- festejar eventual insucesso em teste da vacina do Butantan.

Julia Affonso, de Brasília, Pepita Ortega e Fausto Macedo, de Sao Paulo, para O Estado de São Paulo, em 15 de setembro de 2021.

Democracia x demagogia

Partidos que defendem as liberdades têm obrigação de agir para blindar aventuras desrespeitosas à Constituição.

 Nosso país tem assistido a uma escalada de naturalização da demagogia tentando minar a democracia. A demagogia é um embuste onde são lançados ingredientes perigosos, como fake news interessadas em deslegitimar as nossas instituições. A demagogia não enxerga, não ouve e não fala nada de importância real a uma população, cuja dificuldade de comprar comida aumenta com a crescente inflação. Serve unicamente aos grupos que desejam comandar o Estado como ferramenta para alcançar um poder autoritário. Já a democracia exerce empatia, diálogo, respeito às diferenças, e essa soma resulta em liberdade de pensamentos diversos, direitos e deveres elencados formalmente na Constituição brasileira.

A democracia não inventa crises, ela as resolve de maneira ordeira. Atualmente, espalham-se caraminholas tais pela Nação que, de tão fantasiosas, mais lembram criações da infância, quando inocentes lidam com seres imaginários. A diferença hoje é que os propagadores de invencionices no nosso país de inocentes não têm nada. Tóxicos e beligerantes com quaisquer opiniões adversas, digladiam com instituições – e todos os que pensam diferente se tornam inimigos

Após a conquista da democracia, é anormal e inaceitável falar em “ruptura” institucional no Brasil. Mais ainda. É impressionante que essa palavra figure de forma crescente e sem cerimônia no noticiário político e econômico do País, mesmo porque é fruto de uma bolha de mentira, sob dois intuitos: 1) o uso para um discurso eleitoral destinado a radicais; 2) tergiversar sobre os problemas que verdadeiramente afetam a sociedade. Em suma, há o objetivo irresponsável de suscitar um caos institucional em plena democracia.

A obrigação dos políticos que defendem as liberdades é atuar como blindagem contra essas aventuras desrespeitosas à Constituição. É fundamental subir para o bloqueio e arremessar longe qualquer sombra de retrocesso. Eles já avançaram demais o sinal. Agora, quatro partidos – MDB, PSDB, DEM e Cidadania – aliaram-se para o contraponto a essas leviandades. O propósito é dialogar na construção de Um Novo Rumo para o Brasil – título do seminário virtual promovido entre hoje (15) e o dia 27 de setembro – com a participação, já na abertura, de três ex-presidentes da República: Michel Temer, Fernando Henrique Cardoso e José Sarney. O elenco é a prova cabal de que diferentes podem e devem conversar em busca de maioria saudável para soluções a uma nação que precisa reagir urgentemente na sua economia.

É esta a linguagem que atende a cada pessoa no País: a do diálogo para o encontro de propostas eficazes ao que aflige os brasileiros. O discurso da intolerância, além de não encher o prato de quem mais precisa, não faz o menor sentido num Brasil que já viu a perda de quase 600 mil vidas pela covid-19, doença tratada com descaso pela aflição de todos.

Cabem muita atenção e ação, porque os arautos da demagogia arquitetaram artificialmente todo um cenário de rivalidade entre “eles” contra “outros”, gerando um nó que faz o Brasil patinar. Essa nuvem colérica utiliza-se de segmentos da sociedade massacrados por fake news em séries para desenvolver a tal retórica de luta contra “o outro lado” – o democrático. Infelizmente, há grupos, alguns até por falta de informação adequada, que se deixam levar pelas cantilenas manipuladoras.

Temos passado vergonha perante o mundo com nossa credibilidade em xeque. O País perde investimentos, enquanto registra mais de 14 milhões de desempregados. Até mesmo nossos símbolos nacionais foram sequestrados pelo movimento contra o Estado Democrático de Direito.

As falas deixaram a timidez das reuniões fechadas e ganharam praças públicas. Por menos que expressem a opinião da maioria dos brasileiros, é hora de um potente basta a esse espaço até aqui ocupado.

Famílias inteiras estão desesperadas à espera de saídas para questões práticas de sua vida – não no grito, mas no diálogo. Vamos juntos, com respeito pelo outro, buscar consensos nas maiorias. Devem ser as maiorias as peças de resistência da democracia.

Uma das alegações dos intransigentes – de batalhar pela liberdade de expressão – é risível, não fosse perigosa. Ao mesmo tempo que supostamente levam adiante essa bandeira (contra a qual nenhum democrata será contrário), estimulam a invasão de prédios públicos e insuflam a quebra de liberdades com discursos golpistas. Os sinais estão trocados, enquanto o País corre o risco de marcha à ré.

Se ainda há uma boa notícia no meio deste pandemônio, é a de pesquisas demonstrando a grande maioria dos brasileiros contra os arroubos radicais. Outra é de que as instituições e as forças políticas democraticamente constituídas não vão se curvar a este quadro pintado grotescamente por quem nem de longe tem amor à Pátria. O País quer paz para trabalhar e voltar a crescer.

Wellington Moreira Franco, o autor deste artigo, sociólogo, ex Governador do Rio de Janeiro, é Presidente do Conselho Curador da Fundação Ulisses Guimarães. Publicado originalmente n'O Estado de São Paulo, em 15.09.2021.

Polícia política

Ao mesmo tempo que acena à moderação, Bolsonaro urde novo ataque à democracia. Por meio de prepostos na Câmara, quer fazer avançar projeto que altera a Lei Antiterrorismo

O presidente Jair Bolsonaro pode assumir tantos compromissos de pacificação nacional e de respeito aos pilares do Estado Democrático de Direito quanto julgar necessários à acomodação de seus interesses políticos mais imediatos. Convencerá apenas os que já têm a predisposição de serem convencidos, seja por interesse, seja por ingenuidade. A verdade, todavia, é que, por trás das encenações de um republicanismo que jamais houve em sua trajetória, ao fim e ao cabo, prevalecerá sempre a índole liberticida do presidente da República. Bolsonaro, como a Nação tristemente acompanha, nutre visceral desprezo pela democracia e por tudo o que o regime da liberdade representa.

Ao mesmo tempo que acena à moderação, Bolsonaro urde um novo ataque à democracia na Câmara dos Deputados. Por meio de prepostos na Casa, o presidente quer fazer avançar um projeto de lei que altera a Lei Antiterrorismo, de 2016. O desiderato é o mais perigoso possível. Não há razão para alterar a legislação de combate ao terrorismo no País neste momento. A Polícia Federal (PF) já dispõe de respaldo legal e de recursos humanos e materiais para lidar com este tipo de ameaça. Nestes cinco anos de vigência da lei, a PF já realizou operações que levaram à condenação de 11 pessoas pela prática de atos classificados como terroristas. Ou seja, o que se pretende é tirar poder de um órgão de Estado e atribuí-lo a uma esfera de governo, especificamente a Presidência da República.

O que Bolsonaro pretende, portanto, é criar uma polícia secreta que possa controlar e, com isso, impedir a livre manifestação das forças políticas de oposição a seu governo. Se não conta com as Forças Armadas nem com as Polícias Militares para concretizar seus propósitos golpistas, o presidente agora almeja a criação de uma polícia política.

O projeto de revisão da Lei Antiterrorismo, de autoria do deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO), fiel escudeiro de Bolsonaro na Câmara, cria a Autoridade Nacional Contraterrorista (ANC), que terá acesso irrestrito a informações sobre qualquer cidadão ou empresa que desejar. Prevê-se que a ANC seja chefiada por um policial e por um militar, ambos diretamente subordinados ao presidente da República.

Além de contarem com liberdade absoluta para escrutinar a vida de cidadãos que, em tese, sejam suspeitos de envolvimento em “ato que, embora não tipificado como terrorismo, seja perigoso para a vida humana”, os agentes da ANC, caso a proposta avance, terão prévia autorização para matar no exercício da função, pois o projeto de lei prevê o chamado excludente de ilicitude a fim de “resguardar” a atuação dos agentes.

O projeto é um despautério. Consta que há votos suficientes para aprovação na comissão especial que trata da matéria na Câmara, mas, para o bem da democracia no País, não deve passar desta etapa legislativa. 

Tal como foi concebido, o projeto, além de tudo, fere o pacto federativo insculpido na Constituição. As ações de segurança pública, tanto preventivas como reativas, são de responsabilidade dos Estados. Por óbvio, isso não quer dizer que não seja necessária, em casos pontuais, a coordenação federal no âmbito da União, mas já há leis que tratam destes casos. Uma das mais importantes, a que criou o Sistema Único de Segurança Pública, durante o governo de Michel Temer, foi solenemente ignorada por Bolsonaro.

“O temor é que a ANC seja um instrumento de polícia política do presidente da República”, alertou o líder da oposição na Câmara, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ). O justo receio de Molon é compartilhado por juristas e especialistas em segurança pública que veem no projeto uma clara ameaça à democracia. As tipificações dos crimes previstos no projeto colidem propositalmente com a boa técnica legislativa, descrevendo ações de forma vaga e ampla, o que abre perigoso espaço para interpretações que caibam sob medida na sanha persecutória dos tiranetes de turno contra seus opositores.

O Brasil padece de muitas mazelas. O terrorismo não é uma delas e oxalá jamais venha a ser. Mas, se vier, não deve ser enfrentado com instrumentos como este esdrúxulo projeto de lei, que se presta a objetivos tenebrosos.

Editorial / Notas&Informações, O Estado de S.Paulo, em 15 de setembro de 2021