sexta-feira, 13 de agosto de 2021

A miséria da política

O desgoverno de Jair Bolsonaro não é caso isolado. Há muita gente – partidos e parlamentares de várias correntes – não apenas tolerando, mas apoiando retrocessos institucionais.

Sem pudor, a Câmara dos Deputados revela o atual estado da política. A semana foi pródiga em exemplos de que o desgoverno de Jair Bolsonaro não é um caso isolado. Há muita gente – partidos e parlamentares de várias correntes ideológicas – não apenas tolerando, mas apoiando retrocessos institucionais.

A aprovação em primeiro turno da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 125/11, que libera as coligações partidárias em eleições proporcionais, mostrou como a Câmara pode ser indiferente a um dos principais avanços da legislação eleitoral dos últimos anos. Em 2017, o Congresso proibiu, por meio da Emenda Constitucional (EC) 97/2017, as coligações nas eleições para vereador e deputado (estadual e federal).

A medida, aplicada pela primeira vez nas eleições municipais de 2020, é uma importante proteção da vontade do eleitor. Com a coligação, o voto em determinado candidato pode eleger outro candidato, de outro partido, simplesmente em razão de um acordo entre as legendas. A revisão da proibição, antes sequer de ser aplicada nas esferas federal e estadual, é inteiramente descabida, além de revelar descaso com a Constituição, cujo texto requer um mínimo de estabilidade.

Pode-se, com razão, criticar o papel da presidência da Câmara nessa agenda do retrocesso. Arthur Lira tem pautado temas importantes de forma açodada, sem que haja o necessário debate. De toda forma, o problema ultrapassa a definição da pauta do plenário da Câmara. 

Veja-se, por exemplo, o papelão do PSDB. Em 2017, o partido foi um dos principais articuladores do fim das coligações nas eleições proporcionais. Agora, dois terços dos deputados do PSDB na Câmara foram favoráveis ao retorno dessa irrazoável possibilidade. Dos 32 nomes da bancada tucana, 21 votaram pela volta das coligações. Apenas 11 deputados do PSDB foram contra na votação em primeiro turno.

Além disso, o PT, que deseja se apresentar como o grande defensor da democracia e o mais combativo opositor de Jair Bolsonaro, deu nada mais nada menos que 48 votos favoráveis à volta das coligações partidárias nas eleições proporcionais. É fácil apoiar nas redes sociais a melhoria do sistema político. No entanto, em vez de defender a proibição das coligações – que preserva a vontade do eleitor e contribui para a governabilidade do País –, mais de 90% da bancada petista votou a favor da medida patrocinada por Jair Bolsonaro e Arthur Lira.

O descalabro, no entanto, não se resumiu à votação sobre as coligações nas eleições de vereador e deputado. No dia anterior, 14 dos 32 deputados federais do PSDB votaram a favor da PEC do Voto Impresso. Ou seja, quase a metade dos parlamentares tucanos apoiou a proposta da qual Jair Bolsonaro tem se valido para criar confusão e para ameaçar a realização das eleições de 2022. É essa a oposição à disfuncionalidade, à irracionalidade, ao autoritarismo e ao negacionismo do governo de Jair Bolsonaro?

Vale lembrar que o PSDB não foi o único caso de tolerância com o retrocesso. Outros partidos importantes, como MDB, DEM, PP, PSB e PSD, deram significativo apoio à PEC do Voto Impresso. Jair Bolsonaro não obteve o que queria e o sistema eleitoral de 2022 continuará seguro, auditável e ágil. Mas, nessa história do voto impresso, viu-se que a miséria da política vai muito além do bolsonarismo.

Perante tal quadro, é preciso instar a responsabilidade dos senadores para impedir a volta das coligações nas eleições proporcionais. A Câmara atuou irresponsavelmente, mas não há razão para o Senado seguir a mesma trilha. Foi a autonomia do Senado que lhe conferiu especial relevância política neste ano. A CPI da Covid tem sido decisiva na elucidação das ações e omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia. Agora, o Senado tem a oportunidade de mostrar que não aceita passivamente os erros da Câmara. Coligação em eleição proporcional é manobra nefasta contra o eleitor.

Jair Bolsonaro esforça-se por ser o pior presidente da história do País. Mas nem por isso o Congresso está autorizado a promover novos equívocos.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 13 de agosto de 2021

Marina quer ajudar a construir ‘alternativa à polarização’ entre Lula e Bolsonaro

Para ela, “é um erro histórico” voltar a insistir na priorização do nome de pessoas para a disputa antes de se definir “o que queremos para o Brasil”

Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente; Bolsonaro ‘só governa para destruir’, afirma Foto: Dida Sampaio/Estadão

Entrevista com Marina Silva, ex-ministra e líder da Rede Sustentabilidade

Depois de disputar três eleições presidenciais, a ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (Rede) mudou o foco de sua atenção para 2022. Em vez de preparar uma quarta candidatura, Marina diz, em entrevista ao Estadão, que está empenhada em colaborar para a construção de uma candidatura de terceira via, que seja uma alternativa aos nomes do presidente Jair Bolsonaro e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Para ela, “é um erro histórico” voltar a insistir na priorização do nome de pessoas para a disputa antes de se definir “o que queremos para o Brasil”.

“Eu estou empenhada em ajudar a construir e viabilizar um projeto que coloque em primeiro lugar o que nós queremos para o Brasil em lugar da priorização do nome de pessoas. Porque esse é um erro histórico que vem sendo cometido. Infelizmente, após tantos anos no poder de PT e PSDB, a semente que brotou foi o Bolsonaro.”

Ela reconhece que o tempo de construção dessa candidatura já deveria ter se iniciado. “Esse projeto já deveria estar posto há muito tempo. Infelizmente, os atores que têm capacidade de fazer isso preferem, digamos assim, a velha estratégia da polarização. Acho que uma alternativa à polarização precisa ocupar esse lugar de reconexão com a sociedade pela sua proposta”, afirma Marina.

A ex-senadora não economiza críticas ao governo Bolsonaro: “Nós temos uma situação de completa desestabilização. É um governo que não governa para construir. Só governa para destruir”.

Justamente por isso, a líder da Rede admite que, em nome da defesa da democracia, estará alinhada contra sua reeleição, no caso de não haver êxito na construção de uma candidatura fora da polarização.

“Eu trabalho para que a gente possa construir uma alternativa à polarização. Mas com a clareza de que a democracia é um balizador fundamental para esse debate. É claro que, nesse momento, nessa situação que o Brasil está vivendo, o Bolsonaro é o vetor de todas essas mazelas. Temos que ter a clareza dessas coisas. Mas quando você também estreita os caminhos em torno de escolher o que já está posto, não é escolha. A escolha pressupõe um terceiro. Quando esse terceiro ainda não existe, a gente tem de trabalhar para construir. É isso que eu estou fazendo. Numa clareza que a democracia é um valor que não vai ser relativizado e que o Bolsonaro é uma ameaça a esse valor.” 

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Depois de disputar as três últimas eleições presidenciais, como a senhora pretende se posicionar na disputa de 2022?

Estou empenhada em ajudar a construir e viabilizar um projeto que coloque em primeiro lugar o que nós queremos para o Brasil, em lugar da priorização do nome de pessoas. Porque esse é um erro histórico que vem sendo cometido. Infelizmente, após tantos anos no poder de PT e PSDB, a semente que brotou foi o Bolsonaro. Esses erros que foram praticados, inclusive em função de questões éticas, que causaram na população essa decepção e desilusão, fizeram com que germinasse o Bolsonaro. Se esse processo se repete agora, ele aprofundará esse prejuízo para o processo de reconstrução do País nesse momento tão difícil. De crise política, de crise institucional. De crise sem precedentes na saúde pública.

Qual é a sua avaliação sobre o peso do momento do País sobre esse quadro político?

São mais de 14 milhões de desempregados. Mais de 19 milhões passando fome no nosso País. Então, esse é o momento de fazer o debate, de reconectar as pessoas com as possibilidades para o País. A gente enfrenta o problema das desigualdades sociais. Precisamos ver como a gente vai se integrar ao debate que está sendo feito no mundo. Com uma recuperação econômica que considere o enfrentamento das mudanças climáticas. Ver como a gente se integra ao debate da disrupção tecnológica, que agrava o problema do desemprego em função de milhões e milhões de pessoas que estão sendo expulsas do mercado de trabalho. Todos esses debates precisam estar colocados. E depois a gente verifica qual é o melhor nome. É deste debate que eu participo e quero que ele seja aprofundado.

No Brasil, há o costume de se lançar os candidatos e depois se constrói o projeto que embasa a candidatura…

É claro que eu sei respeitar aqueles que estão se colocando. Mas, nesse momento, o que é necessário, no meu entendimento, é debater como fortalecer a aderência no sentido social político brasileiro à defesa das instituições e da democracia. Depois, fazer com que o País possa sair dessa grave crise econômica. Aonde a pandemia faz com que mais e mais riquezas sejam concentradas nas mãos daqueles que já têm, e mais e mais pobrezas sejam espraiadas sobre aqueles que já viviam com dificuldades e que agora estão em situação de miséria. 

E como a senhora acha que é possível fazer isso?

Precisamos enfrentar a necessidade de mudar o modelo de desenvolvimento para que o Brasil não continue sendo um pária ambiental. E possa, a partir dos seus grandes ativos, ter isso como a base dos novos investimentos que o mundo quer fazer e precisa fazer. Aqui não é o lugar do problema. Aqui é o lugar da solução. Se as pessoas querem uma agricultura que possa ser certificada, rastreada, aqui é onde se tem possibilidade de fazer isso. Se as pessoas querem produzir materiais com energia limpa, renovável e segura, aqui é o lugar, porque aqui a gente pode ter uma matriz energética 100% limpa. Com a biomassa, o vento, o sol, a hidroeletricidade. Com o problema que estamos enfrentando hoje de falta de chuvas e de reservatórios secos e se continuar a destruição da Amazônia, isso vai ser fundamental para saber como vai ser o desenvolvimento da política econômica do nosso País. Então, esse debate precisa ser feito. É em cima dele que a gente vai se reconectar com a sociedade. Até porque, é a partir dessa nova economia que se terá o novo ciclo de prosperidade, de geração de emprego, de uma maior base tecnológica.

Até quando a senhora acha que esse processo de reflexão deve ser feito antes da definição de um candidato que represente esse debate?

Eu acho que esse projeto já deveria estar posto há muito tempo. Infelizmente, os atores que têm a capacidade de fazer isso preferem, digamos assim, a velha estratégia da polarização. E eu acho que uma alternativa à polarização precisa ocupar esse lugar de reconexão com a sociedade pela sua proposta. E não, simplesmente, em função do esgarçamento político ainda maior do que aquele que tem sido feito ao longo desses anos e, principalmente, a partir de 2014, quando ele começou a ser aprofundado com essa estratégia da política com base na desconstrução, da qual o Bolsonaro hoje é hors concours.

Até agora, ainda existe dificuldade de visualizar como essa alternativa poderá se materializar…

O tempo deveria estar a nosso favor. Infelizmente, até agora, não é assim que está colocado. Mas uma coisa que é importante, no momento de crise, é você saber que não pode resolver a questão do presidente da República de forma exclusivista. Até por uma boa dose de humildade e de respeito pela própria realidade que se impõe. Porque é muito mais fácil uma alternativa com base no diálogo de diferentes forças políticas, da esquerda, do centro-esquerda, do centro democrático. O problema no Brasil é que a gente fala do centro, mas não existe um centro ideologicamente posicionado. O que nós temos no Brasil são conservadores e reacionários que quando lhes é oportuno e conveniente se dizem de centro.

A construção dessa terceira via não terá de passar pelos políticos de centro e pelo próprio Centrão?

Acho que muitos analistas reconhecem que quando a ideia de terceira via teve mais força foi em 2010 e 2014. Nas minhas campanhas em 2010, junto com o Guilherme Leal (empresário da Natura) e 2014, junto com o Eduardo Campos, na qual infelizmente tivemos aquela tragédia (Campos morreu num acidente aéreo e Marina assumiu a cabeça da chapa). Hoje, esse lugar é ocupado por aqueles que ficam numa política pendular. Pendular para ver quem é o poder para estar junto ou quem é a expectativa de poder para migrar para aquele que for conveniente. Então, isso é um problema”.

Dá para sair desse problema?

Esse problema está se repetindo agora numa reforma política de conveniência. Porque a reforma política está sendo feita para ver o que é melhor para os partidos hegemônicos. Aliás, é um debate colocado de forma errada, tratando do que fortalece e enfraquece os partidos. Não é o que fortalece ou enfraquece os partidos. É o que fortalece a democracia. Trata-se de serem partidos programáticos, democráticos. Partidos que têm projeto de País. E essas mudanças que estão sendo propostas são feitas de conveniência e com o olho gordo do Centrão. Que quer mandar em todo e qualquer governo que assuma o poder naquela cadeira de presidente da República. Então, o centro no Brasil é um ponto distante ocupado pelo Centrão, que não tem cara, não tem rosto, não tem nome. Tem operadores, como tem agora o Arthur Lira. Não é um partido. É uma força difusa.

Como a senhora vê o papel do Centrão na política do País?

Eu acho que, no caso do Centrão, eles tentam jogar com um pé em cada canoa, com um jet ski no meio para sair a toda velocidade para acompanhar o poder. No caso, eles atuam para serem os operadores de qualquer um que seja vitorioso. Por isso, defendo um debate com diferentes setores da sociedade que trabalhe a ideia de uma política de longo prazo em vez da ideia de querer alongar o seu prazo na política. Por isso, acho que no debate da reforma política uma das questões que deveriam ser colocadas é o fim da reeleição. Esse é um debate que precisa ser feito. Porque a reeleição virou um problema para o Brasil. Todas as movimentações são feitas a partir disso. O Centrão estava com Fernando Henrique, estava com Lula e está agora com Bolsonaro. E a movimentação não é só com quem está no poder. É também com a expectativa do poder. Por isso, com o fim da reeleição viria um mandato de cinco anos, a partir da próxima eleição. O que for eleito em 2022 cumprirá mandato de quatro anos e, a partir daí, mandato de cinco anos sem reeleição. Nem para presidente, nem para governador, nem para prefeito. Porque hoje, com a reeleição, as pessoas não fazem o que é necessário em benefício do País. Fazem o que é necessário em benefício de seus projetos para se perpetuar no poder. Aí se quiser fazer vista grossa para a corrupção, se tiver de destinar verba pública para projetos que ligam nada com coisa nenhuma, em prejuízo de investimentos estratégicos em educação, saúde, saneamento, projetos de melhoria da qualidade de vida das pessoas de forma estruturada, é isso que as pessoas vão fazer. A reeleição na América Latina sempre foi um problema. E agora, mais do que nunca, há necessidade de fazer o debate do fim da reeleição. Numa democracia, a alternância de poder é legítima e necessária.

Como a senhora vê o governo Bolsonaro?

É um governo que não governa para construir. Só governa para destruir. É um estado de completa insolvência. Não governa e não quer governar. Você tem um presidente da República, que em plena pandemia, com essas condições todas que a gente tem, se ocupa o tempo todo em atacar o Supremo, atacar as instituições democráticas, agredir os jornalistas, promover aglomerações, desqualificar o trabalho dos governadores, e ficar sendo garoto-propaganda de remédio que em vez de ajudar pode agravar os problemas de saúde do País. A única coisa que dá a impressão é de um governo que não quer trabalhar. Só quer ficar contra estudo, contra Educação, contra tudo que é decente e civilizatório nesse País.

A senhora acha que existe risco de o presidente tentar algum tipo de golpe para se manter no poder?

A gente tem de separar o que é o desejo do presidente Bolsonaro. O que deseja Bolsonaro é que possa ter uma situação em que ele vá até às últimas consequências. E isso ele deixa claro o tempo todo. Ele vai flertando com essa possibilidade, com essa atitude de mostrar que tem a força, que tem o poder das armas. É parte desse arsenal de tentativa e erro nessa agenda nefasta. A gente tem de separar isso. E o outro é o que a realidade permite, onde a sociedade brasileira resiste a qualquer tipo de golpe. As instituições têm agido vigorosamente contra toda e qualquer tentativa de intimidação e nessas semanas isso têm até se intensificado. Então, essa separação precisa ser feita.

A senhora deixou claro que não apoiará Bolsonaro e nenhuma hipótese. Poderá apoiar Lula, caso essa seja a alternativa contra a reeleição do presidente?

Temos de trabalhar com a perspectiva da política como um processo dinâmico, vivo, pró-ativo, reativo, livre. Porque essa ideia de você não dar às pessoas a possibilidade da opção também estreita os caminhos da nossa democracia. É preciso que a gente trabalhe com a perspectiva de escolhas. Eu trabalho para que a gente possa construir uma alternativa à polarização. Mas com a clareza de que a democracia é um balizador fundamental para esse debate. É claro que, nesse momento, nessa situação que o Brasil está vivendo, Bolsonaro é o vetor de todas essas mazelas. Temos que ter a clareza dessas coisas. Mas quando você também estreita os caminhos em torno de escolher o que já está posto, não é escolha. A escolha pressupõe um terceiro. Quando esse terceiro ainda não existe, a gente tem de trabalhar para construir. É isso que eu estou fazendo. Numa clareza que a democracia é um valor que não vai ser relativizado e que o Bolsonaro é uma ameaça a esse valor. 

Marcelo de Moraes, O Estado de S.Paulo, em 13 de agosto de 2021 | 15h23

STF aumenta carga em resposta a Bolsonaro com nova investigação, agora sobre vazamento de dados
É a quarta investigação contra o presidente na corte. 

Ministro Alexandre de Moraes aceitou pedido do 
TSE para apurar a divulgação de informações sobre ataque de hacker em 2018


O presidente Jair Bolsonaro participa de cerimônia no Palácio do Planalto, em Brasília, nesta quarta-feira, 11 de agosto. (EVARISTO SA / AFP)

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou nesta quinta-feira que o presidente Jair Bolsonaro será investigado por suposto vazamento de dados sigilosos da Polícia Federal, ao divulgar informações sobre um ataque de hacker sofrido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2018. Trata-se da quarta investigação contra Bolsonaro no âmbito da corte —a segunda contra o presidente que será incorporada ao inquérito das fake news—, mais uma vez graças a decisão de Moraes, que é o relator. Ao acolher a notícia-crime do TSE, Moraes determinou que o Facebook, o Twitter, o Telegram, o Linode (Cloudfare) e a Bitly excluam as publicações de Bolsonaro nas redes sobre o tema.

O ministro ainda determinou a investigação do deputado federal Filipe Barros (PSL-PR) e do delegado da Polícia Federal Victor Neves Feitosa Campo, que conduz as investigações sobre o ataque do hacker ao TSE. O ministro também determinou que o delegado seja afastado do inquérito, requerendo a “instauração de procedimento disciplinar para apurar os fatos (divulgação de segredo), que, igualmente, deverá providenciar a substituição da autoridade policial”. Barros e Campo deverão prestar depoimento em no máximo 10 dias, mas não há qualquer menção sobre ouvir também o presidente.

Na última quinta-feira, faltando poucos dias para a Câmara deliberar sobre o voto impresso —uma obsessão do presidente com o objetivo de tumultuar as eleições de 2022 e criar o ambiente para uma ruptura democrática—, Bolsonaro divulgou em sua live semanal no Facebook a íntegra do inquérito sigiloso da PF em que se apura o ataque ao sistema interno do TSE em 2018 —ele já havia tratado do assunto ao lado do deputado Filipe Barros em entrevista na rádio Jovem Pan. Ao seu lado, mais uma vez, estava o deputado Barros, relator da proposta de instaurar novamente o voto impresso que foi analisada e rejeitada na comissão especial da Câmara. O texto original sobre o assunto, relatado pela deputada Bia Kicis (PSL-DF), seria analisado pelo plenário da Câmara nesta terça-feira, e também acabou enterrado.

Na última segunda-feira, os sete ministros titulares que integram o TSE enviaram a Moraes uma notícia-crime apontando que “a publicação das informações da Justiça Eleitoral encontra-se igualmente vinculada ao contexto de disseminação de notícias fraudulentas acerca do sistema de votação brasileiro, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder Judiciário e o Estado de Direito”.

Bolsonaro reagiu ainda nesta quinta-feira, durante sua live semanal no Facebook, repetindo que havia dito na semana passada. “Fiquei sabendo agora que o ministro Alexandre de Moraes determinou que as publicações que mantenho na minha página, os linkizinhos, do inquérito da Polícia Federal, devem ser retirados”, disse o presidente, acrescentando que “todo mundo já copiou” o conteúdo. Bolsonaro disse que a demora para finalizar o inquérito, que leva dois anos e meio, é sinal de interferência externa. Também sobrou mais uma vez para o ministro Luis Roberto Barroso, que Bolsonaro chamou de “tapado”, depois de dizer que não gostaria adjetivá-lo. O presidente respondia às críticas de Barroso a uma possível contagem de votos manual, que levaria semanas e atrapalharia o funcionamento das escolas que servem como zona eleitoral.

A tensão entre Bolsonaro e o Supremo piorou quando o presidente foi incluído por Moraes, na quarta-feira da semana passada, no inquérito das fake news, por alegações sem fundamento contra o sistema de voto eletrônico no Brasil e ameaças à realização das eleições de 2022. No mesmo dia, Bolsonaro atacou: “Sem comentário. Está dentro das quatro linhas da Constituição? Não está, então o antídoto para isso também não é dentro das quatro linhas da Constituição”, declarou à rádio Jovem Pan. O presidente do Supremo, Luiz Fux, cancelou uma reunião que teria com o presidente e saiu em defesa dos integrantes da Corte.

Além dessas duas investigações, reunidas no inquérito das fake news, Bolsonaro também é algo de uma investigação que apura a suspeita de interferência política no comando da Polícia Federal, denunciada pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro, em abril do ano passado. O mandatário aindsa é investigado por determinação da corte sob suspeita de prevaricação —um crime contra a administração pública, que ocorre quando um agente público deixa de cumprir seu dever por interesse pessoal— nas negociações sobre a compra da vacina indiana Covaxin. Segundo relatado na CPI da Pandemia pelo deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) e seu irmão, servidor do Ministério da Saúde, Bolsonaro foi informado de pressão atípica para aprovar a compra do imunizante contra a covid-19, e o inquérito apura se o mandatário tomou providências no caso —após o depoimento dos irmãos Miranda à CPI, o contrato com a fabricante da vacina foi cancelado.

FELIPE BETIM, de S. Paulo para o EL PAÍS, em 12 AGO 2021

Ao TSE, ministro da Justiça admite não ter prova de fraude eleitoral

Ministro foi convocado a depor após participar de live em que Bolsonaro apresentou teorias e vídeos já desmentidos para desacreditar urnas eletrônicas. Coronel que participou da transmissão também nega ter provas.

Checagem de urnas eletrônica em Curitiba, em 2020

O ministro da Justiça, Anderson Torres, reconheceu em depoimento nesta quinta-feira (12/08) ao corregedor-geral eleitoral, ministro Luis Felipe Salomão, que não há prova de que tenham ocorrido fraudes nas eleições, ao contrário do que vem afirmando o presidente Jair Bolsonaro.

O depoimento do ministro da Justiça faz parte de um inquérito administrativo aberto pelo Tribunal Superior Eleitoral no início do mês para investigar Bolsonaro por ataques ao sistema eleitoral.

Torres participou de uma live ao lado do presidente no dia 29 de julho, na qual, durante mais de duas horas, Bolsonaro exibiu teorias falsas, cálculos equivocados e vídeos antigos, já verificados e desmentidos, mas que ainda circulam na internet, como falsos indícios de fraude no sistema eleitoral.

O ministro da Justiça, Anderson Torres

O coronel da reserva Eduardo Gomes, outro que participou da live de Bolsonaro, também prestou depoimento a Salomão nesta quinta e igualmente negou ter provas de fraudes eleitorais, segundo apurou a TV Globo.

Salomão determinou a inclusão no inquérito do pedido do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes para apurar se a participação do ministro da Justiça na transmissão ao vivo ao lado do presidente pode ser enquadrada como propaganda eleitoral antecipada.

O ministro da Justiça também será chamado para depor à Polícia Federal no inquérito sobre fake news que tramita no Supremo Tribunal Federal.

O inquérito

O inquérito administrativo para investigar a conduta de Bolsonaro aprovado pelo TSE em 2 de julho foi proposto pelo próprio Salomão e apura "relatos e declarações sem comprovação de fraudes no sistema eletrônico de votação com potenciais ataques à democracia". Salomão havia notificado Bolsonaro em junho a apresentar provas de irregularidades nas urnas eletrônicas, mas não teve resposta.

O inquérito irá investigar a possível prática dos crimes de corrupção, fraude, propaganda eleitoral antecipada, abuso de poder econômico e político e uso indevido dos meios de comunicação social por Bolsonaro.

Também nesta quinta, foi encaminhado ao TSE um relatório da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), que exibiu a polêmica live de Bolsonaro, sobre o possível uso da entidade para promoção do governo federal.

Na esfera eleitoral, a depender do resultado do inquérito e de um eventual processo com direito de defesa, se o TSE decidir condenar Bolsonaro, a Corte tem poder para declarar a sua inelegibilidade em 2022, o que o impediria de tentar a reeleição. 

Barroso anuncia medidas

Também nesta quinta-feira, o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, anunciou novas medidas para ampliar a transparência no sistema de votação por meio de urnas eletrônicas e "publicizar ainda mais os mecanismos de auditoria".

O ministro já ressaltou repetidas vezes que a urna eletrônica é segura e auditável e insiste que jamais foi registrado caso de fraude desde a implementação das urnas eletrônicas, em 1996.

No entanto, Barroso afirmou considerar ser necessário prestar esclarecimentos aos cidadãos que têm dúvidas sobre a integridade do processo eleitoral, apesar de a Câmara dos Deputados ter derrubado o voto impresso nesta semana. Bolsonaro defende o voto impresso como forma de assegurar eleições transparentes, semeando dúvidas sobre a integridade das urnas eletrônicas.

Entre as medidas anunciadas por Barroso está a ampliação do tempo, para um ano antes do pleito, em que o código-aberto das urnas ficará disponível para partidos e técnicos. Também será feito um convite para que partidos participem da inseminação do programa nas urnas e será criada uma comissão externa composta por pessoas da sociedade civil e instituições públicas para fiscalizar cada etapa do processo.

"Não há como fraudar o programa, uma vez lacrado", ressaltou o ministro. "E nós queremos fazer isso com a participação e na frente de todos os partidos políticos, além do Ministério Público e da Polícia Federal, que já participam normalmente desse momento."

Deutsche Welle Brasil, em 13.08.2021

Roberto Jefferson é preso no inquérito das milícias digitais

PF prende aliado de Bolsonaro após autorização de Alexandre de Moraes. Ministro do STF disse que ex-deputado integra núcleo político de uma organização criminosa digital que visa desestabilizar instituições democráticas.

Moraes também deu aval para o cumprimento de mandados de busca e apreensão contra Jefferson

A Polícia Federal (PF) prendeu na manhã desta sexta-feira (13/08) o ex-deputado Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB, no âmbito do inquérito que apura milícias digitais. Aliado de Jair Bolsonaro, ele foi detido em sua residência na cidade de Levy Gasparian (RJ).

A prisão foi solicitada pela delegada Denisse Ribeiro, da PF, e autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Ele também deu aval para o cumprimento de mandados de busca e apreensão.

A investigação que apura milícias digitais foi aberta por Moraes em julho, depois de o procurador-geral da República, Augusto Aras, pedir o arquivamento do inquérito dos atos antidemocráticos, realizados no primeiro semestre do ano passado.

Substituindo a apuração arquivada, o ministro do Supremo abriu a nova investigação visando verificar a atuação de uma possível organização criminosa na internet que atuaria com o objetivo de atacar o Estado Democrático de Direito e desestabilizar as instituições democráticas.

À época, Moraes afirmou que é preciso investigar se apoiadores de Bolsonaro estariam usando as estruturas do Palácio do Planalto, da Câmara dos Deputados e do Senado para disseminar informações falsas nas redes sociais e atacar a democracia.

O mandado contra Jefferson é de prisão preventiva, ou seja, não tem prazo determinado para acabar. O pedido foi assinado por Moraes sem o posicionamento da PGR, que perdeu o prazo de 24 horas para se manifestar sobre a prisão.

O ministro também determinou a apreensão de armas e munições na residência do ex-deputado, bem como computadores, celulares e outros dispositivos eletrônicos. Também foi autorizado o bloqueio do perfil de Jefferson no Twitter.

Mais cedo nesta sexta-feira, Jefferson havia informado em redes sociais que a PF fez buscas na casa de sua ex-mulher. ​​"A Polícia Federal foi à casa de minha ex-mulher, mãe de meus filhos, com ordem de prisão contra mim e busca e apreensão. Vamos ver de onde parte essa canalhice", escreveu o ex-parlamentar.

"Mote final é derrubar a democracia"

Ao autorizar a prisão de Jefferson, Moraes escreveu que o ex-deputado faz parte do "núcleo político" dessa suposta organização criminosa digital que visa "desestabilizar as instituições republicanas". O grupo, segundo o ministro, atua "de forma sistemática para criar ou compartilhar mensagens que tenham por mote final a derrubada da estrutura democrática e o Estado de direito no Brasil".

Moraes menciona ataques repetidos do ex-deputado ao Congresso, ao Supremo e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), defendendo, por exemplo, o fechamento dos órgãos, a cassação de seus membros, "o retorno da ditadura e o afastamento da fiel observância da Constituição".

Segundo o despacho, Jefferson agiu com o "nítido objetivo de tumultuar, dificultar, frustrar ou impedir o processo eleitoral, com ataques institucionais ao Tribunal Superior Eleitoral e ao seu ministro presidente", Luís Roberto Barroso.

O presidente do PTB "pleiteou o fechamento do Supremo Tribunal Federal, a cassação imediata de todos os ministros para acabar com a independência do Poder Judiciário, incitando a violência física contra os ministros, porque não concorda com os seus posicionamentos".

Moraes também diz que ele "incitou, por mais de uma vez, a prática de crimes (invasão ao Senado Federal, agressão a agentes públicos e/ou políticos etc), ofendeu a dignidade e o decoro de ministros do STF, senadores integrantes da CPI da Covid-19 e outras autoridades públicas".

Segundo o ministro, a insistência em tais atos é "gravíssima, pois é atentatória ao Estado Democrático de Direito e às suas instituições republicanas".

Deutsche Welle Brasil, em 13.08.2021

quinta-feira, 12 de agosto de 2021

TSE adotará medidas para dar mais transparência ao funcionamento da urna eletrônica

Cidadãos, partidos políticos, instituições públicas e técnicos interessados no sistema eleitoral brasileiro poderão acompanhar cada etapa de preparação das urnas para a eleição do ano que vem

Servidores da Justiça Eleitoral preparam urnas eletronicas. Foto: Dida Sampaio / Estadão

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, anunciou nesta quinta-feira, 12, quatro novas medidas para tornar o processo eleitoral mais transparente e confiável em meio à onda de desinformação que cerca o assunto. A ação ocorre dois dias após a derrota do presidente Jair Bolsonaro na votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do voto impresso na Câmara dos Deputados. Apesar de ter fracassado ao encampar o discurso contra a urna eletrônica, Bolsonaro continua colocando em xeque a segurança do sistema e a realização de eleições em 2022.

Diante dos constantes ataques que o sistema de votação eletrônico tem sofrido, a Justiça Eleitoral tornará público o acesso a alguns mecanismos de auditabilidade da urna, como a inserção dos programas, a inspeção do código-fonte, o teste de integridade do dispositivo e ainda vai estimular a presença de fiscais independentes no TSE para atestarem a confiança em cada uma das etapas.

“No início da sessão, expliquei às pessoas de boa-fé que o TSE é contra o voto impresso porque ele faria mal à democracia e ao sistema eleitoral. Anunciei providências para aumentar a transparência e o acompanhamento por parte dos partidos e da sociedade”, escreveu Barroso em uma rede social.

Dentre as medidas anunciadas, o tribunal eleitoral apresentou a possibilidade de partidos políticos, técnicos e especialistas inspecionarem os códigos-fonte (programa instalado na urna que permite a computação do voto e a totalização do resultado) um ano antes da realização das eleições. A partir de 1º de outubro deste ano*,* os interessados poderão comparecer ao tribunal para acompanhar o processo desde o início. Anteriormente, a inspeção só podia ser realizada seis meses antes do pleito.

Outra novidade apresentada pela Justiça Eleitoral na tentativa de despistar os boatos e notícias falsas que envolvem a votação eletrônica é a possibilidade de os partidos políticos participarem como fiscais do processo de inserção dos programas computacionais na urna. O convite aos dirigentes e filiados partidários tem a intenção de garantir que os envolvidos verifiquem que o software utilizado é o mesmo que foi assinado digitalmente e lacrado.

“A realidade é que os partidos não compareciam, nem indicavam seus técnicos. Assim foi nas Eleições de 2016, nas Eleições de 2018, nas Eleições de 2020: nenhum partido compareceu para fiscalizar. Alguém poderia imaginar que é desídia dos partidos, mas não. Era a confiança que tinham no sistema e, por isso, nem se sentiam obrigados a vir aqui ver como estava sendo feito”, disse Barroso.

O conjunto de medidas inclui também um estudo em desenvolvimento pela Secretaria de Tecnologia do TSE, cujo objetivo é aumentar o número de urnas eletrônicas auditadas às vésperas das eleições no teste de integridade. O procedimento consiste na escolha de cem urnas aleatoriamente para serem submetidas a uma simulação de votação em que são coletados os votos dos eleitores também em cédulas de papel para contrastar com os registros contidos na urna. O presidente do TSE frisou que o processo é realizado em ambiente controlado, com uso de câmeras, e que nunca houve divergência entre o resultado das urnas e dos registros em papel.

Por fim, o tribunal eleitoral anunciou a criação de uma comissão fiscalizadora formada por instituições públicas e cidadãos que terá o papel de acompanhar dentro do TSE cada etapa da preparação das urnas. O objetivo é que os envolvidos entendam como funciona o processo eleitoral em suas variadas fases de execução.

Weslley Galzo, de Brasília para O Estado de S. Paulo, em 12.08.2021 

Em sinal de aliança para 2022, FHC, Temer e Sarney se unem para discutir crise institucional

Ex-presidentes vão participar, no dia 15, do seminário ‘Um novo rumo para o Brasil’ e partidos costuram programa para eleições

Os ex-presidentes FHC, Temer e José Sarney Foto: Alex Silva, Daniel Teixeira e Dida Sampaio/Estadão

Diante de uma crise que só se avoluma, os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Michel Temer e José Sarney entraram em cena com um extintor na mão e uma aliança na cabeça. Os três vão participar da abertura de um ciclo de debates intitulado “Um novo rumo para o Brasil”, em 15 de setembro. Mais do que um seminário, no entanto, a iniciativa aponta para uma convergência entre PSDB, MDB, DEM e Cidadania nas eleições presidenciais de 2022. A ideia em discussão nos quatro partidos organizadores da conferência é apresentar uma chapa única ao Palácio do Planalto, logo após o carnaval.

Sob o mote “Crise Institucional e a Democracia”, o painel que terá a presença dos três decanos da política será mediado pelo ex-ministro da Defesa e da Justiça Nelson Jobim. Em maio, Jobim foi anfitrião de um almoço entre Fernando Henrique e o também ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que estiveram em lados opostos nas últimas sete eleições presidenciais. FHC chegou a dizer que, se o segundo turno de 2022 ficar entre Lula e o presidente Jair Bolsonaro, votará no petista.

A declaração provocou irritação na cúpula do PSDB, que viu um incentivo à traição naquele movimento. Na tentativa de amenizar o mal-estar, Fernando Henrique afirmou, no mês passado, que o governador de São Paulo, João Doria, terá o seu voto. Doria vai disputar prévias no PSDB, em novembro, para a escolha do pré-candidato do partido à sucessão de Bolsonaro. Seus adversários nas fileiras tucanas são o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite; o senador Tasso Jereissatti (CE) e o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio.

Em campanha, Doria jantou nesta quarta-feira, 11, com a bancada do PSDB na Câmara e no Senado, em um hotel de Brasília. Circulou com desenvoltura entre as mesas e, com microfone em punho, fez um discurso para recuperar a auto-estima do partido. Exibiu para os convidados um vídeo mostrando sua trajetória, que cada um pôde levar como recordação, em forma de pen drive. Não citou FHC, mas, em mais um aceno para a aliança que vem sendo construída com o MDB, elogiou Temer, dizendo que ele foi um presidente “injustiçado”.

Doria

De posse de pesquisas indicando que o PSDB vem perdendo cada vez mais sua identidade, além de votos, Doria – que se apresenta na campanha como “João” – adotou o slogan “Um candidato a presidente vencedor”. No convescote da noite de quarta, o painel que decorava o ambiente já trazia a inscrição “Para o PSDB voltar a vencer”.

A pergunta, agora, é como os quatro partidos de centro que estão na organização dos debates virtuais poderão adotar ações práticas para 2022. O DEM, por exemplo, tem como pré-candidato o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, mas o presidente do partido, ACM Neto, também negocia com Ciro Gomes (PDT), de quem é próximo. Além disso, Neto rompeu com Doria depois que ele filiou Rodrigo Garcia ao PSDB, tirando do DEM o vice-governador de São Paulo, agora candidato ao Palácio dos Bandeirantes.

“É uma convergência em torno de ideias, e não de nomes”, disse o ex-deputado Marcus Pestana (PSDB), presidente do Conselho Curador do Instituto Teotônio Vilela. “Mas, como diz Fernando Henrique, uma hora teremos de fulanizar”, emendou, rindo.

Integrante da comissão que organiza as prévias do PSDB, Pestana tem se reunido com Moreira Franco (MDB), autor do programa “Uma Ponte para o Futuro”, em 2015; José Mendonça Filho (DEM) e Luciano Rezende (Cidadania), curadores do seminário “Um novo rumo para o Brasil”.

O ponto alto será a participação de FHC, Temer e Sarney na abertura, mas todos os painéis vão abordar a democracia, ao longo de oito dias, enfocando, ainda, crise fiscal, desigualdade social, segurança pública, meio ambiente, mercado de trabalho, pandemia e identidade de gênero.

Em junho de 2018, Pestana foi um dos articuladores do manifesto “Por um Polo Democrático e Reformista”, que tinha Fernando Henrique como um dos signatários e também pregava a união do centro para enfrentar posicionamentos “extremistas”. “Tudo o que Brasil não precisa, para a construção de seu futuro, é de mais intolerância, radicalismo e instabilidade”, dizia o documento. À época, Geraldo Alckmin foi o candidato do PSDB à Presidência e protagonizou o pior desempenho do partido em eleições para o Palácio do Planalto, amargando o quarto lugar na disputa, com menos de 5% dos votos. Alckmin, agora, está de saída do PSDB e a um passo de se filiar ao PSD de Gilberto Kassab.

O capítulo da intolerância, radicalismo e instabilidade contido naquele manifesto do “Polo Democrático”, no entanto, continua na ordem do dia, hoje com maior gravidade. Na terça-feira, 10, blindados desfilaram na Praça dos Três Poderes, o governo foi derrotado nas votações da Lei de Segurança Nacional e do voto impresso, mas Bolsonaro não recuou em suas ameaças. O presidente continua na ofensiva contra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF), dizendo que as eleições de 2022 estão “sob desconfiança” sem voto impresso, embora nunca tenha apresentado provas de fraude em urnas eletrônicas. Ao contrário: além de ter sido eleito por esse sistema, nos anos 1990 Bolsonaro defendia a informatização da apuração, sob o argumento de que, sem isso, os militares teriam votos surrupiados.

“Todos nós estamos com as barbas de molho com o que está acontecendo. Aquele documento do Polo Democrático foi um aprendizado e sabemos que não há mais chance de o centro se dividir”, afirmou Pestana. “Depois das prévias do PSDB, quando tivermos nosso candidato, vamos sentar à mesa com os potenciais aliados porque precisamos entrar em fevereiro de 2022 com uma chapa definida”. A ideia é verificar qual nome terá mais apoio e alinhavar um programa de governo conjunto. Nesta temporada de crises diárias, porém, até o nome “terceira via” parece desatualizado.

Há racha no PSDB, no MDB, no DEM e até mesmo no Centrão. Na tentativa de acalmar os ânimos, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL) tem dito que, nesse confronto dos Poderes com o governo, não pode haver “nem vencidos nem vencedores”. Acuado pela CPI da Covid e com popularidade em queda, Bolsonaro já avisou, porém, que essa máxima não vale para ele e empinou novamente o discurso de que é vítima do sistema, a ser reforçado na campanha de 2022. A temporada de crises parece longe de terminar.

Vera Rosa, Repórter Especial d'O Estado de São Paulo, em Brasília. Publoicado originalmente em 12.08.2021, às 15h58

A contradição entre recordes no agronegócio e fome no Brasil

Enquanto milhões passam fome, exportação de alimentos decola. Além do foco do agronegócio na demanda global, desmonte de políticas para agricultura familiar contribui para insegurança alimentar, apontam especialistas.    

Distribuição de alimentos em Paraisópolis. Nos últimos meses de 2020, 19 milhões de brasileiros passaram fome

Após ter deixado o mapa da fome da ONU em 2014, o Brasil tem convivido com um cenário de crescente insegurança alimentar. Nos últimos meses do ano passado, 19 milhões de brasileiros passaram fome, e mais da metade dos domicílios no país enfrentou algum grau de insegurança alimentar. Os dados são de um estudo nacional realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan). 

O problema tem diversas justificativas, como a inflação que afeta gêneros alimentícios básicos desde o ano passado, o alto índice de desemprego no país e a defasagem do Bolsa Família. Chama atenção, entretanto, que o crescimento da fome no Brasil coincida com um pico na exportação de gêneros alimentícios. 

Em junho, o agronegócio bateu mais um recorde ao faturar 12,11 bilhões de dólares com a venda de produtos agropecuários para o exterior. A cifra é 25% maior que os 9,69 bilhões de dólares registrados no mesmo mês do ano passado. A marca recorde também fora superada nos meses de abril e maio. 

O centro de pesquisa Agro Global, ligado ao Insper, estima que as exportações do setor devem alcançar 120 bilhões de dólares neste ano, 20% a mais do que em 2020. Tendo se tornado um “fiador” da balança comercial, a agropecuária se tornou o setor mais importante da economia nacional, em processo de desindustrialização desde os anos 1980. 

Embora integre a cadeia produtiva do país, o agronegócio é um mercado dominado globalmente por um seleto grupo de multinacionais. Juntas, as empresas ADM, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus controlam 70% da produção, comercialização e transporte de produtos agrícolas. O setor é marcado por sucessivas fusões entre grandes marcas, que aumentam a concentração dos mercados de sementes, agrotóxicos e terras.

Demanda internacional

Nessa configuração, o foco do agronegócio está no atendimento da demanda global por commodities, que vivem um boom de preços. Os resultados expressivos alcançados pelo setor no Brasil se justificam também pela desvalorização do real, que torna os produtos mais competitivos no exterior.

"Como uma economia capitalista agrícola globalizada que produz commodities, o agronegócio vende para qualquer mercado que puder comprar. Hoje, a população não consegue comprar arroz porque o compromisso econômico do agronegócio é com o mercado internacional", critica o geógrafo Ricardo Gilson, professor da Universidade Federal de Rondônia (UNIR).

O arroz, lembrado pelo pesquisador, é um dos itens básicos da rotina alimentar dos brasileiros que mais foi afetado pela inflação, chegando a registrar 70% de aumento nos preços ao longo de 12 meses. 

Para o agrônomo Silvio Porto, ex-diretor da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e professor da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), a principal causa do desequilíbrio no preço do arroz foi o aumento extraordinário da demanda internacional.

"A maioria dos produtores não tem capacidade de armazenagem, e fica dependente da indústria processadora. Para esse setor, não faz diferença vender internamente ou exportar. Resultado: mais de 13% da safra foi para o exterior, gerando esse efeito interno", explica.

A tese de que as exportações têm efeito inflacionário dentro do Brasil é rejeitada por Bruno Lucchi, diretor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), entidade que representa o agronegócio. 

"A exportação não compete com o mercado interno. O problema do custo alto dos alimentos hoje é mundial, devido à alta dos insumos e problemas climáticos severos, como a seca. A venda para o exterior permite que os produtores não aumentem o preço internamente, por compensar as perdas", comenta.

"Celeiro do mundo" x insegurança alimentar

Em participação no Congresso Brasileiro do Agronegócio, em 2018, o então representante da FAO no Brasil, Alan Bojanic, afirmou que o país tem condições para ser o “celeiro do mundo”. Atualmente, o Brasil é o maior exportador de carne bovina e o segundo maior exportador de grãos no mundo.

Internamente, no entanto, a participação do agronegócio na garantia da segurança alimentar é limitada. Embora seja responsável pela maior parte da produção de gêneros alimentícios que integram a rotina alimentar das famílias brasileiras, como carne bovina, milho, arroz e trigo, não há reservas destinadas ao mercado nacional. 

Embora movimentos sociais ligados ao campo afirmem que a agricultura familiar responde por 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros, o dado é de difícil mensuração, segundo especialistas. Mesmo assim, a importância desse segmento produtivo para a segurança alimentar no país é incontestável. 

Dados do Censo Agropecuário 2017-2018 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a participação da agricultura familiar na geração de receitas no campo foi de 23% do total, percentual inferior aos 38% aferidos pelo mesmo estudo em 2006.

Mesmo enfraquecido, o segmento teve contribuição relevante na produção de hortaliças, frutas e legumes, como alface (64,4%), banana (48,5%) e mandioca (69,6%), além do leite de vaca (64,2%). 

Agricultura familiar já sofria antes da pandemia

Embora o aumento da fome tenha relação direta com os efeitos econômicos da pandemia, a situação já vinha se agravando nos últimos anos. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a insegurança alimentar grave estava presente no lar de 10,3 milhões de brasileiros entre 2017 e 2018.

O período analisado reflete os impactos de mudanças nas políticas públicas destinadas à segurança alimentar durante o governo do ex-presidente Michel Temer. Durante seu mandato, entrou em vigor a emenda constitucional que instituiu o teto de gastos públicos.

Nesse contexto, Temer realizou cortes orçamentários drásticos em programas voltados ao incentivo da agricultura familiar reconhecidos internacionalmente. O ex-presidente ainda extinguiu o Ministério do Desenvolvimento Agrário, deixando a agricultura familiar sob o guarda-chuva do Ministério da Agricultura, ocupado por representantes do agronegócio.

Uma das principais políticas públicas voltadas ao incentivo da agricultura familiar foi o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). A iniciativa consiste no repasse de recursos da União a estados e municípios para a compra de produtos de comunidades tradicionais. Os alimentos comprados são repassados à rede socioassistencial e aos equipamentos de nutrição destinados a pessoas em situação de insegurança alimentar.

O impacto do PAA foi tamanho que a Organização das Nações Unidas (ONU) o replicou em países africanos. Todavia, junto com o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), o PAA vem sofrendo com sucessivos cortes. Das 297 mil toneladas de alimentos comercializadas por meio do programa em 2012, o número despencou para apenas 14 mil toneladas em 2019, primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro. 

Sem reservas no agronegócio destinadas ao mercado nacional, agricultura familiar desempenha papel fundamental na alimentação dos brasileiros

Já o programa Um Milhão de Cisternas, absorvido posteriormente pelo Água Para Todos, sofreu cortes de 95%. Em 2020, no governo Bolsonaro, foi registrado o patamar mais baixo de construção de cisternas pelo programa desde sua criação, há 17 anos, com apenas 8.310 unidades. 

"Na vida de uma mulher que precisava acordar cedinho para ir buscar água longe todos os dias, ter uma cisterna do lado de casa é como ganhar na loteria", comenta Gizelda Beserra. A agricultora de 47 anos integra o Polo da Borborema, que reúne 13 sindicatos rurais e 150 associações comunitários no município de mesmo nome. 

No semi-árido do Cariri paraibano, o grupo articulado há 25 anos se fortaleceu pelas políticas públicas destinadas à agricultura familiar e a assessoria prestada pela Articulação Nacional de Agroecologia.

"Os programas de apoio à agricultura familiar permitiram ter um excedente maior de produção e a sustentabilidade das famílias. A gente conseguiu reestruturar nossas propriedades, de modo que o jovem não precisava ir embora para cidades como São Paulo ou Rio de Janeiro. De repente, a gente sai desse cenário e vai para um governo que só fortalece o agronegócio", afirma Gizelda.

De acordo com o Censo Agropecuário 2017-2018, a queda na geração de receitas pela agricultura familiar foi acompanhada por uma redução de 9,5% no número de estabelecimentos rurais classificados dessa forma e 17,6% no total de pessoal ocupado em atividades desse segmento.

O impacto do abandono de políticas públicas exitosas no campo foi mencionado em um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade Livre de Berlim sobre a segurança alimentar no Brasil.

"O enfraquecimento destas políticas, reconhecidas mundialmente como ações exitosas que contribuem para a meta de erradicação da fome, sendo importantes impulsionadoras da saída do Brasil do Mapa da Fome da FAO, em 2014, dificulta que os indivíduos mais pobres tenham acesso a alimentos", afirmam os autores.

Ao mencionar os "retrocessos institucionais e orçamentários na agenda da segurança alimentar e nutricional”, os pesquisadores citam a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), uma das primeiras medidas do governo de Jair Bolsonaro.

PL da Grilagem e acesso à terra

Dentre as várias dificuldades enfrentadas pelos produtores rurais, uma das mais estruturais e antigas é o acesso à terra. Sem nunca ter passado por uma reforma agrária, o Brasil tem 45% de sua superfície agrícola concentrada em 1% dos estabelecimentos rurais, de acordo com a organização internacional Oxfam.

Especialistas veem um risco acentuado de aumento da concentração de terras com a tramitação do PL 2.633, aprovado na Câmara dos Deputados, conhecido como "PL da Grilagem" por ambientalistas. Entre outros pontos, a proposta permite que médias propriedades consigam a posse de terra sem vistoria presencial.

As mudanças são criticadas pelo geógrafo Ricardo Gilson, professor da UNIR, que enxerga um desvio de finalidade na atuação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) nesse processo.

"No âmbito do Ministério da Agricultura, comandado pelo agronegócio, o Incra apoia o PL da Grilagem, que o enfraquece, e se resume a uma instituição cartorial para legitimar e ampliar a grilagem. Há um esvaziamento total de suas finalidades e a perda da perspectiva de reforma agrária e função social da terra", afirma.

Deutsche Welle Brasil, em 12.08.2021

Congresso manobra para liberar R$ 7 bilhões de verba pública a partidos em 2022

Após aumento do fundo eleitoral para R$ 5,7 bi, parlamentares tentam ampliar para R$ 1,3 bi valor destinado ao custeio de partidos; recursos podem abastecer campanhas

Movimento do Congresso para ampliar valor ganhou força após STF proibir doação empresarial de campanha. (Foto: Cleia Viana/Agência Câmara)

Além de aumentar o fundo eleitoral para R$ 5,7 bilhões em 2022, o Congresso se movimenta para adotar duas medidas que têm influência nas eleições do ano que vem: turbinar o Fundo Partidário, aquele pago todos os anos às legendas, e retomar a propaganda das legendas no rádio e na TV fora do período eleitoral. As mudanças devem ampliar o montante de recursos públicos para as campanhas e pressionar o teto de gastos, que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior.

Em 2021, o Orçamento prevê R$ 979,4 milhões para o Fundo Partidário. Para 2022, a estimativa é de que o fundo tenha R$ 1,061 bilhão, caso não haja mudança na lei. Um projeto aprovado no Senado em julho, porém, traz a volta da propaganda das siglas e aumenta os recursos do Fundo Partidário para financiar as inserções no rádio e na TV.

Movimento do Congresso para ampliar valor ganhou força após STF proibir doação empresarial de campanha. Foto: Cleia Viana/Agência Câmara

Se a proposta receber o aval da Câmara e for sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, o valor vai aumentar para R$ 1,3 bilhão no ano que vem, conforme análise da Consultoria de Orçamento do Senado repassada ao Estadão/Broadcast. Somados os dois fundos (eleitoral e partidário), o gasto público com as eleições de 2022 pode chegar a R$ 7 bilhões, um patamar inédito.

Diferentemente do fundo eleitoral, pago apenas no período das disputas, o Fundo Partidário é transferido todos os anos para as legendas com registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). É um recurso para bancar o funcionamento dos diretórios e as atividades diárias das siglas. Em ano eleitoral, porém, o dinheiro pode ser usado para irrigar as campanhas. A única exigência é gastar 5% do total com a promoção da participação de mulheres na política, regra que o Congresso tenta flexibilizar.

A articulação para ampliar os valores ganhou força após o Supremo Tribunal Federal (STF) proibir o financiamento empresarial de campanhas. A retomada dessa proposta chegou a ser ensaiada no Legislativo neste ano, mas não andou. O presidente Jair Bolsonaro já prometeu vetar o aumento do fundo eleitoral, mas admitiu negociar uma reserva de R$ 4 bilhões, patamar exigido pelo Centrão.

Propaganda. No dia 14 de julho, o Senado aprovou um projeto para recriar a propaganda partidária, extinta em 2017. A proposta foi apresentada pelos senadores Jorginho Mello (PL-SC) e Wellington Fagundes (PL-MT) e é relatada por Carlos Portinho (PL-RJ), todos aliados de Bolsonaro. O PL é um dos principais partidos do Centrão. A proposta estabelece que o Fundo Partidário seja reforçado em ano eleitoral com os valores da compensação fiscal que as emissoras de rádio e TV receberam em 2016, por causa da propaganda. Em ano não eleitoral, a referência será 2017.

Se os valores forem aplicados, o Fundo Partidário terá R$ 1,291 bilhões em 2022 e R$ 1,658 bilhão em 2023, sempre aumentando nos anos seguintes, de acordo com a análise da consultoria. Os senadores aprovaram o aumento sob a justificativa de bancar o retorno da propaganda, que gera renúncia fiscal para a União. A Consultoria do Senado afirma, porém, que a compensação não é suficiente, em razão do teto de gastos, que limita o crescimento das despesas independentemente da arrecadação.

Nos últimos anos, o Fundo Partidário tem sido reajustado pela inflação por causa do teto. É o que estabelece o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) aprovado no Congresso. O texto precisa ser sancionado ou vetado pelo presidente Jair Bolsonaro até o próximo dia 20.

A intenção de retomar a propaganda partidária é tão efetiva no Congresso que os parlamentares aprovaram um dispositivo na LDO de 2022 para obrigar o governo a prever despesas com o ressarcimento das emissoras de rádio e TV pelas inserções. No parecer do projeto do Senado, o relator Carlos Portinho argumentou “que há necessidade do fortalecimento do Fundo Partidário” para arcar com o novo gasto previsto”.

“A propaganda nunca foi gratuita. (O eleitor) não tinha ideia dos volumes de compensação. E a gente está falando de dinheiro público e de tributo”, disse o senador ao defender no plenário do Senado o aumento do Fundo Partidário para financiar o retorno da propaganda das legendas no rádio e na TV. 

Impacto. Da forma como foi aprovado pelo Congresso, o fundo eleitoral vai tirar R$ 4,93 bilhões de obras e serviços de interesse dos próprios parlamentares no ano que vem, como mostrou o Estadão. O valor corresponde aos recursos que sairão das emendas de bancada estadual, calculadas em R$ 7,06 bilhões no próximo ano.

O aumento do Fundo Partidário, por outro lado, vai acabar pressionando outras ações da Justiça Eleitoral, como a manutenção dos tribunais e os investimentos em tecnologia. Motivo: os recursos saem justamente do orçamento da Justiça Eleitoral e do total arrecadado com multas no Judiciário.

Os dois fundos são despesas obrigatórias e garantidas em lei. Precisam estar na previsão de gastos da União e são blindadas de cortes. Na prática, de acordo com técnicos ouvidos pela reportagem, o aumento retira dinheiro de outras áreas, como saúde e educação. No ano que vem, por exemplo, se o Executivo verificar a necessidade de bloquear gastos federais para cumprir a meta de resultado primário – a conta que precisa fechar no fim do ano entre receitas e despesas –, o corte em outras áreas pode se tornar obrigatório, já que os fundos partidário e eleitoral estão protegidos.

No mês passado, um grupo de parlamentares entrou no Supremo Tribunal Federal (STF) para anular a votação da LDO e proibir o aumento do fundo eleitoral. A Corte ainda não se pronunciou sobre a ação, mas pediu esclarecimentos à Câmara e ao Senado. A cúpula do Congresso defende a votação do projeto e nega descumprimento de normas do Legislativo, como alegam os críticos da proposta.

Para entender: fontes de financiamento

O Fundo Partidário é destinado aos partidos políticos para o custeamento de despesas diárias, como contas de luz, água, aluguel, etc. Ele é constituído por uma mistura de verba pública e doações privadas, em que entram dotações orçamentárias da União, multas, penalidades e outros recursos atribuídos pela Lei 9.096/1995. O Congresso aprovou que esse dinheiro também fosse destinado ao impulsionamento de conteúdo na internet, compra de passagens aéreas para não filiados e contratação de advogados e contadores.

Já o fundo eleitoral é um valor retirado inteiramente da verba pública (Tesouro Nacional) e destinado aos partidos em anos eleitorais para bancar as campanhas de seus candidatos, como viagens, cabos eleitorais e material de divulgação. Para ter acesso aos recursos, diretórios nacionais dos partidos precisam aprovar em votação os critérios para distribuição do dinheiro. Em seguida, as siglas enviam um ofício ao TSE com as informações sobre os critérios fixados.

Daniel Weterman, O Estado de S.Paulo, em 12 de agosto de 2021 | 05h00

Confira cinco filmes de Paulo José escolhidos por ele mesmo

Paulo José morreu ontem, quarta-feira, 11, aos 84 anos, e foi um dos maiores atores brasileiros

O ator Paulo José, em 2013 Foto: Frederico Rozario/Estadão

Um dos principais atores brasileiros, Paulo José, que morreu na quarta, 11, aos 84 anos, foi protagonista de filmes que se tornaram clássicos na cinematografia brasileira.

Veja uma lista de filmes de Paulo José preparada pelo próprio ator:

O Padre e a Moça (1966)

Foi a estreia do diretor Joaquim Pedro de Andrade em longas e também o primeiro filme de Paulo José, que interpreta um padre que chega a uma cidade do interior mineiro. Lá, ele vai substituir o antecessor, que morreu, mas entra em crise ao se apaixonar por uma moça (Helena Ignez) prometida em casamento. Adaptação livre do poema de Carlos Drummond de Andrade, O Padre e a Moça é um dos mais belos filmes produzidos na época do Cinema Novo. Feito com poucos recursos, o longa ganha em invenção o que perde em produção, reduzida a filmagens em locações (São Gonçalo do Rio das Pedras).

Todas as Mulheres do Mundo (1967)

O melhor filme estrelado por Leila Diniz mostra as aventuras de um rapaz chamado Paulo (Paulo José), que paquera as belas mulheres das praias cariocas.Seu clima solar foi muito criticado por diretores do Cinema Novo, acusando-o de ser um filme escapista. Baseado no relacionamento do diretor Domingos Oliveira com Leila, Todas as Mulheres do Mundo, portanto, é uma espécie de exorcismo do cineasta, que inventava o final feliz que a vida real não permitira.

Macunaíma (1969)

Inspirado no livro de Mário de Andrade e dirigido por Joaquim Pedro de Andrade, é um dos principais filmes da história do cinema brasileiro. Macunaíma é o herói preguiçoso, mulherengo, cheio de astúcia mas frágil - um profeta do jeitinho brasileiro, essa característica da qual tanto nos orgulhamos, e que tanto nos envergonha. Para José, era um filme com várias camadas de compreensão. "Pode ser visto como reflexão profunda sobre o Brasil, e assistido como comédia popular num cinema do centro da cidade - quando estes ainda existiam", dizia.

O Rei da Noite (1975)

Primeiro longa de ficção do cineasta Hector Babenco, Paulo José interpreta Tertuliano, que namora três irmãs, se casa com a terceira e termina vendendo bilhetes de loteria depois de se perder na noite, em farras. Para o diretor, O Rei da Noite trazia a crônica de uma decadência. "Descobri que a cultura do tango era muito forte nos ambientes marginais brasileiros, nas primeiras décadas do século passado", dizia Babenco.

O Palhaço (2011)

Paulo José e Selton Mello (também diretor do filme) interpretam pai e filho, palhaços de um circo mambembe: Puro Sangue e Pangaré. O segundo duvida da sua vocação, pois não sabe mais se é engraçado. Ele também vive a dúvida: eu faço as pessoas rirem, mas quem é que vai me fazer rir? O Palhaço aborda outro dilema comum aos artistas mambembes, que é a carência de um endereço fixo. Por fim, tornou-se um grande tributo a Paulo José, cujas cenas são as mais emocionantes do longa.

Ubiratan Brasil, O Estado de S. Paulo, em 12 de agosto de 2021 | 09h08

O valor da palavra de Bolsonaro

Ele conseguiu o que queria ao transformar um tema inexistente, a dúvida sobre as urnas eletrônicas, num assunto candente.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, havia dito e assegurado que o presidente Jair Bolsonaro aceitaria o resultado da votação da PEC do Voto Impresso na Câmara. “O presidente Bolsonaro, em uma ligação telefônica, me garantiu que respeitaria o resultado do plenário. Eu espero respeito e obediência ao que o plenário da Câmara decidir”, declarou Lira à Rádio CBN às vésperas da votação. Logo depois da sessão, proclamado o resultado e arquivada a PEC, Arthur Lira reafirmou que o presidente “disse que respeitaria o resultado” e acrescentou: “Eu acredito”.

Na palavra de um presidente que mente a todo momento, sobre os mais diversos assuntos, acredita quem quer. No dia seguinte à esperada derrota da PEC do Voto Impresso na Câmara, Bolsonaro disse que os deputados que votaram contra a matéria foram “chantageados”, manteve sua campanha de ataques à Justiça Eleitoral e de descrédito contra o atual sistema de votação e informou que não vai desistir do assunto.

O presidente disse que a matéria foi rejeitada porque muitos parlamentares temiam ser “retaliados”. Às vésperas da votação, Bolsonaro havia acusado o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Luís Roberto Barroso, de ter “apavorado” deputados que, segundo ele, “devem alguma coisa na Justiça, devem no Supremo Tribunal Federal”.

Ou seja, Bolsonaro, não contente em reiterar suas agressões ao Judiciário, sugerindo que o ministro Barroso agiu como um capo mafioso, ainda colocou em dúvida a honestidade dos deputados de quem esperava votos.

De fato, muitos deputados foram chantageados e ameaçados, mas por bolsonaristas que vivem no esgoto das redes sociais. Além disso, Bolsonaro ainda fez veículos blindados da Marinha desfilarem nos arredores do Congresso no dia da votação, com a clara intenção de intimidar os parlamentares.

Derrotado, Bolsonaro inventou a tese segundo a qual os 229 votos em apoio à PEC significam que “metade do Parlamento que votou ‘sim’ ontem quer eleições limpas”, o que, segundo ele, mostra que “a maioria da população está conosco, está com a verdade”.

Nada disso parece indicar que Bolsonaro aceitou o resultado, como o presidente da Câmara garantiu que o presidente faria. Indica, ao contrário, que a campanha bolsonarista para tumultuar as eleições do ano que vem continuará a todo vapor – campanha para a qual conta com a pusilanimidade dos que têm poder institucional de lhe obstar o caminho.

Na verdade, mesmo derrotado na Câmara, Bolsonaro conseguiu o que queria, ao transformar um tema inexistente – dúvidas sobre a já atestada segurança das urnas eletrônicas – no tema mais candente do ano, superando a pandemia, a inflação e o desemprego.

Num país em que a democracia jamais esteve verdadeiramente em questão desde o fim do regime militar, Bolsonaro instilou o receio de quebra da ordem democrática, e, diante disso, tudo o mais parece perder importância.

O circo bolsonarista, com direito a tanques nas ruas, já mostrou do que é capaz para desviar a atenção da profunda incompetência do governo. Para piorar, conta com a mediocridade da oposição. Na votação da PEC do Voto Impresso, o PSDB, que se anuncia como partido de oposição, deu mais votos a favor da matéria do que o PP do senador Ciro Nogueira, prócer do Centrão alçado à Casa Civil de Bolsonaro com a promessa de articular apoio ao presidente.

É nessa miséria política que medra o bolsonarismo, cuja essência é justamente a negação do diálogo e da democracia. E ninguém pode se dizer surpreso: Bolsonaro sempre foi absolutamente transparente a respeito de seus propósitos liberticidas. Quem quer que se deixe engambelar por suas promessas de contenção e respeito à Constituição, como fizeram Arthur Lira e outros antes dele, deve saber que tamanha ingenuidade custa cada vez mais caro ao País.

O senador Flávio Bolsonaro, primogênito do presidente, garante que o pai é um “democrata”: “Bolsonaro não é Hugo Chávez, Bolsonaro não é Kim Jong-un, Bolsonaro não é Fidel Castro”. De fato, Bolsonaro é apenas Bolsonaro – e isso basta para arruinar o País.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 12 de agosto de 2021 | 03h00

Morre o ator Tarcísio Meira aos 85 anos, vítima da covid-19

Ícone da teledramaturgia brasileira, Tarcísio Meira estava internado em São Paulo desde o dia 6 de agosto

       O ator Tarcisio Meira, em 2019, quando voltava ao teatro com a peça 'O Camareiro' Foto: Tiago Queiroz/Estadão

O ator Tarcísio Meira morreu nesta quarta-feira, 12, aos 85 anos, vítima do coronavírus. Ele estava internado desde o dia 6 de agosto, no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. A atriz Glória Menezes, sua mulher, também está internada por complicações da covid-19, mas seu quadro era mais leve. Tarcísio Meira chegou a ser intubado e fazia diálise contínua.

Tarcísio Meira foi um dos maiores atores brasileiros. Em 1961, no começo de sua carreira, o jovem Tarcisio Meira, com 26 anos, recebeu seu primeiro prêmio. Foi o ator revelação daquele ano pelas novela Maria Antonieta. Tarcisio venceria outras vezes o troféu Imprensa ao longo de sua carreira. Foi premiado pela APCA (em 1976 e 2001), em 2005 Glória Menezes e ele receberam o Troféu Oscarito no Festival de Gramado e mais recentemente, em 2016, ganhou todos os prêmios importantes de teatro, incluindo o Shell, por sua interpretação em O Camareiro.

Aos olhos do público, ele é fundamentalmente um ator de televisão, e a lista de especiais e novelas é imensa – ocuparia o espaço desse texto. Mas Tarcisio fez também teatro e cinema. Foi o jovem Dom Pedro de Independência ou Morte, de Carlos Coimbra, e o Cristo militar de Glauber Rocha, em A Idade da Terra. Foi Quelé do Pageú no nordeste de Anselmo Duarte e foi Marcelo, o personagem emblemático de Walter Hugo Khouri em Eu. Grande Tarcisio. Nasceu em 5 de outubro de 1935, em São Paulo. Por parte de pai, há informações de que descendia da aristocracia sul-mineira e investigações genealógicas chegaram até o mítico Mártir da Independência, Tiradentes. Por parte de mãe, descendia de não menos notáveis troncos paulistas, os Arruda Botelho, os Paes Lemes, os Cerqueira César.

Sua estreia no teatro foi em 1957, com a peça A Hora Marcada. Na televisão, apareceu pela primeira vez num teleteatro – Noites Brancas, na TV Tupi, quatro anos depois. Também em 1961, contracenou com a também jovem Glória Menezes em outro teleteatro, Uma Pires Camargo. Casaram-se, e viraram um dos casais mais conhecidos da arte da representação no Brasil. Com Glória, protagonizou, em 1963, a primeira novela diária da TV brasileira, 2-5499, Ocupado, na Excelsior. O resto é história. Foram para a Globo, fizeram um monte de novelas, juntos e separados. Fizeram cinema, juntos (A Máscara da Traição, Independência ou Morte) e separados.

Na Globo, estrearam com Sangue e Areia, em 1968. Entre os sucessos dele estão Irmãos Coragem, Cavalo de Aço, O Semideus, Escalada (o primeiro APCA), Saramandaia, Espelho Mágico, Guerra dos Sexos, Roque Santeiro, Senhora do Destino, etc. E os especiais – O Tempo e o Vento, Grande Sertão - Veredas, Hilda Furacão, A Muralha (segundo APCA). No cinema, não lhe faltaram papéis desafiadores, incluindo o policial violento e corrupto – Mateus – de República dos Assassinos, que Miguel Faria Jr. adaptou, em 1979, do livro de Aguinaldo Silva sobre os esquadrões da morte. Com Khouri, fez também o Dr. Osmar de Amor, Estranho Amor e o filme de 1982 deu origem, mais tarde, a uma complicada disputa de direitos autorais, quando Xuxa Meneghel, convertida em rainha dos baixinhos, brigou na Justiça por sua interdição. Foi o Boca de Ouro na insatisfatória versão da peça de Nelson Rodrigues por Walter Avancini (com Claudia Raia e Luma de Oliveira) e interpretou-se a si mesmo no experimental Anabazys, de Joel Pizzini e Paloma Rocha.

Chegou a um ponto em que não era só um ator. Virou uma instituição brasileira – uma persona no imaginário do público, que olhava para Tarcisio e conseguia ver, por meio dele, toda uma história do audiovisual, cinema e TV, no País.

Luiz Carlos Merten, O Estado de S. Paulo, em 12 de agosto de 2021 | 11h16

NASA anuncia possibilidade “extremamente pequena” de asteroide atingir a Terra em 2182

Segundo estudo de sonda norte-americana, a gigante rocha espacial Bennu, de 500 metros de comprimento, pode entrar em rota de impacto após passar pelo globo terrestre em 2135

Imagem do asteroide Bennu feita pela nave 'OSIRIS-REx'.A

Em setembro de 2135, o asteroide Bennu, de 500 metros de comprimento e no formato de dado espacial, fará uma visita à Terra, passando à metade da distância da Lua. O mais provável é que a gravidade de nosso planeta modifique sua trajetória quando isso ocorrer, o que transforma em um enorme desafio calcular exatamente qual será seu caminho. Mas há uma probabilidade “extremamente pequena” de que a rocha gigante passe através de um “buraco de fechadura gravitacional”, o que a colocará em uma rota de impacto com a Terra no final do século XXII, em 2182. A NASA convocou uma coletiva de imprensa para comunicar uma “descoberta importante” e que afetará os habitantes da Terra dentro de mais de um século.

O asteroide Bennu viaja a 100.000 quilômetros por hora: caso se choque contra a Terra liberaria uma energia equivalente a 70.000 bombas atômicas de Hiroshima e criaria uma cratera de cinco quilômetros de diâmetro, de acordo com os cálculos mais atualizados da NASA. No momento de fazer as estimativas, a probabilidade acumulada de impacto entre o Bennu e a Terra era de somente 0,037% e só ocorreria dentro de 150 anos: no intervalo temporal que vai do ano 2175 ao 2196, quase no século XXIII. De acordo com o novo estudo da agência norte-americana, as probabilidades de que o choque ocorra em algum momento até 2300 são de 0,057%, ainda ínfimas. Mas a data chave é 24 de setembro de 2182, quando podem se chocar se tudo der errado.

Para evitar esse susto hipotético, cientistas chineses apresentaram recentemente a possibilidade de afastar o Bennu de nossa trajetória usando 23 foguetes contra o asteroide. Atualmente, a missão DART da NASA se dirige a um pequeno asteroide, chamado Dimorphos, com a intenção de mudar sua rota e comprovar que são capazes de fazer algo assim nessa distância e velocidade —mais de 20.000 quilômetros por hora. Mesmo que a NASA afirme que ainda não se conheça, por enquanto, nenhum asteroide que represente um risco de impacto na Terra pelos próximos 100 anos, a verdade é que convém se preparar: calcula-se que ainda faltam 15.000 asteroides potencialmente perigosos por descobrir. A DART é a primeira missão de defesa planetária e sua intenção é se chocar contra o Dimorphos no ano que vem para desviar seu rumo.

Para estudar detalhadamente o potencial perigo do Bennu, a NASA enviou ao asteroide em 2016 a sonda OSIRIS-REx, que mapeou esse pequeno mundo digno do Pequeno Príncipe. Após 27 meses de viagem espacial, a nave chegou ao asteroide em dezembro de 2018 e, desde então, esteve em sua órbita para conhecer todos os seus segredos. “Os dados da OSIRIS-REx nos trazem informação muito mais precisa. Podemos calcular a trajetória futura do Bennu com alto grau de certeza até 2135”, disse Davide Farnocchia, principal autor do estudo sobre a trajetória da rocha espacial e cientista do Centro de Estudos de Objetos Próximos à Terra da NASA.

“Nunca antes havíamos modelado a trajetória de um asteroide com esta precisão”, acrescentou Farnocchia, que desenvolveu cálculos detalhados para modelar o rumo do Bennu nos próximos séculos. O fundamental, agora, é saber se o Bennu passará por um desses “buracos de fechadura” que colocariam o asteroide no caminho de uma catástrofe. Essa probabilidade é “extremamente pequena”, de acordo com a NASA. No entanto, Farnocchia ressalta que o risco associado ao Bennu é menor do que o de todos os objetos perigosos desconhecidos —e que devem ser localizados o quanto antes.

JAVIER SALAS para o EL PAÍS, em 11 AGO 2021 

Ameaças à democracia respingam na economia brasileira e retraem decisões de investimento

Economistas alertam que a crise política, estimulada pelo presidente Bolsonaro sugerindo atropelar a Constituição, turva o futuro para projetos de longo prazo de quem pretende investir no Brasil

Bolsonaro tira um pouco a máscara durante evento no Palácio do Planalto, em 5 de agosto. (SERGIO LIMA / AFP)

O Brasil parecia levantar a cabeça da areia movediça formada pela pandemia do coronavírus. Com a vacinação finalmente avançando e o início dos debates sobre reformas no Congresso, os agentes econômicos esfregavam as mãos à espera da ansiada retomada depois do pesadelo com a covid-19. Mas aí começou outro estorvo, “tão grave quanto o anterior”, como definiu um especialista. O presidente Jair Bolsonaro passou a insuflar uma crise política que não estava no horizonte, com ameaças democráticas que colocaram o Supremo Tribunal Federal (STF) e as eleições de 2022 no centro do debate nacional. “Passamos a viver sob o imponderável. Quem tem de tomar decisões de investimento vai pensar muito antes de fazê-lo diante dessas turbulências”, alerta José Augusto Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). Nesta terça, foi um desfile de tanques do Exército em frente ao Palácio do Planalto, em mais uma provocação contra os deputados que votariam a volta do voto impresso, proposta que acabou derrotada na Câmara.

Longe de Brasília, indicadores econômicos mostram uma letargia maior do que o esperado, num momento em que mais de 60% da população já recebeu ao menos uma dose de vacina contra a covid-19 e com as contaminações e mortes em queda. Mas o foco na tensão política do Brasil já rebaixa expectativas. “Sem democracia não há economia”, diz a economista Ana Carla Abrão, head da consultoria Oliver Wyman no país.

Em junho, dados do Banco Central (BC) mostraram uma queda expressiva dos investimentos diretos no Brasil, o capital estrangeiro que entra no país para investir no setor produtivo. Foram 174 milhões de dólares, um recuo de 96,7% em comparação com junho do ano passado (5,2 bilhões de dólares), e abaixo da previsão do próprio BC, que era da ordem de 2,5 bilhões. “Se estivéssemos em uma situação de estabilidade política, em um ambiente de reformas, o Brasil estaria atraindo um volume de investimentos maior. Mas num momento de liquidez global, o país acaba não sendo prioridade”, alerta Abrão.

Não só investimentos externos recuaram. Empresas brasileiras passaram a apostar mais no mercado internacional. “Há um ano, as empresas estavam trazendo capital do exterior para o Brasil e hoje estão investindo lá fora”, explica Livio Ribeiro, pesquisador sênior da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia (FGV-IBRE). A repatriação líquida de recursos saiu de 1,5 bilhão de dólares no acumulado em 12 meses até junho de 2020, para investimentos no exterior de 23 bilhões de dólares nos 12 meses encerrados em junho deste ano. Parte da redução ainda é reflexo da pandemia da covid-19, que fez com que os investimentos de empresas transnacionais encolhessem em todo mundo.

Mas a recuperação fica comprometida quando a energia está na guerra política e não em questões mais urgentes, como a alta da inflação. Há 18 semanas o mercado eleva as projeções de alta do Índice de Preços ao Consumidor (IPCA), como mostra a pesquisa Focus, do Banco Central, que reúne as projeções de mais de 100 instituições financeiras. No levantamento desta semana, ela passou de 6,79% para 6,88%. A alta dos preços reduz o poder de consumo, especialmente dos mais vulneráveis, e obriga o BC a elevar os juros, o que encarece o custo do dinheiro, inclusive para investir. No último dia 4, o Comitê de Política Monetária (Copom) elevou pela quarta vez a taxa de juros, para 5,25%, numa tentativa de controlar a alta de preços.

A indústria brasileira já sente o impacto de uma economia em marcha lenta no primeiro semestre deste ano. Segundo o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), novos surtos de covid-19, atraso na vacinação, interrupção dos programas emergenciais e aumento da inflação fizeram com que a produção do setor tivesse uma variação nula (0%) na passagem de maio para junho deste ano. “Os dados de junho mostram que apesar do retorno do auxílio emergencial e a reativação da economia mundial, a indústria brasileira ainda não conseguiu retomar uma trajetória consistente de crescimento”, afirmou o IEDI em nota. Na comparação com o primeiro semestre do ano passado, porém, o setor teve um avanço de 12,9%, “devido a uma base de comparação extremamente deprimida”.

Para o economista Pérsio Arida, ex-sócio do banco de investimentos BTG, e um dos pais do plano Real, as investidas autoritárias contra o Supremo têm claramente um objetivo de solapar o funcionamento normal das instituições, com consequências diretas para a economia. “A incerteza institucional fomentada pelo presidente é um fator chave que afeta o investimento”, avalia. “Investimento que não é feito ou que é adiado não aparece em nenhuma estatística, mas existe um custo de oportunidade que é um custo não visível”, afirma. “A. Isso é uma circunstância extraordinariamente perigosa para o Brasil”, afirma Arida, que assinou assinou na semana passada um manifesto de representantes do PIB defendendo a confiança nas urnas eletrônicas e na Justiça Eleitoral.

Segundo Arida, há uma consciência cada vez maior de que a democracia brasileira está correndo risco, lembrando que o Brasil está sendo observado pelo mundo todo com “preocupação” pelo descaso do Governo federal com a questão ambiental, os direitos humanos e a cultura, o que pode comprometer investimentos externos. “Se não bastasse essa vertente, digamos, anti-iluminista, há que se acrescentar o propósito autoritário. Declarações do presidente Bolsonaro dizendo que se for o caso joga fora das quatro linhas da Constituição não são admissíveis.”

Paulo Guedes sem crédito

O mercado financeiro sempre esteve ao lado do ministro da Economia, Paulo Guedes, que funcionou, em 2018, como uma espécie de fiador liberal para o “milagre” ―nas palavras do próprio presidente―, ou a eleição de Bolsonaro em 2018. Passados dois anos e meio, antigos apoiadores percebem que as promessas feitas por Guedes não saíram do papel. “Toda a agenda que se dizia liberal, e que foi fundamental para a eleição do presidente Bolsonaro, não se verificou”, diz Abrão. “Se tirarmos o novo marco do saneamento e a independência do Banco Central, a agenda não andou. Tivemos uma reforma da previdência que não foi mérito de Bolsonaro”, diz a economista, lembrando do papel do Congresso nessa votação. No mais, diz ela, as reformas não aconteceram, assim como as privatizações e o prometido ganho de eficiência do Estado. “Não podemos ignorar que a economia é movida por segurança jurídica e institucional”, diz ela.

Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central e sócio da consultoria Tendências, lembra que o evento recente que mais impactou os mercados foi a proposta de parcelar o pagamento dos precatórios ―dívidas da União decorrentes de decisões judiciais que não são mais passíveis de recursos―, para incrementar recursos para o Bolsa Família. A medida não chegou a ser apresentada, mas só a discussão sobre postergar as despesas obrigatórias trouxe de volta o fantasma das famosas pedaladas, manobra na qual o Governo atrasava o repasse de dinheiro devido aos bancos para cumprir metas fiscais, que levaram ao impeachment de Dilma Rousseff. “Isso gerou uma preocupação na medida em que aumenta a percepção de um risco fiscal, especialmente perto de um ano eleitoral, onde há tentativa de se criar certos mecanismos extrateto [teto é o limite de gastos orçamentário acordado em 2016]”, explica.

Loyola afirma que o Governo Bolsonaro “dá um passo para frente e dois para trás” em sua gestão da economia. Ele aponta as privatizações dos Correios e da Eletrobras ―“ainda que o projeto tenha muitos defeitos”, diz―, como ações positivas, alinhadas com as demandas do mercado financeiro. Mas tudo isso se perde na disputa política. “O Brasil é o único país em que as pessoas acham que avançar é retroceder ao passado”, afirma o ex-presidente do BC em relação aos apoiadores do presidente que foram às ruas defender o voto impresso.

A economista Elena Landau, ex-assessora da presidência do BNDES, ainda vê o “mercado bem passivo em relação aos ataques de Bolsonaro à democracia”: “Eu me pergunto como alguém ainda acredita no Bolsonaro”. Landau diz que nunca torceu contra a política econômica do Governo. “Adoraria que o Guedes tivesse feito uma grande reforma tributária, que abertura comercial tivesse aparecido, tivesse feito grandes privatizações. Mas não fez. Ele vai entregar a economia pior do que recebeu, que era inflação dentro da meta, a juros baixos”, diz.

A economista, porém, avalia que os recentes atos antidemocráticos de Bolsonaro, como o ataque ao sistema eleitoral, ainda não se refletem na economia. Os parcos resultados dos indicadores atuais, segundo ela, são reflexo da política de Guedes, “que perdeu o controle da pauta econômica”. “O crescimento do PIB que temos não é estrutural. Tivemos o boom de commodities e o dinheiro do auxílio emergencial influenciando nos resultados. Mas o setor de serviços ainda não reagiu”, diz.

CARLA JIMÉNEZ e REGIANE OLIVEIRA, de S. Paulo para o EL PAÍS, em 11 AGO 2021