sexta-feira, 30 de julho de 2021

Bolsonaro admite não ter provas de fraudes eleitorais

Em live, presidente insiste haver indícios de irregularidades e apresenta teorias e vídeos antigos e já desmentidos para desacreditar sistema eleitoral. TSE contesta alegações em tempo real.

Bolsonaro já fez várias alegações de fraudes em eleições passadas, sem nunca apresentar provas

Após anunciar que finalmente apresentaria provas de fraudes eleitorais nesta quinta-feira (29/07), mais de um ano depois de afirmar que as tinha em mãos, o presidente Jair Bolsonaro admitiu não ter provas, mas apenas indícios de que irregularidades podem ocorrer.

Em live para a qual convocou veículos de imprensa, Bolsonaro exibiu uma série de teorias falsas, cálculos equivocados e vídeos antigos, já verificados e desmentidos, mas que ainda circulam na internet, como supostas evidências de fraude no sistema eleitoral.

Na transmissão, que durou mais de duas horas, o presidente apareceu ao lado de um homem que apresentou apenas como "Eduardo, analista de inteligência". Somente ao fim da live o governo disse se tratar do coronel do exército Eduardo Gomes da Silva, ex-assessor especial do ministro Luiz Eduardo Ramos na Casa Civil.

Segundo Bolsonaro, hoje o coronel trabalha para a Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom), e, em currículo apresentado pelo Planalto, não consta qualquer especialização na área de segurança da informação, noticiou o portal G1. 

"Esses vídeos, todos eles estão disponíveis na internet. E por que nós fizemos questão de buscar nessa fonte? Porque é o povo. Essas pessoas não foram pagas para fazer isso, elas demonstraram interesse em ter uma democracia melhor, mais avançada, mais justa e transparente", disse Gomes da Silva antes de apresentar os vídeos com supostos indícios de brechas no sistema.


Presidente é desmentido em tempo real

O próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE) desmentiu no Twitter e em seu site alegações feitas na live durante a transmissão. Serviços de checagem como Lupa e Aos Fatos também apontaram como falsos vários dos pontos levantados na live.

Entre o material exibido está um vídeo em que um programador dizia simular o código-fonte de uma urna eletrônica e mostrar maneiras de fraudar o sistema. Em um dos links compilados no site do TSE, o tribunal esclarece que "uma urna eletrônica real não é tão simples nem desprotegida como aquela apresentada no vídeo".

Live de Bolsonaro durou mais de duas horas

"Além disso, há meios de auditoria para se verificar se os softwares e firmwares executados na urna contêm algum mecanismo malicioso, como o exposto no vídeo. Há também todo um conjunto de procedimentos que impede a recepção de resultados ilegítimos provenientes de eventuais equipamentos clonados ou gerados por softwares ilegítimos", diz a nota, publicada originalmente em novembro de 2020.

Em um de seus tuítes, o TSE também contestou a afirmação de Bolsonaro de que a apuração dos votos é feita "numa sala secreta". "A apuração dos resultados é feita automaticamente pela #UrnaEletrônica ao encerramento da votação. Os dados criptografados são transmitidos ao @TSEjusbr, que checa a autenticidade/integridade e faz a totalização, em processo PÚBLICO e auditável", diz a postagem do tribunal, com link para um texto com mais informações sobre o assunto.

O TSE também rebateu a declaração de Bolsonaro de que o sistema de votação eletrônica adotado pelo Brasil só é usado no Butão e em Bangladesh. O tribunal divulgou um vídeo em que aponta que pelo menos 46 países utilizam votação eletrônica em algum tipo de eleição, e que 16 países, incluindo o Brasil, não usam boletins de papel e registram o voto eletronicamente.

"Discurso de quem não aceita a democracia"

Pelo menos 46 países utilizam votação eletrônica em algum tipo de eleição, sabia? E mais: 16 países, incluindo o Brasil, não usam boletins de papel e registram o voto eletronicamente. Saiba + no vídeo e sempre verifique um #fato antes de compartilhar, p/ que não vire #boato

✅

Críticos apontam que Bolsonaro, assim como fez o ex-presidente Donald Trump nos Estados Unidos, semeia dúvidas sobre o processo eleitoral para abrir o caminho para não aceitar o resultado do pleito presidencial de 2022 caso seja derrotado.

Em março de 2018, Bolsonaro disse ter provas de que venceu o pleito de 2018 já no primeiro turno e que seria necessário aprovar "um sistema seguro de apuração de votos".

O presidente afirmou diversas outras vezes, sem nunca apresentar provas, que o sistema eleitoral brasileiro é vulnerável e que houve fraude nas eleições anteriores. E sinalizou que poderia não reconhecer o resultado em 2022 se não fosse adotado o voto impresso – que ele chama de auditável, apesar de a urna eletrônica já ser auditável, segundo garante o TSE.

A participação da sociedade é essencial para a evolução da urna eletrônica e do processo eleitoral
😃
Por isso, a #JustiçaEleitoral disponibiliza mecanismos e eventos que permitem a participação ativa do cidadão como agente fiscalizador - conheça em: bit.ly/Voce-Fiscal
👇


Na semana passada, Barroso e vários outros representantes dos três Poderes reagiram a uma ameaça supostamente feita pelo ministro da Defesa, Walter Braga Netto. Segundo reportagem do Estado de S. Paulo, ele teria dito que o Brasil não teria eleições em 2022 caso não fosse aprovada pela Câmara a chamada proposta do voto impresso auditável.

"Temos uma Constituição em vigor, instituições funcionando, imprensa livre e sociedade consciente e mobilizada em favor da democracia", escreveu o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, nas redes sociais após a suposta ameaça.

O ministro tem se posicionado contra o voto impresso e já reafirmou que jamais foi registrado caso de fraude desde a implementação das urnas eletrônicas, em 1996, que o sistema de urnas eletrônicas é íntegro e permitiu a alternância no poder.

Nesta quinta-feira, Barroso afirmou: "O discurso de que 'se eu perder houve fraude' é um discurso de quem não aceita a democracia."

Para especialistas ouvidos pela Folha de S. Paulo, as alegações contra o sistema eleitoral feitas por Bolsonaro na live desta quinta contêm elementos que podem ser enquadrados em crimes de responsabilidade previstos na lei que regulamenta o impeachment.

Deutsche Welle Brasil, em 30.07.2021

quinta-feira, 29 de julho de 2021

Endividamento recorde das famílias ameaça travar retomada da economia brasileira

Dívidas das famílias chegam a 58,5% da renda, segundo o Banco Central, ao mesmo tempo em que inflação sobe e desemprego se mantém em alta; como consequência, economia pode crescer apenas 1,8% no ano que vem, diz especialista

Sidneia Soares, de 49 anos, deixou parcelas do Fies sem pagar para conseguir fechar as contas do mês. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

No início da pandemia, Sidneia Soares, de 49 anos, recebeu a notícia de que seria demitida. Com o início das restrições de locomoção, a loja em que ela trabalhava, em São Paulo, fechou as portas, e ela ficou desempregada. De lá para cá, virou-se com trabalhos informais. Porém, as contas continuaram a chegar. Sem o salário mínimo que recebia, precisou da ajuda de familiares para não atrasar pagamentos básicos, como luz, água e condomínio.

Agora, trabalhando como atendente de uma lanchonete e também como aprendiz em um salão de cabeleireiro, Sidneia conseguiu encaixar as contas em seu orçamento, mas ainda não tem previsão de como vai pagar as mensalidades do Financiamento Estudantil (Fies) que contraiu. “Eu fiz cortes nos meus gastos e reformulei tudo.”

Com a renda afetada pela pandemia de covid-19, famílias como a de Sidneia e também empresas nunca estiveram tão endividadas. Dados divulgados ontem pelo Banco Central mostram que o endividamento das famílias chegou aos 58,5% em abril, o maior porcentual da série histórica, iniciada em janeiro de 2005. Isso significa que, para cada R$ 100 que uma família recebeu no último ano, ela já tem uma dívida contratada de quase R$ 60. Já o comprometimento da renda mensal ficou em 30,5% em abril – ou seja, para cada R$ 100 recebidos por mês, R$ 30 foram usados para pagar parcelas dos empréstimos.




Já levantamento do Cemec-Fipe mostra que o conjunto de dívidas das companhias não financeiras no Brasil atingiu 61,7% do Produto Interno Bruto (PIB) em março de 2021, patamar também histórico. No fim de 2019, antes da pandemia, essa relação era de 50,1%.

O aperto no bolso das famílias, especialmente em um momento em que desemprego e inflação estão elevados, pode atrapalhar a retomada do crescimento econômico, avaliam economistas. “Os juros vão subir, e as famílias que já estão endividadas terão opções de crédito ainda mais caras, o que pode comprometer a retomada do consumo no ano que vem”, afirma Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados. Ele calcula que a economia crescerá somente 1,8% no ano que vem e que a retomada dos empregos será lenta.

Isso, na visão dele, terá impacto direto na renda dos brasileiros, que já está em baixa. Segundo dados do IBGE, a massa de salários em circulação caiu R$ 12 bilhões em um ano, o que representa um recuo de 5,4% no trimestre encerrado em abril em comparação ao mesmo período de 2020. Ou seja, o brasileiro está, além de mais endividado, mais pobre.

Para completar, a taxa de poupança das famílias vem em forte queda desde o segundo trimestre do ano passado. Segundo cálculos do Itaú Unibanco, o indicador chegou a ser de 31,1% no período entre abril e junho do ano passado, muito por causa do fechamento de comércios em geral no início da pandemia, e já voltou para 11,8% no primeiro trimestre deste ano.

“Muitas famílias de renda baixa deixaram de receber o auxílio emergencial no começo do ano e precisaram procurar outras formas de crédito”, diz o coordenador do Centro de Estudos de Mercado de Capitais (Cemec-Fipe), Carlos Antonio Rocca, que avalia como uma das principais características da atual crise a maior diferenciação entre as classes de renda. 

Na visão de Gustavo Ribeiro, economista-chefe do Asa Bank, a diminuição da renda do brasileiro não permite uma expansão da economia por meio de crédito, afinal muitos sequer estão conseguindo pagar as contas do dia a dia.

Crédito difícil

O endividamento pode ser positivo para uma pessoa, caso ela esteja se planejando para uma grande compra, como um imóvel, ou até para alavancar o seu negócio. Mas não é isso o que tem acontecido com muitos brasileiros de baixa renda durante a pandemia, que procuram empréstimos para pagar contas básicas. Elas, inclusive, têm dificuldade de conseguir uma linha de financiamento. 

Um levantamento divulgado pelo Serasa aponta que os bancos negam 44% das solicitações de empréstimos para pessoas que recebem menos de cinco salários mínimos por mês.

Um desses casos é o da diarista Eveline da Silva, de 39 anos. Ela viu a sua renda cair quase um terço durante a pandemia, para R$ 600, e o salário do seu marido ser reduzido pela metade. No mês passado, fez um cartão de crédito para conseguir fazer uma festa de aniversário para a sua filha. Conseguiu um cartão com limite de R$ 500 e gastou R$ 250 para comprar ingredientes para doces e salgados. 

“Vou pagar a fatura no próximo dia 5, pois não quero me complicar com os juros. Depois disso, vou deixar o cartão guardado”, diz Eveline.

André Jankavski, Fabrício de Castro e Eduardo Rodrigues, O Estado de S.Paulo, em 29 de julho de 2021 | 05h00

Bolsonaro entrega a ‘alma do governo

Alianças tardias, como esta que Jair Bolsonaro está forjando com Ciro Nogueira e o Centrão, tendem a ser caras e pouco efetivas

 Ao confirmar a nomeação de Ciro Nogueira (PP-PI) para a Casa Civil, o presidente Jair Bolsonaro disse que estava entregando “a alma do governo” ao senador, um dos principais líderes do Centrão.

A definição é bastante precisa. A Casa Civil é a “alma do governo”. Aquela é a instância ministerial que coordena as demais pastas. Com esse poder, o titular da Casa Civil é considerado o principal assessor presidencial, razão pela qual todos os presidentes escolheram para esse cargo pessoas de sua mais absoluta confiança, sem usá-lo como moeda de troca para obter apoio parlamentar.

Com Bolsonaro, esse padrão mudou radicalmente. O presidente não titubeou em afastar Luiz Eduardo Ramos, fidelíssimo camarada de todas as horas, para entregar a Casa Civil a um líder político que não tem amigos, apenas interesses.

Não faz muito tempo, há pouco mais de três anos, o novo ministro da Casa Civil classificou Bolsonaro de “fascista”, duvidou de sua capacidade de governar e, na mesma ocasião, disse que Lula da Silva – que para os bolsonaristas é o demônio em pessoa – havia sido “o melhor presidente deste país”.

Na eleição de 2018, enquanto seu partido, o PP, integrava a coligação do candidato Geraldo Alckmin, Ciro Nogueira pedia votos para o petista Fernando Haddad, preposto do então presidiário Lula da Silva.

E no início de 2016, Ciro Nogueira, depois de passar vários dias negociando a ampliação do espaço do PP no governo de Dilma Rousseff para garantir os votos de seu partido contra o impeachment, mudou de ideia e trabalhou pelo afastamento da petista.

Ao confiar a poderosa Casa Civil a um político com esse perfil equívoco – que, ademais, tem considerável passivo judicial no âmbito da Lava Jato, o que tisna o discurso anticorrupção de Bolsonaro –, o presidente mostra o tamanho de seu desespero.

O pretexto de Bolsonaro é melhorar a interlocução com o Congresso. De fato, um dos mais graves problemas do governo é a maneira atabalhoada e preguiçosa como lida com os parlamentares, o que rendeu sucessivas derrotas ao Palácio do Planalto mesmo em temas de grande interesse do bolsonarismo. Mas Ciro Nogueira dificilmente terá habilidade suficiente para resolver um problema insolúvel na relação do governo com o Congresso, que é a natureza de Bolsonaro – antidemocrática e hostil ao diálogo.

Ademais, está claro que Ciro Nogueira não está no governo em nome do PP, mas sim de apenas uma parte do partido, o que mostra o limite de sua capacidade de articulação. Por isso, sua nomeação não significa necessariamente que Bolsonaro terá algum conforto no Congresso, mas certamente significa que Ciro Nogueira terá influência efetiva sobre a formulação das políticas do governo, e isso às portas de um ano eleitoral.

Eleito por um partido nanico, Bolsonaro pretendia governar sem as coalizões que sustentaram, de um jeito ou de outro, quase todos os seus antecessores. Imaginava que as bancadas armamentista, evangélica e do agronegócio o apoiariam em bloco, o que não aconteceu. Contava com a força de sua votação na eleição para se impor como líder populista, mas o “povo” que ele tantas vezes invoca está crescentemente insatisfeito com seu desempenho.

Assim, impopular, sem partido e com uma base fiel muito precária, Bolsonaro está à mercê de forças que não tem a menor condição de controlar e que, por sua vez, sabem muito bem o que almejam: cargos, verbas e poder. Por ora, é o que Bolsonaro pode lhes proporcionar, mas nem isso lhe garante fidelidade ou, principalmente, apoio para a reeleição. Afinal, o Centrão, depois de parasitar os recursos estatais a que terá acesso, não hesitará em deixar o presidente no sereno se este não representar uma real perspectiva de poder.

Alianças tardias, como esta que Bolsonaro está forjando com Ciro Nogueira e o Centrão, tendem a ser caras e pouco efetivas. Podem até dar algum respiro ao presidente – e ninguém pode duvidar que sua capacidade de causar problemas, malgrado suas dificuldades, continua intacta –, mas não representam nenhuma melhora na governabilidade. Ou seja, o País não ganha absolutamente nada com isso.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 29 de julho de 2021 | 03h00

Waack: Bolsonaro terceira via

O Centrão tem a chave do cofre, do palácio e do destino de um candidato

       O presidente Jair Bolsonaro e o novo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira. Foto: Evaristo Sá/AFP

A terceira via está aí: é Bolsonaro como candidato do Centrão. Os caciques dessa massa amorfa fisiológica, oportunista e que vive (desde sempre) mamando nas tetas do Estado jamais tiveram tanto poder. Possuíam a chave do cofre desde as emendas do relator. Agora obtiveram também a chave do palácio e um nome no qual parte importante dos caciques partidários confia para manter o atual continuísmo.

Bolsonaro vai continuar vociferando impropriedades, estupidezes e bravatas para manter seu núcleo duro de apoio (que diminuiu consideravelmente nos últimos dois anos). É da natureza dele e fútil esperar qualquer alteração – no máximo uma moderação de estilo dependendo do momento de maior ou menor desequilíbrio pessoal. Trata-se de um irrecuperável personagem política.

Para o Centrão não é Lula que surge como peso “contrário” a ser oferecido contra Bolsonaro. Mas, sim, um Bolsonaro domado, controlado e dedicado a atender as plateias do clientelismo por meio do qual sobrevive o Centrão (entendido como as forças políticas sempre próximas aos cofres e máquinas públicas). Em outras palavras, a alternativa entre o Bolsonaro que se conhece e o Lula que se conhece é o Bolsonaro do Centrão.

As principais agendas de Bolsonaro – se é que existiram de forma articulada – foram diluídas em pontos de interesse do Centrão. Uma das mais destacadas, a política econômica de Guedes, que os mercados já não ouvem (foi substituído pelo presidente do Banco Central), tem como eixo central hoje montar programas assistenciais e emergenciais que atendem ,obviamente, a necessidades humanitárias – mas de natureza claramente eleitoreira.

Com o Centrão agora dono do palácio via Casa Civil, completou-se a eliminação das três âncoras de Bolsonaro do começo do mandato – anticorrupção, agenda econômica “liberal” e eficiência administrativa e sentido estratégico através de oficiais-generais das Forças Armadas. É importante notar que Bolsonaro contribuiu ele mesmo para derrotar, dissolver e desmoralizar o que teriam sido “núcleos” de direção, e o Centrão está aí para demonstrar, mais uma vez, que não existem vácuos de poder em política.

A bem-sucedida operação do Centrão em tomar espaço dos militares é relevante também por evidenciar o blefe bolsonarista ao flertar com golpe contra o STF e o TSE, assumindo que o “mito” teria apoio de instâncias como o Alto Comando do Exército. Em conversas entre si, mas também com interlocutores de fora da instituição, oficiais em posições de comando referem-se a Bolsonaro com desprezo intelectual, repulsa pessoal e não enxergam qualquer espaço para um golpe – embora também reiterem fortíssimas críticas aos integrantes do STF e ao desequilíbrio entre os poderes, deformação atribuída por eles ao Judiciário.

Há entre os principais comandantes uma noção difusa, mas que está ganhando corpo, no sentido de reconhecer que o envolvimento em política teria começado de forma meramente “pontual” (como bloquear ações do STF em favor de Lula em 2018), mas, sob Bolsonaro, chegou ao ponto do intolerável. Eles também (os comandantes) se ressentem da ausência de “lideranças” entre seus quadros, uma qualidade que não reconhecem na figura do general Braga Netto, o ministro da Defesa e seu “chefe” direto.

No episódio da bravata de Braga Netto sobre impedir eleições, “note que ele falou sozinho e, embora acompanhado dos três comandantes militares, eles nada disseram”, ressalta um oficial que detém comando relevante. Seja como for, outro “sentimento” (ainda difuso) entre o generalato é o de que está chegando a hora de “lavar as mãos”, e considera-se vantajosa nesse sentido a oportunidade oferecida pelo Centrão ao apadrinhar Bolsonaro. “É ridículo general distribuindo verba para deputado fisiológico”, arrematou a mesma fonte.

Até aqui Bolsonaro desmentiu todos os cálculos políticos que apontavam para o que seria “racionalmente” mais vantajoso para ele – nem governou, nem juntou os elementos decisivos para qualquer tipo de golpe. Ou seja, é o maior inimigo de si mesmo. Deve-se reconhecer que os profissionais da política no Centrão são mestres em sobrevivência e a aposta em Bolsonaro terceira via resulta de cálculo político frio, brutal e cínico. Mas é arriscadíssima.

William Waack, Jornalista, é apresentador do Jornal da CNN. Publicado originalmente n'O Estado de São Paulo, em 29.07.2021

Eliane Brum: Vai ter golpe?

Hoje, as ditaduras não começam com tanques nas ruas, mas com o estupro da linguagem

Crédito da foto: Joédson Alves / EFE

“O que você acha? Vai ter golpe ou não?”. Esta é a pergunta recorrente, do sul ao norte do Brasil. Diferentes grupos têm marcado reuniões privadas pela Internet para debater o assunto. Encontros virtuais com a família, a versão pandêmica do famoso almoço de domingo, desde a eleição de 2014 mais perigoso do que um vidro inteiro de pimenta malagueta, foi tomado pelo tema. Eu mesma ouço essa pergunta várias vezes por dia. Há pessoas respondendo a convites internacionais com um texto padrão: “Atualmente, a média de mortes por covid-19 no Brasil é de mais de 1000 por dia, a variante Delta está se espalhando pelo país, a vacinação é lenta e Jair Bolsonaro pode dar um golpe a qualquer momento. Assim, torna-se difícil confirmar minha presença com tanta antecedência. O mais prudente seria confirmar o mais perto possível da data....”. Quando se torna corriqueiro falar sobre a possibilidade de um golpe de Estado e planejar os dias já incluindo essa “variável” é porque o golpe já está acontecendo —ou, em grande medida, já aconteceu. O golpe já está.

Já sabemos como morrem as democracias, é assunto exaustivamente esmiuçado nos últimos anos. Mas precisamos compreender melhor como nascem os golpes. A morte de uma e o nascimento do outro são parte da mesma gestação. Os golpes não acontecem mais como no século 20, ou não acontecem apenas como no século 20. Tenho trabalhado com o conceito de crise da palavra para analisar as duas primeiras décadas do século 21 no Brasil. Me parece claro que o estupro da linguagem é parte fundamental do método. Não apenas um capítulo do manual, mas uma estratégia que o atravessa inteiro.

Escrevo há mais de um ano que o golpe de Bolsonaro está em curso. O golpe de fundo começou antes de Bolsonaro assumir o poder no Brasil e se realiza e aprofunda a cada dia de Governo. Se o caso brasileiro é o mais explícito, a formulação atual dos golpes de Estado pode ser percebida em diferentes partes do globo, de Donald Trump, nos Estados Unidos, a Viktor Orbán, na Hungria. É importante perceber isso porque, se não o fizermos, não teremos como barrá-los.

No caso dos Estados Unidos, é verdade que, no último momento, as instituições, muito mais sólidas do que em qualquer outro país das Américas, mostraram-se capazes de impedir a tentativa de golpe de Trump. Mas também é verdade que, mesmo com Joe Biden no poder, o trumpismo cumpriu o objetivo de produzir um impacto profundo sobre a estrutura do país, impacto que segue ativo. Conseguiu, principalmente, produzir uma imagem, corrompendo a linguagem da democracia americana para sempre ao realizar o impensável, na cena da invasão do Capitólio. A porta agora está aberta.

No Brasil, o esgarçamento da linguagem é muito anterior à eleição de 2018, aquela que formalmente colocou a extrema direita no poder. É possível localizar pelo menos três momentos decisivos para o impeachment de Dilma Rousseff (PT), apontado por grande parte da esquerda como um golpe “branco” ou “não clássico”. Quando a presidenta é chamada de “vaca” e de “puta” em estádios de futebol, na Copa de 2014; quando, em 2015, um adesivo com sua imagem de pernas abertas se populariza nos tanques de combustível dos carros, de forma que a mangueira a penetre, simulando um estupro; e, finalmente, em 2016, durante a sessão que aprova a abertura do impeachment, em que Jair Bolsonaro, então deputado, dedica seu voto ao torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, “o pavor de Dilma Rousseff”.

Ao evocar a tortura da presidenta durante a ditadura civil-militar (1964-1985), Bolsonaro a tortura mais uma vez, cometendo o crime (artigo 187 do Código Penal) de apologia à tortura, e conecta explicitamente os dois momentos históricos, o da ditadura e o do impeachment, expondo a ruptura democrática que os une. “Puta” e “vaca” na boca da massa espumando ódio (e também de algumas jornalistas), estuprada na traseira dos carros da classe média, torturada mais uma vez pelo elogio à sua tortura feito por Bolsonaro em pleno parlamento. Depois disso, qual seria a dificuldade de arrancar Rousseff do poder? Se tudo isso já tinha sido aceito como “normal”, qual seria o empecilho para aceitar o impeachment?

É isso que chamo de estupro, corrosão ou esgarçamento da linguagem. A preparação do golpe é primeiro um investimento nas subjetividades. Pela capacidade de viralização dos discursos nas redes sociais, assim como pela velocidade na produção e reprodução de imagens na Internet, a sociedade vai “aceitando” o inaceitável. Em seguida, passa a assimilá-lo —e finalmente a normalizá-lo e até mesmo a reproduzi-lo. Aquilo que até então era considerado regra básica de civilidade, fundamental para permitir a convivência, é convertido em “politicamente correto” —e o politicamente correto passa a ser maliciosamente tratado como “censura” ou “cerceamento da liberdade”. Quando o golpe formalmente se efetiva, o inaceitável já está aceito e internalizado.

O mesmo fenômeno permitiu a Bolsonaro executar seu plano de disseminação do coronavírus, espalhando mentiras para atacar primeiro as máscaras e o isolamento físico, depois as vacinas, resultando (até agora) em mais de 550.000 mortos. Afirmando publicamente, como figura pública máxima, o inconcebível, Bolsonaro tornou corriqueiro milhares de pessoas desaparecem da vida da família e do país a cada dia. Hoje, a média atual de mil mortes por dia, depois de já ter ultrapassado 4.000, é motivo de comemoração. Pelo mesmo esgarçamento da linguagem, Bolsonaro tornou possível a volta dos militares ao poder em um país ainda traumatizado pelos torturadores nas ruas, assim como a rearticulação da direita que sustentou a ditadura militar no passado. Ao romper os limites primeiro no discurso, ele abre espaço e prepara o terreno para o ato.

É também pela corrosão da linguagem que, aperfeiçoando o roteiro de Trump, Bolsonaro se prepara para 2022, atacando o sistema eleitoral para contestar a eleição em que poderá ser derrotado. Quando a eleição chegar, a repetição do discurso de fraude já terá corrompido a realidade. Nessa operação sobre a subjetividade coletiva, a fraude acontece antes, fazendo com que o que efetivamente acontecerá na eleição, o voto, não importe. É assim que o direito constitucional de eleger o presidente do país vai sendo roubado de mais de 200 milhões de brasileiros sem nenhum tanque na rua. A narrativa da fraude se infiltra e se realiza nas mentes antes de qualquer ato, descolando-se dos fatos. O que importa é a crença na fraude. Que ela não se comprove porque não aconteceu não faz a menor diferença. “Acreditar se tornou um verbo muito mais importante do que “provar” —e essa distorção é apresentada como virtude. O principal papel de figuras como Bolsonaro e outros, e antes deles Trump, é pronunciar o impronunciável, abrindo um caminho subjetivo para a concretização do assalto ao sistema democrático.

A corrosão da linguagem culmina com a corrosão da própria verdade. Este é o ataque final ao “comum”. Já vimos outros bens comuns essenciais para a vida da nossa e de outras espécies —como ar puro e água potável, por exemplo— serem privatizados, mercantilizados e reembalados para a minoria que pode pagar por eles. A estabilidade do clima, outro bem comum, foi destruída. Os novos velhos golpistas fizeram —e seguem fazendo— o mesmo com o conceito compartilhado de verdade. Assim como acontece com os teóricos da conspiração nos Estados Unidos e em suas versões brasileiras, a autoverdade —ou o poder auto-ortorgado de escolher a verdade que mais convém ao indivíduo ou ao grupo— se torna mais “real” do que os fatos. De certo modo, é um retorno a um tipo de teocracia. No caso, a “verdade” é corrompida e controlada pelos sacerdotes deste novo tipo de seita.

Obviamente, a verdade se afirma e acaba por se impor no plano da realidade, como a emergência climática acabou de demonstrar, colocando países como a Alemanha debaixo d’água e deixando o Canadá mais quente do que o deserto do Saara. Mas, enquanto isso, charlatões como Bolsonaro e outros provocam uma destruição acelerada do comum que, em grande parte, é irreversível, comprometendo não só o futuro das novas gerações, mas também o presente.

Bolsonaro é protagonista, sim, mas é também instrumento. Conhecido como uma metralhadora giratória de asneiras violentas e violências boçais durante seus sete mandatos no parlamento, seu “dom” foi instrumentalizado. A destruição do tecido social por uma operação na linguagem aposta nas chamadas “guerras culturais”. É na desumanização dos negros, das mulheres, dos LGBTQIA+ que começa o ataque. É na chamada “pauta dos costumes” que a violência vai sendo formulada como se fosse seu oposto. Quando Bolsonaro afirma preferir um filho morto em acidente de trânsito a um filho gay, por exemplo, ele coloca a abominação na homossexualidade, encobrindo a abominação que é sua afirmação. O inaceitável é ser gay —e não defender a morte de gays. O inaceitável é o aborto de um embrião —e não a morte de uma mulher com história e afetos por complicações em procedimentos sem cuidado. E assim por diante. A cada afirmação de extrema violência, Bolsonaro foi destruindo o conceito de inviolabilidade da vida e normalizando a destruição dos corpos. A principal função de figuras como Bolsonaro é tornar tudo possível —primeiro na linguagem, em seguida no ato.

Neste momento, Bolsonaro já cumpriu sua missão maior, o que pode eventualmente torná-lo descartável. Ele claramente vai se tornando um incômodo para os grupos que agora mais uma vez se rearticulam e que, com ele, conquistaram avanços inimagináveis até então, como os próprios militares, os representantes e lobistas do agronegócio, os evangélicos de mercado e o campo da direita. Assim como Fabrício Queiroz se tornou descartável e um incômodo para a quadrilha familiar dos Bolsonaro, ele mesmo se torna perigoso para os articuladores do projeto maior, que o reconhecem como uma peça importante do jogo, mas jamais como o dono do tabuleiro. Muito vai depender da capacidade de Bolsonaro se adequar, uma capacidade que nele parece inexistente. Suspeito que é esta parte de seu próprio fenômeno que Bolsonaro não compreende. Ao miliciarizar o Governo central, acreditou que estava no comando absoluto.

As democracias morrem por muitas razões, na minha opinião a mais importante delas é o fato de serem seletivas, em diferentes graus: só funcionam para determinada parcela da sociedade, deixando outras de fora. As democracias morreriam então pela corrosão provocada pela sua própria ausência. Ou morreriam pelo tanto de arbitrariedade com que são capazes de conviver. No Brasil, o nível de exceção que a minoria dominante da sociedade é capaz de tolerar é uma enormidade. Desde que as arbitrariedades sejam contra os pretos e contra os indígenas, contra as mulheres e contra os LGBTQIA+ está tudo “dentro da normalidade”. A possibilidade de as forças de segurança do Estado derrubarem portas, invadirem casas e executarem suspeitos e não suspeitos nas periferias e favelas urbanas durante todo o período democrático é, sem dúvida, o exemplo mais evidente do caso brasileiro.

As ditaduras nascem em diferentes tempos e espaços. Assim como as parcelas da sociedade beneficiadas pela democracia convenceram-se durante décadas de que viviam numa democracia, mesmo sabendo que grande parte da população era submetida a uma rotina diária de arbitrariedades, estas mesmas parcelas têm hoje dificuldade para enxergar que a ditadura já está consolidada em várias partes do Brasil, onde pessoas precisam abandonar suas casas para não morrer e as forças de segurança e o judiciário estão a serviço dos violadores. Hoje, nas áreas “nobres” das capitais e cidades, os ataques autoritários usam o judiciário e a Polícia Federal para se realizar, como nas recentes ofensivas a colunistas da imprensa tradicional, a mais recente delas contra Conrado Hübner Mendes, colunista da Folha de S. Paulo e professor da prestigiosa faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Há outras partes do Brasil em que os ataques são a fogo e bala, como na floresta amazônica, onde casas de indígenas como Maria Leusa Munduruku são queimadas e lideranças camponesas como Erasmo Alves Theofilo têm a cabeça a prêmio. Na floresta e nas periferias urbanas, corpos humanos tombam sem provocar alarde e as execuções pelas forças policiais explodem.

A percepção de golpe se alastra quando os que não costumam ser atacados passam a ser atacados, no Brasil a minoria branca e mais rica. É uma percepção legítima, porque é ela que mostra que o tecido social se rasgou em partes consideradas até então intocadas e intocáveis. A quebra destes limites sinaliza que outras forças se moveram, ameaçando o precário equilíbrio mesmo dos mais privilegiados. Em 2017, ao testemunhar a execução de um morador de rua pela polícia no bairro nobre de Pinheiros, a classe média se mobilizou para denunciar e protestar, celebrando uma missa na simbólica Catedral da Sé. Era ainda o Brasil de Michel Temer (MDB), mas a ditadura foi largamente lembrada. Ali, o “limite” estabelecido pela lei não escrita de que o Estado pode executar pessoas, mas apenas em bairros de periferia, havia sido rompido. A quebra demandava reação, pelas melhores razões e também para impedir que a violência policial rompesse outro limite e o próximo a tombar fosse alguém que habitasse não as ruas, mas os apartamentos e casas com um dos metros quadrados mais caros da cidade.

Ao se infiltrar no imaginário coletivo, o debate do “será que vai ter golpe” cumpre ainda outra função estratégica: a de interditar e ocupar o espaço do debate urgente do impeachment de Bolsonaro. Sobre isso, há um flagrante assalto à linguagem, ao normalizar o fato de Arthur Lira (Progressistas), o corrupto presidente da Câmara de Deputados, ter seu traseiro esparramado sobre mais de 120 pedidos de impeachment ou sobre o superpedido de impeachment. Pela repetição, a crítica legítima a Lira vai se esvaziando e passa a se assimilar que assim é: a mobilização da sociedade pela democracia, traduzida em pedidos de impeachment mais do que legítimos, é pervertida e usada como instrumento de chantagem do Centrão para tomar os cofres públicos. Sempre que aceitamos o abuso de poder e de função como inevitável, acostumando-nos às arbitrariedades, o golpe avança.

Hoje, com Bolsonaro, vários limites foram ultrapassados. Limites que, mesmo para um país de marcos civilizatórios tão elásticos como o Brasil, até bem pouco tempo atrás seria impensável tê-los rompido. Quando o assunto principal é se haverá golpe ou não, tema abordado com a mesma naturalidade do aumento do preço do feijão, o último jogo do Corinthians ou a mais recente série da Netflix, o que resta de democracia? O golpe já pedalou a linguagem, infiltrou-se no cotidiano e está ativo. O golpe já foi dado. A dúvida é só até onde ele será capaz de chegar.

Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora de sete livros, entre eles Brasil, Construtor de Ruínas: um olhar sobre o país, de Lula a Bolsonaro (Arquipélago). Site: elianebrum.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter, Instagram e Facebook: @brumelianebrum. Publicado originalmente no EL PAÍS, em 28.07.2021

Joice Hasselmann sobre agressões: "Tenho muitos inimigos políticos"

Deputada não descarta possibilidade de crime político após agressão misteriosa sofrida na madrugada do último dia 18. Em entrevista ao Correio desta quarta-feira (28), a parlamentar detalha o caso

Joice Hasselmann em entrevista a Denise Rothemburg (crédito da foto: Marcelo Ferreira)

A deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP) destacou em entrevista nesta quarta-feira (28/7) ao programa CB.Poder — parceria do Correio Braziliense com a TV Brasília — que não descarta a possibilidade de ter sofrido um atentado 10 dias atrás, motivado por questões políticas, visto ser pouco provável, segundo ela, que os machucados tenham ocorridos em razão de queda ou desmaio.

A parlamentar afirma que no último dia 18 ela estava em casa com o marido e, após ambos dormirem, em quartos separados, acordou com ferimentos: dente quebrado, fraturas e hematomas espalhados pelo corpo. O fato ocorreu em um apartamento funcional na Asa Norte, em Brasília. Confira os principais pontos da entrevista com a jornalista Denise Rothemburg:

Galo na cabeça e Depol

Joice Hasselmann conta que estranhou o fato de, ao acordar, estar de bruços e com um galo atrás da cabeça. Após laudo médico, em que foram constatadas cinco fraturas no rosto e uma na coluna, a deputada passou a suspeitar de um atentado, mas não descarta a possibilidade de queda. A deputada ainda afirma que não tem nenhum histórico de convulsão nem de sonambulismo.

“Começamos a levar em consideração que pudesse ter acontecido alguma coisa, que eu pudesse ter caído várias vezes, mas aí a questão é porque eu não lembro, porque se eu tivesse caída de costas, com a cabeça batida onde eu tenho o galo, tem uma justificativa, mas eu estava de frente. Então, nós informamos para a Depol (Polícia Legislativa da Câmara), porque a Depol já estava informada de que eu tinha sofrido um acidente doméstico. Eu tinha até uma agenda naquele domingo (18) e cancelei. Como a Depol me escolta pelas ameaças de morte há bastante tempo, então, quando veio esse laudo nós comunicamos a Depol”, disse.

Suspeitas

Hasselmann não descarta a possibilidade de as agressões serem motivadas por razões políticas. “Eu tenho muitos inimigos políticos, isso não é novidade para ninguém. Mas não vou ser leviana de dar nomes de alguém porque a polícia está investigando. O fato é que estamos em apartamento funcional, e constatamos, depois, a suspeita do caso não ter sido provocado por uma queda ou pancada na cabeça”, disse.

Após perícia no imóvel em Brasília, o Departamento de Polícia Legislativa da Câmara dos Deputados não identificou a entrada de pessoa estranha no local onde a parlamentar diz ter acordado machucada. “Ainda não encontraram [evidência de impressão digital]. A esse respeito, questionei o delegado sobre um objeto encontrado no apartamento, e ele disse ser possível ”, contou. Segundo Joice, o item em questão foi encontrado “pouco antes de coletiva de imprensa” e posteriormente entregue à polícia.

“Uma coisa fica muito clara: a vulnerabilidade dos imóveis funcionais em relação às câmeras de segurança. Nós não temos câmeras de segurança nas escadas e nem na frente dos apartamentos. Isso poderia ser resolvido imediatamente, ou descartada qualquer hipótese, ou comprovada a invasão no meu apartamento. Então, o fato de ter vários pontos cegos — do qual também pedi análise da Polícia Civil — deixa especialmente as mulheres bastante apavoradas”, completou.

IML

“Claro que eu fiz, gente”, respondeu Hasselmann acerca de versões de que teria se recusado a fazer exames no Instituto Médico Legal (IML). Ela também rebateu notícias falsas de que bateu o carro por estar “drogada”.

Marido

“Eu só lembro de quando estava desacordada no chão. Se alguém entrou no apartamento e me agrediu na cabeça, como é que o meu marido ouviria a três cômodos de distância, e com a porta fechada, assim como eu? Tenho o hábito de dormir com a porta fechada por conta dos meus gatos”, argumentou.

Joice também afirma que o marido, o médico Daniel França — que nega agredir a esposa —, se colocou à disposição para fazer exames a fim de contribuir com as investigações. “Ele fez os exames de corpo delito e toxicológico e está bastante empenhado. Até porque, obviamente junto comigo, ele é a pessoa mais interessada em saber o que realmente aconteceu”, disse.

Por Pedro Ícaro e João Vitor Tavarez, estagiários sob a supervisão de Andreia Castro, do Correio Braziliense. Publicado originalmente em 28.07.2021

Porandubas Políticas

Por Gaudêncio Torquato

Abro a coluna com uma fábula.

Em cinco anos, tudo pode ocorrer

Um poderoso sultão, sábio entre os sábios, possuía um camelo muito inteligente. Obedecia a todas as ordens que nem precisavam ser emitidas de viva voz. Faltava-lhe apenas o dom da palavra. Esse detalhe entristecia sobremaneira o sultão. Um dia, decidiu convocar o Grande Conselho e chamou o grão-vizir.

- Quero que ensine meu camelo a falar!

- Mas isso é impossível.

- Cortem a cabeça dele! Tragam-me o adjunto!

Mesma afirmação de desejo sultanesco, mesma resposta, mesma sentença. A cena repetiu-se diversas vezes e cabeças rolaram. Exasperado o sultão declarou.

- Aquele que ensinar meu camelo a falar será meu grão-vizir.

Silêncio! O sultão repetiu a exortação. Eis que surgiu um humilde ajudante de cozinheiro. Disse:

-Dá-me, ó incomparável senhor, um prazo de cinco anos, e farei falar teu camelo.

Estupefação geral. Seguida do cumprimento da promessa.

-Doravante, és meu grão-vizir! Mas se falhares, sabes o que te espera!

- Bem sei!

Encantado, o jovem fez profunda reverência e saiu correndo para dar a boa notícia à esposa.

- Infeliz, acabas de assinar tua condenação.

- Não é bem assim, meu bem. Pedi cinco anos.Você sabe que muitas coisas poderão acontecer em cinco anos : morre o camelo, morre o sultão...

(Fábula enviada pelo atento Alexandru Solomon). Nada a ver com as próximas eleições.

Queixumes

O amigo de academia militar de Bolsonaro, general Luiz Eduardo Ramos, não gostou de ser defenestrado da Casa Civil. Está desconsolado com a transferência para a Secretaria de Governo, onde estava Onyx Lorenzoni. Dia que como soldado cumpre missão. Mas não há coração que resista a uma promoção para baixo. O general é uma cascata de queixumes.

Guedes resistirá?

Paulo Guedes, de amplo Posto Ipiranga e pau para toda obra, no início do governo, tem sido transformado ao longo do tempo, em mera bomba de gasolina. Bolsonaro corta seu poder. Desmembra seu poderoso ministério da Economia. Guedes é vaidoso. Quer se agarrar nas ancas do poder. Mas resistirá a tanta perda? Tenho dúvidas.

Quarta marcha

O governo Bolsonaro passa a quarta marcha. Antes do tempo. Quer colocar o carro na avenida da campanha. Faz um acordão com o Centrão, abre as comportas da administração, e fecha os olhos para as prioridades. O impulso fisiológico de Bolsonaro em direção ao Centrão pode ser um tiro no pé. O Centrão é pragmático. Se o navio começar a afundar, seus participantes serão os primeiros a desembarcar.

Pequeno conto

"Misia Sert dominava a arte de caçar moscas. Estudava pacientemente os modos destes animais até descobrir o ponto exato em que havia de introduzir a agulha para pregá-las sem que morressem. Exímia na arte de fazer colares de moscas vivas, entrava em frenesi com a celestial sensação do roçar das patinhas desesperadas em seu colo." Pequeno conto de Elias Canetti em Suplicio de Las Moscas.

A máxima de Anacaris

A máxima de Anacaris, um dos sete sábios da Grécia, começa a ser reescrita por aqui: "As leis são como as teias de aranha, os pequenos insetos prendem-se nelas e os grandes rasgam-nas sem custo".

O novo triângulo do poder

Identifica-se, em nossas plagas, o que Roger-Gérard Schwartzenberg cognomina de o novo triângulo do poder nas democracias, que junta o poder político, a administração (os gestores públicos) e os círculos de negócios. Essas três hierarquias, agindo de forma circular, cruzando-se, recortando-se, interpenetrando-se, passam a tomar decisões que se afastam das expectativas do eleitor. A cobiça dos parceiros - gestores, empreendedores privados e núcleos políticos das três instâncias federativas - desafia ainda mais o Estado. É o que tem mostrado a CPI da Covid-19.

O joio e o trigo juntos

Não é fácil separar o joio do trigo e perceber as tênues linhas que distinguem o bem comum do bem privado. A percepção é nítida diante de exageros como casos de superfaturamento, vícios de licitações, apropriação escancarada da coisa pública e flagrantes de ilícitos, por meio de gravações autorizadas pela Justiça. Pode-se aduzir que a lupa dos órgãos de controle ajusta mais o foco nessa planilha. Há a considerar, ademais, que os descaminhos na estrada pública têm sido alargados pela evolução das técnicas.

Aos amigos, pão

A ladroagem é embalada por um celofane tecnológico de alta sofisticação, diferente dos costumes da Primeira República, quando a eleição do Executivo municipal assumiu relevo prático. Naquele tempo, o lema da prefeitada era: "Aos amigos, pão; aos inimigos, pau". O Brasil da atualidade sobe degraus na escada asséptica, apesar das camadas de sujeira que ainda entopem canais da administração pública. O MP acendeu luzes sobre os esconderijos e parece movido por entusiasmo cívico, haja vista a disposição com que se aferra à missão de proteger o patrimônio público e social. O presidente que prometia combate incessante à corrupção cai nas malhas dos negociantes.

A estética

O código estético é o primeiro a se infiltrar na mente. Você imaginaria Jesus Cristo sem a barba? E Abraham Lincoln, seria o mesmo sem a barba? Que tal um Gandhi cabeludo? Elvis Presley sem o topete teria o mesmo charme?

O milionário

"O milionário, ao ser perguntado quanto dinheiro era o bastante, replicou 'só um pouquinho mais'. Reconhecia uma característica essencial da vida humana. Há razões positivas pelas quais o poder tende a ser uma bola de neve e é dado àqueles que o possuem". (Kenneth Minogue)

Personagens

Eduardo Leite

O governador do Rio Grande do Sul terá voz mais forte no processo político. A conferir.

João Doria

Faz uma boa administração em São Paulo. Mas o automarketing o engole.

ACM Neto

Em processo de enfraquecimento. Não tem mais a força de tempos atrás.

Mourão

O general Mourão tem merecido respeito. Expressa palavras de bom senso. O presidente continua a dar estocadas no vice. Disse, por último, que "às vezes ele atrapalha". Até quando o general vai aguentar os tiros dados de frente e por trás?

Kassab

Gilberto Kassab sobe, devagar, a montanha de prestígio. Vai transformando o PSD em um grande partido.

Ciro Nogueira

Conheci o pai dele, Ciro, em 1986, quando coordenei a campanha eleitoral de Freitas Neto (PFL/PI). Ciro era um iniciante. O pai, deputado Federal, um grande comerciante. O filho é mais articulado. O pai, falecido, era um perfil sério e de poucas palavras. E descortina grande futuro para o filho. Como ministro da Casa Civil, Ciro servirá o feijão com arroz.

Pacheco

Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, tem boa expressão, é moderado, e exibe boa presença. Pode vir a ser protagonista importante em 2022.

Arthur Lira

Se pleitear a candidatura ao governo de AL, em 2022, será o favorito.

Alckmin

Geraldo Alckmin está em vias de carimbar o passaporte para chegar ao Palácio dos Bandeirantes em 2022 pelas asas do PSD de Kassab.

Rodrigo Garcia

Bom perfil, mas ganhará muita rejeição. Com jeito, pode escalar o morro.

Caiado

Candidato à reeleição. Tem capacidade de arregimentação.

CPI da Covid-19

Serão muitos os crimes a serem atribuídos à gestão Federal. O que a PGR fará? Arruma-se uma gigantesca pizza. A não ser que a crise política suba o pico até meados de outubro.

Responder sem confessar

Nesses tempos de Covid-19, até parece que os depoentes leram a cartilha dos hereges. Seguinte: No tempo da Inquisição, os hereges desenvolviam dez truques para responder sem confessar:

1) A primeira consiste em responder de maneira ambígua.

2) O segundo truque consiste em responder acrescentando uma condição.

3) O terceiro truque consiste em inverter a pergunta.

4) O quarto truque consiste em se fingir de surpreso.

5) O quinto truque consiste em mudar as palavras da pergunta.

6) O sexto truque consiste numa clara deturpação das palavras.

7) O sétimo truque consiste numa autojustificação.

8) O oitavo truque consiste em fingir uma súbita debilidade física.

9) O nono truque consiste em simular idiotice ou demência.

10) O décimo truque consiste em se dar ares de santidade.

(Manual dos Inquisidores - escrito por Nicolau Eymerich em 1376. Revisto e ampliado em 1578 por Francisco de La Peña)

Epílogo

"Um homem se propõe a tarefa de desenhar o mundo. Ao longo dos anos, povoa um espaço com imagens de províncias, de reinos, de montanhas, de baías, de naus, de ilhas, de peixes, de moradas, de instrumentos, de astros, de cavalos e de pessoas. Pouco antes de morrer, descobre que esse paciente labirinto de linhas traça a imagem de seu rosto". (Jorge Luis Borges)

Torquato Gaudêncio, cientista político, é Professor Titular na Universidade de São Paulo e consultor de Marketing Político.

--------------------------------------------------
Livro Porandubas Políticas
A partir das colunas recheadas de humor para uma obra consagrada com a experiência do jornalista Gaudêncio Torquato.
Em forma editorial, o livro "Porandubas Políticas" apresenta saborosas narrativas folclóricas do mundo político acrescidas de valiosas dicas de marketing eleitoral.
Cada exemplar da obra custa apenas R$ 60,00. Adquira o seu, clique aqui.

quarta-feira, 28 de julho de 2021

Brasil registra mais 1.344 mortes por covid-19

Número acumulado de mortes passa de 553 mil. Total de casos notificados da doença passa de 19,7 milhões.

O Brasil registrou oficialmente nesta quarta-feira (28/07) 1.344 mortes ligadas à covid-19, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).

Também foram confirmados 48.013 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções reportadas no país chega a 19.797.086, e os óbitos oficialmente identificados somam 553.179. 

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 611 mil óbitos, mas têm uma população bem maior. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (34,6 milhões) e Índia (31,4 milhões).

Já a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 263,2 no Brasil, a 6ª mais alta do mundo, atrás apenas de alguns pequenos países europeus e do Peru.

Ao todo, mais de 195,7 milhões de pessoas contraíram oficialmente o coronavírus no mundo, e foram notificadas 4,1 milhões de mortes associadas à doença, segundo dados da Universidade Johns Hopkins.

O Conass não divulga o número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 18.466.822 pacientes no Brasil haviam se recuperado da doença até terça-feira.

No entanto, o governo não específica quantos desses recuperados ficaram com sequelas ou outros efeitos de longo prazo. A forma como o governo propagandeia o número de "recuperados" já foi criticada por cientistas, que classificaram o número como enganador ao sugerir que os infectados estão completamente curados da doença após a fase aguda ou alta hospitalar.

Estudos no exterior estimaram que entre 10% e 38% dos infectados sofrem efeitos da "covid longa" meses após o vírus ter deixado o organismo. Um estudo alemão apontou que sequelas podem surgir até mesmo meses depois da fase aguda da doença. Já uma pesquisa da University College London em pacientes de 56 países listou mais de 200 sintomas observados em pacientes com sequelas pós-covid."

Deutsche Welle Brasil, em 28.07.2021

A retribuição da lealdade

Jair Bolsonaro não tem nenhum pudor de criticar publicamente o vice-presidente

Jair Bolsonaro teve grande sorte na escolha de seu companheiro de chapa nas eleições de 2018. O vice-presidente Hamilton Mourão tem se portado com uma lealdade absolutamente ímpar ao presidente da República desde o início do mandato e, de forma muito especial, desde que as ações e omissões de Jair Bolsonaro trouxeram à baila o tema do impeachment.

Há manifestações em todo o País pedindo que o presidente da República seja responsabilizado por sua conduta durante a pandemia. Há lideranças civis e políticas defendendo a necessidade de remover, pelas vias constitucionais, o presidente da República. Mas não há notícia, nem sequer fumaça, de que o vice-presidente Hamilton Mourão tenha dado o menor sinal de apoio a um eventual processo de impeachment.

Hamilton Mourão não tem relação com nenhuma das várias movimentações pelo impeachment do presidente Bolsonaro. O compromisso do vice-presidente com o presidente da República é um fato notório, sobre o qual não recai a menor suspeita contrária.

O comportamento de Hamilton Mourão é, portanto, fonte de tranquilidade para Jair Bolsonaro. O presidente da República contra o qual foram apresentados mais pedidos de impeachment na história do País tem um vice-presidente que lhe é rigorosamente fiel.

Decorridos dois anos e meio de governo, tão pródigos em gerar suspeitas de crimes de responsabilidade, pode-se afirmar, sem exagero, que Hamilton Mourão é o vice-presidente ideal de Jair Bolsonaro. Por mais desprovida de ambição política que fosse, qualquer outra pessoa teria motivos de sobra, em conformidade com a Constituição e a lei, para incentivar, desde a vice-presidência, um processo de impeachment.

Imagine-se, como mera hipótese, se o vice-presidente da República fosse algum político experiente do Centrão. Jair Bolsonaro teria um patamar, bem mais elevado, de preocupação em relação à sua permanência no cargo.

No entanto, apesar da contundente lealdade de Hamilton Mourão, Jair Bolsonaro não tem nenhum pudor de afastá-lo dos assuntos de governo ou mesmo de criticá-lo publicamente. “O Mourão faz o seu trabalho. Ele tem uma independência muito grande, por vezes atrapalha um pouco a gente, mas o vice é igual cunhado: você casa e tem que aturar o cunhado do teu lado. Você não pode mandar o cunhado ir embora”, disse Jair Bolsonaro no dia 26, em entrevista à Rádio Arapuan, da Paraíba.

Mais do que retratar o comportamento do vice-presidente, a fala de Jair Bolsonaro revela com crueza quem é Jair Bolsonaro. Até hoje, Hamilton Mourão cumpriu rigorosamente todas as tarefas de que o presidente Bolsonaro o encarregou. No entanto, Jair Bolsonaro menciona “uma independência muito grande” do vice-presidente.

Tal comentário revela que Jair Bolsonaro não se sente confortável com nenhum outro comportamento que não seja a completa submissão à sua pessoa. Não por acaso, na mesma entrevista, Jair Bolsonaro referiu-se ao anterior ministro da Saúde desta forma: “O general Pazuello, que fez um trabalho fantástico”. No dia em que Eduardo Pazuello assumiu a pasta, havia 14,8 mil mortos por covid no País. Quando deixou o cargo, o número se aproximava dos 300 mil.

É também peculiar a afirmação de Jair Bolsonaro no sentido de que Hamilton Mourão “por vezes atrapalha um pouco a gente”. O vice-presidente não reclama da condução do governo, não critica medidas e atitudes de Jair Bolsonaro, sempre busca motivos para defender as posições do Palácio do Planalto. Desde a posse no cargo, é conhecido por medir cuidadosamente as palavras nas entrevistas, para evitar qualquer impressão de crítica. Mesmo assim, Jair Bolsonaro considera que o vice-presidente “atrapalha um pouco a gente”.

Terá o presidente Bolsonaro tamanha limitação cognitiva para não perceber que os problemas enfrentados pelo governo não são causados por Hamilton Mourão? Ou será que, de fato, o vice-presidente atrapalha os planos de Jair Bolsonaro, impedindo sua integral realização? Tanto num sentido como no outro, a frase de Bolsonaro suscita muito receio.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 28 de julho de 2021 | 03h00

O bazar de Bolsonaro

Presidente posa de zeloso com o dinheiro público, mas avaliza fundo eleitoral de R$ 4 bi 

O presidente Jair Bolsonaro pode ser ignorante em muitas coisas, mas sabe fazer contas à moda dele. Na aritmética bolsonarista, dois mais dois sempre são mais que quatro, conforme o desejo de sua freguesia no Congresso – de cuja fidelidade o presidente depende para sobreviver no cargo.

Foi com base na matemática do fisiologismo que Bolsonaro calculou em R$ 4 bilhões o valor do fundo eleitoral, que distribui recursos públicos para financiar campanhas. É mais ou menos o dobro do que foi destinado para a eleição municipal de 2020 – e um pouco inferior ao que foi bloqueado e cortado no orçamento da Educação deste ano.

Bolsonaro não chegou a esse valor sozinho, é claro. Teve ajuda dos líderes políticos e de partidos que cobram cada vez mais caro para participar da base aliada e defender seu impopular governo.

Como se sabe, o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2022 encaminhado pelo governo ao Congresso, e aprovado no dia 15 passado, estabelece que o valor do fundo eleitoral seja equivalente a 25% da soma dos orçamentos da Justiça Eleitoral de 2021 e 2022. Técnicos da Câmara calcularam que isso dá em torno de R$ 5,7 bilhões, quase o triplo do fundo eleitoral de 2020.

Os governistas poderiam ter impedido que essa aberração prosperasse, mas escolheram nada fazer. Assim que a aprovação do aumento do fundo eleitoral tornou-se pública, causando justificada indignação, o presidente Bolsonaro, como já se tornou praxe, tratou de tentar se livrar da responsabilidade. Acusou o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos, que presidiu a sessão que votou a LDO, de impedir que o aumento do fundo fosse derrubado. O exame do que aconteceu naquela sessão, contudo, mostra que o deputado Ramos apenas seguiu o regimento, enquanto os governistas colaboravam decisivamente para a aprovação.

Para efeito da encenação dos bolsonaristas e de seus associados, nada disso importa. Bolsonaro prometeu vetar o aumento do fundo: “Seis bilhões para fundo eleitoral? Pelo amor de Deus!”, disse o presidente, com fingida indignação.

Passadas duas semanas, Bolsonaro trocou a indignação pela resignação – esta, tão falsa quanto aquela. Informou a seus aduladores no cercadinho do Alvorada que não vetará os R$ 5,7 bilhões, mas apenas “o excesso do que a lei garante”. Segundo Bolsonaro, “a lei (prevê) quase R$ 4 bilhões” e “o extra de R$ 2 bilhões vai ser vetado”. O presidente disse que não pode “vetar o que está na lei”, porque, se o fizer, estará “incurso em crime de responsabilidade”.

Em entrevista à Rádio Itatiaia, Bolsonaro voltou a falar na tal “lei”, provavelmente referindo-se à Lei 13.487, que instituiu o fundo eleitoral. “Diz na lei que a cada eleição o valor tem que ser corrigido levando-se em conta a inflação. Então, eu tenho que cumprir a lei”, disse o presidente. Não há nada disso na lei.

Supondo-se que houvesse obrigação legal de reajustar o fundo eleitoral pela inflação, contudo, o valor jamais chegaria aos tais R$ 4 bilhões anunciados pelo presidente. Se aplicados os índices inflacionários previstos na LDO encaminhada pelo seu próprio governo, e não o peculiar cálculo do presidente, o fundo teria de ser reajustado para R$ 2,197 bilhões.

Portanto, nem as vírgulas do discurso do presidente são verdadeiras, como já não eram verdadeiras no palavrório de Bolsonaro ao informar em 2019 que também não poderia vetar o aumento do fundo eleitoral naquela ocasião porque, ora vejam, corria o risco de sofrer impeachment por crime de responsabilidade.

É evidente, conforme declarou o deputado Marcelo Ramos, que Bolsonaro faz apenas “jogo de cena”, posando de presidente zeloso com o dinheiro público enquanto avaliza, na prática, a duplicação do fundo eleitoral, para alegria dos congressistas. Não se sabe exatamente que instrumento legal o presidente usará para aprovar o fundo eleitoral de R$ 4 bilhões, mas criatividade é o que não falta entre os oportunistas.

Em se tratando de um fundo eleitoral que nem deveria existir, qualquer centavo é imoral. Mas os tempos não são exatamente virtuosos. No bazar presidencial, está tudo a preço de ocasião.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 28 de julho de 2021 | 03h00

A vida versus a burocracia estatal

Useiro e vezeiro em alardear sua autoridade, não custaria a Jair Bolsonaro tornar mais célere a distribuição de vacinas

Governos normais, nada mais do que isto, são capazes de transmitir alguma segurança aos cidadãos em momentos de crise, como, por exemplo, no curso de uma pandemia. Como normal não é, o governo de Jair Bolsonaro, ao contrário, demonstra ter uma capacidade de angustiar os brasileiros que parece não conhecer limites.

O país que o presidente da República deveria governar, se tivesse um plano e não fosse avesso ao trabalho, ultrapassou a terrível marca de 550 mil mortes por covid-19. Já é sabido que só o rápido avanço da vacinação haverá de interromper este morticínio, mas, mesmo assim, o Ministério da Saúde não é sequer capaz de garantir aos Estados e municípios, responsáveis pela aplicação das vacinas, o cumprimento dos prazos para envio das doses que recebe dos fabricantes.

Há mais de uma semana, nada menos do que 16 milhões de doses de vacinas, de diferentes laboratórios, estão armazenadas nos galpões do Ministério da Saúde. “Informes técnicos”, documentos disponíveis para consulta no portal da própria pasta na internet, revelam que este é o quantitativo “estocado”. A inacreditável retenção destas vacinas levou ao menos dez capitais – Belém, Campo Grande, Florianópolis, João Pessoa, Maceió, Natal, Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Vitória – a suspender a aplicação da 1.ª dose do imunizante. Goiânia e Cuiabá não chegaram a suspender totalmente a vacinação, mas limitaram a aplicação a menos pessoas. É um absurdo haver tantas vacinas “estocadas” e elas não chegarem rapidamente à população.

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), reconhecido por seu empenho em trazer uma vacina para o Brasil diante do descaso de Brasília, indignou-se publicamente pelo descalabro. Em suas redes sociais, o tucano classificou como “vergonhosa” a falta de desvelo na distribuição das vacinas neste momento delicado, em que a pandemia dá sinais de arrefecimento, mas em patamares de casos e mortes ainda muito elevados.

De fato, ao governo federal, que só passou a defender a vacinação da população quando reveses políticos se tornaram incontornáveis, falta o devido senso de urgência. O prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), recorreu à ironia. “O senso de urgência do Ministério da Saúde chega a impressionar”, escreveu Paes em suas redes sociais.

Tanto a crítica do governador paulista como a do prefeito carioca são pertinentes. Esta falha do Ministério, no entanto, deve servir para fazer as administrações estaduais e municipais serem mais cautelosas ao divulgarem seus calendários de vacinação. Não foi o primeiro atraso e, seguramente, não há de ser o último.

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, reconheceu o atraso na distribuição dos imunizantes e culpou a burocracia estatal. “Não há estoque de vacinas”, disse Queiroga a um grupo de jornalistas. “Quando as vacinas chegam no aeroporto, elas precisam ser avaliadas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Depois, precisam passar pelo controle do INCQS (Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde). Também tem a questão da Receita Federal. Só depois é que o PNI (Programa Nacional de Imunizações) prepara as pautas e essas vacinas são enviadas aos Estados e municípios”, explicou o ministro.

Marcelo Queiroga é o ministro da Saúde – o quarto – de um país que já perdeu mais de meio milhão de seus cidadãos para um vírus contra o qual já existem quatro vacinas disponíveis. Se, nesta condição, o ministro não tem a força necessária para encurtar prazos e vencer os entraves do que chamou de “burocracia estatal”, cabe indagar se ele está à altura da posição, como o momento exige, ou se tem recebido o devido apoio de seu chefe. Useiro e vezeiro em alardear sua autoridade como presidente da República, não custaria a Bolsonaro movimentar as engrenagens da administração pública federal para tornar cada vez mais célere a distribuição de vacinas para a população. Mas, primeiro, ele precisa querer que isto aconteça.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 28 de julho de 2021 | 03h00

Bolsonaro faz mudanças no Ministério para estruturar campanha à reeleição

Presidente negocia filiação ao Progressistas, partido do novo ministro Ciro Nogueira, um dos líderes do Centrão; sigla tem forte presença no Nordeste

       Bolsonaro ao lado do novo ministro, Ciro Nogueira, durante em evento em Brasília. Foto: Evaristo Sá/AFP

A entrada do senador Ciro Nogueira (PI) na Casa Civil, confirmada nesta terça-feira, 27, representa um movimento político importante para o presidente Jair Bolsonaro em um momento de crescente perda de popularidade do governo. Ao levar o Centrão para a “cozinha” do Palácio do Planalto, Bolsonaro avança várias casas no jogo para barrar o impeachment, atrai apoio no Senado e tenta alavancar sua campanha ao segundo mandato, em 2022. Presidente do Progressistas, Nogueira foi confirmado ministro e capitão do time bolsonarista com a missão de diminuir o desgaste de Bolsonaro, alvo da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, tirar o governo da rota de colisão e conquistar aliados.

O presidente se reuniu nesta terça-feira, 27, com Nogueira e acertou que ele será o responsável, a partir de agora, pela articulação política do Planalto com o Congresso. Sem partido, Bolsonaro negocia a filiação ao Progressistas e quer contar com a estrutura da sigla PP, forte no Nordeste, em sua tentativa de reeleição.

Com a estratégia de ceder espaço ao Centrão, o presidente faz a 27.ª mudança na equipe em dois anos e meio de mandato e tira o protagonismo de generais sem voto, como o ministro Luiz Eduardo Ramos, que deixou a Casa Civil e foi deslocado para a menos prestigiada Secretaria-Geral, até então ocupada por Onyx Lorenzoni. Visto como um curinga, Onyx já passou por outras três pastas e recebeu a promessa de ser transferido para Emprego e Previdência, que será recriado com o desmembramento do Ministério da Economia.

Nogueira é o quarto titular da Casa Civil. Antes dele ocuparam o cargo o próprio Onyx, Walter Braga Netto – hoje ministro da Defesa – e Ramos. Na prática, o senador assume sob a desconfiança da ala militar do governo, que vem perdendo poder. Ao Estadão, Ramos chegou a dizer, na semana passada, que havia sido “atropelado por um trem” ao saber da troca na Casa Civil. 

Bolsonaro tentou contemporizar o mal-estar, uma vez que Ramos tentou dissuadi-lo da mudança algumas vezes. “O general Ramos é uma excepcional pessoa, é meu irmão. Agora, com o linguajar do Parlamento, ele tinha dificuldade. É a mesma coisa que pegar o Ciro Nogueira e botar ele (sic) para conversar com generais do Exército.”

Diante das críticas de que contrariou promessas de campanha ao se casar de papel passado com o Centrão, Bolsonaro disse que precisa melhorar a interlocução com o Congresso. “Fomos nos moldando”, argumentou ele nesta terça-feira.

A saída de Nogueira – até agora titular da CPI da Covid – põe o senador Flávio Bolsonaro, filho 01 do presidente, como suplente da comissão. A cadeira do presidente do Progressistas será ocupada pelo correligionário Luiz Carlos Heinze (RS) e, para o lugar dele, entra Flávio. Nogueira deve tomar posse na próxima semana. Ao entrar no governo, ele também deixa temporariamente o comando do Progressistas, que passa para o deputado André Fufuca (MA).

“Acabo de aceitar o honroso convite para assumir a chefia da Casa Civil, feito pelo presidente Jair Bolsonaro. Peço a proteção de Deus para cumprir esse desafio da melhor forma que eu puder, com empenho e dedicação em busca do equilíbrio e dos avanços de que nosso país necessita”, escreveu Nogueira no Twitter.

O novo ministro é réu da Lava Jato e responde a cinco processos na Justiça. Entre eles estão inquéritos que investigam propina recebida da Odebrecht e da JBS. Ele nega as acusações.

Na Câmara, Bolsonaro conta com o presidente da Casa, Arthur Lira (Progressistas-AL), mas até agora não tinha nenhum integrante do Senado na equipe. É ali que serão sabatinados o advogado-geral da União André Mendonça, indicado por Bolsonaro para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), e o procurador-geral da República Augusto Aras, candidato à recondução ao cargo.

Nessa nova reforma da equipe, o presidente aumenta para 23 o número de ministros. Seriam 24, não fosse a autonomia do Banco Central (que perdeu status de ministério). Em 20018, sua plataforma de governo previa a redução de pastas e um gabinete enxuto. Naquela campanha, Bolsonaro fazia críticas contundentes à velha política e ao toma lá, dá cá, acusava o PT de fisiologismo e prometia jamais lotear o governo. 

O general Augusto Heleno Ribeiro, hoje ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), chegou a cantarolar uma música trocando o termo “ladrão” por “Centrão”. “Se gritar pega Centrão, não fica um, meu irmão”, ensaiou Heleno numa convenção do PSL, antigo partido de Bolsonaro, mudando o verso da letra de “Reunião de Bacanas”.

“Eu sou do Centrão”, disse Bolsonaro no sábado, na esteira de críticas à contradição entre seu discurso e a prática, ao lembrar que foi filiado ao Progressistas, então PP, por onze anos.

Estrutura

Em fase de expansão, o partido de Nogueira está filiando ministros, como Fábio Faria (Comunicações), de saída do PSD. O Progressistas tem atualmente a terceira maior bancada na Câmara com 41 deputados. No Senado, são sete parlamentares. Em 2020, consolidou-se como um partido médio no Congresso e cresceu fora dele com as eleições municipais. Foi um dos três partidos com maior aumento no número de eleitos. 

Elegeu 685 prefeitos e 6,3 mil vereadores, atrás apenas do MDB, que tem 784 prefeitos e 7,3 mil vereadores. Nogueira administrou a quarta maior fatia dos recursos do Fundo Eleitoral, que Bolsonaro propõe dobrar para R$ 4 bilhões, no ano que vem. Se o acordo com o Congresso vingar, o Progressistas deve ficar com cerca de R$ 280 milhões para a eleição nacional.

O novo ministro não vê problemas em mudar de lado político. Menos de três anos atrás, Nogueira era aliado dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva – hoje principal adversário de Bolsonaro – e de Dilma Rousseff. Em 2018, durante campanha para conseguir mais um mandato como senador, Ciro chegou a defender no seu Twitter que deixar Lula de fora da disputa presidencial – o petista estava preso – era “tirar do eleitor um direito de escolha”. E ainda afirmou que ficaria com Lula “até o fim”.

Felipe Frazão, Lauriberto Pompeu e Marcelo de Moraes, O Estado de S.Paulo, em 28 de julho de 2021 | 05h00

O Brasil de Bolsonaro - um anão no cenário internacional

Na falta total de interlocutores de primeiro escalão, Bolsonaro se encontrou com uma obscura deputada ultradireitista alemã. O encontro sublinha o desastre que o bolsonarismo perpetrou na política externa do país.

Bolsonaro entre a deputada Beatrix von Storch e o marido dela, Sven von Storch

No momento, praticamente não existe um chefe de governo democrático que queira se encontrar com Jair Bolsonaro. Na União Europeia, evita-se prudentemente o presidente brasileiro, pois isso não pegaria bem junto ao eleitorado. Nem mesmo os fãs do britânico Boris Johnson devem ter uma opinião muito boa de Bolsonaro, conhecido no exterior sobretudo por duas coisas: a devastação da Floresta Amazônica e sua catastrófica gestão da pandemia, com mais de 550 mil brasileiros mortos.

Como ninguém quer se encontrar com Bolsonaro, ele aceita o que vem. Nesse caso foi, justamente, Beatrix von Storch, deputada federal e vice-porta-voz da ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD). Não se trata de um partido normal: o Departamento Federal de Proteção da Constituição – uma espécie de Abin alemã – levantou suspeitas de que a sigla abrigaria extremistas e impunha ameaças à ordem democrática, chegando a colocá-la sob observação do serviço secreto.

Além disso, o presidente do Brasil se encontrou com uma mulher que tachou a chefe de governo alemã, Angela Merkel, de "a maior criminosa da história da Alemanha do pós-guerra". O fato de ele se deixar ser visto ao lado dessa pária sublinha mais uma vez o desastre que o bolsonarismo perpetrou na política externa brasileira.

A perda de importância do país é dramática: Bolsonaro reduziu o Brasil de peso-pesado internacional a mero peso-mosca. É mais ou menos como se Merkel marcasse uma reunião com o deputado (e palhaço) brasileiro Tiririca, para discutir com ele o futuro da Europa e da América Latina.

O problema não são os avós

Como mostram as fotos do encontro, Bolsonaro e Von Storch se divertiram à beça. Poucas vezes se viu o presidente com um sorriso tão largo, e a ultradireitista alemã tão relaxada. O problema do encontro não é a ascendência de Beatrix von Storch – como enfatizaram diversos veículos de imprensa brasileiros. De fato, ambos seus avôs estiveram profundamente envolvidos nos crimes nazistas: um como ministro de Adolf Hitler (e criminoso de guerra condenado), e o outro como membro convicto do Partido Nacional-Socialista (NSDAP) e oficial da milícia SA.

Só que milhões de alemães têm antepassados que veneravam Hitler, injuriavam os judeus e se apoderaram de suas fortunas quando foram deportados e assassinados. Os avôs e bisavôs da maior parte dos alemães eram soldados da Wehrmacht, as Forças Armadas nazistas, ou até membros do NSDAP ou da força paramilitar SS.

Um de meus avôs viveu por um breve período num apartamento em Gleiwitz (hoje Gliwice, na Polônia) que pertencia a judeus deportados. A cidade fica próximo ao campo de extermínio de Auschwitz, e minha mãe se lembra até hoje que em certos dias "chovia cinza". Ninguém lhe explicava por quê.

Meu outro avô voltou para casa de um campo de prisioneiros soviético cinco anos após o fim da Segunda Guerra, mudo e sem reconhecer os filhos. Ele jamais falou sobre a guerra. Nós supomos que ele vivenciou coisas terríveis e talvez também tenha participado de atrocidades.

"Pérolas" da ultradireita alemã

Não se pode condenar os alemães de hoje à punição coletiva. E tampouco se pode acusar Beatrix von Storch de ter a família que tem. O que pode lhe ser imputado é ela dar continuidade à ideologia criminosa de seu avô. Ela disse que é lícito atirar em refugiadas e seus filhos que tentem atravessar a fronteira para a Alemanha, e pertence a uma sigla, a AfD, cujos deputados e funcionários disseram coisas como estas:

"Afinal, agora nós temos tantos estrangeiros no país que valeria a pena mais um Holocausto."

"Eu desejo tanto uma guerra civil e milhões de mortos, mulheres, crianças. Para mim, tanto faz. Seria tão bonito. Quero mijar nos cadáveres e dançar em cima dos túmulos. Sieg Heil!"

"Esse tipo de gente [estrangeiros e esquerdistas], é claro que temos que eliminar."

"Quando a gente chegar, vai ter arrumação, vai ter purgação!"

"Homossexuais na prisão? A gente também devia fazer isso na Alemanha!"

"Precisamos atacar e acabar com os meios de comunicação impressos."

"Lares para refugiados em chamas não são um ato de agressão."

"Fuzilar a corja ou mandar de volta para a África abaixo de pancadas."

Solidão patética

É possível que tais declarações nem soem tão estranhas para os leitores brasileiros. Seu presidente já soltou coisas do gênero, por exemplo: "Fazendo o trabalho que o regime militar não fez, matando uns 30 mil, começando com o FHC. Não deixar pra fora, não, matando. Se vai morrer alguns inocentes, tudo bem, tudo quanto é guerra morre inocente."

Portanto, é inegável o parentesco de espírito entre Bolsonaro e Von Storch. Ambos são representantes da nova ultradireita global, que prega racismo, homofobia e autoritarismo, e para tal se serve de táticas, formulações e teorias de conspiração análogas. O mais absurdo que compartilham é a afirmação de que defenderiam "valores conservadores e cristãos". Eles não defendem valor nenhum!

Jair Bolsonaro e Beatrix von Storch são irmão e irmã no espírito. O fato de o presidente brasileiro – assim como seu filho Eduardo, ou o ministro da Ciência Marcos Pontes – se encontrar com essa pária da política alemã mostra, acima de tudo, quão solitário e absolutamente incompetente esse governo se tornou. Está isolado por ser incapaz de travar um diálogo com quem pense diferente. Diplomacia lhe é uma palavra desconhecida. Para o Brasil, que há poucos anos ainda tinha um peso no mundo como país de referência, é uma tragédia.

Philipp Lichterbeck, ,o autor deste artigo, queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha,Suíça e Áustria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio. Publicado originalmente por Deutsche Welle Brasil, em 28.07.2021

terça-feira, 27 de julho de 2021

Bolsonaro confessa que sem os corruptos do Congresso não poderia governar

Aquele mito chamado por Deus para destruir o Brasil comunista, que obviamente não existia, claudicou e voltou ao redil da velha política, faminta por cargos e poder

Um homem com um boneco representando o presidente Jair Bolsonaro durante os protestos do último sábado. (NELSON ANTOINE / AP)

O presidente Jair Bolsonaro teve um momento de sinceridade e confessou que sem os réus do Congresso não poderia governar. Em uma entrevista à Rádio Arapuan FM da Paraíba, ele afirmou que é necessário conviver com eles: “Se eu afastar do meu convívio parlamentares que são réus, ou têm inquéritos, perco quase metade do Parlamento”.

Bolsonaro deve sentir que está perdendo apoio em diversos setores, começando pelas igrejas evangélicas, e que Lula aparece em todas as pesquisas como ganhador das eleições de 2022. Isso o levou a deixar de lado todas as suas promessas de restauração da política e a se entregar completamente ao coração do poder mais corrupto do Congresso, que por sua vez comemora o retorno do deputado do baixo clero ao seu rebanho.

Sem partido próprio, algo inédito para um presidente da República, Bolsonaro anda implorando por quem o acolha em seu seio. E o curioso é que até agora nenhum partido correu para lhe oferecer abrigo. Temem que ele e seus filhos acabem querendo se apoderar do partido. Com a nomeação do cacique do PP, Ciro Nogueira, como ministro da Casa Civil, o cargo mais importante do Governo, Bolsonaro se casou com a parte do Congresso com maior poder.

Bolsonaro, que conhece muito bem o Congresso e seus pecados por ter peregrinado durante seus 30 anos como deputado por dez partidos do baixo clero, agora se entregou ao Centrão e terá de dividir o poder entre eles e os mais de 6.000 militares já estabelecidos no poder político. Isso será, segundo os especialistas em política, um ponto crucial e perigoso. Bolsonaro tomou a decisão de entregar o poder do Governo ao Congresso, e isso não deixará de ser em detrimento do Exército, que já governa e poderia se sentir passado para trás.

Por outro lado, o presidente, que vê seu apoio cair, precisa dos militares para tentar se reeleger. Como eles reagirão tendo agora de perder poder no Governo? Principalmente porque já está mais que demonstrado que os militares não estão dispostos a perder poder tão facilmente no mundo da política, ao qual foram levados pelo antigo capitão que eles mesmos tinham expulsado do Exército, aquele que lhes deu um poder que agora deverão dividir com o Congresso.

É difícil saber como Bolsonaro poderá conviver com essa ambiguidade. No momento, porém, o que menos lhe importa é o Governo, para o qual, como ficou claro, ele não estava preparado. Sua única obsessão é ganhar novamente as eleições e, principalmente, derrotar Lula. Todo o resto lhe importa menos, e para isso ele está disposto a deixar que os caciques do Congresso, até os mais corruptos, governem, desde que o ajudem a ser reeleito.

Isso revela que aquele Bolsonaro das eleições, o mito chamado por Deus para destruir o Brasil comunista, que obviamente não existia, claudicou e voltou ao redil da velha política, faminta por cargos e poder.

A aposta de Bolsonaro, no entanto, é arriscada. Após sua conversão, será difícil convencer os milhões que votaram nele por suas promessas de trazer uma nova visão da política de que, agora, voltou a se deitar nos braços daquele Congresso que ele acusou, na campanha, de ser velho e corrupto.

As hipóteses levantadas são muitas. Há quem garanta que Bolsonaro não mudará e continuará com suas investidas contra as instituições porque o que ele busca é o poder absoluto, que não precise compartilhar com ninguém. Daí suas ameaças de — e seus flertes com — um golpe autoritário que possa permitir que ele governe fora das ataduras da democracia.

O que outros profetizam é que, com sua nova aposta de entregar o Governo ao Centrão, ou ele muda e trai suas promessas eleitorais ou será a velha política que acabará por abandoná-lo quando for interessante para ela. Eles querem o poder e isso basta, não querem ouvir falar de golpes nem de pureza política. Esse é o grande dilema de um Bolsonaro que acabará preso entre seus antigos sonhos golpistas ou voltará ao que sempre havia sido, um obscuro deputado que se distinguiu por sua incapacidade de estar ao lado de quem realmente mandava no Congresso, relegado ao velho baixo clero.

Há até quem tenha suposto que durante seus longos anos de deputado ele nunca apareceu envolvido em grandes escândalos de corrupção porque os grandes empresários nunca tiveram a intenção de corrompê-lo, já que sabiam que era só um obscuro deputado sem poder influir na aprovação de leis ou emendas importantes.

Por isso, teria tido que se conformar com a pequena corrupção das rachadinhas, que acabou ensinando a seus filhos. Agora que os grandes caciques que mandam no Congresso começam a se aproximar do presidente, ele se sente, de algum modo, adulado. É como ter passado da terceira para a primeira divisão.

Bolsonaro poderá continuar dizendo “aqui quem manda sou eu”, mas a verdade é que cada dia ele mandará menos, e não é impossível que até os militares acabem por abandoná-lo antes de se ver preteridos e enganados. Ou, o que é pior, ser vistos como participantes de casos de corrupção como o nebuloso mundo da compra de vacinas e a incapacidade de gestão no importante Ministério da Saúde durante o pico da pandemia.

As águas do Governo estão cada dia mais agitadas e confusas, e hoje ainda é impossível saber qual poderá ser o final da macabra aventura daquele que já é visto dentro e fora do país como o pior presidente desde o fim da ditadura e que flerta com os governos fascistas que começam a renascer na Europa.

O imponderável Bolsonaro continua sendo um enigma enredado em seus sonhos de poder ditatorial, e não é fácil adivinhar qual poderá ser seu final, que certamente não será glorioso.

Juan Arias , o autor deste artigo, é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como ‘Madalena’, ‘Jesus esse grande desconhecido’, ‘José Saramago: o amor possível’, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente. Publicado por EL PAÍS, em 27 JUL 2021 - 18:36 BRT

Brasil tem 1.333 mortes por covid-19 em 24 horas

Autoridades confirmam ainda 41 mil novos casos. Média móvel de mortes diárias está em 1.094, queda de 8,2% em relação a sete dias atrás. Já a média móvel de casos está em 47.091, alta de 23,2% no mesmo período.

São 551.835 óbitos pela doença até esta terça

O Brasil registrou oficialmente nesta terça-feira (27/07) mais 1.333 mortes ligadas à covid-19, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).

Também foram confirmados 41.411 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções reportadas no país chega a 19.749.073, e os óbitos oficialmente identificados somam um total de 551.835.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

A média móvel de novas mortes (soma dos óbitos nos últimos sete dias e a divisão do resultado por sete) está em 1.094, queda de 8,2% em relação a sete dias atrás. E a média móvel de novos casos está em 47.091, alta de 23,2% no mesmo período.

Já a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 262,6 no Brasil, a 8ª mais alta do mundo, atrás apenas de alguns pequenos países europeus e do Peru.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, depois dos Estados Unidos, que somam mais de 610 mil óbitos, mas têm população bem maior. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, após EUA (34,5 milhões) e Índia (31,4 milhões).

O Conass não divulga o número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 18.398.567 pacientes no Brasil haviam se recuperado da doença até a noite de segunda.

No entanto, o governo não especifica quantos desses recuperados ficaram com sequelas ou outros efeitos de longo prazo. A forma como o governo propagandeia o número de "recuperados" já foi criticada por cientistas, que classificam o número como enganador ao sugerir que os infectados estão completamente curados da doença após a fase aguda ou alta hospitalar.

Estudos no exterior estimaram que entre 10% e 38% dos infectados sofrem efeitos da "covid longa" meses após o vírus ter deixado o organismo. Um estudo alemão apontou que sequelas podem surgir até meses depois da fase aguda da doença. Já uma pesquisa da University College London em 56 países listou mais de 200 sintomas observados em pacientes com sequelas pós-covid.

Ao todo, mais de 195 milhões de pessoas contraíram oficialmente o coronavírus no mundo, e foram notificadas 4,17 milhões de mortes associadas à doença, segundo contagem da Universidade Johns Hopkins, dos EUA.

Deutsche Welle Brasil, em 27.07.2021