sexta-feira, 2 de julho de 2021
"Nova história do Partido Comunista da China visa fortalecer ideologia"
Entenda confusão entre Dominguetti, o 'PM vendedor de vacinas', e Miranda, o deputado que denunciou propina
Em depoimento à CPI da Covid, o suposto vendedor de vacinas e policial militar Luiz Paulo Dominguetti fez acusações contra o deputado Luis Miranda (DEM-DF), que denunciou o escândalo da vacina Covaxin - e afirmou que houve cobrança de propina por parte de funcionários do Ministério da Saúde.
Luiz Paulo Dominguetti Pereira, policial militar de Minas Gerais que diz representar a Davati Medical Supply, empresa americana que atua no ramo da saúde (Ag. Senado)
Dominguetti afirmou à comissão que Miranda procurou a empresa Davati Medical Supply para tentar negociar vacinas contra a covid-19 produzidas pela AstraZeneca e exibiu um áudio de WhatsApp que, segundo o PM, Miranda teria enviado para um representante da Davati em 2021.
No áudio, em nenhum momento o deputado cita vacinas. Depois do depoimento de Dominguetti à CPI, Miranda registrou em cartório que a mensagem foi enviada em outubro de 2020, não em 2021, e que se tratava de uma compra de luvas.
Dominguetti não havia ido à CPI para falar de Miranda, mas de um outro suposto pedido de propina do governo que o vendedor disse ter recebido do diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, quando negociava em nome da Davati.
Isso fez com que a oposição levantasse a suspeita de que o PM havia ido à CPI com o objetivo oculto de tumultuar a comissão e desacreditar a denúncia de Miranda sobre ilegalidades na negociação da Covaxin, produzida pelo laboratório indiano Bharat Biotech e oferecida ao governo brasileiro por meio da empresa intermediária Precisa.
"É evidente que há uma tentativa de tumultuar e desmoralizar a CPI", afirmou Humberto Costa (PT-PE) no Twitter. "Faz parte disso a desqualificação do deputado Luiz Miranda, que afirmou ter levado a Bolsonaro a denúncia de corrupção na compra da Covaxin. O jogo é extremamente bruto."
A CPI pediu que o celular do PM fosse apreendido para esclarecer a origem do áudio - ele foi lacrado e levado pela Polícia Federal para ser periciado.
Entenda o caso em três pontos.
Quem é Dominguetti e por que ele estava depondo à CPI?
Policial prestou depoimento na CPI da Covid-19 nesta quinta-feira (Ag. Senado)
Policial militar da ativa em Minas Gerais, o cabo Luiz Paulo Dominguetti afirmou à CPI que entrou no ramo de venda de suprimentos médicos informalmente "para complementar a renda".
Ele foi convocado à CPI por ter afirmado à Folha de S.Paulo que recebeu pedido de propina quando tentava vender vacinas a um representante do Ministério da Saúde.
Dominguetti negociava em nome da Davati Medical Supply, uma empresa americana que que distribui suplementos médicos. Ele não é representante oficial da empresa, mas diz que tinha um "acordo de cavalheiros" com o Cristiano Alberto Carvalho, representante da Davati no Brasil, para negociar em nome dela.
A Davati confirmou que trabalhou com Dominguetti, mas disse que ele não tinha vínculo empregatício e que a empresa nada sabe sobre oferta de propina.
Dominguetti afirmou à CPI que tentava intermediar a venda de vacinas da AstraZeneca, mas não explicou como a Davati conseguiria obtê-las para revender.
Isso porque a AstraZeneca esclareceu em um comunicado que não trabalha com intermediários para a venda de vacina contra a covid-19 e não negocia com empresas privadas, somente com governos nacionais.
O PM afirmou à CPI que não sabia como a Davati faria o fornecimento, que estava apenas fazendo a negociação.
Ele disse aos senadores que ofereceu ao governo, em nome da Davati, 400 milhões de doses da vacina da AstraZeneca, ao preço de 3,5 dólares a dose. Disse que receberia cerca de 3 centavos de dólar por dose como comissão pela venda - valor que totalizaria uma comissão total de 12 milhões de dólares.
Segundo Dominguetti, a tentativa de venda foi discutida em fevereiro ao então diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, em um restaurante em Brasília. Na reunião teria estado também o tenente-coronel Marcelo Blanco, assessor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, segundo Dominguetti.
Na reunião, disse o PM, Dias teria pedido para aumentar o preço a fim de contemplar uma propina de 1 dólar por dose, o que Dominguetti teria recusado. O vendedor afirmou ter ido ainda, no dia seguinte, a uma reunião no Ministério da Saúde, e disse que após sua recusa a negociação não foi para a frente.
Quem é Luis Miranda e como seu nome surgiu no depoimento de Dominguetti?
Durante seu depoimento à CPI, Dominguetti introduziu o nome do deputado Luis Carlos Miranda, que fez a denúncia contra o governo no escândalo da Covaxin - uma outra denúncia de suposta propina feita no mês passado que nada tem a ver com Dominguetti.
O PM afirmou casualmente em seu depoimento que parlamentares tentavam negociar diretamente a compra de vacinas com a Davati e, após ser questionado pelo senador Humberto Costa sobre quem seriam eles, citou o nome de Luis Miranda.
"O Cristiano (representante da Davati) me relatava que, volta e meia, tinha Parlamentares - eu não sei quem - o procurando e que o que mais o incomodava era o deputado Luis Miranda, o mais insistente com a compra, intermediação de vacinas", disse Miranda.
Procurado pelo jornal O Globo, o representante da Davati negou que Miranda o procurasse para falar de vacinas.
A citação de Miranda chamou tanta atenção porque o deputado denunciou suposto pedido de propina feito pelo governo na compra de outra vacina, a Covaxin, da Bharat Biotech.
O deputado Luis Carlos Miranda tem um irmão chamado Luis Ricardo Miranda que é chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde.
O servidor do ministério Ministério Público Federal (MPF) ter sofrido uma "pressão incomum" de outra autoridade da pasta para assinar o contrato com a empresa Precisa Medicamentos, que intermediou o negócio com a Bharat Biotech.
Luis Ricardo teria alertado o irmão, o deputado Luis Carlos Miranda, sobre irregularidades no contrato. Alinhado ao governo, o deputado disse à CPI que avisou o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sobre os problemas e nada foi feito.
Documentos obtidos pela CPI e revelados pelo jornal O Estado de S. Paulo mostram que o valor contratado pelo governo brasileiro, de US$ 15 por vacina (R$ 80,70), ficou bastante acima do preço inicialmente previsto pela empresa Bharat Biotech, de US$ 1,34 por dose. O gasto total do Brasil seria de R$ 1,6 bilhão.
Alinhado ao governo Bolsonaro até a denúncia, o deputado Miranda não estava livre de acusações de irregularidades.
YouTuber, ele ganhou projeção dando "dicas de empreendedorismo" para brasileiros nos Estados Unidos, onde morava até ser eleito deputado federal em 2018. Em 2019, diversas pessoas que investiram em seus negócios nos EUA disseram que sofreram golpes e perderam milhares de dólares, como mostrou uma uma reportagem do programa Fantástico, da TV Globo.
No entanto, outras acusações contra Miranda não tinham a ver com a denúncia que ele fez contra o governo no caso Covaxin.
Durante a CPI, a oposição encarou o fato de Dominguetti ter feito acusações contra o deputado Miranda especificamente envolvendo vacinas como uma tentativa de desmoralizá-lo e enfraquecer a denúncia contra o governo no caso Covaxin.
Qual a origem e o que há no áudio mostrado por Dominguetti?
O áudio mostrado por Dominguetti tem a voz de Luiz Miranda falando sobre uma compra, sem especificar de qual produto.
"Então irmão, o grande problema é, vou falar direto com o cara, o cara vai pedir toda documentação do comprador. O comprador meu já está de saco cheio disso, vai pedir a prova de vida antes e a gente não vai fazer negócio", diz Miranda.
"Então nem perde tempo, que eu tenho o comprador e ele pode fazer o pagamento instantâneo, que ele compra o tempo todo lá, quantidades menores. Se o seu produto tiver no e você fizer um vídeo, 'Luis Miranda, aqui meu produto', o meu comprador entende que é fato, ok? E encaminha toda a documentação necessária. Eu nem vou perder tempo porque tem muita conversa fiada no mercado. Desgastou muito, meu irmão, nos últimos 60 dias."
Dominguetti disse que recebeu a informação de que o áudio era sobre vacinas e seria deste ano. Também afirmou que recebeu o áudio de Cristiano Alberto Carvalho, representante da Davati no Brasil.
Cristiano Alberto Carvalho, no entanto, afirmou ao jornal O Globo que recebeu o áudio de outras pessoas e não diretamente de Luiz e que não tem relação com a Davati nem com vacinas.
"Porque ele disse isso então?", questionou a repórter do jornal. "Quer aparecer", afirmou Cristiano.
Luis Miranda afirmou que o áudio era de 2020 e sobre compra de luvas. Para reforçar, levou seu celular a um cartório em Brasília.
O tabelião Evaldo Feitosa dos Santos ouviu o áudio e fez a transcrição em ata notarial. No documento, publicado pelo site Metrópoles, consta a data do áudio como sendo de 15/09/2020 e há transcrição de trecho, não exibido na CPI, em que fica claro que a conversa é sobre luvas, não sobre vacinas.
Ainda não há previsão de quando sai a perícia do celular de Dominguetti, levado pela Polícia Federal durante seu depoimento na CPI.
Leticia Mori, de S. Paulo para a BBC News Brasil, em 01 de julho de 2021
quinta-feira, 1 de julho de 2021
O dever de cada um
O pedido de abertura de inquérito para investigar se Jair Bolsonaro cometeu crime de prevaricação deixa claro quem está cumprindo seu papel
Os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Fabiano Contarato (Rede-ES) e Jorge Kajuru (Podemos-GO) enviaram ao Supremo Tribunal Federal, na segunda-feira passada, uma notícia-crime pedindo a abertura de inquérito para investigar se o presidente Jair Bolsonaro cometeu crime de prevaricação.
Na atual conjuntura, a iniciativa dos senadores tem escassas chances de prosperar, mas tem o mérito de deixar claro quem está cumprindo seu papel constitucional e quem está apenas servindo aos interesses do presidente Bolsonaro.
A notícia-crime diz respeito à informação de que Bolsonaro não teria tomado providências ao tomar conhecimento, por meio de um funcionário do Ministério da Saúde e por um deputado federal, de que talvez estivesse em curso um esquema de corrupção na compra da vacina indiana Covaxin.
“Tudo indica que Bolsonaro, efetiva e deliberadamente, optou por não investigar o suposto esquema de corrupção levado a seu conhecimento”, diz a petição dos senadores. Para os parlamentares, essa atitude sugere que Bolsonaro ou estava envolvido diretamente no esquema ou estava protegendo algum “amigo do rei”. Se for confirmada, a omissão do presidente caracteriza prevaricação – crime comum, previsto no artigo 319 do Código Penal.
Se tudo for feito como manda o figurino constitucional, o Supremo encaminha a petição – como já o fez – à Procuradoria-Geral da República (PGR). Se achar que é o caso, a PGR determina a abertura de inquérito, por meio da Polícia Federal, e, havendo indícios de autoria e materialidade, apresenta ao Supremo uma denúncia contra o presidente por crime comum. Em seguida, o Supremo envia o caso para a Câmara, que decidirá se autoriza a continuidade do processo contra Bolsonaro, por meio de votação em plenário. Em caso de aprovação, com o voto de dois terços dos deputados, cabe ao Supremo decidir se abre o processo – e, nessa hipótese, o presidente é afastado do cargo até o julgamento, que deve ocorrer num prazo de 180 dias.
Como se observa, é longo e tortuoso o processo de responsabilização criminal do presidente da República, e é bom que assim o seja, para preservar não a pessoa do presidente, mas o cargo. No entanto, essa proteção institucional não pode ser pretexto para blindar Bolsonaro, impedindo que ele responda por seus atos.
A Procuradoria-Geral da República, por exemplo, resolveu não tomar nenhuma providência até que a CPI da Pandemia conclua seus trabalhos, o que ainda está longe de acontecer.
Em resposta ao Supremo, o subprocurador-geral, Humberto Jacques de Medeiros, considera que a CPI é o “mais potente instituto de investigação no direito brasileiro”, razão pela qual a PGR, titular da ação penal pública, não pretende fazer nada por ora porque a comissão parlamentar já está investigando o caso.
Não foi esse o entendimento da PGR na época do escândalo do mensalão, em 2006: a Procuradoria investigou o esquema de corrupção ao mesmo tempo que uma CPI avaliava o caso, e a denúncia que ofereceu na época foi até mais dura do que as conclusões da comissão parlamentar. Ou seja, naquela oportunidade a PGR, cuja independência é assegurada pela Constituição, não renunciou às suas atribuições.
Hoje, a PGR do sr. Augusto Aras, que aspira a receber indicação para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal, abdica de investigar o presidente. Mas não é o único a vacilar ante suas obrigações, por insondáveis razões.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, a quem cabe analisar o requerimento de prorrogação da CPI da Pandemia – que já obteve o número necessário de assinaturas –, informou que só o fará ao final do prazo atual de funcionamento, em 7 de agosto. As novas denúncias, que envolvem diretamente o presidente da República, demandam a continuidade das investigações, mas o senador Pacheco – que era contrário à CPI e só a instalou por ordem do Supremo – continua inclinado a dar uma força ao governo.
Diante de um escândalo tão grave, aqueles que têm algum papel em sua elucidação têm o dever cívico e moral de o cumprir. Não fazê-lo, para proteger quem quer que seja, equivale a ser cúmplice.
Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 01 de julho de 2021
quarta-feira, 30 de junho de 2021
Teste de estresse
O presidente Jair Bolsonaro testa as instituições democráticas de todas as maneiras desde que entrou para a política. Qual país emergirá dessa terrível experiência?
Hoje, seus crimes de responsabilidade se multiplicam, do mesmo modo como, quando era deputado, abundavam suas agressões ao decoro parlamentar – sem mencionar as suspeitas de “rachadinhas” e outras estripulias. Seus ataques à imprensa e à Justiça mostram sua ojeriza a alguns dos principais pilares da democracia. Sua campanha feroz para cindir a sociedade é antidemocrática por definição.
Como não há perspectiva de que Bolsonaro se emende – ao contrário, é bem provável que o presidente intensifique sua ofensiva liberticida, pois é de sua natureza –, pergunta-se: qual país emergirá dessa terrível experiência?
Será um país em que as instituições democráticas afinal resistiram a seu maior teste de estresse desde o fim do regime militar, fazendo prevalecer o espírito da Constituição sobre o projeto destrutivo liderado pelo bolsonarismo sob os auspícios do Centrão e de corporações parasitárias do Estado?
Ou será um país em que as instituições democráticas se deixaram emascular pelos interesses mesquinhos de quem se acomoda ao poder para ter ganhos imediatos? Em que se faz exegese heterodoxa da Constituição para fazê-la caber em projetos autoritários de poder? Em que grupos com acesso privilegiado ao Estado conseguem manipular o Orçamento sem qualquer transparência nem prestação de contas? Em que se modificam as leis eleitorais e os modelos de representação para perpetuar o atraso? Em que se considera legítimo um governo que atua contra os mais básicos preceitos éticos e técnicos da administração pública, fazendo terra arrasada na educação, na cultura e na área ambiental? Em que se fecham os olhos para a tentativa de transformar as forças militares em guarda pretoriana do presidente da República? Em que não causa comoção a transformação do Brasil em pária mundial?
Se depender dos democratas brasileiros, o País sairá fortalecido dessa provação, mas não será sem um esforço extraordinário, pois são evidentes os sinais de que os inimigos da democracia ganharam muito terreno desde a eleição de Jair Bolsonaro à Presidência.
Há instrumentos constitucionais para conter a insana marcha bolsonarista. No entanto, o contubérnio de Bolsonaro com o Centrão tem garantido até aqui a sobrevivência política do presidente, mesmo diante da catástrofe que seu governo impõe ao País. Não se sabe o quanto vai durar esse arranjo – afinal, quanto mais Bolsonaro se enrosca em escândalos, mais caro fica esse apoio.
Por ora, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), eleito para o cargo com o apoio de Bolsonaro, diz que não há razões para dar andamento a um processo de impeachment contra o presidente, embora haja uma profusão de crimes de responsabilidade.
Em recente entrevista a O Globo, Lira declarou que não há votos para o impeachment, que Bolsonaro tem “base popular” e que o afastamento do presidente demanda “circunstâncias como uma política fiscal desorganizada, uma política econômica troncha”. Já os mais de 500 mil mortos na pandemia contam menos, no cálculo do presidente da Câmara, do que a aritmética dos votos no plenário.
Não é à toa que o presidente Bolsonaro referiu-se a Arthur Lira recentemente como “prezado amigo e companheiro” e qualificou como “excepcional” o trabalho do presidente da Câmara.
Para completar, Bolsonaro, no mesmo discurso, revelou seu desejo de acabar com a separação de Poderes, inscrita na Constituição, ao dizer que “não são Três Poderes, não, são dois, Arthur: é o Judiciário e nós para o lado de cá”. Ou seja, Bolsonaro transformou sua Presidência em apêndice do Centrão no Congresso, em contraposição ao Judiciário.
No entanto, as seguidas derrotas do presidente nas Cortes superiores e no encaminhamento de projetos de seu interesse no Congresso, além do suadouro que a CPI da Pandemia está lhe dando no Senado, mostram claramente que o arranjo que mantém Bolsonaro no poder ainda não pode tudo – e está ao nosso alcance fazer com que jamais possa.
Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 30 de junho de 2021
Mitos em concordata
Ninguém mais teme as ameaças de convulsão caso Bolsonaro não seja obedecido, leia aqui o artigo de Rosângela Bittar.
O presidente Jair Bolsonaro durante evento no Palácio do Planalto, em Brasília Foto: DIDA SAMPAIO/ESTADÃO
A nova explosão de agressividade de Jair Bolsonaro e sua militância é sinal de que não está dando certo o projeto de continuidade no poder a qualquer custo. Estão em perigo duas certezas que fundamentam a campanha eleitoral intensiva a que o presidente submete o País. Primeiro, o voto impresso. Perdeu apoio e sentido a fantasiosa desconfiança na urna eletrônica. Segundo, esfacela-se o mito de governo incorruptível, marca que ele próprio se atribui, contra todas as evidências.
Ninguém mais teme as ameaças de convulsão social caso Bolsonaro não seja obedecido. Uma intenção de golpe desmoralizada, tanto pelo Congresso, que não deve votar a lei, quanto pela Justiça Eleitoral, que a aplicaria a contragosto. Oficialmente, 11 partidos se manifestaram contra tal retrocesso. Bolsonaro terá que inventar outra maneira de deflagrar uma crise institucional caso seja derrotado nas urnas. O projeto de uma infinita recontagem de votos, com a indefinição eterna dos resultados, terá de esperar por novo pretexto. O modelo Trump não colou nos Estados Unidos e dificilmente dará certo no Brasil, embora a democracia, aqui, seja mais frágil.
Já o discurso de ausência de corrupção no governo choca-se frontalmente com a realidade, agora demonstrada tanto na CPI da Covid, como no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal de Contas da União. O caso da vacina indiana Covaxin é exemplar de um dos métodos que o governo usa para sustentar sua propaganda enganosa: se descoberta uma armação, logo é desfeita antes que o crime se consuma. Depois da denúncia, age-se como se não tivesse sido urdida.
Esta prática de desmanchar o malfeito só quando denunciado repete-se em outras situações suspeitas de envolverem corrupção. O escandaloso caso dos computadores do MEC até hoje é tratado com um silêncio constrangedor. As “rachadinhas”, assíduas no rol de denúncias contra parlamentares da família presidencial, são esquecidas na lista de corrupção mas não apagadas. As ligações pessoais com empresas em intermediações relatadas na CPI da Covid, outro tipo de incidência irregular na folha corrida da atual administração.
Os processos do ex-ministro Ricardo Salles dispensam registro. O disfarce, neste escalão, é outro: quando o cerco está prestes a se fechar, Bolsonaro tira o indigitado do cargo, como se o sujeito não tivesse pertencido jamais ao governo. O ministro Rogério Marinho até hoje não explicou o rateio de um orçamento secreto entre a elite da base aliada. Nem os demais ministros que se utilizaram do mesmo expediente.
A área de Saúde é emblemática por causa da pandemia que já tirou a vida de 515 mil brasileiros. Só no Tribunal de Contas da União há mais de 40 processos em tramitação, do kit covid à cloroquina, da compra de aventais à omissão na aquisição de vacinas.
Há três semanas, o TCU suspendeu uma compra superfaturada de tratores para a ICMbio. Mais do que licitação, tratava-se de uma “ata registro”, uma espécie de guarda-chuva: quem quiser adquirir o produto, adere, tornando desnecessárias outras licitações.
O negacionismo de Bolsonaro é um vício renitente e incide nestas operações suspeitas. Ontem mesmo, ele negou, candidamente, que tenha conhecimento do que se passa nos ministérios. Mas foi no seu governo que o País viu reduzir-se a capacidade de controle das irregularidades. O Brasil piorou nos índices de corrupção entre os 15 países da América Latina acompanhados por instituições americanas e inglesas. Entre os fatores negativos determinantes está uma recorrente mania de Bolsonaro: a tentativa de subordinação de instituições que deveriam ser independentes.
O dramático brado do ministro Onyx Lorenzoni contra os que denunciam casos de corrupção no governo Bolsonaro, jurando pureza administrativa há 30 meses, soou completamente falso. Canastrice pura.
Jornalista Rosângela Bittar escreve semanalmente sobre o cenário político do País. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 30.06.2021.
segunda-feira, 28 de junho de 2021
Corrupção agride, paralisa e mata
Criminosos punidos pela Lava Jato têm aliados nas instituições da República, observa Carlos Alberto di Franco neste artigo publicado n'O Estado de S. Paulo hoje.
Criminosos punidos pelo trabalho saneador da Operação Lava Jato e posteriormente anistiados por aqueles que teriam o dever de proteger a sociedade começam a construir narrativas com a finalidade de apagar os fatos, recriar a história e transformar delinquentes em modelos de virtudes e exemplos de boa política.
Argumentam, armados de um cinismo cortante, que a Operação Lava Jato “com sua sanha punitiva” destruiu empresas, criminalizou a política e condenou inocentes. Como se não existissem confissões documentadas, provas robustas e milhões devolvidos aos cofres como resultado de acordos. Quem devolve, por óbvio, reconhece o roubo. Para essa gente, no entanto, tudo isso precisa ser apagado com a pedagogia do mestre Goebbels, nazista cruel e braço direito de Hitler: “Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”. Mentem. Compulsivamente. Mentem com voz melíflua, sem ruborizar e mover um músculo do rosto. São exímios na arte do engodo.
Têm aliados importantes nas instituições da República. Isso ficou evidente, mais uma vez, na recente decisão da Câmara dos Deputados que detonou a Lei da Improbidade, o mais importante instrumento anticorrupção então em vigor no Brasil. O pedido de urgência de votação começou a ser votado às 17h11 e se concluiu às 17h19. E não estamos falando em urgência para acelerar reformas essenciais para a modernização do Brasil ou iniciativas visando a salvar vidas ou superar as terríveis desigualdades sociais. Não, amigo leitor. O objetivo foi abrandar ou eliminar penas. O relatório final elimina a imprescritibilidade do ressarcimento do dano ao patrimônio público – possibilidade de pedir a qualquer tempo a devolução de valores devidos. Um golaço da corrupção.
Na verdade, quando o assunto é combate à corrupção, o Brasil está em queda livre. Na recém-divulgada edição do Índice de Capacidade de Combate à Corrupção 2021, o País sofreu a maior queda entre as 15 nações da América Latina analisadas. “O Brasil tem apresentado uma das trajetórias mais preocupantes entre os países da América Latina”, sublinha Thomaz Favaro, diretor da Control Risks. “Recentemente o País sofreu alguns reveses, com uma série de tentativas de ingerência governamental sobre órgãos-chave, como a Polícia Federal e o Ministério Público, e também uma série de decisões judiciais que impactaram a luta anticorrupção”, diz Favaro.
Desanima? Certamente. O mal, no entanto, não tem a última palavra. Os brasileiros estão trancados em casa por causa da pandemia. Mas ela vai passar. Se Deus quiser. E então, srs. políticos, apertem os cintos e revisitem as imagens das imensas passeatas da cidadania que sacudiram o País. Não eram iniciativas convocadas por partidos políticos. Eram famílias, gente normal e pacífica, mas cansada do sequestro do seu presente e da condenação do seu futuro.
O combate à corrupção é uma das demandas mais fortes da sociedade. A corrupção algema a sociedade. A corrupção desvia para o ralo da bandidagem recursos que podiam ser investidos em saúde, educação, segurança pública, etc. A corrupção empurra crianças famintas para a catástrofe da prostituição infantil. O Brasil não vai mais contemporizar. Cabe a nós, jornalistas e formadores de opinião, assumir o papel de memória da cidadania. Não podemos deixar cair a peteca. Revisitaremos todos os meandros daquele que já foi definido como o maior escândalo de corrupção da História do mundo, o petrolão, um esquema bilionário de corrupção na Petrobrás durante os governos Lula e Dilma, que envolvia cobrança de propina das empreiteiras. Trata-se de um dever ético inescapável.
Mas, para além das trincheiras internas, a guerra contra a corrupção brasileira ganhou dimensão internacional. Como salientou a promotora Luciana Asper em recente entrevista exclusiva que me concedeu, a irrefutável gravidade dos impactos da corrupção para o desenvolvimento socioeconômico do Brasil, a certeza de que as estratégias de enfrentamento da corrupção estão globalizadas, a notoriedade internacional do Brasil como país de elevada percepção da corrupção, a aplicação prática dos tratados e cooperações internacionais para o combate à corrupção e a imposição da cultura da integridade pública mudam, por completo, o paradigma de fazer negócios no Brasil e com o Brasil. Resistir a essa verdade e não se adaptar é o mesmo que receber o diagnóstico de uma doença grave e acreditar que ela vai desaparecer sem o devido tratamento.
Resumo da ópera: diante da dicotomia entre as reiteradas tentativas internas de estabelecer caminhos para a impunidade (a recente decisão da Câmara dos Deputados é um exemplo redondo) e as iniciativas internacionais de avançar com os tratados e cooperações para o combate à corrupção global, os Poderes públicos brasileiros vão ser forçados a mudar.
A corrupção como modelo de negócio está com seus dias contados. A governança do roubo e da delinquência será um suicídio político e empresarial. Nós, jornalistas e formadores de opinião, temos o dever profissional e ético de jogar muita luz nas trevas da corrupção. Trata-se de um crime que agride, paralisa e mata.
Carlos Alberto Di Franco, o autor deste artigo, é Jornalista (e-mail: DIFRANCO@ISE.ORG.BR) Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 28.06.2021
O País que queremos ser
O Brasil estará condenado a um período de mediocridade caso o próximo governo não seja capaz de oferecer melhores perspectivas para 47,8 milhões de jovens
O Brasil estará condenado a um longo período de mediocridade caso o próximo governo não seja capaz de oferecer melhores perspectivas de vida para os 47,8 milhões de jovens na faixa entre 15 e 29 anos. O mais recente Atlas das Juventudes, realizado pelas redes de organizações Em Movimento e Pacto das Juventudes pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, em parceria com a FGV Social, revela que quase a metade deste contingente populacional (47%) sairia do Brasil hoje caso tivesse oportunidade. É muito grave que tantos jovens não enxerguem seu futuro atrelado ao do País. Mais ainda, que não se sintam motivados a tomar parte da construção deste destino.
O desalento de segmento tão expressivo da juventude brasileira é ainda mais preocupante porque o País vive agora o chamado “bônus demográfico”: nunca a população entre 15 e 29 anos foi tão grande em nossa história. A tendência é que, daqui em diante, esta faixa populacional fique cada vez menor. As gerações em plena efervescência criativa e produtiva são o dínamo capaz de levar qualquer país do mundo aonde sua sociedade queira chegar.
Portanto, é muito triste constatar que muitos milhões desses jovens brasileiros sintam como se o país em que nasceram lhes tenha virado as costas. “Não há melhor previsor do futuro do País que o universo dos jovens de hoje”, bem lembraram os pesquisadores da FGV Social, a propósito da publicação da pesquisa Jovens: Projeções Populacionais, Percepções e Políticas Públicas, há poucos dias (ver editorial Retrato da juventude brasileira, publicado em 12/6/2021).
A tempestade perfeita gerada pela confluência das crises econômica e sanitária foi particularmente cruel para a população mais jovem. Do total de jovens entre 15 e 29 anos, nada menos do que 70% afirmam ter dificuldade para encontrar trabalho. O porcentual de “nem-nem”, ou seja, de jovens que nem estudam nem trabalham, nunca foi tão alto: 27,1% dos quase 50 milhões naquela faixa etária, de acordo com o Atlas das Juventudes. Os jovens também foram os que mais perderam renda na pandemia – 11%, de 25 a 29 anos; 17%, de 20 a 24 anos; e 26%, de 15 a 19 anos. Também é o contingente que apresenta a maior involução do índice de Gini, que mede a desigualdade – aumento de 3,8% da desigualdade entre jovens, ante 2,7% do conjunto da população até 2019.
O quadro que se apresenta é o de um país incapaz de instilar esperança. Os jovens brasileiros são os que menos acreditam na progressão de vida por meio do trabalho (70%) na América Latina. Nos vizinhos Argentina e Uruguai, o grau de confiança é de 85% e 84%, respectivamente. Na Bolívia, 91%. Na Colômbia, 89%. No Chile, 87%.
O Atlas das Juventudes também afere a percepção dos jovens sobre a maneira como o presidente da República governa. No período compreendido entre 2011 e 2014, a aprovação foi de 60,6% (57,5% no mundo). Já no período entre 2015 e 2019, a aprovação do governo entre a juventude despencou para 12,1%, enquanto se manteve estável, em média, nos outros países (57,4%). Resta absolutamente claro, portanto, que uma das principais missões do próximo presidente da República será resgatar a confiança dos jovens brasileiros no País. E isto só será possível por meio de políticas públicas responsáveis e muito bem elaboradas e implementadas, especialmente na área econômica, com vistas ao aumento da geração de emprego e renda, e, não menos importante, na área de educação, especialmente afetada pela pandemia e chave para a qualificação desses jovens e para o desenvolvimento do País.
O impacto do descaso do governo Jair Bolsonaro pela educação pode ser sentido até mesmo pelos jovens mais qualificados, que não veem condições de permanecer no Brasil (ver editorial Fuga de cérebros, publicado em 9/6/2021).
“As juventudes têm potencial para protagonizar agendas globais e locais de desenvolvimento social, mas, para isso, precisam do apoio de governos e de outros parceiros”, diz trecho do Atlas das Juventudes. Descuidar deste apoio é um crime contra o futuro do Brasil.
Editorial / Notas e Informações, O Estado de S. Paulo, em 28.06.2021
Lula e as sentenças criminais
O projeto inteiro do IR é inoportuno e tecnicamente equivocado, diz ex-secretário da Receita
Segundo Marcos Cintra, tributação de lucros e dividendos com alíquota de 20% sugerida pelo governo pode gerar distorções no sistema e afugentar os investidores
'Tributação de dividendos vai tirar uma boa parte da racionalidade da escolha do empresário', aponta Cintra. Foto: José Cruz/Agência Brasil
Primeiro secretário da Receita do governo Bolsonaro, o economista Marcos Cintra, é uma voz ácida contra o projeto de lei que altera o Imposto de Renda. Segundo ele, a tributação de lucros e dividendos (remuneração que os acionistas recebem pelo capital investido na empresa) com alíquota de 20%, vai promover aumento brutal da carga tributária, distorções no sistema e afugentar os investidores. Cintra diz que sempre se opôs ao fim da isenção que existe hoje quando esteve na equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes.
Abaixo, os principais trechos da entrevista.
Qual a sua avaliação da proposta de reforma?
A motivação principal foi a promessa de campanha do presidente Bolsonaro de mexer na pessoa física com a correção da tabela. E, a partir daí, se aproveitou o momento de fazer uma faxina, principalmente, na pessoa jurídica e no mercado de capitais. O segundo aspecto, que não é mais imposição política do presidente, mas uma visão que o Ministério da Economia tem de tributar os dividendos. Essa é uma visão equivocada com o argumento de que todos os países do mundo cobram e o Brasil também deveria cobrar. Ignorando o fato de que a isenção foi um aperfeiçoamento que o Brasil corajosamente implantou há 25 anos.
Por que a volta da tributação é equivocada?
Vai ter dois impactos negativos. Primeiro, vai passar a ser uma tributação a introduzir uma distorção na escolha do empresário, entre reinvestir ou distribuir. Isso é uma decisão que para aumentar a eficiência de uma economia tem que deixar o próprio empresário decidir o que ele quer fazer. É uma não neutralidade. Eu fico estranhando quando o secretário da Receita (José Tostes) diz que uma das coisas é buscar maior neutralidade do sistema. Agora, a tributação de dividendos, com essa cacetada de 20%, vai tirar uma boa parte da racionalidade da escolha do empresário.
Qual é o segundo ponto?
Uma das coisas saudáveis que a isenção trouxe ao Brasil é que sempre tivemos uma bolsa de valores que é quase um cassino, onde as pessoas compram e vão ganhar ou perder, vendendo o ativo. O que a não tributação de dividendos fez foi aproximar o Brasil do que existe em outros países, onde as pessoas compram ações e vivem dos dividendos que são pagos. Isso é saudável e dá estabilidade. Com a taxação, se desestimula esse mercado.
Por que não tributar os dividendos, se o Brasil tributa aluguel, salários e tantas outras coisas? Na campanha eleitoral, a volta dessa tributação foi prometida também. O sr esteve no início do governo Bolsonaro e sabe disso.
Isso. Eu sempre me opus quando eu estive lá. Eu tentei evitar que isso avançasse. Existe uma tributação de pessoa jurídica e existe a pessoa física. A tributação da pessoa física se dá no momento quando o dinheiro entra na sua conta. A da pessoa jurídica se dá em dois momentos, primeiro quando o lucro é gerado e segundo quando ele é distribuído. Então, a tributação do lucro será a soma de duas alíquotas, na geração do imposto e na distribuição. O que a tributação no Brasil há 25 anos foi acabar com essa distorção e isso teve impacto muitos positivos, como o fortalecimento em bolsa. Nós vamos ter subitamente uma alteração muito importante na competitividade da economia brasileira como mecanismo capaz de atrair investimento estrangeiro.
Mas outros países não têm essa isenção e atraem investimento?
É verdade, mas eles não têm um monte de coisa que temos aqui. O fato é que quando uma empresa decide investir no Brasil ela olha o conjunto, risco, insegurança jurídica. Mas olha com um ponto positivo o fato de que não tributa dividendos. Isso é muito sério e torna essa medida inoportuna no momento em que se pretende a retomada da economia e da superação da pandemia.
Todos já sabiam que isso iria acontecer. O ministro Paulo Guedes sempre falou da mudança.
Isso não muda a minha crítica. O aumento de tributação será 43%. Isso é maior do que todos os países da comunidade europeia e da comunidade internacional. As pessoas querem aumentar a progressividade (penalizar menos os mais pobres). Isso é outra coisa que está sendo chamada o tempo inteiro na divulgação do projeto: ‘agora queremos. É rico que recebe dividendo”. É uma besteira. É gente de classe média, tanto que mantiveram a isenção de R$ 20 mil. Se quer progressividade, por que não tributa o beneficiário na tabela progressiva do (IRPF)? Isso é correto.
O que seria um projeto bom?
Vai ter uma elevação brutal da carga tributária. Não em 2022, mas em 2023, 2024. Aí, o governo vai chegar e dizer que esse é um aumento estrutural. Viu que eles já começaram com esse discurso na apresentação do projeto? Em 2022, eles querem ganhar R$ 18,5 bilhões e em 2023, R$ 54 bilhões, passando para R$ 58 bilhões em 2024. Uma das razões para esse salto é que eles acham que todo mundo vai antecipar a distribuição de dividendos em 2021. No Brasil, se distribui por ano R$ 450 bilhões de dividendos. É muito dinheiro.
O que seria um projeto bom?
Eu não tenho condições de refazer o projeto que eu gostaria. Mas eu acho que tributação de dividendos não deveria ser mexido.
O sr. acha que o ministro Paulo Guedes decepcionou os setores empresariais com uma taxação mais alta?
Ninguém que uma taxação tão alta. Eu não entendo por que acabaram com a isenção do fundo de investimento imobiliário e não acabaram com LCA e LCI. Por quê? Tudo é política.
O que vai acontecer com o projeto?
Duas coisas. Essa alíquota de 20% é o bode na sala. Ela vai ser reduzida, provavelmente para 10%, depois para 15% e em três anos chega lá. Essa reforma provavelmente foi muito mal recebida. Mas aqueles que serão afetados vão resistir. O limite de isenção de R$ 20 mil foi colocado também como mais um bode. Eu acho que o governo sabe que haverá uma pressão para que se aumente esse limite. Se eles querem pegar só o ricaço, vai ter uma pressão para aumentar para R$ 30 mil, R$ 40 mil ou começar com R$ 50 mil no primeiro ano para atenuar.
Quais serão outros pontos para debate no projeto?
O governo espera arrecadar uma fortuna com a atualização de imóveis. O governo não falou, mas lembra que há dois anos o presidente falou que tinha um projeto que daria muito mais do que a reforma da Previdência. Era esse projeto. Quando eles falam que o déficit (nas contas públicas) vai zerar é fazendo essas coisas. Isso se chama antecipação de receitas e é inconstitucional. Esse projeto inteiro é inoportuno e tecnicamente equivocado. Se se procura justiça tributária, que se faça tecnicamente de maneira adequada. O único ponto que eu vi positivo é a correção do IRPF, que está há muitos anos congelada. É uma injustiça e deveria haver uma regra.
Adriana Fernandes, O Estado de S.Paulo, em 28 de junho de 2021
Brasil registra mais 618 mortes por covid-19 em 24 horas
País já soma mais de 514 mil óbitos ligados ao coronavírus. Autoridades confirmam ainda mais de 27 mil novos casos da doença em 24 horas, e total de infectados vai a 18,44 milhões
Em primeiro plano, quatro caixões em um cemitério. Quanto trabalhadores com roupa de proteção laranja descarregam os caixões de um caminhão. Ao fundo,várias covas com cruzes de madeira azuis. São túmulos muito humildes.
Brasil é segundo país com mais mortes por covid-19
O Brasil registrou oficialmente 618 mortes ligadas à covid-19 nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) nesta segunda-feira (28/06).
Também foram confirmados 27.804 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país chega a 18.448.402 e os óbitos somam 514.092.
Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.
O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 16.613.992 pacientes haviam se recuperado da doença até a noite deste domingo.
A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 244,6 no país, a 8ª maior do mundo, se excluído o país nanico San Marino.
A média móvel de novas mortes (soma dos óbitos nos últimos sete dias e a divisão do resultado por sete) ficou em 1.644, e a média móvel de novos casos, em 68.796.
Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 604 mil óbitos. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (33,6 milhões) e Índia (30,2 milhões).
Ao todo, mais de 181,2 milhões de pessoas contraíram o coronavírus no mundo, e 3,92 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença, segundo dados da Universidade Johns Hopkins, dos Estados Unidos.
Deutsche Welle Brasil, em 29.06.2021
Senadores pedem ao STF que Bolsonaro seja denunciado
Parlamentares apresentaram notícia-crime contra Bolsonaro, alegando que presidente não pediu investigações após ser informado sobre possíveis irregularidades na compra da Covaxin.
Notícia-crime cobra que Bolsonaro responda se teve conhecimento da denúncia dos irmãos Miranda
O vice-presidente da CPI da Pandemia, senador Randolfe Rodrigues, e os senadores Fabiano Contarato e Jorge Kajuru apresentaram nesta segunda-feira (28/06) ao Supremo Tribunal Federal (STF) notícia-crime em que pedem que o presidente Jair Bolsonaro seja denunciado por prevaricação (impedir o funcionamento da administração para satisfazer interesse pessoal).
Os senadores alegam que Bolsonaro não pediu investigações à Polícia Federal após ser informado sobre possíveis irregularidades na compra da vacina indiana contra covid-19 Covaxin. A ministra Rosa Weber foi sorteada como relatora do processo.
Em vídeo publicado nas redes sociais, Randolfe diz que Bolsonaro "não tomou nenhuma providência diante de ter sido noticiado da existência de um gigantesco esquema de corrupção existente no Ministério da Saúde". O senador ressaltou que "prevaricação é crime exposto no código penal" e que, por isso, é necessário que "o Supremo Tribunal Federal e a Procuradoria-Geral da República instaurem um procedimento de investigação".
Na sexta-feira, em depoimento à CPI da Pandemia, o servidor de carreira do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda informou que sofria pressão fora do comum para aprovar a aquisição da Covaxin, mesmo com irregularidades no processo. Também à CPI, o irmão dele, o deputado federal Luis Miranda, contou que levou o caso a Bolsonaro, "que foi alertado das irregularidades e, ao invés de apurá-las, as creditou ao líder do governo na Câmara, Ricardo Barros".
A notícia-crime pede que o STF cobre que Bolsonaro responda se teve conhecimento da denúncia dos irmãos Miranda, se apontou Ricardo Barros como possível responsável por irregularidades na compra do imunizante e se tomou providências quanto às denúncias. Além disso, os senadores solicitam que o tribunal exija da Polícia Federal que informe se houve abertura de inquérito sobre o caso Covaxin.
Presidente "optou por não investigar esquema"
Os senadores argumentam que Bolsonaro, como agente político "da maior envergadura", tinha a obrigação "inafastável" de levar adiante as denúncias que recebeu de Miranda. Em vez disso, ressaltam, o que se viu foi "uma agilidade ainda maior" para formalizar a aquisição da vacina, mesmo em face dos erros identificados.
"Tudo indica que o presidente, efetiva e deliberadamente, optou por não investigar o suposto esquema de corrupção levado a seu conhecimento. A omissão ou se deu por envolvimento próprio, ou por necessidade de blindagem dos 'amigos do rei', numa nítida demonstração do patrimonialismo que ronda o atual governo federal”, afirmam os parlamentares no texto da notícia-crime.
Randolfe, Contarato e Kajuru destacam, ainda, que a iniciativa é apenas o "embrião" das investigações da CPI sobre o caso, e que elas poderão render evidências de outros crimes, que serão levadas às autoridades judiciais.
Prorrogação da CPI
Randolfe também apresentou nesta segunda-feira requerimento para prorrogar os trabalhos da CPI. O documento conta com as 27 assinaturas necessárias (um terço dos membros da casa) para que os trabalhos possam ter continuidade.
Em publicação no Twitter, Randolfe disse que a CPI foi inicialmente instalada para "apurar as ações e omissões do Governo na pandemia", mas que, agora, pode levar à investigação de um dos "maiores casos de corrupção da história do Brasil".
Segundo Randolfe, o prolongamento é necessário após o depoimento dos irmãos Miranda que dá conta de "enorme, gigantesco, tenebroso esquema de corrupção existente no Ministério da Saúde".
A CPI tem prazo de funcionamento de 90 dias, que termina no dia 7 de agosto. Se prorrogada, irá até novembro.
Randolfe tem chamado o caso de "Covaxgate", numa referência ao escândalo ocorrido em 1974 nos Estados Unidos que culminou na renúncia do então presidente Richard Nixon.
"É um escândalo que precisa ser apurado com a gravidade correspondente. Diante da vasta documentação recebida e dos inúmeros fatos levantados que demandam um aprofundamento das investigações, torna-se imperativo prorrogar o prazo de duração desta Comissão Parlamentar de Inquérito", escreveu o senador.
Deutsche Welle Brasil, em 28.06.2021
Relatório da ONU denuncia racismo sistêmico na polícia brasileira
Alto Comissariado para os Direitos Humanos analisa situação da violência e desigualdade racial no mundo e a classifica como "inadmissível". No Brasil, mortes de João Pedro, Luana Barbosa e Marielle Franco são citadas.
Relatório da ONU pede medidas imediatas contra a discriminação, a violência e o racismo sistêmico
Um relatório divulgado nesta segunda-feira (28/06) no Conselho de Direitos Humanos da ONU denunciou o Brasil como um dos países onde há racismo sistêmico nas ações das polícias. O texto menciona as mortes de João Pedro e Luana Barbosa como exemplos.
O documento foi assinado pela alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, e é resultado de uma investigação realizada pelo órgão depois da morte do afro-americano George Floyd, asfixiado após ter seu pescoço pressionado com o joelho por um policial branco por mais de nove minutos em Mineápolis, nos Estados Unidos, em maio de 2020.
No relatório, Bachelet faz um apelo a todos os países para que adotem medidas imediatas contra a discriminação, a violência e o racismo sistêmico contra negros e afrodescendentes, afirmando que a situação atual é "inadmissível".
Em relação ao Brasil, o documento menciona as mortes do jovem João Pedro Matos Pinto e de Luana Barbosa dos Reis, que perderam a vida em consequência da violência policial, e também o assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol).
João Pedro, de 14 anos, foi morto em maio de 2020 durante uma operação conjunta das polícias Federal e Civil no município de São Gonçalo, no Rio de Janeiro. O caso ainda não foi esclarecido. Segundo a Defensoria Pública, não houve progressos recentes nas investigações.
Já Luana Barbosa, negra e lésbica, morreu após ser espancada por policiais durante uma abordagem em abril de 2016 enquanto levava seu filho de motocicleta para um curso em Ribeirão Preto (SP). Segundo familiares, antes de ser agredida a vítima teria se recusado a ser revistada pelos policiais e exigido a presença de uma oficial mulher. Ela não resistiu às agressões e morreu cinco dias depois. A Justiça determinou em fevereiro do ano passado que os réus sejam julgados por um tribunal. Os advogados de defesa recorreram, e a data do julgamento ainda não foi marcada.
Marielle, por sua vez, é citada pelo relatório como uma defensora dos direitos humanos e crítica da violência policial contra a população negra. Ela foi morta em 14 de março de 2018 após seu carro ter sido alvejado por 13 tiros, que também mataram o motorista Anderson Pedro Gomes. A morte da vereadora é um dos 70 casos desse tipo de crime identificados pelo relatório na América Latina.
O documento das Nações Unidas ainda menciona dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) apontando que, em 2019, a mortalidade da população negra durante operações policiais foi 183,2% superior à da população branca no país.
Séculos de maus-tratos
O relatório da ONU fornece uma perspectiva ampla sobre as raízes de séculos de maus-tratos sofridos pelas pessoas de origem africana, principalmente a escravidão e o tráfico transatlântico de escravos. O texto sublinha a necessidade de uma abordagem transformadora para lidar com os impactos duradouros dessas práticas ainda hoje.
"A desumanização das pessoas de ascendência africana [...] sustenta e cultiva a tolerância para a discriminação racial, desigualdade e violência", diz o relatório.
O documento ressalta que até hoje, em muitos países nas Américas e na Europa, afrodescendentes vivem na pobreza de modo desproporcional e enfrentam enormes barreiras para ter acesso à educação, saúde, emprego, participação política e outros direitos fundamentais.
"Não conseguimos encontrar nenhum exemplo de um Estado que tenha lidado com seu passado de maneira completa ou tenha assumido de modo compreensivo os impactos das vidas de pessoas afrodescendentes", afirma Mona Rishmawi, diretora de igualdade e não discriminação do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos.
Para Bachelet, "o status quo atual é inadmissível". "O racismo sistêmico precisa de uma resposta sistêmica", afirmou a comissária. "Precisamos de uma abordagem transformadora que lide com as áreas interconectadas que impulsionam o racismo e levam a tragédias repetidas e completamente evitáveis, como a morte de George Floyd."
Quatro pontos de transformação
Assim, Bachelet estabeleceu uma agenda de quatro pontos com o objetivo de desmantelar séculos de discriminação e violência enraizadas na sociedade.
O relatório pede ações urgentes para encerrar o que descreve como violações sistemáticas dos direitos políticos, econômicos, sociais e culturais, além da reversão da "cultura de negação" do racismo.
Em segundo lugar, o texto afirma que não deve haver impunidade para violações de direitos humanos por parte de agentes da lei, enquanto se faz necessária a construção de confiança e a fiscalização das instituições.
Em vez de suspender o financiamento das forças policiais, o relatório sugere "reimaginar" o funcionamento delas através de melhor treinamento, com destaque para a forma correta de lidar com pessoas com problemas mentais.
O terceiro ponto ressalta que as vozes negras e dos ativistas antirracismo precisam ser ouvidas, e suas preocupações devem ser alvo de ações. Isso inclui a garantia de representação nas estruturas do Estado em todos os níveis, incluindo nas agências de aplicação das leis, na Justiça criminal e nas decisões das políticas públicas.
Finalmente, os legados históricos do racismo devem ser confrontados, inclusive através da atribuição de responsabilidades das reparações.
"Por trás das formas contemporâneas do racismo, desumanização e exclusão, está o fracasso em reconhecer as responsabilidades pela escravidão [...] e de reparar de modo compreensivo os danos", conclui o relatório.
Investigação após caso Floyd
O relatório foi lançado três dias depois de o policial branco Derek Chauvin ter sido condenado a 22 anos e meio de prisão pela morte do afro-americano George Floyd.
As imagens do policial ajoelhado sobre Floyd por nove minutos e meio, ignorando os vários avisos de que não conseguia respirar, desencadearam protestos por justiça racial em todo o mundo e impulsionaram o movimento Black Lives Matter (Vidas negras importam).
Após o incidente, o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos se debruçou em elaborar um relatório compreensivo sobre o racismo sistêmico, violações dos direitos humanos dos afrodescendentes por parte das forças de segurança, bem como sobre as reações de governos a protestos pacíficos antirracismo.
As análises das Nações Unidas se basearam em consultas feitas pela internet com mais de 340 pessoas, em sua maioria negras, e também com especialistas, entidades da sociedade civil, familiares de vítimas de crimes raciais, entre outros. A ONU analisou ainda mais de 110 contribuições escritas por países e outras organizações – uma lista da qual o Brasil não fez parte.
A investigação envolveu mais de 60 países. O relatório, por fim, apresentou exemplos de casos problemáticos e expressou sua preocupação com a situação em locais como Bélgica, Reino Unido, Canadá, Colômbia e França, além do Brasil.
Ao todo, o Alto Comissariado colheu informações de mais de 250 mortes de afrodescendentes na Europa e nas Américas. Ao menos 190 delas ocorreram pelas mãos de forças de segurança. Em muitos casos, as informações sugerem que "as vítimas não representavam ameaças iminentes de morte ou danos graves", diz o relatório.
Deutsche Welle Brasil, em 28.06.2021
Não é só efeito da pandemia: por que 19 milhões de brasileiros passam fome
Está na Constituição: alimentação é um direito social do brasileiro. Essa previsão, que pode parecer óbvia à primeira vista, foi incluída pelo Congresso Nacional em 2010.
Aumento da fome no Brasil: 19 milhões de brasileiros estão em situação de fome (Getty Images)
E de óbvia não tem nada. De lá para cá, ao mesmo tempo em que exportações do agronegócio brasileiro ganharam força, o direito à alimentação tem sido realidade para menos brasileiros.
A partir de 2020, o aumento da fome no Brasil foi impactado pela pandemia, como em outros países. Mas não é só o efeito da covid que explica a piora no nível de segurança alimentar dos brasileiros, que já vinha piorando antes do coronavírus.
Os brasileiros presos por furto de comida na pandemia de covid
Como a fome deixa 19 milhões de brasileiros mais vulneráveis à covid-19: 'Não há sistema imune que resista'
O alastramento da fome no Brasil é reflexo também do fim ou esvaziamento de programas voltados para estimular a agricultura familiar e combater a fome, além de defasagem na cobertura e nos valores do Bolsa Família, segundo especialistas em segurança alimentar, políticas públicas e desigualdade ouvidos pela BBC News Brasil.
São 19 milhões de brasileiros em situação de fome no Brasil, segundo dados de 2020 da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan). A comparação com 2018 (10,3 milhões) revela que são 9 milhões de pessoas a mais nessa condição.
Olhando dados mais antigos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é possível ver que em 2013 o Brasil teve o melhor nível de segurança alimentar da série histórica (Pnad), com mais de 77% dos domicílios nessa condição.
Em 2014, o Brasil inclusive deixou o chamado Mapa da Fome da ONU.
Cerca de quatro anos depois, no entanto, a Pesquisa de Orçamento Familiar (2017/2018) do IBGE mostrou que a situação de segurança alimentar era vivenciada por apenas 63,3% dos domicílios pesquisados.
Nesse intervalo, houve aumento na quantidade de domicílios em todos os níveis de insegurança alimentar — leve (preocupação com quantidade e qualidade dos alimentos disponíveis), moderada (restrição quantitativa de alimento) e grave (identificada como fome).
"A fome é consequência de uma série de erros de políticas públicas e de destruição de políticas públicas", diz Kiko Afonso, diretor executivo da ONG Ação da Cidadania, fundada por Betinho.
A socióloga Letícia Bartholo afirma que "a desestruturação das políticas públicas voltadas aos mais vulneráveis foi agravada com a pandemia, mas ela ocorre desde antes".
Antes e além da pandemia, quais fatores levaram o Brasil, segundo maior exportador de alimentos do mundo, a ver crescer a quantidade de famílias em situação de fome?
Transferência de renda defasada
Maior programa de transferência de renda tem valores defasados, diz Bartholo, que foi secretária nacional adjunta de renda e cidadania (Rafael Lampert / Ag. Brasil)
Parte da explicação está na cobertura e nos valores do maior programa de transferência de renda, o Bolsa Família, segundo a socióloga Letícia Bartholo, que estuda políticas públicas de combate à pobreza e à desigualdade e foi secretária nacional adjunta de renda e cidadania (2012-2016).
O primeiro problema, diz ela, é a defasagem da chamada linha de pobreza (ou seja, o corte que define quais famílias têm direito ao benefício). Hoje têm direito ao benefício famílias com renda familiar per capita de até R$ 178.
No começo do programa, esse valor era de R$ 100. Se estivesse atualizado, segundo os cálculos de Bartholo, o valor deveria estar hoje em torno de R$ 250.
"Essa desatualização é preocupante porque cria duas filas no Bolsa Família: já temos um problema da fila por falta de orçamento, das famílias que cumprem os critérios e não são atendidas, e aí tem uma outra fila — de pessoas que são pobres, passam fome, mas não são consideradas pobres administrativamente", explica.
E o auxílio emergencial? Bartholo diz que parte dessas famílias contam com o auxílio criado durante a pandemia, mas lembra que 400 mil famílias que estão na fila de espera do Bolsa Família também não recebem o auxílio emergencial, como mostrou reportagem da Folha de S.Paulo.
"A desatualização da linha de pobreza do programa cria um achatamento fictício da pobreza. O número de pobres, na realidade, é muito maior do que o número de pobres considerados do ponto de vista administrativo", diz Bartholo.
Outro ponto - que vem sendo discutido em Brasília - é a falta de reajuste nos valores do benefício, que varia em função da renda, do número de pessoas na família e idade delas.
O presidente Jair Bolsonaro disse que pretende ampliar de R$ 190 para R$ 250 o valor médio pago a beneficiários do Bolsa Família. Outros valores, inclusive mais altos, já foram levantados, mas o governo ainda não apresentou uma proposta.
O Ministério da Cidadania disse à reportagem que trabalha na reformulação do programa "para ampliar o número de famílias contempladas, além de reajustar os valores dos benefícios pagos atualmente, com maior eficiência no gasto do dinheiro público".
Disse, ainda, que o programa tem alcançado "tem alcançado os mais vulneráveis" e que o número de famílias atendidas segue acima de 14 milhões. De janeiro a abril deste ano, segundo o governo, mais de 600 mil novas famílias ingressaram no programa.
'A desestruturação das políticas públicas voltadas aos mais vulneráveis foi agravada com a pandemia, mas ela ocorre desde antes', diz Bartholo (Arquivo Pessoal)
E o auxílio emergencial?
O benefício criado durante a pandemia tem sido reconhecido como importante ferramenta para combater fome e pobreza (ainda que insuficiente e apesar do período, no início de 2021, em que não foi pago).
No entanto, Bartholo lembra que ele terá um fim e que é necessário, finalmente, desenhar esta transição.
"O auxílio vai findar. A gente não pode mais empurrar o problema com a barriga. Desde o ano passado estamos pensando: e quando o auxílio acabar? Vamos continuar tendo fila no Bolsa Família? Vamos continuar com linhas de pobreza absolutamente defasadas? O auxílio é emergencial, portanto não corrige falhas estruturais das políticas públicas", diz Bartholo.
Fim ou enfraquecimento de políticas de combate à fome
Bolsonaro extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), criado pelo governo do PT (Reuters)
Assim que assumiu o Palácio do Planalto, o presidente Jair Bolsonaro extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), que tinha atribuição de propor ao governo federal diretrizes e prioridades da política de segurança alimentar e nutricional.
O órgão de assessoramento imediato ao Presidente da República havia sido criado no governo do PT.
Para Kiko Afonso, da ONG Ação da Cidadania, essa foi a "carta de entrada do governo".
"Já entra dizendo o seguinte: não queremos participação da sociedade civil e especialistas de fora do governo na política de segurança alimentar. Então, quando você extingue o Consea, extingue a ponte que havia com a sociedade civil - não só no sentido de dar opiniões, mas de monitorar o que o governo estava fazendo. Virou uma caixa preta."
A professora do Departamento de Nutrição da UnB Elisabetta Recine, que foi a última presidente do Consea, diz que esse modelo é importante como uma fonte direta de informação para o governo e de "contato com a realidade" para ajustes de planejamento e de prioridade.
"A extinção do Consea tem um um significado muito objetivo, que é o desmantelamento da proposta do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, mas ela tem um valor simbólico também."
Procurado pela reportagem, o Ministério da Cidadania disse que as competências do Consea foram distribuídas entre diversas áreas do governo e que "com essa forma de organização administrativa, as ações governamentais tornam-se mais céleres e eficientes".
Para Recine, a justificativa não faz sentido. "É um argumento absolutamente falso, é só você olhar a lentidão com o que o governo respondeu a situação da pandemia, em todos os aspectos", opina.
Elisabetta Recine, ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
Ex-presidente do Consea, Recine diz que fim do conselho teve significados prático e simbólico (Marcelo Camargo / Ag. Brasil).
Um estudo de pesquisadores vinculados a universidades na Alemanha e no Brasil, que mostrou que a maioria (59%) dos domicílios entrevistados no fim de 2020 estavam em situação de insegurança alimentar durante a pandemia, também citou o fim do Consea como um dos "retrocessos institucionais e orçamentários na agenda da segurança alimentar e nutricional".
O estudo destaca que o Brasil passa por uma combinação de crises - política, econômica, de seguridade social e sanitária.
"A crise política também afetou a agenda da alimentação por meio do enfraquecimento da estrutura institucional e de importantes políticas e programas de promoção da produção da agricultura familiar", diz o estudo.
Os pesquisadores destacam o fim do Ministério do Desenvolvimento Agrário (2016) e baixo investimento no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
"O enfraquecimento destas políticas, reconhecidas mundialmente como ações exitosas que contribuem para a meta de erradicação da fome, sendo importantes impulsionadoras da saída do Brasil do Mapa da Fome da FAO, em 2014, dificulta que os indivíduos mais pobres tenham acesso a alimentos."
Para Recine, a mudança de orientação começou durante o governo do ex-presidente Michel Temer.
"As políticas públicas de segurança alimentar começaram a sofrer mudanças muito profundas. Logo que o Temer assumiu a presidência, ele já teve atitudes muito importantes em relação a isso e mostravam já o caminho do retrocesso. Ele, por exemplo, extinguiu o Ministério da do Desenvolvimento Agrário, cortou radicalmente e, com isso, começou a desmantelar todas as políticas de apoio à agricultura familiar", diz a professora da UnB.
Gasto federal com políticas de desenvolvimento agrário. Queda foi de 55% de 2013 a 2019. Valores corrigidos pelo IPCA (2019).
Os gastos federais com políticas de desenvolvimento agrário caíram 55% de 2013 (R$ 1,13 bilhão) até 2019 (R$ 510 milhões), conforme aponta artigo sobre gasto federal com políticas sociais elaborado pela pesquisadora do Ipea Fabiola Vieira.
Na mesma base de comparação, também houve perda de recursos em políticas nas áreas de cultura (-30,2%), educação (-11,1%), habitação (-74,6%), saneamento (-53,2%), trabalho e renda (-6,1%) e urbanismo (-3,0%).
Aumentos só foram verificados em políticas de assistência social (9,3%), previdência (16,5%) e saúde (16,5%), que envolvem muitas das chamadas despesas obrigatórias.
A fome, que crescia no Brasil nos últimos anos, piorou na pandemia (EPA)
Bartholo aponta que também "houve uma desestruturação de toda uma rede de políticas públicas que se articulava em torno do Cadastro Único para apoiar o desenvolvimento das famílias mais vulneráveis".
"O desenvolvimento dessa rede foi tomado, nos últimos anos, pela dimensão do controle, de evitar fraudes. É claro que a dimensão do controle é muito importante nas políticas públicas, mas é uma delas. Quando o controle consome as demais dimensões das políticas públicas, ela vai se enfraquecendo, perdendo capacidade de melhoria, inclusive."
A assessoria de imprensa do Ministério da Cidadania respondeu que o governo trabalha para aprimorar programas sociais como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). "A reestruturação dos programas do Governo Federal visa, acima de tudo, ao fortalecimento do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), com foco na emancipação do cidadão", diz a nota.
A assessoria de imprensa da pasta disse ainda que "tem trabalhado sistematicamente para fortalecer os programas sociais e estabelecer uma rede de proteção para a população em situação de vulnerabilidade" e que "é compromisso desta gestão ampliar o alcance das políticas sociais e atingir, com maior eficácia, a missão de superar a pobreza e minimizar os efeitos da desigualdade socioeconômica".
Depois de dez anos sem distribuir cestas básicas, a ONG Ação da Cidadania identificou a necessidade de retomar essa distribuição em 2017 (Divulgação).
'Solução para fome não é distribuir cesta básica'
Kiko Afonso, da Ação da Cidadania, diz que é preciso combater a ideia de que a solução para a fome está na distribuição de cestas básicas, que é uma ação de emergencial.
"A gente não pode achar que a solução da fome é distribuir cesta básica, que a solução é pegar alimentos vencidos e distribuir pras pessoas ou pegar sobras de restaurantes ou de comidas de pessoas da classe média para distribuir pra população", diz.
"Isso é uma atuação de emergência, mas a solução não é essa. O governo, ao longo dos últimos anos, criou parte desse problema que a gente está hoje."
Depois de dez anos sem distribuir cestas básicas, a ONG identificou a necessidade de retomar essa distribuição em 2017. Neste ano, arrecadou mais de R$ 146 milhões e distribuiu alimentos em todos os estados e no DF.
"A gente não quer fazer isso, a gente quer que o governo assuma o seu papel e que a política pública volte a assumir o seu papel", diz Afonso.
Rodrigo Afonso, da Ação da Cidadania: distribuir cesta básica 'é uma atuação de emergência, mas a solução não é essa. (Divulgação).
Como uma das ações de combate à fome, o Ministério da Cidadania citou, em resposta à BBC News Brasil, que estruturou a iniciativa Brasil Fraterno, "que incorporou todas as ações sob a responsabilidade da pasta voltadas para aquisição e distribuição de cestas de alimentos a quem mais precisa". Segundo a pasta, trata-se de uma rede de solidariedade, com participação de setores da iniciativa privada como o Sistema S e o agronegócio.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, fez uma declaração, em junho, na qual comparou o prato dos europeus ("pratos relativamente pequenos") e dos brasileiros e falou em direcionar alimentos desperdiçados a programas sociais.
Procurada depois da fala do ministro para responder às críticas feitas por especialistas em relação ao enfraquecimento de políticas de combate à fome no Brasil, a assessoria de imprensa respondeu à BBC News Brasil que o Ministério da Economia não comentaria o assunto.
Laís Alegretti - @laisalegretti, de Londres para a BBC News Brasil em 28 junho 2021
Militares, empresários e políticos conspiram para tirar Bolsonaro das eleições
A centro-direita e a direita não bolsonarista descobriram como conquistar o governo em 2022 e já começaram a trabalhar, nos bastidores, para viabilizar seu plano: o impeachment do presidente Jair Bolsonaro.
Casamento desfeito: Hamilton Mourão tem cobrado atenção de Jair Bolsonaro (Agência Brasil)
As articulações, ainda iniciais, envolvem empresários, militares e alguns poucos políticos com mandato. Estão, como é natural, sendo mantidas em sigilo, mas têm sido emitidos alguns sinais de que afastar Bolsonaro da presidência é o objetivo.
O que move os articuladores do impeachment é, sobretudo — mas não exclusivamente — impedir que o ex-presidente Lula vença as eleições em 2022 e o PT e a esquerda retomem o governo. A avaliação que fazem é de que haverá uma indesejável polarização entre Bolsonaro e Lula, com poucas chances para um candidato da centro-direita que sequer existe.
Essa polarização envolve, segundo os conspiradores, três riscos: o primeiro, é o de Lula ganhar, por eles considerada a hipótese mais provável e temida; o segundo, é o de Bolsonaro vencer e se sentir fortalecido para assumir mais poderes e criar um quadro de imprevisibilidades políticas e econômicas que não desejam; o terceiro, é Bolsonaro, ainda comandante-em-chefe, executar seu plano de resistir à vitória de Lula, apoiando-se em policiais e milicianos, e promover um confronto que levará ao caos social, para obrigar as forças armadas a intervirem.
Esse grupo não quer a vitória de Lula nem a permanência de Bolsonaro depois de 2022 e, muito menos, uma intervenção das forças armadas, seja para favorecer os projetos golpistas e autoritários do atual presidente ou para assegurar a posse do ex-presidente. O caos desejado por Bolsonaro não interessa aos empresários que aspiram pela retomada da economia e de seus negócios, e que não acreditam mais nos projetos liberais prometidos em 2018. E militares não bolsonaristas querem tirar as forças armadas do pântano em que foram jogadas e não gostam de ver milicianos e policiais, militares ou civis, todos armados, ganhando proeminência.
Sem possibilidade de voltar a impedir a candidatura de Lula, como em 2018, o jeito, raciocinam militares, empresários e políticos, é impedir a candidatura de Bolsonaro. Sem a polarização, o embate eleitoral se dará entre Lula e um candidato da centro-direita, que terá mais possibilidades de vitória, acreditam, devido à persistência da rejeição contra a esquerda e o PT e ao conservadorismo da maioria dos eleitores. Derrubar Bolsonaro passou a ser o caminho para manter a direita no governo.
O impeachment é tido como o caminho mais viável, já que a possibilidade de renúncia é muito pequena — embora não descartada totalmente, se as pressões aumentarem. Há quem admita a possibilidade de isso acontecer se for acenado para Bolsonaro, em última instância, um acordo que envolva a proteção dele e da família contra processos judiciais e a não cassação dos mandatos dos filhos.
O trabalho da CPI da pandemia, no Senado, é considerado fundamental pelos conspiradores. Além de mostrar com clareza a responsabilidade de Bolsonaro pela tragédia de mais de 500 mil mortos e suas consequências sociais e econômicas, a CPI está no caminho de comprovar fatos que caracterizam corrupção, na compra de vacinas e na promoção da cloroquina. O desgaste do presidente ajudará o impeachment.
Os sinais
Conspirações, é claro, são mantidas em segredo. E serão negadas, assim como o então vice-presidente Michel Temer e seus aliados mais próximos negavam categoricamente estarem conspirando para derrubar a presidente Dilma Rousseff, e isso bem antes de Eduardo Cunha aceitar um pedido de impeachment.
O vice-presidente Hamilton Mourão não participa das conversas, para não ser associado ao traidor Temer. Mas recebe informações e sabe o que está acontecendo. Ao aceitar dar uma entrevista ao jornalista Roberto D'Ávila, Mourão emitiu sinais importantes: o primeiro foi dar uma entrevista em estúdio quando Bolsonaro está sendo acuado por vários lados e está claro que o vice-presidente está alijado das decisões; o segundo foi dar a entrevista à GloboNews poucos dias depois de Bolsonaro desancar raivosa e publicamente o grupo Globo.
Houve sinais também no conteúdo da entrevista, embora Mourão, demonstrando suas habilidades políticas, tenha procurado não criticar diretamente Bolsonaro e o governo. Mas, além de reconhecer que não é ouvido, Mourão frisou o respeito dos militares à Constituição e atingiu Bolsonaro ao dizer que o maior erro do governo diante da pandemia foi não comunicar corretamente quanto às medidas de proteção e à vacinação — quando Bolsonaro sabotou essas medidas e não queria a vacina. E, embora não precisasse, Mourão frisou que é de direita e conservador, sem ignorar a modernidade.
A própria Globo tem dado sinais de que o projeto de impeachment avança, ao radicalizar sua oposição a Bolsonaro no editorial lido no Jornal Nacional de segunda-feira por William Bonner. No jornal impresso, Merval Pereira, em seu artigo no domingo, fala claramente em impeachment: “... as ruas estão advertindo o presidente da Câmara, Arthur Lira, de que não há mais tempo a ganhar à espera de uma melhora econômica, que não recuperará nossos mortos”.
Na terça-feira, Arthur Lira, bolsonarista assumido, criticou a CPI da Pandemia e negou que possa autorizar a abertura do processo de impeachment. Mas Lira sabe que pode ter de mudar de posição e deixou uma fresta aberta: “O impeachment é feito com circunstâncias”, disse. As circunstâncias de Lira podem vir sob a forma de pressão de quem realmente manda nele e no Congresso, ou seja, os empresários que financiam eleições, dão sustentação financeira a parlamentares e pagam para seus interesses serem atendidos na Câmara e no Senado. E se essa pressão vir com apoio de militares graduados, torna-se irresistível, ainda mais por quem, como Lira, tem um passado sujo, um presente de negociatas e se vende a quem pagar mais.
Não é acidental também que o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, esteja sendo convencido a sair do muro em que subiu desde o início da pandemia e articule rapidamente com os conselheiros federais a apresentação de um pedido de impeachment. A OAB tem grande peso político e na sociedade civil e um pedido de impeachment formulado por ela é considerado o ideal para forçar a abertura do processo. Além disso, mais de 20 entidades, entre elas a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) estão prestes a apresentar outro pedido.
Há tempo, sim
Um processo de impeachment é demorado, mas não tanto como pensam muitos que acham inviável conclui-lo bem antes das eleições. Quando os parlamentares querem, anda rápido. Se os ministros do Supremo Tribuno Federal ajudarem, será mais rápido ainda. A OAB e a ABI pediram o impeachment de Fernando Collor em 1º de setembro de 1992, no dia 2 de outubro ele foi afastado do cargo pelo Senado e no dia 30 de dezembro já estava sem o mandato.
O impeachment de Dilma Rousseff demorou mais porque houve muitos recursos ao Supremo Tribunal Federal, mas entre a decisão da comissão especial na Câmara, em 11 de abril de 2016, e o afastamento provisório do cargo, em 12 de maio, foram apenas trinta dias. O processo terminou em 31 de agosto.
O que interessa mais para quem quer o impeachment é a decisão favorável dos deputados e a aceitação do processo pelo Senado, o que provoca o afastamento temporário do presidente. Isso pode ser feito, se quiserem, em menos de dois meses. O vice-presidente assume, como fizeram Itamar Franco e Michel Temer, e montam seus governos com base nos acertos e compromissos feitos para garantir o afastamento do presidente.
A maioria que hoje poderia impedir a cassação de Bolsonaro se dissolverá rapidamente quando começarem os acordos políticos e o caixa dos empresários se abrir. Afinal, sabe-se que os parlamentares do chamado Centrão não se vendem, eles se alugam a quem pagar mais. Mesmo os representantes do agronegócio, hoje fieis a Bolsonaro, poderão aderir ao impeachment se entenderem que será melhor para seus lucros.
A aprovação do impeachment reunirá, assim — nas contas de seus articuladores —os parlamentares interessados na vitória de um candidato de centro-direita em 2022 e os deputados e senadores da esquerda que não terão como não apoiar a cassação de Bolsonaro, mesmo sabendo que o objetivo final é impedir a vitória de Lula e da esquerda. Afinal, a esquerda sempre pregou o impeachment e suas manifestações de rua colaborarão para sua aprovação.
Os parlamentares do Centrão e demais governistas aderirão por gravidade e interesse. Bolsonaro e os benefícios que recebem de seu governo serão o passado, Mourão será a perspectiva futura.
2022
Quando Michel Temer assumiu a presidência, o plano era se candidatar à reeleição, mas vários fatores, entre eles o envolvimento com Joesley Batista, inviabilizaram o projeto. O general Mourão assumirá em meio a um grande acordo político com a direita, e é provável que se as circunstâncias forem favoráveis seja o candidato contra Lula. Não é nada difícil fazer um bom governo, na perspectiva dos eleitores, depois de Bolsonaro.
As circunstâncias podem não colaborar, como aconteceu com Temer, e nesse caso os partidos de centro-direita e de direita poderão apresentar um ou mais candidatos, talvez os que já têm sido apresentados, com melhores possibilidades de derrotar Lula e a esquerda.
Esse é o plano, que pode dar certo ou não. Acuado e sob pressão, Bolsonaro não confia em boa parte dos militares que o cercam, como mostrou o jornalista Luís Costa Pinto, e teme que seja derrubado agora ou perca a eleição. Está nervoso e irritadiço. Se o processo de impeachment for aberto, mobilizará seus seguidores para resistir, mas se não sentir que tem o apoio das forças armadas sabe que apenas complicará o quadro e aumentará sua queda.
O impeachment pode não acontecer, e se acontecer não garantirá a vitória eleitoral de Mourão ou outro candidato da direita em 2022. Mas o plano é esse.
Hélio Doyle para O Congresso em Foco, em 24 de junho de 2021





















