domingo, 27 de junho de 2021

Se houve corrupção na compra da Covaxin, 'acredito na hipótese de impeachment' de Bolsonaro, diz Tasso.

As revelações sobre possíveis ilegalidades no contrato para compras da vacina Covaxin levantam "indícios de interesses escusos" por trás da decisão do governo Jair Bolsonaro de privilegiar o imunizante indiano em detrimento de outras opções mais baratas como Pfizer, acredita o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE).

Manifestantes pedem impeachment de Bolsonaro em protesto em Brasília (Sérgio Lima / Getty Images)

Em entrevista à BBC News Brasil, o parlamentar, membro titular da CPI da Covid, defendeu uma "investigação muito profunda" para esclarecer se houve crime de corrupção.

Caso isso se comprove, diz, haveria um "caso extremo" que justificaria o impeachment de Bolsonaro. Sem isso, Jereissati tem se colocado contra a possibilidade de abertura de um processo, por entender que seria "demoradíssimo e complicado" em meio à pandemia que já matou mais de 500 mil pessoas no país.

"Eu só acredito na hipótese do impeachment e só votaria por um impeachment no caso extremo. Qual seria o caso extremo? O caso extremo seria, por exemplo, que nessa história da Covaxin chegássemos à conclusão que havia interesses escusos atrás disso e não haja explicação para o assunto. Aí não tem jeito, porque simplesmente se negou à população brasileira uma vacina (Pfizer) que teria salvo vidas e vidas em função de um interesse escuso (por privilegiar a Covaxin)", disse.

Nesta sexta-feira (25/06), ocorrem na CPI os depoimentos do servidor do Ministério da Saúde Luís Ricardo Miranda e seu irmão, o deputado Luís Claudio Miranda (DEM-DF) - ambos denunciaram supostas ilegalidades no contrato diretamente a Bolsonaro em março. O presidente disse que levaria o caso à Polícia Federal, mas não há confirmação de que isso ocorreu.

"A melhor das hipóteses é que houve prevaricação, porque ele tomou conhecimento do fato, disse ao seu interlocutor, no caso o deputado, que iria avisar a Polícia Federal, e não avisou. Então, essa é a melhor hipótese diante de tudo que, aparentemente, aconteceu", afirma Jereissati.

Segundo o senador, a CPI vai avaliar também a quebra de sigilo fiscal e bancário das empresas envolvidas na negociação. Além da Precisa Medicamentos, que é a intermediária entre o governo brasileiro a indiana Bharat Biotech, a empresa Cingapura Madison Biotech foi indicada no contrato para receber US$ 45 milhões adiantados do contrato de R$ 1,6 bilhão para aquisição de 20 milhões de doses.

O governo brasileiro aceitou em fevereiro deste ano pagar US$ 15 (R$ 80,70 na cotação da época) por dose da Covaxin, antes mesmo de firmar contrato para compra de vacinas da Pfizer por US$ 10, que vinham sendo oferecidas desde 2020.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista concedida na quinta-feira (24/6).

BBC News Brasil - O presidente Jair Bolsonaro se viu acuado nos últimos dias com uma série de denúncias envolvendo o contrato de compra da vacina Covaxin. Como o senhor avalia esse caso e o impacto para o governo?

Tasso Jereissati - Essa notícia é tão grave que eu não queria dar uma previsão das consequências dela. Como você sabe, amanhã (esta sexta-feira) nós vamos ouvir na CPI o funcionário da Secretaria do Ministério de Saúde (Luis Ricardo Miranda) que fez uma das denúncias e o irmão dele, o deputado (Luis Cláudio Miranda) que levou o caso ao presidente Bolsonaro.

Ele é tão grave que é preciso aprofundar com muita tranquilidade, porque muda a direção e o sentimento da CPI e de todos aqueles que estão investigando o assunto com profundidade completamente.

Até agora, alguns pontos estão consolidados. Primeiro que o grande guarda-chuva inicial do governo para sua estratégia de combate foi a tal da imunidade de rebanho. E, dentro dessa tese da imunidade de rebanho, considerar que a vacina não era tão importante e nem que o vírus era tão letal, a chamada gripezinha.

Desta maneira, o recado que eles começaram a passar e a tese de combate era: "deixa infectar porque existe um remédio, que é a cloroquina, você faz o tratamento, e as pessoas se infectando o mais rápido possível mais cedo termina a pandemia". Também, em função desta visão, se tornou até essa negligência na compra da vacina Pfizer, o deboche em relação à CoronaVac, do Butantan e da Sinovac.

Agora, em relação especificamente à vacina surge outro indício que o problema não era só de uma visão da imunidade rebanho, tinha interesses no mínimo escusos por trás disso tudo que fizeram com que a Pfizer fosse ignorada e a Butantan fosse até ridicularizada, por outro interesse que nós vamos investigar qual é.

Então, isso é tão grave que a percepção passa a ser outra do problema. Tem a ver com corrupção, ou com qualquer outra coisa parecida. Para chegar a isso, é preciso uma investigação muito profunda para que nós possamos dizer, realmente, o que aconteceu.

BBC News Brasil - Além dos depoimentos que ocorrem nesta sexta, já há pedidos da CPI de quebras de sigilo fiscal e telemático [de dados de telecomunicação e informática] de pessoas envolvidas no contrato. A partir disso, os senhores pretendem esclarecer se houve alguma ilegalidade?

Tasso Jereissati - Exatamente, teremos esses depoimentos [nesta sexta] e [vamos analisar] pedidos para quebra de sigilos de uma porção de empresas porque já apareceram várias empresas [envolvidas]. Primeiro era só a empresa Precisa, que fez a intermediação na compra [entre o governo brasileiro e o laboratório indiano]. Depois, apareceu uma outra empresa para quem foi faturado [o pagamento do contrato], que também não era na Índia, é em Cingapura. E é uma empresa, aparentemente, cujo o endereço que ela deu é uma [sede de] fachada, uma residência.

Enfim, até chegar à empresa produtora da Covaxin. Então, cada vez aparecem mais intermediários, que nós precisamos investigar, para não fazer levianamente nenhum tipo de acusação. Se você junta essas várias intermediárias e a questão do preço [mais caro da Covaxin], a coisa fica muito estranha e a gente precisa assegurar melhor [o que houve].

'É tão grave que é preciso aprofundar com muita tranquilidade, porque muda a direção e o sentimento da CPI', diz Tasso Jereissati (PSDB-CE) (Jefferson Rudy / Ag. Senado)

BBC News Brasil - O servidor Luis Ricardo Miranda e o irmão dele, o deputado Luis Claudio Miranda, foram ao presidente Jair Bolsonaro em março levar essas informações de possíveis ilegalidades. Por outro lado, o ministro Onyx Lorenzoni anunciou investigações contra esses denunciantes na quarta-feira. O senhor vê alguma tentativa de coação desses denunciantes?

Tasso Jereissati - Claro, é tão evidente, [dizer que não] é como negar a existência do sol. A declaração do ministro Onyx que, em vez de investigar as denúncias, investiga o denunciante na tentativa de desqualificá-lo, e não dá nenhuma resposta e nenhuma explicação sobre a denúncia, colocar Ministério Público e polícia em cima do denunciante é claramente uma tentativa de intimidação.

E o pior, no final, ele faz uma ameaça clara até à integridade física do denunciante, quando ele diz que "você vai se haver com Deus, mas antes você vai se haver conosco aqui". Muito grave isso, partindo de um ministro ligado diretamente ao presidente da República.

BBC News Brasil - E a CPI pretende tomar alguma atitude em relação ao ministro Onyx por causa dessas falas?

Tasso Jereissati - Amanhã (esta sexta) nós vamos ouvir melhor [no depoimento dos irmãos Miranda] como foi todo o roteiro dessas conversas, e daí tomar as medidas que forem necessárias.

BBC News Brasil - Até o momento não há informação de que houve, de fato, alguma investigação aberta na Polícia Federal a pedido do presidente para apurar as denúncias levadas a ele em março. O senhor vê possível prevaricação por parte do presidente?

Tasso Jereissati - A melhor das hipóteses é que houve prevaricação, porque ele tomou conhecimento do fato, disse ao seu interlocutor, no caso o deputado, que iria avisar a Polícia Federal, e não avisou. Então, essa é a melhor hipótese diante de tudo que, aparentemente, aconteceu.

BBC News Brasil - O presidente da Câmara, Arthur Lira, disse essa semana que a CPI da Covid não vai trazer efeito algum. O senhor vê esse risco ou já vê efeitos da CPI?

Tasso Jereissati - Os efeitos da CPI são evidentes. Nós ainda nem temos relatório, não chegamos ao final [do funcionamento da comissão], temos ainda muita coisa por vir, nós mesmo estamos discutindo sobre um fato novo [o contrato da Covaxin], mas várias mudanças já aconteceram para o bem.

Por exemplo, a troca do ministro da Saúde, [Eduardo] Pazuello, a troca do ministro das Relações Exteriores [Ernesto Araújo], que era um estorvo no relacionamento do Brasil com o exterior. A própria pressa que o governo passou a ter para compra de vacinas.

Então, [Bolsonaro tomou essas decisões] extremamente pressionado, não somente pela CPI, mas pela opinião pública de uma maneira geral, e a CPI tem tido o papel fundamental nisso.

BBC News Brasil - Na próxima semana, deve ser apresentado o que vem sendo chamado de super pedido de impeachment contra Bolsonaro, articulado por partidos de centro-esquerda e ex-aliados do presidente, como os deputados Joice Hasselmann (PSL-SP) e Alexandre Frota (PSDB-SP). Diante do desgaste causado pelas denúncias do contrato da Covaxin e as recentes manifestações de rua, o senhor vê aumento das chances de um processo prosperar, ou isso deve continuar bloqueado pela base de Bolsonaro no Congresso e o presidente da Câmara, Arthur Lira?

Tasso Jereissati - Eu só acredito na hipótese do impeachment e só votaria por um impeachment no caso extremo. Qual seria o caso extremo? O caso extremo seria, por exemplo, que nessa história da Covaxin chegássemos à conclusão que havia interesses escusos atrás disso e não haja explicação para o assunto. Aí não tem jeito, porque simplesmente se negou à população brasileira uma vacina [Pfizer] que teria salvo vidas e vidas em função de um interesse escuso [por privilegiar a Covaxin].

No entanto, a princípio eu não queria um impeachment agora. Eu acho que o presidente tem ainda uma base de apoiadores grande, o impeachment é um processo demoradíssimo, complicado, tem uma fase de transição, em que o vice-presidente da República assume provisoriamente, e seria muito ruim se isso acontecesse agora ainda em plena pandemia. Não seria bom para o país. O melhor é que a mudança de presidente seja feita pelo voto nas próximas eleições do ano que vem.

Manifestantes pediram aceleração da vacinação em protesto contra Bolsonaro em 29 de maio (Getty Images)

BBC News Brasil - Na sua resposta, me parece que o senhor estava comparando a negociação do governo Bolsonaro com a Pfizer e para a compra da Covaxin. O que chama atenção na diferença dessas duas negociações e por que o senhor vê um problema nisso?

Tasso Jereissati - Tem tantas diferenças. Primeiro que a Pfizer é uma renomada empresa farmacêutica mundial e sua tecnologia para fazer a vacina, das ofertas iniciais [de vacinas], foi aceita no mundo inteiro, principalmente no mundo mais desenvolvido, os países mais ligados à ciência, a Europa toda, os Estados Unidos, Canadá, etc.

E tem mais de oitenta correspondências [ao governo Bolsonaro] da Pfizer sem resposta. Não é que respondeu que não [queria], sem resposta. Isso é um processo que durou mais de seis meses. O próprio presidente da República criticou a Pfizer várias vezes quando se cobrava dele [a compra da vacina]. E ele criticou, disse até que com a tecnologia da Pfizer a gente podia virar jacaré, coisas desse tipo.

Então, com a Covaxin, que não tem essa reputação, nenhum país tinha comprado, nem tinha a fase três da pesquisa ainda, era um preço mais alto do que as outras, o prazo de entrega mais longo, e houve uma pressa absoluta em relação à compra. Uma pressa que, segundo o funcionário [do Ministério da Saúde] disse ao Ministério Público, era uma pressão imensa pra que ele fechasse o assunto.

Terceiro: vinha co cláusula de pagamento antecipado. O governo chegou até empenhar [os valores]. Empenhar significa que aquele dinheiro está guardado só para o pagamento daquela compra dentro do Orçamento, só falta assinar o cheque.

Outra diferença é que a Covaxin era a única [opção de vacina comprada pelo governo brasileiro] que tinha intermediário na negociação. Não era diretamente com o laboratório, mas através de um, dois ou três intermediários, sem, inclusive, a devida qualificação, idoneidade etc.

E o preço [da Covaxin é] mais alto do que o da Pfizer, mais alto do que o da AstraZeneca. Esse conjunto de coisas é que leva a essa diferença enorme, e nós queremos saber o porquê dessa diferença.

BBC News Brasil - O senhor disse que o melhor caminho para retirar Bolsonaro da Presidência da República seria as urnas. Por outro lado, há um crescente temor de como o presidente vai reagir caso perca a reeleição. Ele tem levantado suspeitas de fraudes nas urnas eletrônicas e há um temor de que vai tentar, em caso de derrota, deslegitimar e não reconhecer o resultado. Esse risco preocupa o senhor?

Tasso Jereissati - É evidente que o presidente Bolsonaro está ameaçando o Brasil de uma intervenção e medidas extraordinárias fora da Constituição nas próximas eleições. Eu acho que quase como avisando ao país que ele vai fazer alguma coisa.

O conjunto das suas ações, das suas declarações, leva a essa preocupação. É cada vez maior essa preocupação e cada vez mais presente nos outros Poderes, tanto no Legislativo, quanto no Judiciário, e até dentro da sociedade civil. Até o empresariado, que teve no início uma certa simpatia pelo presidente, hoje está preocupado com essa possibilidade de quebra das instituições.

No entanto, eu não acredito que venha ser bem sucedido uma tentativa dessa. Porque ele não vai ter o apoio da Justiça, Ele não vai ter o apoio do Legislativo, ele não vai ter o apoio da grande imprensa, e vai ter uma desaprovação total da comunidade internacional, o que levaria o presidente a um isolamento fatal.

E o pior, não teria nenhum apoio da opinião pública, o que torna pra mim, [devido a] esse conjunto de coisas, a probabilidade de ter sucesso numa aventura dessa é muito pequena.

BBC News Brasil - Algumas pessoas temem que Bolsonaro possa ter apoio nas Forças Armadas ou nas polícias militares. O senhor acredita que pode haver apoio de parte dessas instituições a uma iniciativa do presidente contra o resultado da eleição?

Tasso Jereissati - Apesar de o presidente ter dado algumas demonstrações de suporte pelas Forças Armadas dos seus atos, essas [ações de Bolsonaro junto aos militares] também têm causado desgaste do presidente dentro das Forças Armadas. Se há algum suporte? Parece que sim, mas que há uma enorme desaprovação dentro das Forças Armadas, também parece que sim.

É verdade, o presidente está muito entranhado nas polícias militares, mas qualquer tentativa de insubordinação hoje, sem o apoio de todas essas instituições que eu falei (na resposta anterior), é fadado ao fracasso.

BBC News Brasil - Na semana passada eu entrevistei o deputado Rodrigo Maia e ele disse que, mesmo dentro de partidos do centro liberal, há muito apoio de parlamentares ao presidente Jair Bolsonaro, o que ele atribui a interesse por verbas do Orçamento para suas bases eleitorais. Maia cita o PSDB entre esses partidos. O senhor concorda com essa análise? Vê apoio relevante dentro do PSDB a Bolsonaro?

Tasso Jereissati - Eu acho que existe isso em todos os partidos, todos os partidos são mordidos pelo fisiologismo, praticamente todos. Há alguns mais outros menos.

Eu acho que o PSDB é dos que têm menos. O PSDB não tem nenhum ministro, o PSDB não tem nenhum diretor de uma autarquia nem de banco [estatal]. O PSDB, pelo que saiba eu, não tem nenhuma participação direta no governo ou nos cargos do governo.

Já outros partidos têm. O PMDB tem [cargos], está dividido [em relação ao apoio a Bolsonaro]. O DEM tem, está dividido. O PSD tem, está dividido. Mas a diferença do PSDB para esses partidos é que apesar de ter um um uma fuga fisiológica pontual, ele, enquanto partido, tem tomado a posição de oposição e não integra o governo.

Em entrevista à BBC News Brasil, o deputado Rodrigo Maia (sem partido) disse que há muito apoio de parlamentares a Bolsonaro (Maryanna Oliveira / Câmara dos Deputados)

'Nenhum nome do centro tem musculatura sozinho para enfrentar Lula ou Bolsonaro', diz Rodrigo Maia

BBC News Brasil - O senhor defendeu em um evento recente a necessidade de união de diferentes forças políticas em torno de uma única candidatura para disputar a eleição de 2022 contra o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Lula. E disse que esse nome não necessariamente deve ser do PSDB. Qual nome o senhor vê hoje com mais condições de aglutinar esse campo?

Tasso Jereissati - Não é que eu acredito que tenha mais nomes fora do PSDB do que dentro do PSDB. O que eu disse, e é uma aritmética fácil de fazer, é que o candidato do centro que quiser chegar ao segundo turno vai ter que chegar, no mínimo, a 25% dos votos no primeiro turno.

Você tem aí a esquerda mais radical ao redor de 30%. Você tem a direita mais radical, do Bolsonaro, entre 25% e 30%, e a faixa que nos sobra é 40%, 45%, no máximo 50%. Dentro desses 50%, nós precisamos ter metade para almejar chegar ao segundo turno. Se nós tivermos vários partidos, vários candidatos e [o centro] ficar fragmentado, nenhum vai chegar. É óbvio.

Encontro entre os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB) realizado em 21 de maio (Ricardo Stckert / Instituto Lula)

Então, o que que eu disse? Nós temos que fazer um grande acordo, uma grande união nacional de partidos democráticos, que respeitam o mercado, que acreditam na liberdade, porque o país está em risco se nós não fizermos isso. Então, o que eu proponho é que todos os partidos e todos os candidatos tenham a mínima disposição de abrir mão dos seus projetos pessoais para que se possa chegar a um único nome ou dois nomes de convergência. É essa a minha visão.

BBC News Brasil - Para o senhor, ainda não está claro quais seriam esses nomes, seja dentro do PSDB ou fora do PSDB?

Tasso Jereissati - Não, eu acho que daqui pro fim do ano tem muita água pra rolar, pra gente perceber realmente quem pode ser essa pessoa.

BBC News Brasil - Após sua fala de que esse candidato não precisa ser necessariamente do PSDB, aumentou a especulação sobre a possibilidade de um apoio seu ao candidato do PDT, Ciro Gomes. É um cenário possível que o PSDB apoie Ciro Gomes?

Tasso Jereissati - Não, essa é uma especulação que se faz, mas essa especulação não tem sentido. O objetivo do que eu disse é só esse que eu lhe falei: é que é lógico, é claro, é óbvio [a necessidade de uma união de diversos candidatos]. Tem pessoas que não querem entender isso e acham que tem outras intenções. Isso não é verdade.

Eu respeito muito Ciro Gomes, pessoalmente, gosto muito dele. Acho até que ele não é uma pessoa de esquerda, eu falo isso com toda sinceridade. Ele é uma pessoa de centro, mas até o momento ele tem se colocado muito no espectro da esquerda e ele mesmo não tem se mostrado interessado em fazer parte dessas conversas [para unificar candidaturas]. Então, se for possível que ele participe, eu acharia ótimo.

BBC News Brasil - Entre as possibilidades que aparecem como alternativa a Lula e Bolsonaro, há vários nomes que apoiaram o atual presidente no segundo turno de 2018, como os governadores João Dória (PSDB-SP) e Eduardo Leite (PSDB-RS), ou que fizeram parte do governo Bolsonaro, como o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS). Esse centro que está se articulando tem um pé mais à direita?

Tasso Jereissati - É possível sim dizer isso, um pouco, mas isso não é tão claro e isso pode variar. O sentimento à época das eleições era um grande antipetismo. Esse antipetismo, causado não tão propriamente por causa de ideologia, mas em função de vários escândalos de corrupção que se repetiram e havia um sentimento muito grande de antipetismo.

Tivemos o governo da presidente Dilma, que não foi feliz, agravou mais esse sentimento antipetista e [havia na eleição de 2018] o receio de que se voltasse a esses graves acontecimentos e a essas graves posições ou incorreções que aconteceram.

Hoje esse sentimento é outro. Hoje não existe mais esse antipetismo tão forte, existe sim uma parte mais ideológica à esquerda que não agrega o centro à esquerda às vezes.

E o sentimento anti-Bolsonaro, antinegacionismo, antiautoritarismo é muito maior até do que o antipetismo. Daí essa conjunção hoje (do centro estar mais à direita). Mas, como eu disse, ela pode flutuar, ela pode chegar mais para centro-esquerda, como à centro-direita também.

BBC News Brasil - O senhor costuma se referir a Bolsonaro e Lula como polos de extremos. O senhor considera os dois equivalentes?

Tasso Jereissati - Não, eles não são equivalentes. São duas criaturas completamente diferentes. Acho que o radicalismo da esquerda, às vezes, coincide com o radicalismo da extrema direita. Por exemplo, a proposta de controle social da mídia, que foi uma bandeira do PT quando estava no governo e é uma bandeira do Bolsonaro agora. São propostas do radicalismo.

Esse verdadeiro ataque, não compreensão da divergência, é próprio da extrema esquerda e é próprio da extrema direita. Então, tem uns pontos que eles convergem, mas, como figuras humanas, Lula e Bolsonaro são completamente diferentes.

Faixa de crítica à Globo em protesto pró-Bolsonaro no Rio: para Jereissati, tentativa de controle da mídia é ponto convergente entre Lula e Bolsonaro (Getty Images)

BBC News Brasil - O senhor considera que os governos do PT se relacionaram com a imprensa da mesma forma como o governo Jair Bolsonaro se relaciona? A forma como responde aos jornalistas, por exemplo.

Tasso Jereissati - Não, era diferente. Não o Lula propriamente, mas vários integrantes do PT propuseram o controle social da mídia, uma legislação que tivesse um controle social, um controle da mídia pelo governo federal, uma espécie de censura, limitar o poder da mídia de noticiar o que quiser em termos de liberdade de expressão.

Isso foi proposto. A diferença é que não me lembro do Lula expressando isso com toda clareza. E o Bolsonaro fala isso com toda clareza e até de uma maneira mais tosca.

BBC News Brasil - O ex-presidente Fernando Henrique já disse que caso a terceira via não deslanche e não consiga ter um candidato no segundo turno, ele vai apoiar o Lula contra o Bolsonaro. O senhor também faria isso?

Tasso Jereissati - Eu ainda não pensei nessa hipótese. O Fernando Henrique, como um sociólogo e um pensador, ele fica elocubrando todas as suas alternativas e um pouco fazendo perspectivas para o futuro. Mas ainda não cheguei a pensar, ainda estou acreditando que essa alternativa desse espaço do meio, nós, os políticos não de extremos, vão ser capazes de chegar lá.

BBC News Brasil - Na sua avaliação, por que mesmo com um trunfo importante como a CoronaVac, o governador João Dória não consegue um desempenho melhor nas pesquisas eleitorais?

Tasso Jereissati - Eu não sei dizer. Você tem razão, hoje o Brasil deve ao governador João Doria, pela sua obsessão, em termos uma vacina e termos tido a oportunidade de começar a vacinar há alguns meses. Se não nós estaríamos começando a vacinar praticamente agora. E isso anos de vidas salvas e as sequelas evitadas é muito grande.

Mas, no entanto, existe um problema de aceitação até agora da candidatura do governador João Dória. Ele não tem conseguido, com toda a exposição que ele e com toda essa questão da vacina, ele não tem conseguido penetrar no eleitorado do país.

Essa é uma dificuldade que se apresenta e por esta razão aparecem outras candidaturas dentro do PSDB.

BBC News Brasil - O PSDB planeja para novembro eleições prévias internas para escolher seu candidato presidencial. O senhor é um dos que planeja disputar, assim como os governadores João Dória, Eduardo Leite e o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio. O senhor vê algum problema no fato dos quatro nomes do PSDB cotados para disputar 2022 serem homens brancos? Existe uma dificuldade no PSDB de ampliar a diversidade das lideranças?

Tasso Jereissati - Não, existe um problema da sociedade brasileira, não só em relação a nós, eu acho que não só do PSDB, [os possíveis candidatos] do PT também são homens brancos, do PDT são homens brancos.

Acho que todos os [cotados hoje como] candidatos são brancos, homens. Eu me lembro [nas últimas eleições] da candidata Marina [Silva] e da Dilma, mas para 2022 não estou vendo nenhuma candidata mulher, nenhum candidato indígena. Enfim, todas essas aparentes diferenças reais são um problema da sociedade brasileira, que não tem dado o mesmo poder e capacidade de oportunidades de uma maneira igual a todos os brasileiros.

Mariana Schreiber, de Brasília para a BBC News Brasil, em 25 junho de 2021

sábado, 26 de junho de 2021

Do prestígio, da responsabilidade e além

Só os democratas poderão evitar o avanço da erosão que hoje afeta o Estado brasileiro, constata Marco Aurélio Nogueira no artigo publicado hoje n'O Estado de São Paulo.

Os militares sempre foram importantes agentes políticos e cumpriram funções decisivas na vida nacional. Para recordar: fizeram a República em 1889, foram reformadores com o tenentismo e a Coluna Prestes nos anos 1920-1930, foram admirados e temidos, ganharam prestígio e densidade institucional. Com o golpe militar de 1964, ajudaram a que o País ingressasse num ciclo ditatorial que teve alto custo social e político, prejudicando grandemente a imagem das Forças Armadas. Durante os anos de chumbo, os militares foram vistos com temor, sem a admiração acumulada ao longo da História.

Com a redemocratização, os militares entraram numa fase de “neutralidade” e respeito constitucional. Voltaram a ser elogiados pela postura técnica e pela disciplina.

Os dias correntes trouxeram à tona um enigma: o que levou os militares a emprestarem seu prestígio e seus recursos ao governo Bolsonaro, um ex-militar sabidamente indisciplinado, ignorante, agressivo e sempre pronto a desafiar a corporação com atos e palavras?

Uma primeira hipótese já foi explorada: com o apoio ativo, os militares conseguiriam controlar o presidente e dar ao governo um suporte técnico adicional, que não viria do bolsonarismo, bastante conhecido por ser pobre de quadros e ideias. Não aconteceu.

Uma segunda hipótese afirma que os militares foram seduzidos pela perspectiva de “empoderamento” e de protagonismo governamental, recuperando o “salvacionismo” que repicou em vários momentos da História nacional. Explorando as alegadas virtudes da disciplina e do preparo técnico, meteram-se na política prática e enredaram-se nas malhas do poder.

A terceira hipótese é um pouco mais tortuosa. Indica que o Exército, em particular, foi selecionado pelo presidente para ser “testado” como instituição do Estado ou como dispositivo armado de governo. A intenção teria sido incluir os militares num projeto de poder ao qual eles se submeteriam, deixando os governantes de mãos livres para agir. Como escreveu o general Santos Cruz em artigo publicado no Estado em 13/6, o jogo seria viabilizado mediante “a tentativa permanente de arrastar o Exército para o erro histórico de assumir um protagonismo político em apoio a uma aventura pessoal perseguida de forma paranoica”.

O fato é que hoje, dois anos e meio depois da eleição de Bolsonaro, os militares (as Forças Armadas) não mais se distinguem do governo. Agarraram-se nele, entregaram-se a suas ordens e seus desejos. Foram projetados para o centro da permanente crise política e administrativa em que nos encontramos.

Consequência: passaram a correr o risco da erosão como instituição, da perda de identidade e do papel previsto na arquitetura constitucional do Estado brasileiro. Afinal, o presidente é um demolidor de instituições e um apologeta da grosseria e do desrespeito. Os militares, assim, estariam abandonando a responsabilidade e a inserção positiva na vida nacional.

O que esperar a partir de agora? São cerca de 6 mil militares no governo, muitos oficiais em cargos-chave e sustentando as estripulias presidenciais. Há compromissos e lealdades evidentes, que parecem soldar uma aliança que tem sido nefasta para o País.

O que sobrará do prestígio militar depois de tantas demonstrações de violência verbal, formulações toscas e desorientação explícita de um governo por eles apoiado, mas que não exibe nenhuma das virtudes das Forças Armadas, muito menos um projeto estratégico de nação? Um governo cuja atividade principal é disseminar boçalidades para redes fanatizadas não está em sintonia com a lógica que pulsa na mente militar.

A erosão institucional pode causar quebra de disciplina e hierarquia. O “caso Pazuello” é uma chaga exposta. O Exército são os militares e as Polícias Militares, que formam “exércitos estaduais” independentes dos governadores. É um rastilho de pólvora, pronto para explodir caso se perca o controle.

Bem consideradas as tradições militares, não é fácil vislumbrar um “sonho chavista” ganhando força no Brasil, um País seguramente mais complexo que a Venezuela. Os militares não parecem “prontos” para serem usados por um projeto pessoal doentio. Não têm sido treinados para se submeter, mas para comandar. Seu lugar não é nos governos, nem nas praças públicas.

Mas para que tudo isso seja de fato contratado a política democrática precisa pulsar com vigor, emitindo sinais claros de que há disposição para arrumar a casa e unificar o País. Tudo passa pela emergência de uma articulação democrática plural, ativa e propositiva. É mais do que encontrar uma “terceira via”: é criar uma força moderada e reformadora, aberta e dinâmica, com ideias e programas claros.

O momento, portanto, exige muito mais dos democratas que dos militares. Sem os primeiros, os segundos ficam sem norte. Só os democratas poderão evitar o avanço da erosão que hoje afeta o Estado brasileiro e fornecer aos militares a possibilidade de repor sua função constitucional plena.

Marco Aurélio Nogueira, o autor deste artigo, é Professor Titular de Teoria Política na Universidade de São Paulo / UNESP. Publicado originalmente n'O Estado de S.Paulo, em 26 de junho de 2021 

Presidentes de 11 partidos fecham posição contra voto impresso

Caciques das legendas, incluindo os da base do presidente Bolsonaro, decidiram derrubar proposta discutida na Câmara       


Teste público de segurança da urna eletrônica para as eleições de 2019 (Abdias Pinheiro, TSE)

Presidentes de 11 partidos se reuniram na manhã deste sábado, 26, e fecharam um posicionamento contra o voto impresso nas eleições de 2022. Os caciques das legendas, incluindo os da base do presidente Jair Bolsonaro no Congresso, decidiram derrubar a proposta discutida na Câmara e patrocinada pelo chefe do Planalto. O texto propõe a implantação de um sistema auditável de papel nas urnas eletrônicas.

Conforme o Broadcast/Estadão revelou no início do mês, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do voto impresso tinha votos suficientes para avançar na comissão especial da Câmara. A articulação, porém, enfrentou resistência e agora os partidos prometem articular a rejeição da PEC com os deputados, ou até mesmo engavetá-la. Os 11 partidos que mobilizaram o encontro virtual representam 326 deputados entre os 513 integrantes da Câmara, número suficiente para derrubar a medida.

A reportagem apurou que os ministros Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), atuaram para demover os partidos da ideia de aprovar o voto impresso. Moraes assumirá a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no período das eleições presidenciais e Barroso é o atual chefe da Corte eleitoral. A reviravolta ocorre no momento em que o presidente Jair Bolsonaro é alvo da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva lidera pesquisas de intenção de voto para o próximo ano.

O principal argumento dos partidos para a decisão é evitar o risco de uma onda de questionamentos dos resultados eleitorais a partir do ano que vem, travando o Judiciário e as comarcas locais. "O pessoal se preocupa de que isso vai criar um tumulto dentro do nosso vasto Brasil tendo uma infinidade de juízes de primeira instância que podem amanhã, por pressões ou outras questões, questionar", disse ao Broadcast/Estadão o presidente do PSL, deputado Luciano Bivar (SP). O PSL tem a maior bancada da Câmara, ao lado do PT, com 53 deputados. Para Bivar, a PEC deve ser engavetada. "Acho que nem vai votar."

Participaram da reunião os presidentes do PSL, Progressistas, PL, PSD, MDB, PSDB, Republicanos, DEM, Solidariedade, Avante e Cidadania. O presidente do Progressistas, Ciro Nogueira (PP-PI), aliado de Bolsonaro, foi o primeiro a falar e "puxou" a decisão do bloco. "A única coisa que nos uniu é manter o sistema atual", disse o presidente do Solidariedade, deputado Paulinho da Força (SP), em tom de brincadeira. "Tem vários argumentos, mas talvez o mais forte seja o de que teria uma eleição muito judicializada no Brasil", afirmou. Ele ainda disse que, para derrubar a PEC, os partidos estão dispostos a substituir os membros da comissão especial na Câmara. "Se for o caso, troca."

O presidente Jair Bolsonaro defende o voto impresso e disse diversas vezes que houve fraude na própria eleição que o elegeu em 2018. Ele sustenta a ideia de que teria vencido no primeiro turno. Questionado formalmente pelo TSE, o chefe do Planalto não apresentou nenhuma prova de irregularidade. Em tom de ameaça, ele já disse que não haverá eleição no Brasil sem o voto impresso. Neste sábado, 26, em Chapecó (SC), o presidente discursou a um grupo de apoiadores e voltou a defender a tese, novamente citando possibilidade de fraude e criticando Lula. "Tiraram um vagabundo da cadeia, tornaram esse vagabundo elegível e querem agora tornar o presidente pela fraude. Não conseguirão."

A postura de Bolsonaro é vista por dirigentes partidários como reação eleitoral. Além disso, lideranças enxergam um derretimento da imagem do presidente em parcela do eleitorado, o que diminui a influência do presidente entre os parlamentares. "Para não ter eleição, tem que dar um golpe. Para dar um golpe, precisa ter sustentação política, especialmente fora do País", afirmou Paulinho da Força. 

Ex-aliado de Bolsonaro e presidente do partido que o elegeu em 2018, Luciano Bivar afirmou que a força do sistema em vigor no País supera a tentativa do atual chefe do Executivo. "São bravatas. Estou no Estado de Direito. Ninguém tem esse poder onipotente de dizer que, se não for como ele quer, não vai existir isso e aquilo. Isso quem fala é a sociedade, é o sistema."

O presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, avaliou que o Congresso deve recuar de aprovar a medida. O risco para a segurança das eleições é o principal motivo para a mudança de ideia, afirmou durante entrevista ao Grupo Prerrogativas transmitida nas redes sociais. "Acho que não vai prevalecer essa história do voto impresso. 

O voto impresso vai ser uma volta no túnel do tempo a um país de fraudes e de eleições contestadas", disse. "Não é por outra razão que eu acho que os partidos políticos e mesmo as pessoas de boa-fé que acreditaram nessa ideia estão voltando atrás."

Em tramitação na Câmara, a PEC não acaba com a urna eletrônica, mas inclui na Constituição um artigo que torna obrigatória a impressão de comprovantes físicos de votação, que devem ser depositados automaticamente em uma caixa de acrílico acoplada ao equipamento. Com isso, o eleitor poderia conferir se o recibo em papel coincide com o que digitou. 

Para que seja válida nas eleições de 2022, a medida precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado até outubro deste ano. Barroso disse que tem tentado desfazer uma posição de partidos de esquerda que admitiram apoiar a proposta por "não custar nada" implantar mais um sistema de checagem. "Custa, porque nós vamos criar um mecanismo de auditagem, que é o voto impresso, menos seguro que o objeto da auditagem, que é a urna eletrônica."

Daniel Weterman, O Estado de S.Paulo, em 26 de junho de 2021 

Bolsonaro perde tração a pouco mais de um ano da disputa pela reeleição

Pesquisas reforçam tendência de queda de popularidade do presidente em semana de desgaste pelo caso Covaxin e de vitórias de Lula, seu maior desafiante em 2022. Mandatário reage com nova ‘motociata’

O presidente Jair Boisonaro lidera 'motociata' de apoiadores em Chapecó, Santa Catarina, neste sábado. (ISAC NÓBREGA/PR)

A eleição de outubro de 2022 ainda está distante. O cenário político pode e deve mudar muito até o início das campanhas, mas, há pouco mais de um ano do pleito, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vê seu capital político derreter à medida que o país conta mortes pela pandemia do novo coronavírus. Duas pesquisas do instituto IPEC, formado pelo grupo do extinto Ibope Inteligência, divulgadas nesta semana consolidaram um processo de desgaste do mandatário que vem sendo registrado desde janeiro, quando o pagamento do auxílio emergencial foi interrompido. 

A retomada dos pagamentos, em abril, amorteceu a queda de popularidade de Bolsonaro, mas ele só vê crescer a sombra do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), seu maior desafiante. Sua reação, neste sábado, após mais um dia de muito desgaste para o Governo na CPI da Pandemia, veio com uma nova motociata de apoiadores, desta vez em Santa Catarina.

A corrosão política de Bolsonaro parece acompanhar em proporção o fortalecimento da alternativa Lula para 2022. Na pesquisa divulgada nesta sexta-feira, em que considera cinco candidatos à presidência (além dos dois protagonistas, foram testados o ex-governador do Ceará Ciro Gomes, o governador de São Paulo, João Doria, e o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta), o IPEC indica que o petista poderia ganhar a eleição já no primeiro turno, com 49% das intenções de voto. Bolsonaro aparece apenas com 23%. 

O Datafolha havia apontado os mesmos 23% para Bolsonaro em maio, enquanto Lula teria 41% das intenções de voto. “Bolsonaro foi eleito com a esperança da mudança e hoje se encontra no seu pior patamar de avaliação, reflexo da atuação do Governo no enfrentamento dos vários problemas pelos quais o país passa”, analisa Márcia Cavallari, diretora-executiva do IPEC, em artigo publicado junto com a pesquisa, no jornal O Estado de S. Paulo.

Alvo de duas expressivas manifestações de rua nas últimas semanas, Bolsonaro se machuca agora pelas suspeitas de irregularidades na compra da vacina Covaxin, enquanto segue tratando a pandemia de forma frouxa em público. Na quinta-feira, tirou a máscara do rosto de uma criança durante agenda no Rio Grande do Norte. Neste sábado, mais uma vez provocou aglomeração na esperança de demonstrar força política, com a quarta motociata do ano, que reuniu apoiadores pelas rodovias de Santa Catarina. 

As manifestações de apoio rendem boas imagens para o presidente, mas o fato é que atualmente 49% dos brasileiros consideram a sua gestão ruim ou péssima e 66% desaprovam sua forma de governar, segundo o IPEC. Em fevereiro, os números eram 39% e 58%, respectivamente. Uma outra pesquisa divulgada recentemente, pelo PoderData, sugere que é direta a relação entre a popularidade de Bolsonaro e os números de mortes por covid-19 no Brasil ―quanto mais óbitos, pior sua avaliação. O mesmo instituto indicou nesta sexta que 52% dos brasileiros avaliam negativamente o trabalho de Bolsonaro no combate à pandemia, considerado bom ou ótimo por apenas 25% do país, e regular por 20%.

O presidente Jair Bolsonaro leva o prefeito de Chapecó, João Rodrigues, na garupa da moto durante a 'motociata' deste sábado, 26 de junho, pelas ruas de Santa Catarina. (ISAC NÓBREGA/PR)

Os problemas do presidente se agravaram depois do retorno do ex-presidente Lula à arena política. Desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) começou, em março, a anular os processos da Lava Jato que levaram o petista à cadeia, a pressão sobre o presidente só aumenta. Bolsonaro passou a aparecer usando máscara em público depois de Lula discursar em São Bernardo do Campo ―nas últimas aparições públicas, como neste sábado, já retomou o hábito de não se proteger. Na quinta-feira, o ministro Gilmar Mendes anulou todos os processos contra Lula conduzidos pelo ex-juiz Sergio Moro, ao estender o efeito de decisão tomada pelo plenário do STF no caso do tríplex do Guarujá. A maioria dos ministros considerou Moro suspeito para julgar o ex-presidente. Enquanto o horizonte do pleiteante à reeleição se enche de nuvens, seu desafiante enxerga o céu se abrir a sua frente.

Confrontado com o crescimento do petista nas pesquisas, Bolsonaro se agarra ao voto impresso. “Eu não acredito em pesquisa eleitoral. Em 2018, o Datafolha disse que eu não iria para o segundo turno e que, se eu fosse, não ganharia de ninguém. Por isso que nós queremos o voto auditável”, disse o presidente nesta sexta-feira, durante agenda pública em Sorocaba (SP). Horas depois, já em Chapecó para o passeio de moto deste sábado, o presidente se defendeu dos ataques recebidos na CPI da Pandemia, em cuja sessão os irmãos Luis Miranda, deputado, e Luis Ricardo, servidor do Ministério da Saúde, implicaram o líder do Governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), no caso Covaxin. “Estão inventando agora na CPI uma corrupção virtual. Uma vacina que não foi comprada, não chegou uma ampola aqui, não foi gasto um real. E o Governo está envolvido em corrupção. É o desespero. Por Deus que está no céu, me policio o tempo todo. Só Deus me tira daqui. Tapetão por tapetão sou mais o meu”, disse o presidente a uma plateia de empresários, sem explicar o que quis dizer com “tapetão”.

Neste sábado, diante dos apoiadores, Bolsonaro voltou a disparar contra a comissão. “Temos uma CPI de sete pilantras, que não querem investigar quem recebeu dinheiro, só apenas quem mandou o dinheiro. Lamentavelmente o Supremo [Tribunal Federal] decidiu pela CPI. E decidiu também que governadores estão desobrigados de comparecer à mesma. Querem apurar o quê?”, questionou, repetindo que “no tapetão não vão levar”. Durante seu pronunciamento, o presidente voltou a mencionar o “voto auditável”, para prevenir fraudes, que, segundo ele, “deve acontecer, com certeza, a cada eleição”.

A retórica do voto impresso e os passeios de moto servem para manter a militância mobilizada, mas não neutralizam o impacto negativo dos protestos contra seu Governo ou das pesquisas que, uma após a outra, constatam a desidratação política progressiva do presidente. Negar os indícios de seu enfraquecimento político não deve ajudar Bolsonaro a reverter a tendência de queda em sua popularidade. 

A pesquisa IPEC mostrou um crescimento de 11 pontos percentuais no potencial de voto de Lula nos últimos quatro meses, e um recuo de oito pontos percentuais em sua rejeição. Já o presidente perdeu cinco pontos percentuais em potencial de voto e avançou seis na rejeição no mesmo período. Para recuperar o terreno perdido, Bolsonaro depende não apenas da melhora dos dados da pandemia de coronavírus no país, ligada diretamente à vacinação, mas da recuperação da economia nacional.

O Governo apresentou nesta sexta-feira ao Congresso a segunda das quatro etapas da reforma tributária, fatiada para tentar facilitar sua tramitação. Na semana passada, o Planalto também conseguiu destravar, enfim, o processo de privatização da Eletrobras. O Banco Central prevê um crescimento de 4,6% da economia brasileira neste ano, enquanto o mercado financeiro espera 5%. A recuperação deve beneficiar o presidente eleitoralmente, e lhe garantirá um discurso em meio a tantas críticas pelo contestado enfrentamento da pandemia. Mas a alta da inflação (em 8,03%, bem acima do teto da meta, de 5,2%) e os índices de desemprego (14,7%) ameaçam conter o otimismo.

RODOLFO BORGES, de S. Paulo para o EL PAÍS, em 26 JUN 2021.

Coronel da reserva insufla extremistas a defender Bolsonaro de golpe imaginário

Em artigo dirigido a grupos da Escola Superior de Guerra e divulgado nas redes bolsonaristas, coronel da reserva fala em fantasioso movimento armado de esquerda e em guerra civil

Bolsonaro com comandante do Exército durante cerimônia em Brasília, em 2019.SERGIO LIMA / AFP

Um dos ideólogos da extrema direita militar, o coronel reformado Gélio Augusto Barbosa Fregapani vem alimentando a imaginação de seguidores do presidente Jair Bolsonaro com uma teoria delirante que cheira à armação: militantes de esquerda estariam sendo treinados para derrubar Bolsonaro através de um conflito armado. Num artigo dirigido inicialmente a grupos fechados, ligados à Escola Superior de Guerra (ESG), que depois chegou às redes bolsonaristas, o militar não se limita a opinar. Ele afirma que os comunistas se misturaram com criminosos em favelas do Rio de Janeiro e São Paulo, onde escondem armas em locais estratégicos e, longe de vigilância, são treinados por estrangeiros com formação militar.

“Teremos uma guerra civil?”, pergunta o coronel logo na abertura do artigo, intitulado Comentário Geopolítico, destinado a vender uma narrativa em que Bolsonaro, desde a eleição, é vítima de uma  conspiração fantasiosa cujos episódios, concatenados para derrubá-lo, criaram as condições para uma guerra civil. “Lamentavelmente a vemos se aproximar cada vez mais”, responde o coronel a si mesmo, afirmando que esquerda e direita atingiram patamar de “divergências irreconciliáveis”, um ponto de não-retorno e um clima propenso ao conflito. Como se o Brasil estivesse voltando aos anos de chumbo.

O coronel sugere que a suposta incursão da esquerda a redutos dominados pelo crime foi facilitada pela decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), que, em junho do ano passado, restringiu as operações policiais em favelas do Rio durante a pandemia a situações excepcionais. A medida, aliás, foi ignorada pela polícia civil do Rio, na operação no Jacarezinho, em 6 de maio deste ano, que terminou com a morte de 28 suspeitos e de um policial, na mais letal ação da história da cidade. Na época, um dos delegados responsáveis pelo caso, Rodrigo Oliveira, chegou a falar que o “ativismo judicial” tinha “sangue nas mãos” pela morte do policial, crítica alinhada à tese de Fregapani e adotada pelos grupos bolsonaristas que atacam o STF. O próprio presidente, sem se referir diretamente ao texto do coronel, chegou a insinuar que “algo grave” estava para acontecer e, em várias ocasiões, afirmou que esperava um sinal do povo para agir.

No mundo real da política ou no radar de órgãos de segurança não há o mais pálido sinal de movimento armado, o que, na opinião de fontes ouvidas pela Pública, coloca a tese de Fregapani no papel de propaganda da extrema direita militar com objetivo de insuflar grupos de seguidores antidemocráticos de Bolsonaro, caso o mandato do presidente venha a ser ameaçado por um impeachment, pressionado pelo relatório da CPI da Pandemia ou diante de uma possível derrota na eleição do ano que vem. É também uma tentativa de atrair as baixas patentes das Forças Armadas e, ao mesmo tempo, evitar que o presidente continue perdendo apoio entre os militares da reserva, especialmente de oficiais com ascendência sobre a tropa. 

“O presidente Jair Bolsonaro quer envolver as Forças Armadas, especialmente o Exército, no projeto pessoal dele”, disse à Agência Pública o general Paulo Chagas, um ex-aliado do presidente, para quem já há uma clara divisão entre os militares da reserva. Dois terços deles, segundo avalia, já desembarcaram do bolsonarismo e buscam uma terceira via na política que escape da polarização entre Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O grupo deposita expectativas numa aliança entre o vice-presidente, general Hamilton Mourão, e o ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro. O general considera descabida a tese de guerra civil, sustenta que os comandos militares da ativa não irão se envolver em qualquer tipo de aventura, mas acha que há riscos de que parte das polícias militares acabe sendo atraída por ideias antidemocráticas e se envolvam em conflitos na defesa de Bolsonaro. 

“O presidente estimula os fanáticos. Se ele mandar, irão para as ruas criar tumulto. Não acredito que possa chegar a guerra civil, mas vai ter violência porque isso faz parte do plano de Bolsonaro”, afirma o general, se referindo à insistente defesa do presidente pelo voto impresso e acusações, sem apresentar qualquer evidência, de fraude na eleição de 2018. O que Bolsonaro quer, segundo Chagas, é encontrar um motivo para contestar o resultado em caso de derrota e agir com mais violência do que os seguidores do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que invadiram o Capitólio, no episódio que terminou com quatro mortos. Generais que romperam com Bolsonaro já enxergam o movimento do presidente como o roteiro de um conflito anunciado. Chagas acha que a impressão do voto eletrônico derrubaria o argumento de Bolsonaro. 

Na mesma linha de Chagas, o ex-ministro da Secretaria de Governo, general Carlos Alberto dos Santos Cruz, escreveu, num artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, que Bolsonaro frequentemente e de forma deliberada vem testando o Exército para “realizar seu projeto pessoal”, o que equivale a dizer que se for derrotado por Lula numa eleição, o presidente tentaria o golpe se encontrar apoio institucional. “Junto com seguidores extremistas, alimentam um fanatismo que certamente terminará em violência”, profetizou o general, para quem o presidente, movido apenas por um projeto de poder, age com “covardia” ao tentar transferir a responsabilidade de seus atos ao Exército.

O general Paulo Chagas acha que a tese defendida por Fregapani, que ele conhece dos tempos de ativa no Exército, “é uma maneira de exagerar para botar medo na cabeça das pessoas, de dizer que o Exército não tem força, que a soberania está ameaçada, para causar efeito psicológico. A hipótese de guerra civil não tem fundamento. Se houvesse preparativos ou mercenário estrangeiro por aqui, seria um problema de segurança nacional e as Forças Armadas saberiam. É retórica de terrorismo psicológico”, afirma o general, que diz respeitar o currículo do coronel, mas com uma ressalva: “Ele está sempre preparado como se a guerra fosse começar amanhã”. 

Coordenador do Movimento Policiais Antifascismo e diretor da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) o agente federal aposentado Sérgio Pinheiro afirma que, ao tentar envolver opositores com boatos sobre guerra civil, a direita quer um pretexto para a violência usando táticas da ditadura, aplicadas numa época em que extremistas militares praticavam atentados e tentavam jogar a culpa na esquerda. “O que se desenha no cenário é uma convulsão social, que vem sendo armada por policiais e milícias. 

A direita está tentando atiçar vivandeiras das Forças Armadas. Mas um golpe só seria possível com a participação do Exército, numa conspiração que partisse do Forte Apache”, diz Pinheiro, se referindo ao Quartel General do Exército, em Brasília. Para ele, a pretensão da direita é inviável, uma vez que os militares, ocupando cerca de 11.000 cargos no Governo federal, com ou sem Bolsonaro, estão no melhor dos mundos e não arriscariam perder a “boquinha” entrando numa aventura. “É só aprovar o voto impresso que evita o conflito se ele perder a eleição”, sugere o policial. 

Gélio Augusto Barbosa Fregapani, coronel aposentado.

O perfil de Fregapani e seu trânsito no meio militar dá força para a teoria da conspiração entre os bolsonaristas. Aos 85 anos, de formação eclética, onde prática e teoria se completam, autor de vários livros sobre inteligência e estratégias de guerra, Fregapani é anticomunista ferrenho e um dos poucos remanescentes da ditadura militar que ainda exercem influência nos quartéis na era Bolsonaro. Ele é cofundador do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS), referência nacional na formação antiguerrilha, sediado em Manaus, de onde saiu, em setembro de 1973, um dos principais grupos das forças especiais empregadas pelo Exército no extermínio dos militantes do PCdoB na Guerrilha do Araguaia. 

No texto ele faz uma leve lembrança ao episódio Araguaia ao cantar “vitória” em caso de um novo conflito contra a esquerda: “(…) seriam derrotadas da mesma forma que foram em Xambioá”, escreve, ao referir-se ao município de Tocantins, entre o Sul do Pará e Norte do Maranhão, que à época representou uma espécie de capital do conflito. Fruto da imaginação do coronel, o “novo” movimento armado da esquerda, em caso de conflito, “se houver, será esmagado como aconteceu nas guerrilhas comunistas de 1968”.

Mais tarde, já na reserva, o coronel se deslocaria para a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), como chefe do escritório de Roraima e do Grupo de Trabalho Amazônia (GTAM), cargos que permitiram sua atuação em toda a região. Os relatórios de Fregapani atacam as ONGs que atuam na região, às quais classifica como representantes de interesses de dominação econômica estrangeira contrários à soberania nacional. Entre 2005 e 2008, Fregapani aliou-se aos arrozeiros que ocupavam ilegalmente vastas extensões da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, e chegou a levar o líder deles, o empresário rural e ex-deputado Paulo Roberto Quartiero, para palestra na sede da ESG, no Rio de Janeiro. Ele considerava Quartiero um herói da resistência contra interesses externos.

A atuação de Fregapani chamou a atenção da Polícia Federal, que chegou a investigá-lo por suposta participação em ações que culminaram no sequestro de quatro policiais federais, em 2005, e numa série de atentados dentro da reserva. Quando entrou na área para comandar a operação de retirada dos não-índios em 2008, o delegado Fernando Segóvia, ex-diretor-geral da PF, encontrou na fazenda de Quartiero mais de 90 bombas construídas para resistir a ação da polícia e chegou a levantar a suspeita de que haveria dedo do militar na organização da reação dos arrozeiros. Os relatórios de Fregapani ajudaram a influir na posição adotada pelo Exército que, procurado por Segóvia na ocasião, embora tenha uma base no coração da reserva, se recusou a participar da retirada dos invasores, tarefa que acabou sobrando exclusivamente para a PF. “Fiz a operação porque tenho a casca grossa”, disse Segóvia à Pública. O Comandante Militar da Amazônia à época era o general Augusto Heleno, atual chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, que a partir de 2019 ajudaria a formatar a polêmica política de Bolsonaro para a região.

O coronel Fregapani se autodefine como nacionalista, conservador e liberal, perfil que se encaixa como luva às pretensões do presidente Jair Bolsonaro nas questões centrais da Amazônia pelo atual Governo: mineração em terra indígena, legalização fundiária e exploração dos recursos naturais como eixos de ocupação dos vazios demográficos da região, estratégia que, como se sabe, colocaram o Brasil como o país do desmatamento, da grilagem de terra e da invasão permanente de terras indígenas por garimpeiros. 

No texto, Fregapani levanta uma teoria esquisita, segundo a qual, Bolsonaro torna-se vítima da esquerda e de ex-aliados como os ex-ministros Moro e Luiz Henrique Mandetta (Saúde), que ele chama de “trânsfugas”. Seu foco, no entanto, são os comunistas, sobre os quais diz que “acreditava-se que com a derrota eleitoral de 2018 haviam aderido às teorias de Gramsci [filósofo marxista Antonio Gramsci] e desistido da luta armada”. Mas sustenta que com a fuga de aliados e o STF “legislando e provocando propositalmente o caos jurídico e administrativo esperando uma reação enérgica para acusar o presidente de estar dando golpe contra a democracia”, a “esquerda ideológica se fortaleceu” e tudo se transformou num complô para tirar o presidente do cargo. 

Como se Bolsonaro tivesse sido o sabotado e não o sabotador, o ápice da teoria da conspiração vem na análise que o militar faz da pandemia: “Para piorar ainda veio a epidemia (sic) do coronavírus em auxílio dos opositores, que a aproveitaram não se importando com as mortes que causavam nem com a quebra da economia. Nisto foram muito bem sucedidos, instilando medo na população e atribuindo a culpa das mortes ao Executivo, de mãos atadas pelo STF”, escreve. 

Para Fregapani, o desmanche do esquema político que amparava Bolsonaro e as fissuras na opinião pública foram aproveitados pelos opositores. Ele baseia sua tese de guerra civil também em uma declaração atribuída ao ex-ministro José Dirceu favorável à tomada do poder pela força. “Ele não enfrentaria o Exército em campo raso. A proposta dele [Dirceu] está numa convulsão social, provocada pelo caos completo, onde haverá greves, banditismo e os saques generalizados. 

Então farão ataques e saques simultâneos que as forças estaduais e municipais não conseguirão coibir, e a população já apavorada pelo coronavírus, acostumada a se acovardar, acatará as imposições. Na verdade, já estamos no início da guerra”, pontua o militar, invertendo, mais uma vez, a realidade dos fatos. Segundo ele, cerca de 35 mil presos libertados pelo Judiciário no Governo Bolsonaro, reforçariam os objetivos da esquerda para “forçar o Exército a agir em missões antipáticas contra massas famintas, perdendo a força o prestígio que ainda conserva”. 

Ele levanta a hipótese de que, em outra frente, o STF ainda tentará afastar Bolsonaro anulando as eleições de 2018 sob a alegação de uso de fake news na campanha, o que, na opinião dele, justificaria a posse do ministro Roberto Barroso na presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). “Tudo faz parte de um plano, de um grande acordão para sabotar o Governo em plena pandemia. A verdade é esta, e só não enxerga quem não quer ver. 

Está evidente que as forças reativas da facção esquerdista/globalista acreditam que suas medidas pseudo legais consigam neutralizar o Exército e esperam só ter que enfrentar os nacionalistas de dentro e de fora do Exército, mas mesmo assim nós dispomos de uma motivação superior: somos milhões dispostos a lutar até a morte pelo nosso país, enquanto os que querem apenas tomar os bens dos outros podem até matar, mas dificilmente estarão  dispostos a se sacrificarem por isto”. 

Ele fecha o texto com o bordão bolsonarista: “É claro que não queremos uma guerra civil, mas se houver, lutaremos. Não será em nome de ideologias, mas em nome de “Deus e da Pátria”. Procurado pela Pública, o coronel não quis falar.

A delirante tese de Gélio Fregapani tem embalado sonhos e estimulado a verve belicista dos bolsonaristas. Mas nenhum deles se empolgou tanto como o presidente do PTB, o ex-deputado Roberto Jefferson, condenado por corrupção no mensalão, que distribuiu nas redes sociais um vídeo em que aparece vestido de justiceiro e armado com duas pistolas —uma num coldre atravessado no peito e outra na cintura, exortando correligionários à luta contra o “gayzismo” e o “comunismo” em nome de “Deus, pátria, família, vida e liberdade”. O culto ao ódio e ao conflito, como se vê, flerta com o ridículo.

Esta reportagem de Vasconcelo Quadros foi publicada originalmente no site da Agência Pública. Reproduzida pelo EL PAÍS, em 19 de junho de 2021.

Alemanha despediu-se de Ângela Merkel

  Com seis minutos de calorosos aplausos, nas ruas, varandas, janelas, todo o País aplaudiu durante 6 minutos - um exemplo espetacular de liderança e defesa da humanidade, tiro o chapéu!

Os alemães a elegeram para os liderar e ela liderou 80 milhões de alemães por 18 anos com habilidade, dedicação, sinceridade e honestidade.  Ela não disse bobagem.  Ela não apareceu nas ruas secundárias de Berlim para ser fotografada.  Ela foi apelidada de "A Senhora do Mundo" e foi descrita como o equivalente a seis milhões de homens.

Durante esses dezoito anos de liderança em seu país, nenhuma transgressão foi registrada contra ela.  Ela não designou nenhum de seus parentes para um cargo governamental.  Ela não afirmou ser a criadora de glórias.  Ela não recebeu milhões de euros em pagamento, ninguém aplaudiu seu desempenho, ela não recebeu alvarás e promessas, ela não lutou contra aqueles que estiveram antes dela.

Merkel deixou a posição de liderança do partido e a entregou a seus sucessores, e a Alemanha e seu povo alemão estão nas melhores condições.

A reação dos alemães foi sem precedentes na história do país.  Toda a população saiu de suas casas para suas varandas e espontaneamente torceu por ela por 6 minutos consecutivos.  Uma ovação de pé em todo o país.

A Alemanha despediu-se da sua líder, uma físico químico que não foi tentada pela moda ou pelo iluminismo e não comprou imóveis, carros, iates ou aviões particulares, sabendo que “ela é da antiga Alemanha Oriental.

Ela deixou seu cargo depois de posicionar a Alemanha no topo.  Ela foi embora e seus parentes não pediram mais.  Dezoito anos e nunca mudou de guarda-roupa.  

Em uma entrevista coletiva, um repórter perguntou a Merkel: - Notamos que você está usando sempre o mesmo terno, não tem um diferente?  Ela prontamente respondeu: "Sou funcionária do governo e não modelo"

Em outra entrevista coletiva, perguntaram-lhe: Você tem empregadas que limpam sua casa, preparam suas refeições, etc.?  Sua resposta foi: "Não, não tenho servos e não preciso deles. Meu marido e eu fazemos esse trabalho em casa todos os dias.

Em seguida, outro repórter perguntou: Quem lava a roupa, você ou seu marido?  Sua resposta: "Eu arrumo a roupa, e é meu marido que liga a máquina de lavar, e geralmente é à noite, porque a energia elétrica está mais disponível e não há pressão, e o mais importante é ter cuidado para não causar qualquer inconveniente para os vizinhos, felizmente, a parede que separa nosso apartamento dos vizinhos é grossa.  Ela disse a eles: "Eu esperava que vocês me perguntassem sobre os sucessos e fracassos de nosso trabalho no governo ??!!!"

A Sra. Merkel mora em um apartamento normal como qualquer outro cidadão.  “Ela já morava nesse apartamento antes de ser eleita Chanceler da Alemanha.  Ela não o trocou e não possui uma villa, empregados, piscinas ou jardins. "

Merkel, a agora ex-chanceler alemã, a engenheira da maior economia da Europa !!!

Por favor, compartilhe para iluminar, educar nosso povo, sobretudo os políticos... 

Enviado por Airton Soares, ex-Deputado Federal e Advogado em São Paulo.

Brasil registra mais 1.593 mortes por covid-19

País já soma mais de 512 mil óbitos ligados ao coronavírus. Autoridades confirmam ainda 64 mil casos da doença em 24 horas, e total de infectados vai a 18,39 milhões.

Média móvel de novas mortes ficou em 1.705, e média móvel de novos casos, em 71.878

O Brasil registrou oficialmente 1.593 mortes ligadas à covid-19 nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) neste sábado (26/06).

Também foram confirmados 64.134 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país chega a 18.386.894, e os óbitos somam agora 512.735.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 16.548.159 pacientes haviam se recuperado da doença até a noite de sexta-feira, mas os números não apontam quantos ficaram com sequelas.

Com os dados de óbitos registrados nesta sexta, a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 244,0 no país, a 8ª maior do mundo, se excluído o país nanico San Marino.

A média móvel de novas mortes (soma dos óbitos nos últimos sete dias e a divisão do resultado por sete) ficou em 1.705, e a média móvel de novos casos, em 71.878.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 603,5 mil óbitos. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (33,6 milhões) e Índia (30,2 milhões).

Ao todo, mais de 180,5 milhões de pessoas contraíram o coronavírus no mundo, e 3,9 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença, segundo números oficiais.

Deutsche Welle Brasil, em 26.06.2021

Escândalo da Covaxin se aproxima de Bolsonaro

Depoimento dos irmãos Miranda joga no colo do presidente acusação de corrupção envolvendo compra de vacinas e dá munição nova para senadores da CPI da Pandemia.

Nova acusação revelada na CPI encerrou semana ruim para Bolsonaro

Caiu como um terremoto político em Brasília a acusação, nos últimos minutos da CPI na sexta-feira (25/06), de que o líder do governo na Câmara, um aliado próximo de Jair Bolsonaro, estaria envolvido no escândalo da compra da vacina indiana Covaxin e de que isso seria de conhecimento do presidente.

O episódio desmonta parte do discurso de Bolsonaro sobre combate à corrupção e compra de imunizantes e encerrou uma semana ruim para o Palácio do Planalto, que teve a exoneração do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, uma pesquisa eleitoral colocando Bolsonaro 26 pontos percentuais atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e uma nova rodada de protestos contra o governo marcada para o dia 24 de julho, após a alta adesão aos atos no último sábado.

A implicação será explorada no próximo mês pelos senadores da CPI, que pretendem reunir mais informações sobre a compra da Covaxin e discutem informar o Supremo Tribunal Federal de indícios de que Bolsonaro teria cometido o crime de prevaricação ao não determinar a investigação do caso após ter sido avisado.

Deputados também consideram incluir a acusação de prevaricação em um novo pedido de impeachment do presidente elaborado por uma articulação de diversos partidos e movimentos sociais que será protocolado na Câmara nesta quarta.

Por que Bolsonaro foi envolvido?

O deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) e seu irmão, Luis Ricardo Miranda, servidor concursado do Ministério da Saúde e chefe de importação do Departamento de Logística da pasta, afirmaram terem avisado Bolsonaro em 20 de março de "indícios de corrupção" na compra da Covaxin, durante um encontro pessoal no Palácio da Alvorada.

Após receber o aviso, o deputado Miranda disse que Bolsonaro demonstrou a ele entender a gravidade da situação e se comprometeu a encaminhar o caso à Polícia Federal. Miranda também afirmou que o presidente teria dito que acreditava que o deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, estava por trás do "rolo" da Covaxin.

Não há registro de abertura de inquérito pela polícia sobre esse tema na época, e Barros seguiu no cargo de líder do governo e se reunindo com frequência com Bolsonaro. Alguns desses encontros estão registrados no Twitter do deputado, como neste em 18 de maio, dois meses depois da reunião dos irmãos Miranda com o presidente.

Ricardo Barros (na foto com Bolsonaro) é um dos expoentes do Centrão, grupo de partidos que apoia o presidente em troca de espaço no governo e verbas para suas bases eleitorais. Seu partido, o PP, é o que teve mais parlamentares investigados pela Operação Lava Jato, e foi a legenda de Bolsonaro de 2005 a 2016. (Detalhe na parede - foto sugere cartaz da primeira campanha eleitoral de Adolf).

Como isso desmonta o discurso do presidente?

A acusação de que Bolsonaro foi informado de um possível escândalo de corrupção envolvendo a compra de vacina e o líder de seu governo na Câmara, mas não tomou medidas para investigar ou afastar Barros, atinge um dos pilares do discurso que o alçou ao cargo de presidente: de que ele seria intolerante com corrupção.

Outros escândalos já implicaram Bolsonaro nesse tema, como o caso Fabrício Queiroz e valores depositados na conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro. A acusação dos irmãos Miranda, porém, toca num assunto mais sensível, a compra de vacinas em meio a um pandemia que já matou mais de 510 mil brasileiros, e foi feita em uma CPI controlada por senadores independentes e de oposição ao governo que buscam formas de ampliar o desgaste de Bolsonaro.

A compra da Covaxin também contradiz os argumentos usados pelo governo federal para justificar a demora para confirmar a compra da vacina da Pfizer-BioNTech, apesar de seguidas ofertas feitas ao longo de 2020 pela farmacêutica.

Em dezembro, o presidente disse que não estava preocupado em finalizar a compra do imunizante com rapidez porque ele ainda não havia recebido o aval da Anvisa. "Nós temos que ter responsabilidade, certas coisas não podem ser correndo, você está mexendo com a vida do próximo", afirmou ele na época.

O governo federal também reclamou do preço de cada dose da vacina da Pfizer-BioNTech, de 10 dólares. À CPI, o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, disse que tinha considerado o valor muito elevado. A Covaxin, porém, foi comprada por um valor 20% superior, isso quando ainda não havia publicado o estudo clínico de fase 3, que permite aferir a sua eficácia, e não tinha sido aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Quais são os outros vínculos de Barros com a Covaxin?

Barros foi ministro da Saúde no governo Michel Temer e e réu em uma ação de improbidade administrativa sobre um contrato assinado em sua gestão, que apura o pagamento antecipado de R$ 20 milhões por medicamentos não entregues à pasta pela empresa Global Gestão de Saúde. Francisco Emerson Maximiano, sócio da Global, é dono da Precisa Medicamentos, que intermediou a compra da Covaxin pelo Brasil.

Quando era ministro, Barros nomeou para a pasta a servidora Regina Célia Silva Oliveira, que hoje é a fiscal do contrato de compra da Covaxin firmado entre o ministério e a Precisa. Ela foi citada diversas vezes pelos irmãos Miranda à CPI.

Uma emenda assinada por Barros também ajudou na compra da Covaxin pelo governo, ao incluir a autoridade sanitária da Índia na lista de entidades cuja aprovação bastaria para que a Anvisa autorizasse a importação de vacina para a covid-19.

Barros nega ter participado de negociações para a aquisição da vacina indiana e disse que está à disposição para "quaisquer esclarecimentos". 

Por que a compra da Covaxin levanta suspeita?

A decisão de comprar o imunizante foi tomada de forma excepcionalmente rápida pelo Ministério da Saúde, comparado com o processo de aquisição de outros imunizantes. O contrato com o governo brasileiro foi confirmado em 26 de fevereiro e envolvia o fornecimento de 20 milhões de doses, no valor de R$ 1,6 bilhão. O montante já está empenhado (reservado para pagamento) pelo Ministério da Saúde, mas não foi usado.

Na data do anúncio, a pasta disse que os primeiros 8 milhões de doses chegariam em março, outros 8 milhões em abril e os últimos 4 milhões em maio. Até este sábado, porém, nenhuma dose havia sido entregue ao país, devido a restrições da Anvisa e outros problemas.

À CPI, Luis Ricardo Miranda disse ter sofrido "pressão incomum" dentro do Ministério da Saúde para liberar a importação da Covaxin e recebeu um pedido para que a pasta fizesse um pagamento adiantado de 45 milhões de dólares (R$ 223 milhões) não previsto em contrato.

Cada dose da Covaxin saiu por 15 dólares, o que faz dela a vacina mais cara negociada pelo Brasil até o momento. As doses da vacina da Pfizer-Biontech foram compradas por 10 a 12 dólares, as da AstraZeneca, na faixa de 3 a 5 dólares, e as da Janssen, por 10 dólares. As da Coronavac custaram R$ 58,20 por dose, equivalente a cerca de 12 dólares.

Quais são os próximos passos da CPI?

Os senadores da comissão vão ouvir, em data ainda não definida, Francisco Emerson Maximiano, dono da Precisa Medicamentos. Ele já teve seus sigilos telefônico, fiscal e bancário quebrados, e seu depoimento estava agendado inicialmente para a última quarta, mas ele informou que não compareceria pois estava cumprindo quarentena por ter voltado de uma viagem à Índia.

O presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), pretende convocar Regina Célia Silva Oliveira, nomeada por Barros para o Ministério da Saúde e fiscal do contrato de compra da Covaxin. A convocação ainda precisa ser aprovada pelo colegiado.

O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), disse que a comissão avalia informar ao Supremo ter encontrado elementos de que Bolsonaro teria cometido o crime de prevaricação. Para ser julgado por esse crime na corte, no entanto, o presidente ainda teria que ser denunciado pela Procuradoria-Geral da República, e o processo teria ser autorizado por dois terços dos deputados federais.

Os depoimentos previstos pela CPI na próxima semana não têm relação com o caso da Covaxin. Na terça, será ouvido Fausto Júnior, deputado estadual do Amazonas que relatou uma CPI estadual sobre o combate à pandemia. O requerimento para convocá-lo foi apresentado pelo senador Marcos Rogério (DEM-RO), aliado de Bolsonaro.

Na quarta, será ouvido Carlos Wizard Martins, sobre o suposto "gabinete paralelo" que teria orientado Bolsonaro em ações relativas à pandemia, como a recomendação do uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra a doença. Na quinta, a CPI deve realizar sua primeira acareação, entre a infectologista Luana Araújo, que trabalhou por dez dias no Ministério da Saúde, e a coordenadora do PNI (Programa Nacional de Imunizações), Francieli Fantinato.

Deutsche Welle Brasil, em 26.06.2021

sexta-feira, 25 de junho de 2021

Putrefação moral

A luz do sol acelera a putrefação do governo. É preciso desenterrar o que a truculência bolsonarista quer esconder.

O governo de Jair Bolsonaro está se decompondo. E o mau cheiro começa a ficar insuportável.

Na quarta-feira, mesmo dia em que o escândalo da estranha negociação para a compra da vacina indiana Covaxin ganhou componentes explosivos, anunciou-se a saída do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, cujo passivo judicial é quase tão vistoso quanto os prejuízos ambientais e de imagem que ele causou ao País.

Espíritos céticos dirão que não se trata de simples coincidência. Sempre que irrompe um novo escândalo com potencial para danificar a fantasia de campeão anticorrupção que Bolsonaro vestiu desde a campanha eleitoral, o presidente se livra de algum dos seus ministros ditos “ideológicos” – isto é, ventríloquos do bolsonarismo mais estridentes – para tentar desviar a atenção.

Foi o que aconteceu, por exemplo, com o notório Abraham Weintraub, colocado por Bolsonaro no Ministério da Educação para destruir o sistema de ensino do País. Estava sendo muito bem-sucedido em sua missão até a manhã do dia 18 de junho do ano passado, quando foi preso Fabrício Queiroz, o faz-tudo da família Bolsonaro, pivô do escândalo das rachadinhas. À tarde, Weintraub – que havia defendido a prisão dos “vagabundos” do Supremo Tribunal Federal – foi demitido.

No caso de Salles, o ministro perdeu o emprego não por liderar o maior processo de desmonte da proteção ambiental de que se tem notícia no País, pois o fazia a mando de Bolsonaro, e sim porque o cerco judicial em torno do chefe do Executivo poderia piorar ainda mais a crise política do governo.

O problema é que o descarte de ministros aloprados não tem sido mais suficiente para compensar o volume de denúncias contra o governo, em particular como resultado de sua conduta criminosa na pandemia de covid-19.

O caso da vacina Covaxin é especialmente grave. Os irmãos Luís Cláudio e Luís Ricardo Miranda – o primeiro, deputado federal; o segundo, servidor do Ministério da Saúde – informaram pessoalmente ao presidente Bolsonaro em março passado sobre as supostas irregularidades no contrato para a aquisição do imunizante. Segundo ambos, Bolsonaro disse que acionaria a Polícia Federal para investigar a denúncia.

Não há notícia de qualquer investigação sobre o assunto, e o contrato, eivado de suspeitas, foi mantido. Nele, o governo Bolsonaro topou comprar 20 milhões de doses da Covaxin, a um custo unitário de US$ 15, num processo marcado pela celeridade – a negociação com os indianos durou apenas 3 meses, um espantoso contraste com o processo para a compra da vacina da Pfizer, que levou 11 meses. O servidor Luís Ricardo Miranda, responsável pela área de importação no Ministério da Saúde, relatou ter sofrido “pressões anormais” para liberar o contrato.

Ademais, a vacina da Covaxin foi adquirida mesmo sem ter sido liberada pela Anvisa, contrariando a condição imposta por Bolsonaro para a compra de qualquer imunizante, e por um preço superior ao praticado pela Pfizer – que, para o governo, era muito alto, conforme se queixou o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.

Por fim, o negócio com a Covaxin envolvia um intermediário com várias pendências judiciais e o pagamento para uma empresa em Cingapura – que tem tudo para ser de fachada, como desconfia a CPI da Pandemia.

A comissão parlamentar agora vai se debruçar sobre esse caso, que provavelmente se tornará o centro das investigações dos senadores. Diante disso, o governo Bolsonaro fez o que faz de melhor: em vez de demonstrar interesse em apurar o escândalo, partiu para a intimidação de quem fez a denúncia.

Aos brados, em nome do presidente, o secretário-geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, anunciou que Bolsonaro mandou a Polícia Federal investigar os irmãos Miranda, especialmente o deputado Luís Cláudio, um conhecido bolsonarista. “Deus está vendo”, disse Lorenzoni, e acrescentou, menos sutil que Don Corleone: “Mas o senhor não vai só se entender com Deus, vai se entender com a gente também”.

Como acontece com os cadáveres, a luz do sol acelera a putrefação moral do governo. Mais do que nunca, é preciso desenterrar o que a truculência bolsonarista quer esconder.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 25 de junho de 2021 

Lula tem 49% das intenções de voto e Bolsonaro, 23%, aponta pesquisa Ipec

Conforme levantamento, se a eleição presidencial fosse hoje, petista venceria a disputa no 1º turno; Ciro (PDT) aparece com 7%, Doria (PSDB) com 5% e Mandetta (DEM), com 3%

O ex-presidente Lula e o presidente Bolsonaro; Ipec entrevistou, presencialmente, 2.002 eleitores em 141 cidades, entre 17 e 21 de junho Foto: : AMANDA PEROBELLI / REUTERS-10/3/2021 - GABRIELA BILO / ESTADÃO-17/12/2020

Com 49% das intenções de voto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva aparece, neste momento, como favorito para a próxima disputa pelo Palácio do Planalto. Segundo pesquisa do instituto Ipec, Lula tem mais que o dobro da taxa do presidente Jair Bolsonaro (23%). Com esse desempenho, e se as eleições fossem hoje, o petista venceria no primeiro turno.

Como ainda faltam 16 meses para as eleições, e o quadro de candidatos não está definido, a pesquisa está longe de antecipar resultados. A leitura dos números, porém, deixa claro que Lula é o nome da oposição que mais se fortalece com o desgaste de Bolsonaro, cujo governo está cada vez mais mal avaliado.

Atrás dos dois primeiros na corrida eleitoral estão Ciro Gomes, do PDT, com 7%, e João Doria, do PSDB, com 5%. Luiz Henrique Mandetta (DEM), que foi ministro da Saúde no início da pandemia, até ser demitido por Bolsonaro, tem 3%.

Lula lidera em todos os segmentos do eleitorado. No recorte geográfico, seu principal reduto continua sendo o Nordeste, onde tem 63% das preferências, com vantagem de 48 pontos porcentuais sobre Bolsonaro. A menor vantagem do petista ocorre no Sul (35% a 29%). No Sudeste, região que concentra o maior número de eleitores, o ex-presidente tem 47%, e seu principal rival, 24%.

Além de aparecer com taxa de intenção de votos superior à soma dos outros quatro potenciais candidatos testados na pesquisa, Lula teve ganho significativo em seu capital político nos últimos quatro meses.

O Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria, novo instituto da estatística Márcia Cavallari, ex-Ibope), não fez levantamentos de intenção de voto no passado. Em fevereiro e agora, porém, o instituto avaliou o potencial de votos de possíveis concorrentes ao Planalto. É esse indicador que demonstra a melhora de Lula e o recuo de Bolsonaro.

A pesquisa de potencial de votos estima o piso e o teto de cada candidato. Funciona assim: o entrevistador cita um nome de cada vez e pergunta se o eleitor votaria nele com certeza, se poderia votar, se não votaria de jeito nenhum ou se não o conhece suficientemente para responder. A soma das duas primeiras respostas – “votaria com certeza” e “poderia votar” – é o potencial de votos de cada presidenciável.

Em fevereiro, Lula aparecia com potencial de conquistar 50% do eleitorado. Na época, porém, o petista estava impedido de concorrer pela Lei da Ficha Limpa, pois tinha duas condenações penais proferidas por órgão colegiado. Em março, o Supremo Tribunal Federal anulou as condenações e restabeleceu a elegibilidade do ex-presidente. Desde então, o teto de votos de Lula subiu: seu potencial passou de 50% para 61%, segundo o Ipec.

Esse avanço coincidiu com uma deterioração das chances eleitorais de Bolsonaro. Nos últimos quatro meses, o potencial de votos do presidente caiu de 38% para 33%, enquanto a rejeição disparou. Nada menos que 62% dos eleitores afirmam que não votariam em Bolsonaro de jeito nenhum (eram 56% há quatro meses). No caso de Lula, essa taxa é de 36%.

Ciro Gomes também teve avanço em seu potencial de votos, mas em termos mais modestos: passou de 25% para 29% desde fevereiro. A rejeição ao ex-governador do Ceará caiu quatro pontos porcentuais, mas segue em patamar elevado: 49% dizem que não votariam nele de jeito nenhum.

Já o potencial de votos de Doria passou de 15% para 18%. O governador de São Paulo tem como obstáculo o fato de 56% do eleitorado afirmar que jamais o escolheria como presidente.

O Ipec entrevistou, presencialmente, 2.002 eleitores em 141 cidades, entre 17 e 21 de junho. A margem de erro é de 2 pontos porcentuais.

Daniel Bramatti e Caio Sartori, O Estado de S.Paulo, em 25 de junho de 2021

Pior patamar de avaliação de Bolsonaro impacta no cenário eleitoral; leia análise

Se as eleições ocorressem hoje, Lula teria chances de vencer a eleição já no primeiro turno

       O presidente Jair Bolsonaro, em Brasília Foto: Gabriela Bilo/Estadão

Apesar da queda nas medidas de avaliação do governo federal e do presidente da República em todos os estratos sociodemográficos analisados na pesquisa, Bolsonaro segue com o suporte dos mesmos segmentos que o apoiavam mais fortemente nas eleições de 2018: os homens, os eleitores com escolaridade superior, os moradores das regiões Norte/Centro Oeste e Sul, os evangélicos, aqueles com renda familiar superior a cinco salários mínimos e os que se autodeclaram como brancos. 

Assim, o núcleo duro de apoio ao governo permanece o mesmo de 2018. Entretanto, a conjuntura atual difere muito daquela observada naquele ano. Bolsonaro foi eleito com a esperança da mudança e hoje se encontra no seu pior patamar de avaliação, reflexo da atuação do governo no enfrentamento dos vários problemas pelos quais o País passa. 

Essa situação impacta diretamente no cenário eleitoral testado na pesquisa, que apresenta os possíveis candidatos para a disputa do pleito de 2022. Se as eleições ocorressem hoje e fossem esses os candidatos, Lula teria chances de vencer a eleição já no primeiro turno. Diferentemente de Bolsonaro, Lula se encontra hoje em uma situação bem mais favorável do que a de 2018. 

Isso pode ser observado pela própria evolução do potencial de voto e da rejeição de voto de cada candidato, comparando as pesquisas realizadas nos meses de fevereiro e junho. Enquanto, Lula apresenta crescimento de 11 pontos porcentuais em seu potencial de voto e um recuo de 8 pontos porcentuais na sua rejeição, Bolsonaro perde 5 pontos porcentuais no potencial de voto e ganha 6 na rejeição. 

Lula e Bolsonaro têm perfis de eleitores bem distintos. A força maior de Lula encontra-se entre os eleitores do Nordeste, os mais jovens, os menos escolarizados, os que possuem renda familiar mais baixa, os que se autodeclaram pretos e pardos e os que não seguem a religião católica ou evangélica. Neste cenário polarizado, existem 20% de eleitores que declaram que não votariam de jeito nenhum nem em Lula e nem em Bolsonaro, e neste momento não há um candidato que capitalize esse contingente eleitoral. 

A eleição ainda está distante da agenda do eleitor e até lá teremos que acompanhar as questões que impactam diretamente o dia a dia do brasileiro, principalmente as relacionadas à inflação, à economia, à saúde, à educação, ao meio ambiente, e principalmente à pandemia.

Márcia Cavallari Nunes, a autora desta análise, é Diretora Executiva do IPEC / Inteligência em Pesauisa e Consultoria. Publicado originalmente n'O  Estado de S.Paulo, em 25 de junho de 2021.

Bolsonaro estuda cancelar Covaxin e cenário aponta derrota no 1º turno

O governo estuda cancelar a compra da vacina indiana Covaxin, para o qual já havia empenhado R$ 1,6 bilhão. O contrato é alvo de investigações da CPI da Pandemia. O chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde, Luís Ricardo Miranda, e seu irmão, o deputado (anteriormente) bolsonarista Luís Miranda (DEM-DF), disseram ter levado ao presidente Jair Bolsonaro denúncias documentadas de irregularidades na compra das vacinas. (Folha)

Segundo os irmãos Miranda, Bolsonaro prometeu encaminhar as denúncias à Polícia Federal, mas ontem a PF informou não existir ordem do presidente para tal investigação. (Estadão)

Em seu agressivo pronunciamento na quarta-feira, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Ônix Lorenzoni, disse que o recibo de importação da Covaxin apresentado pelos Miranda a Bolsonaro era falso. Faltou combinar com o Ministério da Saúde. O documento está disponível para consulta no sistema da pasta. (Globo)

Bela Megale: “O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello foi escalado pelo governo Bolsonaro para ajudar na blindagem do presidente. Nesta quinta-feira, ele participou da reunião do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, com a tropa de choque governista da CPI da Covid, no Palácio do Planalto. Pazuello abasteceu senadores de elementos para rebater as denúncias do deputado Luis Miranda e de seu irmão, Luis Ricardo Miranda, sobre supostas irregularidades na compra da Covaxin.” (Globo)

E o deputado Luís Miranda revelou ontem quem foi o auxiliar de Bolsonaro para o qual mandou detalhes sobre as suspeitas de irregularidades na compra da Covaxin: o capitão-de-corveta Jonathas Diniz Vieira Coelho, um dos três ajudantes de ordens do presidente.  (Metrópoles)

Os irmãos Miranda depõem hoje à CPI. (Senado Federal)

Enquanto isso... A CPI ouviu ontem o epidemiologista e pesquisador da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Pedro Hallal, e Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil e representante do Movimento Alerta. O dado mais impressionante foi apresentado por Hallal: se o Brasil tivesse seguido normas internacionais de combate à pandemia, 80% das mais de 500 mil mortes poderiam ter sido evitadas. (CNN Brasil)

E o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para confirmar a liminar da ministra Rosa Weber vetando a convocação de governadores para depor na CPI. Até o momento, cinco outros ministros votaram acompanhando a relatora. É um golpe de morte na estratégia governista de atribuir a culpa das mortes às ações de estados e municípios. (CNN Brasil)

Bolsonaro provocou revolta nas redes sociais ontem ao aparecer em vídeo tirando a máscara de uma criança numa aglomeração no Rio Grande do Norte. Mais tarde, ele pediu que uma menina de 10 anos tirasse a máscara para declamar um poema em uma solenidade. (G1)

Painel: “Líderes de partidos, de movimentos sociais e deputados apresentarão na quarta-feira, dia 30, o chamado superpedido de impeachment contra Bolsonaro, que reúne mais de 100 pedidos feitos por siglas e grupos de oposição e parlamentares que se arrependeram de ter apoiado o presidente, como Joice Hasselmann (PSL-SP) e Alexandre Frota (PSDB-SP)” (Folha)

Como se não bastasse a crise da Covaxin, pesquisa divulgada ontem pelo Ipec, formado por executivos do Ibope, mostra que o ex-presidente Lula (PT) tem hoje 49% das intenções de votos, contra 23% de Bolsonaro (sem partido), 7% de Ciro Gomes (PDT), 5% de João Doria (PSDB), 3% de Henrique Mandetta (DEM) e 10% de brancos e nulos. Como tem mais que a soma dos adversários, Lula venceria no primeiro turno. A rejeição a Bolsonaro subiu de 56% em fevereiro para 62% em junho, enquanto a de Lula caiu de 44% para 36%. (Estadão)

E a avaliação negativa do governo saltou 11 pontos percentuais entre fevereiro e junho, segundo o Ipec. O grupo que avalia o governo como ruim ou péssimo foi de 39% para 50%, enquanto o que o considera ótimo ou bom recuou de 31% para 26%. Os que o acham regular foram de 28% para 23%. Perguntados se confiavam no presidente, 68% disseram que não; 30% que sim. Eram 61% e 36% em fevereiro. (G1)

Míriam Leitão: “A pesquisa Ipec divulgada nesta quinta-feira mostra a rapidez da piora da avaliação do presidente. A situação econômica é muito ruim. O número do PIB no primeiro trimestre foi melhor, mas a sensação de conforto econômico não aparece para a população. O desemprego está alto assim como a inflação. A equipe econômica não sabe fazer política social. O erro principal foi negar a pandemia. Gastaram muito e errado.” (Globo)

Meio em vídeo. Mais uma pesquisa muito ruim saiu esta semana para o presidente Jair Bolsonaro. Ele demitiu às pressas o pior ministro do Meio Ambiente da história — que era um de seus quadros favoritos. E vai enfrentar uma gravíssima denúncia na CPI. Denúncia de corrupção envolvendo vacinas que chega ao seu nome. O último trem do impeachment está partindo, depois não tem mais. O Brasil tem alguma chance de embarcar? Confira o Ponto de Partida no YouTube.

Deputados e senadores da oposição acionaram o STF pedindo a apreensão do passaporte do ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles. Exonerado ontem, ele é alvo de investigações por favorecimento a exportação ilegal de madeira. Os parlamentares temem que ele fuja do país. (UOL)

Um dia após o STF confirmar que Sérgio Moro foi parcial ao condenar o ex-presidente Lula no caso do tríplex no Guarujá, o ministro Gilmar Mendes estendeu o entendimento a todos os processos contra Lula em que o ex-ministro atuou, mesmo que apenas na fase de investigação. Na prática, voltam a estaca zero os casos do sítio em Atibaia e das doações para o Instituto Lula, com a anulação de todas as provas colhidas. (El País)

O deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) voltou a ser preso por ordem do ministro do STF Alexandre Moraes. A Procuradoria Geral da República pediu a nova prisão do parlamentar por ele ter violado 36 vezes a regra de uso da tornozeleira eletrônica. Silveira estava em prisão domiciliar e responde a processo por ter publicado um vídeo defendendo o AI-5, o fechamento do Supremo e agressões a seus ministros. (CNN Brasil)

Publicado originalmente por Meio <newsletter@canalmeio.com.br>, em 25.06.2021


quinta-feira, 24 de junho de 2021

O TSE pede provas a Bolsonaro

TSE deu prazo de 15 dias para que o presidente apresente provas das fraudes

Duas semanas depois de o presidente Jair Bolsonaro ter voltado a afirmar, durante um culto religioso em Anápolis (GO), que só não ganhou as eleições de 2018 no primeiro turno por causa de fraudes, o corregedor do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Felipe Salomão, deu o prazo de 15 dias para que ele apresente documentos e provas que fundamentem suas acusações. 

“Eu fui eleito no primeiro turno. Tenho provas materiais disso, mas a fraude que existiu, sim, me jogou para o segundo turno. Outras coisas aconteceram e só acabei ganhando porque tive muito voto e (era assessorado) por algumas poucas pessoas que sabiam como evitar ou inibir que houvesse a fraude naquele momento”, afirmou Bolsonaro. Embora ao longo dos últimos dois anos e meio tenha feito outras afirmações no mesmo sentido, até hoje ele não apresentou qualquer prova ou evidência. E, em sua live da semana passada, voltou a tocar no assunto, dizendo que, se o sistema de voto impresso não for adotado no pleito de 2022, haverá fraude, o que levará o País a uma “convulsão social”. 

Encarregado de apurar irregularidades na esfera eleitoral, o ministro Luís Felipe Salomão fundamentou sua decisão com base em seis acusações de Bolsonaro coletadas pela Corregedoria do TSE e fez mais três determinações. Em primeiro lugar, obrigou todos os membros do entorno de Bolsonaro que fizeram declarações sobre fraudes nas urnas eletrônicas, no pleito de 2018, a também apresentar provas, sob pena de sofrerem sanções. Em segundo lugar, instaurou procedimento administrativo para apurar “a existência de elementos concretos que possam ter comprometido a segurança do processo eleitoral nos pleitos de 2018 e 2020”. Por fim, notificou o Cabo Daciolo, candidato derrotado a presidente em 2018, a prestar esclarecimentos, uma vez que, a exemplo de Bolsonaro, ele também denunciou irregularidades na apuração, sem apresentar provas. 

Ao justificar todas essas decisões, o ministro Luís Salomão alegou que “a credibilidade das instituições eleitorais constitui pressuposto necessário à preservação da estabilidade democrática e à manutenção da normalidade constitucional”. Segundo ele, “relatos genéricos”, como os que Bolsonaro vem fazendo reiteradamente desde o ano passado, “maculam a imagem da Justiça”. 

A partir de agora, portanto, se não apresentar à Corregedoria do TSE as provas que sempre disse ter, Bolsonaro enfrentará dois problemas. O primeiro é de ordem moral, uma vez que quem faz sucessivas denúncias infundadas e genéricas não passa de um boquirroto inconsequente e de um mentiroso contumaz. Já o segundo problema é de natureza jurídica. O presidente poderá não apenas sofrer uma sanção pecuniária por ter feito acusações sem provas à Justiça Eleitoral, mas, também, ser processado judicialmente pelos crimes de prevaricação e desobediência no Supremo Tribunal Federal.

É justamente aí que está o maior problema. Se a tramitação do processo for arrastada, o julgamento poderá coincidir com o início formal da campanha eleitoral do próximo ano, o que desgastará a imagem do presidente da República e ampliará as tensões políticas. E, se ele for condenado por fazer denúncias mentirosas e por estimular grupos de apoiadores a divulgar nas redes sociais informações falsas contra as instituições judiciais, colhendo assim os frutos do que irresponsavelmente plantou, os candidatos oposicionistas não perderão a oportunidade de pedir a sua inelegibilidade ao TSE. Com isso, a eleição presidencial será judicializada, pois, qualquer que seja a decisão da Corte, a parte derrotada recorrerá ao STF. 

A iniciativa do corregedor do TSE, que apenas cumpriu seu papel funcional, está sendo vista nos meios políticos como uma resposta sutil da magistratura às inconsequentes e irresponsáveis afrontas que Bolsonaro vem fazendo à Justiça. Mas, dependendo do desenrolar do caso nessa Corte, ela pode abrir caminho para uma crise maior do que se imagina. 

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 24 de junho de 2021