quinta-feira, 27 de maio de 2021

Ao menos 85 cidades têm protestos marcados contra Bolsonaro no dia 29 de maio

Essa é a primeira vez que grupos como entidades sindicais e movimentos sociais convocam manifestações de rua contra o presidente durante a pandemia. Em janeiro, houve carreatas de grupos de direita e de esquerda pelo impeachment de Bolsonaro.


Manifestações ocorrem no momento de maior fragilidade política de Bolsonaro (Alan Santos / PR)

Atualmente, grupos de esquerda, com reivindicações diversas, ainda se dividem sobre os riscos de os atos acabarem agravando o espalhamento da covid-19 num momento que a doença voltou a avançar no país ou enfraquecendo as críticas às aglomerações promovidas por Bolsonaro.

Grande parte do material de convocação dos atos recomenda o uso de máscara PFF2 (ou N95), além de álcool em gel e distanciamento físico.

A pauta dos atos inclui diversas demandas, como o impeachment de Bolsonaro, a volta do auxílio emergencial de R$ 600, a ampliação das vacinas disponíveis, o fim da violência contra a população negra e a suspensão de cortes de verbas na Educação, das privatizações e da reforma administrativa.

As manifestações previstas em pelo menos 24 Estados e no Distrito Federal ocorrem no momento de maior fragilidade política de Bolsonaro, amplamente criticado por sua condução da pandemia e pela deterioração da economia brasileira.

Segundo a mais recente pesquisa do instituto Datafolha, de 11 e 12 de maio, a aprovação do presidente atingiu o patamar mais baixo de seu mandato.

Ao todo, 24% da população considera o governo ótimo ou bom, uma queda de seis pontos percentuais em relação a março.

Além disso, Bolsonaro aparece atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas intenções de voto para a eleição presidencial em 2022. O petista tem 41% no primeiro turno, e Bolsonaro, com 23%, segundo o Datafolha.

Lugares com protestos previstos

A BBC News Brasil identificou protestos marcados, com diferentes pautas, em ao menos 85 cidades de 24 Estados e no DF. São elas:

AL: Maceió

AM: Manaus, Tefé, Presidente Figueiredo, Itacoatiara e Humaitá

AP: Macapá

BA: Ilhéus e Salvador

CE: Fortaleza e Juazeiro do Norte

DF: Brasília

ES: Vitória

GO: Goiânia e Catalão

MA: Caxias, São Luís e Imperatriz

MG: Belo Horizonte, Barbacena, Caratinga, Divinópolis, Governador Valadares, Itabirito, Juiz de Fora, Mariana, Montes Claros, Ouro Branco, Ouro Preto, Pouso Alegre, São João Del Rei, Uberaba, Uberlândia e Viçosa

MS: Dourados, Aquidauana, Campo Grande e Três Lagoas

MT: Cuiabá e Rondonópolis

PA: Belém, Abaetetuba, Altamira, Castanhal e Santarém

PB: João Pessoa, Campina Grande e Patos

PE: Recife, Caruaru e Garanhuns

PI: Teresina

PR: Curitiba, Foz do Iguaçu, Cascavel, Ponta Grossa e Maringá

RJ: Rio de Janeiro e Campos dos Goytacazes

RN: Mossoró e Natal

RO: Porto Velho

RS: Caxias do Sul, Passo Fundo, Porto Alegre, Bagé e Pelotas

SC: Florianópolis, Blumenau e Joinville

SE: Aracaju

SP: São Paulo, Ribeirão Preto, São Bernardo do Campo, São José dos Campos, Assis, Campinas, Indaiatuba, Jacareí, Praia Grande, Santos, Taubaté e Ubatuba

TO: Araguaína e Palmas

Reivindicações dos protestos

Há diversas demandas citadas nas convocações para os atos contra o presidente.

Para a CSP-Conlutas, Bolsonaro "é o principal responsável pela extensão e agravamento da pandemia e pela explosão do desemprego e da fome. São inúmeros os seus crimes e a sua prática e discurso tem sido impulsionadora de atrocidades como a chacina do Jacarezinho".

Entidades estudantis como a UNE falam em ir para a rua contra cortes orçamentários para a educação e "a iminência de fechamento de universidades e institutos federais que estão sem verbas".

Entenda abaixo algumas das demandas dos grupos que convocam os protestos para 29/5 além do impeachment de Bolsonaro.

- Auxílio emergencial e vacinas

Duas das principais reivindicações dos organizadores são a ampliação da oferta de vacinas contra covid-19 e o aumento do valor do auxílio emergencial.

Desde fevereiro, o país leva de 12 a 14 dias para aplicar 10 milhões de vacinas. Quase 42 milhões de brasileiros receberam a primeira dose e 21 milhões, as duas (cerca de 10% da população). Só que uma em cada cinco cidades têm enfrentado falta de vacinas, segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM).

Grupos cobram volta do auxílio emergencial de R$ 600 (Ag. Brasil)

Por outro lado, a versão reduzida do auxílio emergencial aprovada para 2021 excluiu quase 20 milhões de brasileiros em situação vulnerável do benefício. Além disso, o auxílio caiu de R$ 600 para R$ 200 neste ano, e manifestantes cobram que o valor volte a ser de R$ 600.

O Brasil encerrou o primeiro trimestre com 14,2% de desempregados, a maior taxa já registrada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na série histórica, iniciada em 2002. São 14,3 milhões de pessoas sem trabalho.

- Verbas para educação

O orçamento das universidade federais está em queda desde 2013, ainda no governo Dilma Rousseff (PT), mas a situação se agravou mais durante os governos Michel Temer (MDB) e Bolsonaro. O aumento das verbas para educação está na pauta de grande parte dos protestos.

No início de maio deste ano, a reitora e o vice-reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a maior do país, afirmaram em artigo no jornal O Globo que a instituição poderia fechar as portas no segundo semestre por falta de verbas.

"O orçamento discricionário aprovado pela Lei Orçamentária para a UFRJ em 2021 é 38% daquele empenhado em 2012. Quando se soma o bloqueio de 18,4% do orçamento aprovado, como anunciado pelo governo, seu funcionamento ficará inviabilizado a partir de julho. A UFRJ fechará suas portas por incapacidade de pagamento de contas de segurança, limpeza, eletricidade e água."

Entidades estudantis também criticam os cortes orçamentários de bolsas de pesquisas no ensino superior, o que deixa "residentes, mestrandos e doutorandos sem possibilidade de dar continuidade aos seus trabalhos", segundo a Associação Nacional de Pós-Graduandos.

- Reforma administrativa e privatizações

Parte do material de convocação aos atos faz críticas à proposta de reforma administrativa do governo Bolsonaro.

O texto atual da PEC 32, em tramitação na Câmara dos Deputados, restringe a estabilidade dos funcionários públicos, por exemplo, mas só serão afetadas novas contratações feitas pela máquina pública, sem mexer com salários, carreiras e benefícios de servidores atuais.

A proposta passou pela Comissão de Constituição e Justiça e será apreciada em seguida por uma comissão especial na Casa.

Paulo Guedes repetiu diversas vezes o valor de R$ 1 trilhão em seus planos de venda de estatais brasileiras. ( Reuters / Adriano Machado).

Outro pilar do programa econômico do governo federal proposto ainda na eleição de 2018 é a privatização de estatais. Essa pauta perdeu força ao longo do mandato de Bolsonaro, o que levou à saída de Salim Mattar, secretário especial de desestatização.

Em balanço divulgado por Mattar em agosto de 2020, operações de "desestatização e desinvestimento" no governo Bolsonaro geraram, por enquanto, R$ 134,9 bilhões. Um valor bem aquém do R$ 1 trilhão em ativos a serem privatizados, segundo Paulo Guedes, ministro da Economia.

Numa tentativa de reverter a imagem de que a agenda de privatizações do governo está parada, Bolsonaro entregou no fim de fevereiro uma medida provisória que busca acelerar a privatização da Eletrobras. O texto foi aprovado pela Câmara em 19 de maio e precisa ser aprovado pelo Senado até 22 de junho para não perder sua validade.

Matheus Magenta, de Londres para a BBC News Brasil, em 26 de maio de 2021.

CPI da Covid: o que a comissão pretende investigar com convocação de 9 governadores

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid aprovou na quarta-feira (26/5) a convocação de nove governadores e um ex-governador para prestar depoimento.

Comissão Parlamentar de Inquérito aprovou a convocação de nove governadores (Ag. Senado)

A CPI inicialmente foi criada para investigar ações e omissões do governo federal no combate à pandemia de covid-19.

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A pedido de senadores governistas que também fazem parte da comissão, a pauta foi ampliada para investigar também o uso dos recursos federais enviados aos Estados e municípios

O governo Bolsonaro diz que cabe aos Estados a responsabilidade pelo atual estado da pandemia no Brasil, que teve mais de 452 mil mortes por covid-19 até agora.

Após a mudança na pauta da comissão, no entanto, senadores oposicionistas e independentes também apresentaram requerimentos para convocação de governadores.

O partido com maior número de governadores convocados é o PSL, pelo qual Bolsonaro se elegeu e do qual depois o presidente saiu - mas os deputados e senadores da sigla continuam votando com o governo.

Foram convocados:

Wilson Lima (PSC), Amazonas;

Waldez Góes (PDT), Amapá;

Ibaneis Rocha (MDB), Distrito Federal;

Helder Barbalho (MDB), Pará;

Wellington Dias (PT), Piauí;

Marcos Rocha (PSL), Rondônia;

Antonio Oliveira Garcia de Almeida (PSL), Roraima;

Carlos Moisés (PSL), Santa Catarina;

Mauro Carlesse (PSL), Tocantins.

Todos esses Estados tiveram operações da Polícia Federal para investigar se houve desvio de recursos públicos enviados pelo governo federal para combate à pandemia.

À CPI, o ex-ministro Eduardo Pazuello afirmou que o Ministério da Saúde fez uma investigação sobre o uso de recursos no Estados, mas não encontrou nenhuma irregularidade.

Dias, do Piauí, foi convocado também por ser presidente do Consórcio do Nordeste e responsável pela temática da vacinação do Fórum Nacional dos Governadores.

O ex-governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), também foi chamado. Witzel sofreu um impeachment e foi retirado do cargo em abril de 2021, mas governou o Estado durante a maior parte da pandemia.

Wilson Witzel, ex-governador do Rio de Janeiro, também foi convocado pela CPI (Antonio Cruz / Ag. Brasil).

O que dizem os governadores

O governador do Amazonas, Wilson Lima, é investigado por causa da compra de 28 respiradores, sem licitação, de uma empresa de vinhos, em meio ao colapso de saúde no Estado.

Em uma nota divulgada à imprensa, o governo amazonense afirmou que "aguarda o desenrolar e informações mais detalhadas da operação que a Polícia Federal realiza em Manaus para, posteriormente, se pronunciar sobre a ação". Lima ainda não se pronunciou sobre a convocação à CPI. No Pará, a investigação envolve a suspeita de irregularidades na compra de respiradores, que foram entregues com atraso, não eram do modelo requisitado e não serviam para o tratamento de covid-19.

O governo do Estado disse em nota que "reafirma seu compromisso de sempre apoiar a Polícia Federal no cumprimento de seu papel em sua esfera de ação" e que "o recurso pago na entrada da compra dos respiradores foi ressarcido aos cofres públicos por ação" do governo.

Afirma também que o governo "entrou na Justiça com pedido de indenização por danos morais coletivos contra os vendedores dos equipamentos." O governador Helder Barbalho ainda não comentou a convocação para a CPI.

Antes da convocação pela CPI, na terça-feira (25/5), o governador Carlos Moisés, de Santa Catarina, afirmou no Twitter que "todas as informações referentes ao combate à pandemia em Santa Catarina, bem como o resultado de quaisquer investigações da Polícia Federal, MPF, MPSC e decisões judiciais, serão encaminhadas" ao Senado para auxiliar na CPI.

"A tentativa de criar um factoide por parte de um dos integrantes, que até agora pouco tem acrescentado aos trabalhos, não será suficiente para desvirtuar a Comissão de seu verdadeiro papel", afirmou.

Em nota à imprensa, o governador de Roraima, Antonio Denarium, como ele é mais conhecido, disse que sua gestão "não compactua com atos de corrupção" e que assim que o governador assumiu o governo "fez auditoria em todos os contratos e cancelou o pagamento dos que estavam suspeitos."

O governador Ibaneis Rocha, do Distrito Federal, afirmou ao portal G1 que "recebe com tranquilidade" a convocação para a CPI e que "no que for necessário, pretende contribuir". O Estado é alvo de operação da PF que investiga supostas fraudes na compra de exames de covid.

O governador do Tocantins, Mauro Carlesse, é investigado pela compra do Estado de máscaras por R$ 35 cada, um valor muito acima da média do mercado.

Carlesse ainda não se manifestou sobre a CPI, mas disse no ano passado que as compras de insumos foram feitas sem licitação por causa de uma "iminente necessidade das Unidades Hospitalares" e que, em "razão do sobrepreço, a própria gestão realizou a denúncia aos órgãos competentes, que embasaram as investigações da PF".

Os governadores Waldez Góes, do Amapá, e Marcos Rocha, de Roraima, ainda não se manifestaram sobre a convocação à CPI.

O governador do Piauí, Wellington Dias, afirmou que "sempre se colocou à disposição, como presidente do Consórcio Nordeste e como Coordenador do Fórum dos Governadores do Brasil, na temática da vacina, para colaborar com a CPI da Covid no Senado Federal" e que estará presente para prestar "todas as informações necessárias."

O ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel não se manifestou oficialmente sobre sua convocação à CPI, mas afirmou ao comentarista da GloboNews Octávio Guedes que vai apresentar à comissão indícios contra Bolsonaro, contra o procurador-geral da República Augusto Aras e contra Lindora Araújo, coordenadora da operação Lava Jato na PGR.

A CPI pode convocar governadores?

O senador Renan Calheiros (MDB-AL), lembrou nesta quarta, no entanto, que não há previsão legal para que a CPI possa convocar governadores e se opôs às convocações.

O constitucionalista Wallace Corbo, professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), explica que é muito provável que todas essas convocações sejam contestadas no Supremo Tribunal Federal.

Isso porque "o poder público está limitado ao que é autorizado pela Constituição ou pelas leis" e não há previsão de convocação por CPI de chefes do Poder Executivo.

A professora de Direito Constitucional Estefânia Barbosa, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), explica que o artigo 50 da Constituição Federal prevê apenas a convocação de titulares de órgãos subordinados ao presidente da República. Governadores e prefeitos não estariam incluídos, portanto, sua convocação seria inconstitucional.

Eles ainda poderiam ser convidados a comparecer à comissão, no entanto, e nesse caso seu comparecimento não seria obrigatório.

O presidente da República pode ser convocado pela CPI?

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) apresentou também um requerimento para a convocação do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), para depor.

O entendimento de Rodrigues, segundo disse o senador da CPI, é que se "foi aberto precedente" para convocação de governadores, a chamada do presidente deveria seguir a mesma lógica.

O requerimento, no entanto, ainda não foi votado pelos senadores, e a questão está em aberto. Se aprovado na CPI, o requerimento provavelmente também deve ser contestado no STF.

"A convocação do presidente em CPI pode gerar uma dificuldade em termos de separação dos poderes, segundo um entendimento mais antigo do Supremo", afirma Corbo.

O Palácio do Planalto ainda não se manifestou oficialmente sobre o assunto.

Letícia Mori, de S. Paulo para a BBC News Brasil, em 26 maio 2021

CPI da Covid pode convocar Bolsonaro a depor?

O vice-presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), apresentou nesta quarta-feira (26/5) requerimento para convocar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a depor como testemunha.

O Senador Randolfe Rodrigues quer convocação de Bolsonaro à CPI, mas requerimento não foi votado ainda (Reuters).

O pedido ainda não foi apreciado, e é incerto se será aprovado pela maioria do colegiado. Caso seja, é provável que a questão tenha que ser decidida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), já que há controvérsia jurídica sobre se a CPI de fato pode realizar essa convocação.

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Outra questão que deve ser levada ao Supremo é a convocação aprovada pela comissão nesta quarta-feira de nove governadores: Wilson Lima (PSL-AM) , Helder Barbalho (MDB-PA) , Ibaneis Rocha (MDB-DF), Mauro Carlesse (PSL-TO), Carlos Moises (PSL-SC), Antonio Oliverio Garcia de Almeida (Sem partido-RR), Waldez Góes (PDT-AP), Wellington Dias (PT-PI) e Marcos José Rocha dos Santos (Sem Partido-RO).

Os nove convocados podem aceitar depor ou recorrer ao STF pedindo para serem liberados, já que há um precedente de 2012, quando o ministro Marco Aurélio autorizou o então governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), a não comparecer à CPI do Cachoeira.

Randolfe Rodrigues disse considerar inconstitucional a convocação de governadores pela CPI. No entanto, como a comissão aprovou os nove depoimentos, o senador argumentou que, "por coerência", Bolsonaro também deve ser convocado.

No requerimento em que pede a presença do presidente na comissão, Rodrigues diz que "a cada depoimento e a cada documento recebido, torna-se mais cristalino que o presidente da República teve participação direta ou indireta nos graves fatos questionados por esta CPI".

Entenda a seguir os debates jurídicos em torno da convocação de Bolsonaro e dos governadores.

Convocação do presidente da República

Juristas ouvidos pela BBC News Brasil se dividem sobre se Bolsonaro pode ser convocado pela CPI.

A Constituição Federal não prevê explicitamente se uma comissão do Congresso pode ou não obrigar o Presidente da República a prestar depoimento. O que ela autoriza, no seu artigo 50, é a convocação de "Ministro de Estado ou quaisquer titulares de órgãos diretamente subordinados à Presidência da República".

Para Marcelo Labanca, professor de Direito Constitucional da Universidade Católica de Pernambuco, o fato de a Constituição listar as autoridades que podem ser convocadas e não incluir o presidente da República nessa autorização exclui a possibilidade de Bolsonaro ser convocado.

"Se a Constituição prevê ministros de Estados, que são uma autoridades de hierarquia menor, é como se ela tivesse implicitamente vedado a possibilidade de convocar o presidente", argumenta.

Para relator da CPI, Renan Calheiros, não é possível convocar governadores e o presidente Bolsonaro (Ag. Senado)

Na avaliação de Labanca, essa impossibilidade de convocar Bolsonaro está fundamentada também no princípio constitucional da separação dos Poderes. Dessa forma, diz, não é possível que uma comissão do Congresso (um órgão de menor dimensão dentro do Parlamento) convoque o chefe do Poder Executivo.

"Interpretando o princípio da separação dos Poderes, o Supremo Tribunal Federal construiu uma jurisprudência muito firme em relação a CPIs. Há decisões do STF, por exemplo, que não permitem convocar juízes", destaca.

Ainda que, na sua avaliação, Bolsonaro não possa ser convocado, o professor ressalta que isso não impede que a CPI investigue o presidente e aponte eventuais responsabilidades em seu no relatório final. A comissão, diz ele, também pode convidar Bolsonaro a depor e, nesse caso, ficaria a critério do presidente aceitar comparecer ou não.

O professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Rafael Mafei também considera que a omissão da Constituição, ao não autorizar expressamente a convocação do presidente, pode ser interpretada no sentido de que Bolsonaro não deve ser obrigado a depor.

Na sua avaliação, porém, há margem para que o STF libere seu depoimento por causa do artigo 221 do Código de Processo Penal (CPP), que prevê que o presidente da República, quando convocado como testemunha de um processo criminal, poderá marcar o dia e a hora de seu depoimento com o juiz do caso, ou mesmo optar por responder às perguntas por escrito.

Como comissões parlamentares de inquérito têm poderes de investigação equiparados aos das autoridades judiciais, Mafei considera que a previsão de que o presidente da República possa ser convocado como testemunha no Código de Processo Penal se aplicaria também à CPI.

"O artigo 221 do CPP prevê expressamente a possibilidade de presidente participar de processo judicial como testemunha, e esse artigo já foi apreciado recentemente pelo STF, que não viu inconstitucionalidade nele", afirma Mafei.

O professor de refere ao depoimento do então presidente Michel Temer, em 2017, quando ele foi autorizado a responder por escrito a perguntas do Ministério Público Federal. Naquela ocasião, Temer falou na condição de investigado, não de testemunha, mas o ministro Edson Fachin autorizou que fosse por escrito.

Eloísa Machado, professora de Direito da Fundação Getúlio Vargas e coordenadora do Supremo em Pauta, projeto dedicado a estudar a Corte, também avalia que Bolsonaro pode ser convocado.

"Esclarecer a condução da política do governo federal durante uma pandemia que vitimou 450 mil pessoas é uma obrigação, um dever do presidente da República", defendeu a professora no Twitter.

Toda essa discussão se refere a hipótese de Bolsonaro ser convocado como testemunha. Se ele for chamado como investigado, não seria obrigada a depor, pois a Constituição garante o direito ao silêncio a pessoas investigadas.

Convocação de governadores


Os senadores da base governista defenderam a convocação dos governadores (Ag. Senado)

A convocação dos nove governadores atendeu à pressão de senadores bolsonaristas que argumentam que a CPI da Covid precisa investigar todas as autoridades suspeitas de ilegalidades na pandemia, em vez de focar apenas no governo federal.

Com isso, foram convocados os nove governadores cujos Estados foram alvos de ações da Polícia Federal que investigam possíveis desvios de recursos federais repassados às unidades federativas para o enfrentamento da crise do coronavírus.

Para Marcelo Labanca, governadores não podem ser convocados devido ao princípio da federação, que estabelece a autonomia dos Estados em relação as Poderes federais.

Foi justamente esse argumento usado pelo ministro Marco Aurélio para liberar o então governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), de falar à CPI do Cachoeira, comissão que investigou práticas criminosas no seu Estado.

Perillo aceitou depor em junho de 2012 àquela CPI, mas depois solicitou um habeas corpus para não ser mais convocado.

Até a publicação desta reportagem, nenhum dos nove convocados havia acionado o STF. Apesar do precedente de Perillo, governadores ainda avaliam se recorrerão ao Supremo porque deixar de comparecer pode também causar um desgaste político, no sentido de estar resistindo a prestar esclarecimentos sobre sua gestão.

O governador do Piauí, Welligton Dias, por exemplo, disse que vai comparecer. "Tendo chamamento para comparecer à CPI com base na lei, ali comparecerei para contribuir, para esclarecer, mas principalmente para apontar caminhos para salvar vidas", disse, em vídeo divulgado por sua assessoria.

Mariana Schreiber - @marischreiber, de Brasília para a BBC News Brasil, em 26 maio 2021

quarta-feira, 26 de maio de 2021

Brasil registra 2.398 mortes por covid-19 em 24 horas

País teve 80.486 novos casos da doença, o que eleva o total de infectados desde o início da epidemia para 16.274.695. Número acumulado de óbitos aumenta para 454.429.

Profissionais de saúde em trajes de proteção examinam documentos em frente a paciente intubado em hospital do Rio de Janeiro. A média móvel de novas mortes no Brasil nos últimos sete dias ficou em 1.820

A média móvel de novas mortes no Brasil nos últimos sete dias ficou em 1.820

O Brasil registrou oficialmente 2.398 mortes ligadas à covid-19 nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) nesta quarta-feira (26/05).

Também foram confirmados 80.486 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país chega a 16.274.695, e os óbitos somam agora 454.429.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação. 

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 14.733.987 pacientes haviam se recuperado da doença até esta terça-feira.

Com os novos registros de óbitos nas últimas 24 horas, a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 216,2 no país, a 10ª maior do mundo, se excluído o país nanico San Marino.

A média móvel de novas mortes (soma dos óbitos nos últimos sete dias e a divisão do resultado por sete) ficou em 1.820, e a média móvel de novos casos, em 66.091.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 591 mil óbitos. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (33,1 milhões) e Índia (27,1 milhões).

Ao todo, mais de 168 milhões de pessoas contraíram o coronavírus no mundo, e 3,48 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença, segundo números oficiais.

Deutsche Welle Brasil, em 25.05.2021

'Se aceitar isso, acaba a disciplina nas Forças Armadas', diz ex-presidente do STM sobre Pazuello

Sérgio Xavier Ferolla critica ida do general da ativa a ato no Rio de Janeiro ao lado do presidente da República

Entrevista com Sérgio Xavier Ferolla, ex-presidente do Superior Tribunal Militar

General Eduardo Pazuello (à esq.) com o Presidente  Bolsonaro no ato pró-governo no Rio, ante-ontem. (Foto: Wilton Junior / Estadão)

O tenente-brigadeiro Sérgio Xavier Ferolla presidiu o Superior Tribunal Militar (STM). Ministro durante oito anos da Corte, o militar tem seu nome ligado ao Centro Tecnológico Aeroespacial (CTA), que ele dirigiu.

Para o ex-presidente do principal tribunal militar do País, o que aconteceu no domingo no Rio de Janeiro, a ida do general Eduardo Pazuello ao palanque do presidente Jair Bolsonaro, é “vergonhoso”. “O caso do general é um caso de indisciplina".  

Na avaliação de Ferolla, quanto mais alta a hierarquia do oficial, mais responsabilidade ele tem e mais grave a indisciplina. “Se você aceitar isso acabou a disciplina nas Forças Armadas porque o tenente, o sargento e o cabo tem sido punido dentro da lei – e são muitos. Não pode ser diferente com o general.”

O Exército abriu na segunda uma apuração disciplinar sobre a participação de Pazuello no ato. O procedimento é uma forma de o Exército garantir ao ex-ministro da Saúde o direito de defesa, embora a infração por participar de manifestação política esteja documentada. 

A decisão já foi comunicada a Pazuello e uma possível punição varia de acordo com o grau do ato, se for julgada como transgressão leve, média ou grave. Ao fim do processo, o comandante do Exército pode aplicar a pena que vai de advertência verbal até prisão por no máximo 30 dias.

A seguir, a entrevista com Sérgio Xavier Ferolla:

Como o senhor avalia os últimos acontecimentos envolvendo as Forças Armadas e o governo?

A radicalização tem de acabar, tanto da esquerda como da direita. É preciso encontrar um caminho, que muitos estão chamando de terceira via, o problema é saber quem vai ser, quem vai representar essa terceira via.

Como ex-presidente do STM, como o senhor avalia a presença do general Eduardo Pazuello em um ato político-partidário sendo ele um militar da ativa?

Por enquanto trata-se de um caso disciplinar. A declaração do vice-presidente, o general Hamilton Mourão, foi muito clara: o Exército tem de tomar providência e o Alto Comando está exigindo providências. Sempre fui crítico à tentativa de se envolver as Forças Armadas com o governo. Muito dos generais que hoje criticam o governo estiveram com o governo. Claro que eles fizeram bem em sair, mas é muito sério o que se passou. Comparo o presidente ao d. Quixote, pois ele transforma cada generais que está ao lado dele em Sancho Pança.

O senhor concorda com o que disse o general Hamilton Mourão (o vice-presidente da República defendeu punição pelo ato)?

O general Mourão é ponderado colocou a coisa de maneira clara. Ele não concorda, mas não quer criar atrito com o presidente, não tem a intenção de não gerar crises. Ele falou que o Pazuello pode até passagem para a reserva para atenuar. Mas acontece que não atenua, pois o militar da ativa ou da reserva comete o mesmo crime. Mas o problema ainda não é jurídico; é disciplinar. Ele contrariou o Regulamento Disciplinar das Forças Armadas, o do Exército, particularmente. Isso pode redundar em coisa mais grave, mas por enquanto não.

O que poderia ser mais grave no caso?

No caso, deve haver uma decisão do Alto Comando do Exército. O procedimento regulamentar que existe é o seguinte: o militar que comete um ato de indisciplina grave ele é julgado na Força dele. O comandante da Força é obrigado a promover o processo que se chama Conselho de Justificação. 

No conselho, o fulano é acusado e defendido dentro da Força. Se a coisa for só disciplinar, o comandante vai punir como achar que deve punir. Se ele achar que cometeu crime, que o fato foi mais grave, ele encaminha o processo para o STM e o STM vai julgar se ele cometeu crime ou não. Se ele cometeu crime, ele será processado e julgado pelo crime e, dentro do crime, pode ter três tipos de punição: ou ele é considerado indigno, incapaz de permanecer na ativa, ele é reformado no posto em que estiver. 

Se cometeu crime contra a honra a instituição como um todo ele pode ser considerado indigno e aí perderá posto e patente. O atual presidente como capitão cometeu uma indisciplina gravíssima e ele foi submetido a conselho de Justificação, que foi mandado ao STM e este analisou e decidiu que ele não cometeu crime, mas indisciplina grave. 

Ele seria punido com severidade pelo Exército na época. Ele vendo essa situação, pediu para sair, passou para a reserva e foi ser político. Parece que temos agora o Pazuello aí. O caso do general é um caso de indisciplina, que está dentro da jurisdição militar. Agora tem outro problema, que é a CPI, que pode aparecer outro problema. Estou me limitando a analisar o que aconteceu no Rio, que é vergonhoso, está enlutando Caxias.

Como assim?

Caxias está de luto porque a organização militar pura não aceita o que estão fazendo. Essa história de que vai botar militar na política não pode. Militar não deve entrar na política e a política não pode entrar no quartel, se não vira bando, acaba a hierarquia e a disciplina. O fundamento da instituição militar é a hierarquia e a disciplina. Portanto é grave. O comando tem de tomar providências. Se você aceitar isso acabou a disciplina nas Forças Armadas porque o tenente, o sargento e o cabo tem sido punido dentro da lei – e são muitos. Não pode ser diferente com o general. É igual ao cabo. 

Não tem diferença nenhuma. Aliás, ele tem mais responsabilidade. É um oficial antigo, um general. Quanto mais hierarquia ele tiver, mais responsabilidade ele tem e mais grave a indisciplina. Ele participou de um desfile de moto ao lado do presidente, desrespeitando – como militar ele não podia de jeito algum. Não justifica. Tem de tomar providência radical. Essas coisas enlutam o símbolo do Caxias. 

Queira ou não queira, isso reflete na organização militar. Outros fatos aconteceram anteriormente, mas esse foi tão escandaloso que provocou essa reação toda. Vai ter consequência. Não tem jeito. Se não for punido, como você vai punir um sargento depois? Um tenente, um capitão? Como punir casos como os dos sargentos que se rebelaram no controle de tráfego aéreo em Brasília? Foram postos para fora, com perda de posto e patente. 

Nesta parte o STM não brinca em serviço. Não vai passar a mão na cabeça de alguém que praticou um crime militar. De jeito algum. São generais, almirantes, brigadeiros e civis que tem responsabilidade de analisar e julgar.

Marcelo Godoy, O Estado de S.Paulo, em 26 de maio de 2021.

Bolsonaro: as pesquisas não são tocadas

O presidente mina a democracia brasileira ao corroer a confiança no sistema de votação

Selagem das urnas eletrônicas prevista para o segundo turno das eleições brasileiras de 2018. ERALDO PERES / AP

Menos de um ano e meio antes das eleições presidenciais no Brasil, Jair Bolsonaro embarcou em uma tortuosa campanha para questionar o atual sistema de votação eleitoral eletrônico. Lançado há 25 anos, destaca-se, segundo as autoridades eleitorais, pela eficiência, segurança e transparência, não tendo resultado em nenhum incidente relevante neste momento. 

Com uma área de oito milhões e meio de quilômetros quadrados e algumas das áreas habitadas mais inacessíveis do mundo, o Brasil usa um sistema que é justamente admirado em muitos outros lugares.

Mas na esteira de Donald Trump, Bolsonaro decidiu lançar a sombra da fraude antes de sua campanha de reeleição , semeando dúvidas constantes sobre a confiabilidade do sistema de votação. 

Esta não é a primeira vez que ele faz isso. Em sua campanha para as eleições presidenciais de 2018, ele insistiu veementemente que só aceitaria o resultado se vencesse as eleições. E, repetindo a estratégia, há meses vem ameaçando que no Brasil haverá "problemas piores do que nos Estados Unidos" após as eleições. 

Agora, uma comissão parlamentar pode debater uma reforma constitucional que permita a cada eleitor receber uma cópia impressa de seu voto, possibilidade que até agora foi rejeitada.

A realidade é que, desde a implantação do atual sistema de votação eletrônica nas urnas, não houve indícios de fraude nas eleições realizadas no Brasil. Além disso, seis meses antes de cada eleição, a justiça eleitoral fornece o código-fonte do sistema a diversos órgãos públicos - o Ministério Público Estadual - e privados - a ordem dos advogados - para que possam fiscalizá-lo. A partir daí, os controles são contínuos. 

A urna nunca é conectada à Internet em todo o processo e, durante uma semana, programadores, hackers, policiais e partidos políticos são convidados a atacar o sistema para detectar possíveis vulnerabilidades. 

O resultado é que o sistema brasileiro não foi questionado nem dentro nem fora do país, exceto em redutos conspiratórios, até agora marginais, mas em cuja tese Bolsonaro se baseia principalmente na auditabilidade do voto. “Voto impresso e auditável” já é um dos mantras dos partidários do presidente.

É legítimo considerar maneiras de melhorar o sistema; não está minando a confiança no sistema. Bolsonaro mina a democracia brasileira ao lançar suspeitas sobre o ato cidadão mais importante. Seu objetivo não é transparência, mas caos. Seria conveniente para um defensor tão fervoroso de Trump relembrar o infeliz resultado da estratégia para o ex-presidente.

EL PAÍS, em 26 DE MAIO DE 2021 

O Gabinete do Procurador de Manhattan convoca um grande júri para decidir se indiciará Trump por fraude fiscal

A passagem do Ministério Público indica que a investigação está em estágio avançado. As supostas irregularidades datam de antes da presidência do magnata

Cyrus Vance Jr., Procurador Distrital de Manhattan, em fevereiro de 2020 em Nova York. (CRAIG RUTTLE / AP)

Cyrus Vance, o promotor distrital de Manhattan encarregado da investigação criminal de supostos crimes no empório de Donald Trump , convocou um júri para analisar as evidências e avaliar se o ex-presidente é acusado, indicando que as investigações da promotoria estão em estágio avançado e que considera que tem indícios de crimes cometidos pelo ex-presidente quando dirigia seu empório ou por alguém próximo a ele, noticiou terça-feira o Washington Post .

"O júri foi convocado recentemente e se reunirá três vezes por semana durante os próximos seis meses", disseram ao jornal duas fontes anônimas com acesso à investigação do Ministério Público, noticiou a agência Reuters.

"É provável que o grande júri avalie vários casos, não apenas o que se refere a Trump , durante sua comissão, que é mais longa do que uma atribuição tradicional do grande júri do estado de Nova York", disseram fontes ao jornal. Esses tipos de júris são comumente chamados para lidar com casos de longo prazo, não para ouvir evidências sobre crimes rotineiramente acusados.

Vance tem investigado as negociações de Trump antes de sua chegada à presidência por mais de dois anos. Recentemente, a investigação de Vance convergiu com outra aberta pelo Ministério Público do Estado de Nova York. Letitia James, a procuradora-geral do estado, abriu uma investigação criminal contra as empresas da família Trump sob suspeita de que o ex-presidente poderia ter desvalorizado algumas propriedades de seu empório para evitar parcialmente o pagamento de impostos. Até então, o caso da acusação de Nova York tinha sido de natureza puramente civil.

A equipe de Vance investiga as práticas de negócios da Trump Organization, nome dado ao conglomerado empresarial da família com sede em Nova York. As supostas irregularidades datam de antes de sua presidência e consistem, principalmente, no fato de o valor de determinados imóveis da carteira imobiliária da organização ter sido deturpado para enganar bancos e seguradoras e o conglomerado obter lucros. avaliação de ativos que não correspondiam ao preço de mercado; isto é, na prática, a existência de dois livros contábeis paralelos. O promotor também investiga o pagamento de indenizações a altos executivos da organização.

Tanto James quanto Vance são democratas, o que demonstraria, na opinião de Trump, que a "caça às bruxas" contra ele e seus interesses, como ele repetidamente a definiu, é politicamente motivada. Na semana passada, quando a Promotoria de Nova York anunciou a abertura da investigação criminal, Trump disse que foi "vítima de um ataque injusto e abuso". "Não há nada mais corrupto do que uma investigação que busca desesperadamente [encontrar] um crime", disse o magnata, mostrando-se convencido de que "superará" qualquer tentativa de processá-lo.

Algo que não parece tão claro após o lançamento do grande júri após a convocação do procurador Vance, em um processo em que meios de comunicação como o portal Insider veem o início da "fase ofensiva" contra os negócios do republicano. Os juristas intuem pela convocação do júri que o caso está em sua fase final, destaca Insider , já que Vance também se aposenta no final do ano.

MARIA ANTONIA SÁNCHEZ-VALLEJO, de Nova York  para o EL PAÍS, em 25 DE MAIO DE 2021 

“Misturar vacinas provoca boa resposta imunológica, mas pode ter piores efeitos secundários”

Diretor do grupo de Oxford que liderou os ensaios da vacina da AstraZeneca acha que não faz sentido falar de imunidade de rebanho com as novas variantes do vírus

O professor Andrew Pollard, diretor do Grupo de Vacinas de Oxford, em uma imagem fornecida pela universidade.

Andrew Pollard (Kent, Reino Unido, 55 anos) sabe das turbulências sofridas pela vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford e a AstraZeneca. 

Como diretor do Grupo de Vacinas da instituição, foi ele quem liderou, em grande parte, esse esforço científico — junto com outros muito relevantes —, para vencer a corrida contra o coronavírus. 

Sua visão de tudo o que aconteceu é suficientemente neutra e distanciada para continuar convencido de que o fármaco da AstraZeneca terá um papel relevante nos próximos anos, apesar dos raros episódios de trombose detectados em uma minoria das pessoas vacinadas. 

Mas isso não o impede de reconhecer que, como alguns governos decidiram — entre eles, o da Espanha —, a alternativa de combinar doses de fabricantes diferentes é segura e eficaz. Pollard lembra que, em muitas partes do mundo, ao contrário da Europa, a guerra contra o vírus só começou. 

E recusa a ideia de que se fale de imunidade de rebanho. As novas variantes, que não param de surgir, fazem com que seja impossível de ser alcançada. Pollard falou nesta semana com um grupo reduzido de veículos de imprensa da aliança europeia LENA, entre os quais está o EL PAÍS.

Pergunta. Existe um debate crescente em alguns países, como a Espanha, por exemplo, sobre a segurança e eficácia de combinar doses de vacinas de fabricantes diferentes. Concretamente, uma segunda da Pfizer aos pacientes que receberam a primeira da AstraZeneca.

Resposta. De uma perspectiva biológica, a pergunta é simples: é possível conseguir resposta imunológica combinando as doses? E a resposta é que todas as vacinas que estamos usando na Europa geram uma resposta do sistema imunológico contra a proteína em formato de agulha do coronavírus [com a qual o vírus introduz seu material genético nas células humanas]. Não há dúvida alguma, em todos os casos é gerada uma boa imunidade. O que ainda não sabemos com certeza é qual é a melhor combinação. Qual vacina é preferível injetar primeiro. É isso que os novos estudos devem responder, para otimizar a mistura. O nosso, chamado ComCOV, terá respostas em um ou dois meses.

Mas há um segundo aspecto, do nível da tolerância. Alguns resultados publicados na semana passada mostram que, pelo menos na população adulta, a mistura de vacinas tende a provocar maior reação durante os dois dias posteriores à injeção. Obviamente, é algo que pode ser manejado e comunicado à população. Não sabemos por quê, mas os pacientes sentem-se um pouco pior após a segunda dose se ocorreu combinação de fármacos.

P. Então não é o momento apropriado para decidir sobre estas misturas ?

R. Seria conveniente gerar mais evidência. Acho que surgiram novos dados na Espanha nesta semana [o instituto de Saúde Carlos III concluiu em um estudo preliminar que a combinação de AstraZeneca e Pfizer é segura e eficaz]. Não vi o estudo completo, de modo que não posso opinar muito. Mas parece apoiar o que eu disse, que a resposta imunológica é boa. Começamos a entender determinados efeitos como a febre e a dor nas articulações, e isso pode ser comunicado previamente aos pacientes. Mas é sempre melhor ter mais informação, e virá mais em questão de um mês.

P. A Alemanha anunciou que, a partir de 7 de junho, divulgará a lista de população prioritária. Quem deve receber a vacina da AstraZeneca pode recusá-la e oferecê-la a outra pessoa? É uma decisão lógica do ponto de vista epidemiológico?

R. Não é uma decisão perigosa, mas nos leva à pergunta inicial: o que estamos tentando atingir com os programas de vacinação? Temos uma pandemia porque as pessoas acabam nos hospitais, e provoca uma enorme tensão em nossos sistemas de saúde públicos. Vimos isso em nossos respectivos países. Se não acontecesse, não haveria pandemia. E o único modo de detê-la é nos centrar na população adulta, os maiores de 50 anos, e nos mais vulneráveis em termos de saúde. De um ponto de vista individual, o paciente deveria aceitar a vacina oferecida, porque é assim que fica protegido. De uma perspectiva populacional, os grupos prioritários devem ser os primeiros, para recuperar nossas vidas e nossas economias e retornar à normalidade.

P. É razoável permitir que o paciente escolha, com um consentimento escrito, se prefere receber uma segunda dose da AstraZeneca em vez da alternativa da Pfizer?

R. Cada país deve tomar suas próprias decisões. Aqui no Reino Unido se optou por ter uma comunicação constante com a população. Como em outros países europeus, o fornecimento de vacinas é limitado. O esforço deve ser otimizado. Enquanto não tivemos dados sobre a combinação de vacinas, nos concentramos em dar duas doses do mesmo fármaco. Mas em nossos guias oficiais se admite que, na falta de fornecimento, se um paciente já deve receber sua segunda dose programada, pode ser injetado com uma vacina alternativa. Não acontece muito frequentemente, porque o sistema é bem organizado.

P. Surgiu algo novo sobre a possível ligação entre a vacina da AstraZeneca e esses casos, raros e minoritários, de trombose em alguns pacientes?

R. Hoje há um grande esforço por parte das autoridades regulatórias e das agências públicas de saúde para entender essa condição, esse evento incrivelmente raro. E também para que, se acontecer, saibamos o melhor modo de tratar o paciente. A combinação desses dois esforços, e nos assegurar de que a opinião pública saiba do risco real, conseguiram fazer a diferença na percepção existente agora em muitos países. Mas é uma decisão correta que alguns governos, como o do Reino Unido, onde há fornecimento suficiente de vacinas, usem fármacos alternativos para a população mais jovem, quando o equilíbrio entre benefício e risco pode ser melhor ajustado porque o vírus já não circula com tanta intensidade.

P. O que acha da decisão dos Estados Unidos de liberar as patentes das vacinas?

R. É uma ideia que faz todo o sentido do mundo. Sua proposição significa que, ao compartilhar a propriedade intelectual, é possível ter mais fábricas de produção em todo o mundo, aumentar a capacidade de fabricação e salvar mais vidas. O problema é que há muitos interesses comerciais que fazem com que o objetivo seja difícil de alcançar. E diferenças políticas muito fortes entre diversos países. O processo para fabricar vacinas é também muito complexo, precisa de seis meses a um ano. Não é um produto químico, e sim biológico, muito difícil de ser feito. Muitos fabricantes, no começo, jogarão no lixo milhões de doses porque não conseguiram chegar à medida perfeita. Por isso no começo surgiram problemas na Europa com o fornecimento. Não porque o esforço não foi feito, e sim porque é realmente complicado produzir doses em grande escala. De modo que, se a solução de liberar patentes começar a ser colocada em andamento hoje, não solucionará o problema atual. Somente durante este mês por volta de um milhão de pessoas morrerão em todo o mundo pelo coronavírus. Mas continuo achando que a liberação de patentes é um objetivo necessário, porque precisaremos de doses em 2022 para pessoas que provavelmente sequer receberam sua primeira vacina.

P. Chegaremos à famosa imunidade de rebanho?

R. Se estivéssemos enfrentando um vírus que não muta, os matemáticos poderiam, com seus modelos, determinar a proporção necessária de população que deve ser vacinada para deter de uma vez a pandemia. Sabemos, por exemplo, que no caso do sarampo é de 95%. Para outros vírus pode ser 80% ou 75%. Mas esse vírus muta. Teria sido possível chegar à imunidade de rebanho para a variante original, há um ano. Agora enfrentamos novas variantes que continuam surgindo e sendo transmitidas entre populações vacinadas. Deveríamos nos esquecer da imunidade de rebanho. É um conceito equivocado, por causa das variantes. A questão relevante é determinar a proporção de população que deve ser vacinada para minimizar o número de internações hospitalares.

P. Estamos vencendo esse vírus?

R. Estamos realizando enormes avanços. Se observarmos individualmente alguns países, se vê que a batalha está sendo vencida lentamente. Mas, de uma perspectiva global, a guerra mal começou. Continua sendo uma situação muito preocupante. Na Europa podemos ter a sensação de ver a luz no fim do túnel, mas no Nepal e algumas regiões da Índia, parece algo que não vai acabar nunca. Por isso devemos abandonar essa visão tão nacionalista — que vimos muito durante este ano — e lembrar que fazemos parte de uma população intercomunicada globalmente.

P. A UE decidiu não renovar seus contratos com a AstraZeneca, e até tomou ações legais contra a empresa por seu fracasso nos fornecimentos. O senhor se preocupa com um possível dano à reputação da Universidade de Oxford?

R. Não há evidência de que isso tenha ocorrido. Fomos muito transparentes, e até publicamos mais dados do que outros desenvolvedores. Ocorreu certo dano à confiança nos processos de imunização, mas na maioria dos países em que a vacina é distribuída estão muito agradecidos por ter acesso a ela. É diferente nos países ricos, que possuem um leque de fornecimento mais amplo, e se engalfinham em batalhas sobre qual vacina é melhor. A realidade para todo o mundo é que, quanto antes as pessoas forem vacinadas, antes terminará a pandemia. Toda a equipe de Oxford está muito orgulhosa de ter participado desse processo.

RAFA DE MIGUEL, de Londres para o EL PAÍS, em  23 MAI 2021 - 16:14 BRT

Com UTIs mais cheias, Brasil vê recrudescimento da pandemia

Há 19 dias consecutivos, média móvel de novos registros de covid aumenta a cada 24 horas, enquanto há 7 Estados com ocupação crítica de leitos. SP voltou a passar dos 80% e cinco regiões, incluindo a Grande SP, têm maior contaminação.

 

Mais casos, taxa de contaminação crescente em alguns Estados, como São Paulo, e maior ocupação de leitos de UTI indicam um recrudescimento da pandemia da covid-19 no Brasil. 

Um dos principais dados é a média de diagnósticos por dia, que está acima dos 65 mil positivos, acréscimo de 8% em 14 dias. O avanço em registros leva a risco maior de contaminação e de internação, ampliando a pressão sobre o sistema e a possibilidade de óbitos.

Para definir como a doença vai evoluir, se considera entre o contágio e a possível morte de um paciente no período de até seis semanas. "O aumento do número de casos vai ser precedido obrigatoriamente pelo aumento do número de mortes", explica Alexandre Naime Barbosa, chefe do setor de infectologia da Unesp de Botucatu (SP) e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia.

(Alta de casos de síndrome respiratória em 8 Estados indica risco de piora da pandemia, diz Fiocruz)

Pandemia

Há 19 dias consecutivos, média móvel de novos registros de covid aumenta a cada 24 horas no Brasil. Em São Paulo, a Prefeitura está fazendo uma barreira sanitária no Terminal Rodoviário do Tietê Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO

Desde 5 de maio, a 19 dias consecutivos, a média móvel de novos registros aumenta a cada 24 horas. Só ontem, houve mais 74.845 relatos positivos, equivalentes a 52 por minuto. Para especialistas, só não há um reflexo maior no número de vítimas, que ainda assim tem média acima de mil desde janeiro, por causa da faceta mais jovem da pandemia este ano.

Segundo o Observatório Covid-19 da Fiocruz, pela primeira vez desde o início dos casos de covid-19, a mediana de idade nas internações está abaixo dos 60 anos. Com isso, exceto nos Estados do Nordeste, a taxa de mortalidade pela doença caiu. Os mais jovens tendem a morrer menos, só que pressionam o sistema por ficar mais tempo internados. "Talvez não seja como já vimos (chegar a um número diário acima de 3 mil mortos), porque o jovem adoece menos, mas também adoece", afirma o médico da Unesp.

E, além dos registros diretos de covid, há os de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). Segundo a Fiocruz, oito das 27 unidades da federação apresentam sinais de crescimento de casos. As síndromes respiratórias são, neste momento, na grande maioria, causadas por infecções pelo SARS-CoV-2.

Leitos

O recrudescimento ocorre concomitantemente com o avanço das taxas de ocupação de leitos de UTI para adultos com covid-19. De maneira geral, o Nordeste e o Centro-Sul apresentaram piora nos últimos dias. Sete Estados têm taxas de ocupação iguais ou superiores a 90%: Piauí (91%), Ceará (94%), Rio Grande do Norte (96%), Pernambuco (97%), Sergipe (93%), Paraná (95%) e Santa Catarina (95%).

No Centro-Oeste, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal tiveram as maiores altas. Ao lado de Mato Grosso, estão em estado crítico, mas inferiores a 90%.

No Sul do País, a mesma tendência é observada, com Paraná e Santa Catarina entre os piores Estados. O Rio Grande do Sul permanece na zona de alerta intermediário. No Sudeste, Rio e Minas têm a mesma classificação, com piores índices.

São Paulo estava em estágio intermediário na ocupação de leitos de UTI, com taxa de 79%. Dados da Secretaria de Estado da Saúde, desta terça-feira, porém, colocam esse índice em 80,5%, o que repõe os paulistas no mesmo patamar das piores unidades da federação.

Na capital paulista, segundo a Secretaria Municipal de Saúde, seis hospitais da administração pública ou com leitos contratados estão com 100% de seus leitos ocupados. E a rede particular também já se preocupa. O Hospital Israelita Albert Einstein se prepara para a abertura de 60 novos leitos na primeira quinzena do próximo mês como medida preventiva. Há duas semanas, o hospital tinha 114 pacientes em leitos de covid. Nesta terça, eram 168, alta de 47%. Já a taxa de ocupação geral, que inclui pacientes sem covid, estava em 103%. No Sírio Libanês, o aumento anteontem, na comparação com o dia 17, foi de 23%, saltando de 141 casos para 174 em uma semana.

Infecção e futuro

No Estado de São Paulo, hoje a pior região em relação à taxa média de transmissão da doença está em São João da Boa Vista, com 1,63. Ou seja, cada cem pessoas contaminadas transmitem o vírus para outras 163. Franca, Grande São Paulo, Araçatuba e São José do Rio Preto completam as cinco regiões com as mais altas taxas de transmissão. Em todo o Estado, a média é de 1,3.


Para Barbosa, a terceira onda da doença vai chegar e sua força está condicionada à forma como a flexibilização das atividades econômicas e o respeito ao isolamento social vai se dar. "Em algumas cidades de São Paulo, como Ribeirão Preto, esse efeito já está sendo sentido (a cidade fechou o comércio, por estar com 96% de ocupação de leitos de UTI)", diz. 

 Emilio Sant’Anna, O Estado de S.Paulo, em 26 de maio de 2021 | COLABOROU PAULA FELIX

Como o aquecimento global ameaça a agropecuária brasileira

Estudo aponta que mudanças climáticas decorrentes de emissões podem afetar um terço da produção mundial de alimentos, inclusive no Brasil. Especialistas alertam sobre efeitos de política ruralista e desmatamento.

Plantação de soja no Mato Grosso: Centro-Oeste e Nordeste seriam particularmente afetados num cenário de alta emissão

Um terço da produção mundial de alimentos está em risco por conta das emissões de gases do efeito estufa e do aquecimento global. Essa é a principal conclusão de um estudo publicado neste mês pelo periódico científico One Earth — e o Brasil, grande produtor agropecuário, deve ser seriamente afetado, se medidas não forem tomadas para reduzir a degradação ambiental.

Os pesquisadores, das universidades de Aalto, na Finlândia, e de Zurique, na Suíça, realizaram projeções considerando três cenários para o futuro: um mundo em que o aquecimento global fique limitado a 2 graus Celsius, chamado de "baixa emissão"; um aumento de 3 graus, a hipótese mais provável de ocorrer ainda neste século, considerando o contexto atual; e um aquecimento global de 5 graus, um cenário de "alta emissão". Todas essas mudanças climáticas foram consideradas em comparação à era pré-industrial.


Os cientistas procuraram avaliar o impacto que tais mudanças climáticas teriam em cada região produtora de alimentos do globo — e, então, concluíram se as atividades econômicas hoje desenvolvidas ali estão em risco ou não. Na pesquisa, convencionou-se chamar de "ambiente climático seguro" aqueles onde ainda é viável desenvolver a produção de alimentos.

Foram avaliadas as 27 culturas alimentares mais importantes do planeta e sete tipos de rebanhos animais utilizados para alimentação humana. Países de áreas subtropicais e temperadas seriam menos afetadas. Dos 177 países analisados, 52 permaneceriam em espaços "seguros" no futuro — boa parte dos países europeus. Mas, no total, o cenário mais pessimista significaria que um terço das áreas hoje agropecuárias do planeta se tornariam improdutivas.

O Brasil, seria bastante afetado, sobretudo nas regiões Centro-Oeste e Nordeste. "Em um cenário de alta emissão, grandes partes do Brasil estariam fora do ambiente climático seguro", esclarece à DW o professor Matti Kummu, da Universidade de Aalto, principal autor do estudo. "De acordo com nossas estimativas, cerca de 17% da produção agrícola brasileira de alimentos e 37% da produção pecuária podem estar fora do espaço climático seguro até o fim deste século."

Isto no pior cenário. Caso o aquecimento global se mantenha na tendência atual, ou seja, com um aumento de 3 graus Celsius, o prejuízo às áreas produtivas brasileiras seria de 6% em relação à agricultura e 22% à pecuária. Já na perspectiva mais otimista, ou seja, manter o aquecimento abaixo de 2 graus, toda a produção de alimentos no Brasil ficaria dentro do espaço climático seguro.

"Seria a melhor opção", diz Kummu. "Isso requer, naturalmente, muitas intervenções. A melhor opção é reduzir pela metade as emissões de gases de efeito estufa e interromper as mudanças climáticas. Ao mesmo tempo, novas variedades de culturas precisam ser desenvolvidas, adaptadas às futuras condições climáticas."

"Desmatamento predatório"

Se a longo prazo a agropecuária brasileira corre riscos, no atual momento os números são animadores para o setor. De acordo com levantamento divulgado no mês passado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a produção brasileira de grãos deve superar, pela primeira vez na história, as 270 milhões de toneladas na safra deste ano, um crescimento de 6,5% em relação ao ano anterior.

Especialistas, contudo, acreditam que tal crescimento é sinal de que estamos engrenando em um ciclo vicioso. Oficialmente, a safra recorde é resultante, entre outros fatores, de um aumento de quase 4% da área cultivada. Em outras palavras, um indicativo de aumento de desmatamento.

"No médio e longo prazo, o Brasil deixará de ser uma potência agrícola por conta da política ruralista hoje implementada", diz o biólogo Lucas Ferrante, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

Ele afirma que, com a tecnologia existente hoje, o Brasil "já tem área desmatada suficiente para aumentar a produção agrícola como se precisa para dominar o mercado mundial".

"O que vemos é um desmatamento predatório que tem prejudicado e irá prejudicar as safras nacionais. O Brasil deveria ser o primeiro país a defender medidas para mitigar as mudanças climáticas, porque é um dos países que mais deve sofrer perdas agrícolas por conta delas", complementa ele. "Expandir a agricultura para a região amazônica, por exemplo, é um tiro no pé. Desmatar não aumenta a produção agrícola. Coloca o país em risco e diminui a produção."

Segundo Ferrante explica, tais ações prejudiciais ao meio ambiente, além de acelerar o aquecimento global, acabam interferindo no regime das chuvas, inviabilizando muitas culturas. Exemplos de alterações já são visíveis em algumas regiões — cafezais abortam suas flores sob temperaturas acima dos 27 graus, o que já vem sendo relatado em algumas plantações de Minas Gerais, e a região Sul do país enfrenta, desde o ano passado, um período de estiagem. "Não adianta ter território para plantio se você não tem condições para fazer a lavoura florir e dar frutos. A situação é drástica", argumenta o pesquisador.

Impacto da indústria

Vice-chefe do Departamento de Ciência do Solo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (USP), o engenheiro agrônomo Carlos Eduardo Cerri concorda que o setor agrícola é afetado com as mudanças climáticas e defende práticas conservacionistas para mitigar esses efeitos.

É o caso de técnicas de plantio direto e rotação de culturas, além do uso racional de fertilizantes e outros insumos. "Isso aumenta o sequestro de carbono. E a integração entre lavoura, pecuária e floresta, os sistemas integrados, ajudam na menor emissão de gases na atmosfera", explica.

Cerri aponta para o fato de que, no Brasil, atividades de silvicultura e agropecuária respondem por algo em torno de 20% a 25% das emissões de carbono. "Já a indústria, que usa combustível fóssil, é responsável pela maior parte."

Mas o professor salienta que a indústria não é afetada pelo aquecimento global, enquanto a agropecuária, sim — não só pelo aumento das temperaturas, mas também pela mudança de precipitação.

"A agricultura, a pecuária e a silvicultura estão sofrendo os impactos [das mudanças climáticas] e podem sofrer mais intensamente", ressalta. "Há práticas conservacionistas [feitas pelo setor] que ajudam muito [a mitigar esses efeitos], tanto para reduzir as emissões como para aumentar a fixação do carbono. Mas não vejo o mesmo esforço sendo feito por outros setores que mais emitem gases mas não são impactados."

Edison Veiga para a Deutsche Welle Brasil, em 25.05.2021

Nova variante do coronavírus é identificada em SP

Cepa batizada de P.4 foi detectada em vários municípios do interior do estado de São Paulo, e em ao menos um deles já circula livremente. Variante é derivada da P.1, originária de Manaus.

Mãos com luvas azuis manuseiam amostra de sangue

P.4 foi identificada pela primeira vez na cidade de Itirapina, no interior de São Paulo, a cerca de 215 quilômetros da capital

A Sociedade Brasileira de Virologia (SBV) anunciou nesta terça-feira (25/05) a descoberta de uma nova variante do coronavírus, identificada em municípios do interior estado de São Paulo.

A nova cepa foi batizada de P.4. Segundo a SBV, a variante contém a mutação L452R na proteína "spike" do vírus, alteração também presente na cepa indiana (B.1.617).

De acordo com João Araújo Júnior, vice-presidente da SBV, citado pelo portal de notícias G1, a origem da P.4 ainda é desconhecida, mas ela foi identificada pela primeira vez na cidade de Itirapina, no interior de São Paulo, a cerca de 215 quilômetros da capital paulista.

O pesquisador apontou que a P.4 é derivada da mesma linhagem que deu origem à P.1, detectada pela primeira vez em Manaus e classificada pela Organização Mundial da Saúde como "variante preocupante".

"Essa nova variante é parente da P.1, porque ela tem a mesma origem, a origem é a B.1.1.28, que é uma linhagem que deu origem à P.1, à P.2, que foi identificada no Rio de Janeiro, à P.3, que foi identificada nas Filipinas", afirmou o pesquisador ao G1.

Mês mais mortal em Porto Ferreira

Desde o dia 4 de maio, quando foi identificada pela primeira vez numa amostra, a chamada P.4 foi encontrada em vários municípios do interior paulista e em ao menos um deles, Porto Ferreira, já está circulando livremente, segundo os pesquisadores. Do total de 127 mortes confirmadas no município, 25 ocorreram em maio, o pior mês da pandemia na cidade.

Luiz Nicanor Bettiol Júnior, diretor municipal de saúde de Mococa, uma das cidades onde a variante foi detectada, ressaltou, no entanto, que ainda é cedo para saber se a P.4 é menos ou mais perigosa do que as já existentes. "O que pode se dizer é que foi observada uma característica genética diferente", disse ao jornal Folha de S. Paulo.

Ainda não foi confirmado se a nova cepa é mais transmissível, como ocorre com a P.1, que é três vezes mais infeciosa do que a cepa original do coronavírus, segundo o Ministério da Saúde.

No entanto, a presença da mutação L452R na variante P.4 está associada a um maior poder de infecção e aparentemente permite que o vírus escape de anticorpos produzidos por pacientes que já superaram a covid-19.

Araújo Júnior afirmou que é importante acompanhar com cuidado a P.4, cuja circulação está aumentando, para evitar que se espalhe para outras regiões.

Segundo comunicado da SBV, estiveram envolvidos na descoberta da P.4 o Instituto de Biotecnologia (IBTEC), Instituto de Biociências – UNESP Botucatu, do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (IBILCE) – UNESP, São José do Rio Preto, do Laboratório de Pesquisa em Virologia da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP), Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF), Unesp de Araraquara e da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da USP Pirassununga (FZEA-USP).

Celeiro de variantes

Com mais de 16 milhões de casos e 452 mortes por covid-19 confirmadas, o Brasil é o segundo país com mais óbitos pela doença, atrás apenas dos EUA, e o terceiro com mais infecções, atrás dos EUA e da Índia.

A alta circulação do coronavírus causador da covid-19, o Sars-Cov-2, transformou um país no que cientistas descrevem como um celeiro de novas variantes. Quanto mais o vírus se dissemina, maior a probabilidade de mutações ocorrerem, dando origem a novas cepas.

A Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo informou, segundo o G1, que até o momento a P.4 não foi oficialmente notificada. "Atualmente, somente três [variantes] são consideradas ‘variantes de atenção' pelas autoridades sanitárias devido à possibilidade de aumento de transmissibilidade ou gravidade da infecção, por exemplo. São elas: P.1, B.1.1.7 [variante britânica] e B.1.351 [variante sul-africana]."

A OMS classifica como variantes de preocupação global (VOC, na sigla em inglês) a P.1, do Brasil; a B.1.1.7, primeiramente detectada no Reino Unido; a B.1.351, da África do Sul; e a B.1.617, da Índia. São consideradas preocupantes variantes para as quais há evidência de maior transmissibilidade, mais casos graves, redução da capacidade de neutralização por anticorpos, eficácia reduzida de tratamentos ou vacinas, ou falhas no diagnóstico.

Deutsche Welle Brasil, em 26.05.2021

terça-feira, 25 de maio de 2021

Principais pontos do depoimento da "capitã cloroquina" à CPI

Mayra Pinheiro, secretária do Ministério da Saúde, contradiz Pazuello, defende medicamento sem eficácia contra covid-19 e admite que pasta orientou médicos a adotarem o chamado "tratamento precoce"


"Capitã cloroquina" Mayra Pinheiro durante reunião da CPI da Pandemia do Senado.

O depoimento à CPI da Pandemia da secretária de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, nesta terça-feira (25/05), foi marcado por uma série de contradições, além de uma forte defesa do chamado "tratamento precoce” contra o coronavírus, como é conhecido o coquetel bolsonarista formado por drogas ineficazes contra a covid-19, como a cloroquina.

Pinheiro, conhecida como "capitã cloroquina” por sugerir diversas vezes a aplicação do medicamento no tratamento contra a covid-19, foi a nona depoente na CPI que investiga ações e omissões do governo federal e dos estados no combate à pandemia.

Ela disse que jamais recebeu orientação da presidência da República para promover o uso do remédio – sem eficácia cientificamente comprovada contra a covid-19 – e disse que isso tampouco teria ocorrido por sua escolha pessoal.

Algumas de suas declarações contrastaram com o depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello  aos senadores na semana passada.

Pinheiro disse que Pazuello teria sido informado sobre a falta de oxigênio em Manaus no dia 8 de janeiro, dois dias antes da data que ele mencionou à CPI. Ao contrário do ex-ministro, ela disse que a plataforma TrateCov do Ministério da Saúde não foi hackeada, mas sim, teria sido alvo de uma "extração indevida de dados”.

Cloroquina e "tratamento precoce”

Pinheiro disse que o Ministério nunca determinou o uso da cloroquina no tratamento da covid-19, apenas orientou a aplicação de "doses seguras” do medicamento em pacientes infectados.

"O Ministério da Saúde nunca indicou tratamentos para a Covid. O Ministério da Saúde criou um documento juridicamente perfeito, que é a nota orientativa número 9, que depois virou a nota 17, onde nós estabelecemos doses seguras, onde os médicos pudessem utilizar medicamentos, com o consentimento de pacientes, de acordo com o seu livre arbítrio", afirmou a secretária.

Questionada pelo relator da CPI, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), se foi pressionada pelo presidente Jair Bolsonaro  para defender a cloroquina, ela respondeu que não. "Nunca recebi ordem, e o uso desses medicamentos não é uma iniciativa minha pessoal", disse a secretária.

O presidente e seus aliados defendem o chamado "tratamento precoce", que tem como base medicamentos que não têm eficácia cientificamente comprovada contra o coronavírus, assim como a cloroquina.

A secretária afirmou que a recomendação desse tratamento para combater a doença deve depender do "livre arbítrio" dos médicos, com o consentimento dos pacientes.

"Eu mantenho a orientação enquanto médica, que a gente possa usar todos os recursos possíveis para salvar vidas”, afirmou, ao ser perguntada se mantem ainda hoje a recomendação do uso da cloroquina.

TrateCov

Pinheiro disse à CPI que o aplicativo Tratecov, elaborado pelo Ministério da Saúde, foi alvo de uma extração de dados, e não um hackeamento, como afirmou Pazuello. Segundo a secretária, este teria sido o motivo que levou o Ministério desativar a ferramenta.

Ao contrário de Pazuello, Pinheiro disse que não houve alterações no aplicativo porque ele era seguro, e que foi desativado para que houvesse uma investigação. Por sua, vez, o ex-ministro havia dito aos senadores que o aplicativo foi manipulado e colocado no ar pelo hacker.

"Ele pegou esse diagnóstico, botou, alterou, com dados lá dentro, e colocou na rede pública. Quem colocou foi ele; tem todo o boletim de ocorrência. Eu vou disponibilizar para os senhores", disse Pazuello.

A secretária, entretanto, disse que o laudo da perícia no aplicativo mostra não ter havido hackeamento. "Ele não conseguiu hackear [...] foi uma extração indevida de dados. O termo usado [pelo ex-ministro] foi um termo de leigos", afirmou.

Pinheiro disse que o TrateCov foi elaborado para ser uma plataforma para auxiliar médicos no diagnóstico da covid-19. Os senadores, entretanto, afirmam que o aplicativo também receitava cloroquina para crianças e adolescentes.

Após o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), criticar o fato de o Ministério ter desativado um dispositivo que poderia ajudar no combate à doença, a secretária afirmou que a ferramenta estaria sendo "organizada” e deve voltar a ser utilizada.

O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), perguntou quem autorizou a utilização do TrateCov, que ainda era um protótipo. Ela disse que o protótipo era "validado e embasado em estudo internacional” e que a decisão partiu da secretaria comandada por ela, sem citar nomes ou assumir responsabilidade.

Crise do oxigênio em Manaus

Alvo de uma investigação sobre a falta de oxigênio para os pacientes de covid-19 em Manaus, Pinheiro avalia que o Ministério da Saúde não teve nenhuma responsabilidade pelo colapso na saúde na cidade, e jogou a culpa no coronavírus.

"A responsabilidade da doença é o vírus, senador, não é o Ministério da Saúde", disse Pinheiro, ao responder um questionamento de Renan Calheiros. Ela afirmou haver "vários” problemas de gestão no estado do Amazonas, entre estes, a falta de controle e de "planejamento estratégico para o enfrentamento da doença”

"Nas unidades básicas de saúde nós não tínhamos triagem, os pacientes que chegavam com covid eram misturados com pacientes sem covid, se contaminando mais", afirmou.

Pinheiro disse que não foi informada sobre o risco da falta de oxigênio durante visita que fez a cidade, entre 3 e 5 de janeiro. "Durante o período em que eu estive lá, inclusive eu participei de visitas aos hospitais, onde foi o nosso grande choque”, afirmou.

Calheiros quis saber em qual momento ela percebeu que faltaria oxigênio medicinal em Manaus. "Não houve uma percepção que faltaria", respondeu.

"Pelo que eu tenho de provas, é que nós tivemos uma comunicação por parte da Secretaria estadual, que transferiu para o ministro um email da White Martins [empresa fornecedora de oxigênio] dando conta de que haveria um problema de abastecimento, segundo eles mencionado como um problema na rede", disse a secretária.

Ela afirmou ainda que seria "impossível fazer uma previsão" sobre a quantidade de oxigênio que seria necessária para suprir a necessidade de Manaus.

Julgamento de Nuremberg

Renan Calheiros gerou revolta de alguns senadores ao usar como exemplo na CPI o julgamento de Nuremberg, onde oficiais nazistas foram acusados pelas atrocidades cometidas na 2ª Guerra Mundial.

O senador lembrou que Hermann Göring, membro do alto escalão do regime nazista, manteve sua lealdade a Adolf Hitler, e "insistiu que não sabia nada que que tinha acontecido”.

Alguns senadores da situação protestaram e disseram que era indevido comparar o genocídio nazista com o momento atual do país.

"Nuremberg reuniu e puniu inúmeros próceres nazistas e há muitos questionamentos, até hoje, que são feitos sobre o próprio julgamento. Por exemplo, se não foi um julgamento dos vencedores apenas; se a pena de morte dada como sentença não deveria ter sido a pena de prisão pelos crimes cometidos. São balizadores importantes", disse o relator.

Calheiros disse que era sempre bom lembrar que a CPI "não é um tribunal de guerra, nem de exceção", mas sim uma "instituição da democracia".

"Não haverá aqui penas capitais; haverá o respeito absoluto ao devido processo legal e a responsabilização eventual dos culpados será, se for, baseada em provas técnicas e objetivas", afirmou.

O relator negou ter comparado a pandemia com o genocídio nazista. O Holocausto é "assustadoramente comparável na negação dos oficiais nazistas e de algumas autoridades que depuseram aqui nesta CPI”, justificou.

Deutsche Welle Brasil, em 25.05.2021

Brasil registra 2.173 mortes por covid-19 em 24 horas

País teve 73.453 novos casos da doença, o que eleva o total de infectados desde o início da epidemia para 16.194.209. Número acumulado de óbitos aumenta para 452.031.

Vista aérea de cemitério em Manaus, com várias cruzes azuis. Média móvel de novas mortes no Brasil ficou em 1.894, e a de novos casos, em 65.910

Média móvel de novas mortes no Brasil ficou em 1.894, e a de novos casos, em 65.910

O Brasil registrou oficialmente 2.173  mortes ligadas à covid-19 nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) nesta terça-feira (25/05).

Também foram confirmados 73.453 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país chega a 16.194.209, e os óbitos somam agora 452.031.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação. 

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 14.552.024 pacientes haviam se recuperado da doença até esta segunda-feira.

Com os dados de óbitos registrados nesta terça, a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 215,1 no país, a 10ª maior do mundo, se excluído o país nanico San Marino.

A média móvel de novas mortes (soma dos óbitos nos últimos sete dias e a divisão do resultado por sete) ficou em 1.894, e a média móvel de novos casos, em 65.910.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 590 mil óbitos. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (33,1 milhões) e Índia (26,9 milhões).

Ao todo, mais de 167 milhões de pessoas contraíram o coronavírus no mundo, e 3,47 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença, segundo números oficiais.

Deutsche Welle Brasil, em 25.05.2021

Escritório de Ricardo Salles fez operação suspeita de R$ 1,799 milhão após ministro assumir Meio Ambiente, aponta Coaf

Órgão de combate à lavagem de dinheiro destacou que movimentação financeira destoou do perfil histórico de transações; defesa de Salles nega.


O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles Foto: UESLEI MARCELINO/Reuters/19-5-2021

O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) diz que o escritório de advocacia de Ricardo Salles realizou uma operação financeira suspeita de R$ 1,799 milhão após o ministro assumir a pasta do Meio Ambiente. Essa transação financeira, de acordo com o órgão de combate à lavagem de dinheiro, teria ocorrido entre outubro de 2019 e abril de 2020. A defesa de Salles nega.

(Três mil carregamentos de madeira da Amazônia deixaram o país sem autorização, dizem técnicos do Ibama)

A principal suspeita apontada pelo Coaf envolve uma operação no mercado financeiro que teria sido realizada pelo escritório de Salles, "destoando do perfil histórico de operações". "Chamou a atenção o volume expressivo movimentado", ressalta o relatório sigiloso do órgão, obtido pelo GLOBO.

Os indícios de irregularidades em movimentações financeiras feitas pelo escritório do ministro do Meio Ambiente foram enviados pelo Coaf à Polícia Federal e serviram como uma das provas para embasar a Operação Akuanduba, deflagrada na semana passada com autorização do Supremo Tribunal Federal (STF) e que cumpriu busca e apreensão nos endereços de Salles.

(De facilitação para contrabando de madeira até corrupção, entenda as suspeitas que recaem sobre Ricardo Salles)

O Coaf afirma em seu relatório que o escritório do ministro do Meio Ambiente realizou "movimentação de recursos incompatível com o patrimônio". O faturamento médio anual da banca jurídica identificado pelo órgão foi de R$ 350 mil, mas, segundo o relatório, foram realizadas transações superiores à receita da sociedade formada entre Salles e a sua mãe, Diva Carvalho de Aquino.

"Suspeita-se da incompatibilidade entre o volume transacionado a crédito no período e o faturamento médio mensal de cadastro, aparentemente, indicando movimentação de recursos não declarados", diz o Coaf.

(Bela Megale:  Alvo de operação da PF, Salles não entregou seu celular a policiais)

No período de janeiro de 2012 a junho de 2020, o escritório do ministro do Meio Ambiente registrou movimentação financeira total de R$ 14 milhões, considerando entradas e saídas de recursos, segundo o relatório do Coaf. Desse volume, de acordo com o órgão, a banca recebeu R$ 7 milhões em suas contas de diversos clientes. O relatório, porém, não apresentou o detalhamento dos anos referentes a esses pagamentos nem apontou repasses de madeireiras que foram alvos da Operação Akuanduba.

Com base nessas informações, a Polícia Federal solicitou ao ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito no Supremo Tribunal Federal, autorização para quebrar os sigilos bancário e fiscal de Salles para obter mais detalhes das operações suspeitas. O pedido foi deferido. Agora, os investigadores devem cruzar os dados para esclarecer o caso.

(Malu Gaspar:  Diretor-geral da PF não foi informado antes de operação sobre Ricardo Salles)

O relatório do Coaf foi um dos principais elementos utilizados pela Polícia Federal para justificar a inclusão de Salles na investigação. "Cremos que a confirmação da simples existência de operações suspeitas a cargo do ministro Salles, no mesmo período dos fatos em apuração neste IPL, juntamente com os demais elementos coligidos, permitem que seja apreciado por V. Excelência a judicialização destes autos perante este tribunal (o STF)", escreveu a PF.

Procurada, a defesa de Salles negou irregularidades e afirmou que os clientes do escritório do ministro não têm relação com suas atividades políticas. "Todas as questões relativas à investigação serão prestadas nos autos do inquérito, tão logo se tenha acesso. Não existe nenhum movimento suspeito em relação ao escritório de advocacia, que tem clientes sem qualquer relação com atividades políticas. A ética e o sigilo impedem quaisquer comentários", afirmou o advogado Fernando Fernandes, que defende o ministro do Meio Ambiente.

Aguirre Talento e Mariana Muniz, O Globo, em 25/05/2021 - 04:30

Andreazza: Uh! É Pazuello!

Pazuello é o herói bolsonarista que esculacha o Senado e o Supremo com o seu "habeas corpus".

"Uh! É Pazuello!’ Assim gritavam — ante a chegada do ex-ministro da Saúde — os patriotas aglomerados no Aterro do Flamengo para ouvir a pregação de Bolsonaro. O general, também ele motoqueiro, não poderia perder a oportunidade de formar naquele bonde. E que esculacho então deu no Supremo Tribunal Federal, no Senado da República e no Exército de Caxias.

Sobre o carro de som, apostava num habeas corpus da acomodação. Um cálculo bastante fácil, a serviço que esteve — como militar — de um governo militar. Ora, cumprira a missão. Não o deixariam só. Esculacho no Exército de Caxias? Talvez não. Antes de subir à ribalta, decerto pensou no que se passara a Hamilton Mourão quando de seus discursos golpistas — nada, senão a fama que o levaria à Vice-Presidência. E não lhe terá escapado que o próprio Bolsonaro comandaria, em 2021, um governo de generais a seu inteiro dispor mesmo depois de haver conspirado — 34 anos antes, sem qualquer punição à vera — contra a Força.

Esculacho no Exército de Caxias? Não. Pazuello lançara-se ao microfone — sem o menor receio de rasgar os códigos militares — porque encorajado pela história e, mais recentemente, pela partidarização do Exército a partir de Villas Bôas. Aí está. O recado chega, chegou, no guarda da esquina; de modo que o menor dos perigos seria um general "penalizado" com a reserva e livre para se candidatar. É o que quer. Processo disciplinar a valer? Hum...

“Uh! É Pazuello!” Assim gritavam os patriotas aglomerados no Aterro do Flamengo para ouvir a mensagem do libertador Bolsonaro contra os tiranos governadores que nos impingiriam um lockdown só existente na imaginação dos que dependem de forjar inimigos, o clímax de um domingo em que o presidente liderara uma procissão — em que o mito foi o vírus — por uma cidade depauperada pela peste.

Não era pouca gente. Bolsonaro tem base social sólida e competitiva; é aquele que empunha a caneta e que multiplicará a jorração de dinheiros — os orçamentos secretos — para se reeleger. (Alô, general Ramos!) Não era pouca gente. (Em meio à qual o ministro-técnico Tarcísio, o deslumbrado.) E não era pouca a violência. Uma linguagem sectária, de imposição, de atropelamento, não à toa sobre rodas; o tom desde o qual o bolsonarismo — um fenômeno reacionário com rara capacidade de mobilizar ressentidos — já chama 2022. E que não se subestime o impacto da volta de Lula ao tabuleiro como despertador de rejeições amortecidas. Será doente o ano que vem brasileiro, ainda mais do que foi 2018. Todas as condições para a guerra estão dadas; para que adversários se meçam nas ruas, no braço. A ver a forma radicalizada como Bolsonaro — à cata de pautar novamente o debate público — reage à CPI.

Palavras resultam. Mais tarde, no domingo em que se aglomeraram os patriotas pela liberdade, uma parcela dos que seguiram Bolsonaro — representativa da não pequena porção de fascistas que anima o bolsonarismo — cercaria um jornalista, impediria que exercesse a profissão e o veria sair no carro da polícia, como se infrator, como se detido fosse. Havia algo como mil agentes de segurança pública designados para proteger o presidente enquanto cometia sucessivos crimes sanitários, mas não houve um fardado que se mobilizasse para garantir que o repórter pudesse trabalhar. Poucas horas antes, Bolsonaro fora recebido pelo governador Cláudio Castro, que lhe garantia o aparato para que aglomerasse em trânsito sem os riscos que diariamente baleiam os cariocas.

Aliás, tendo o cortejo saído do que outrora foi um Parque Olímpico, ora sabemos que a Comlurb, diante da visita do presidente, motivou-se para podar as árvores e limpar minimamente um terreno que, ao carioca não habitante de Brasília, tornara-se um paraíso baldio para usufruto de criminosos. Seria o caso de agradecer a Bolsonaro, por cuja presença faz-se conservação urbana no Rio de Janeiro? Seria decerto o caso de cobrar do prefeito Eduardo Paes algo que não a covardia, se vige entre nós um decreto que tipifica como infrações várias das barbaridades produzidas pelo presidente. E aí? A alternativa sendo a desmoralização absoluta do pouco respeito que ainda há pelas medidas restritivas. (Até o fechamento desta coluna, ao fim da tarde de segunda-feira, da prefeitura só vinha o silêncio.)

“Uh! É Pazuello! Uh! É Pazuello!” Sobre o carro de som, segundo a versão bolsonarista influente, estava o Pazuello herói, aquele que, mesmo com um habeas corpus, preferiu encarar os senadores e falar à CPI. No mundo real: usara e abusara do habeas corpus para distorcer e dissimular. Poderia ficar calado, mas lhe era dado também mentir — tinha o salvo-conduto para não ser preso. E mentiu. Um general da ativa que pretendeu enganar o Senado. Mas de cujos embustes — enquanto tentava tirar peso do método de difusão bolsonarista, como se a manipulação da linguagem em rede pelo presidente fosse algo irrelevante, inconsequente e mesmo à margem dos rigores da República — sairia a precisa captura do escorregadio modo de expressão de Bolsonaro: “coisa de internet”.

Palavras resultam. O ataque fascista ao jornalismo — o assalto que interditou a um repórter o direito de trabalhar — é produto da “coisa de internet”; o código por meio do qual o presidente dispara comandos e sopra apitos, e que serve tanto para interromper convênios destinados à aquisição de vacinas quanto para cultivar ódios.

Carlos Andreazza, o autor deste artigo, é colunista d'O Globo e apresentador da Rádio CBN. Publicado originalmente em 25.05.2021.