terça-feira, 25 de maio de 2021

Merval Pereira: Um mau soldado

Bolsonaro está levando os militares a uma situação limite, como, aliás, fez constantemente enquanto estava na ativa. Capitão, planejou atentados terroristas para reivindicar melhores salários, foi condenado por um conselho de justificação, mas absolvido pelo Superior Tribunal Militar (STM) em 1988, meses antes de ir para a reserva, num aparente acordo.

Antes, escrevera um artigo na revista “Veja”, em setembro de 1986, denunciando uma “situação crítica da tropa no que se refere aos vencimentos”. Pegou 15 dias de cadeia por indisciplina. “Um mau soldado”, como o classificou o general Ernesto Geisel. Na política, Bolsonaro fazia panfletagem na porta de quartéis nas eleições. Frequentemente era pedido que se afastasse do quartel para fazer sua campanha. Alguns dos generais hoje no governo fizeram essa intermediação com o então deputado Bolsonaro, que chegou à Presidência da República com o apoio e condescendência dos militares, convencidos de que somente ele poderia derrotar o PT em 2018. Hoje, a possibilidade de um novo confronto entre Lula e Bolsonaro em 2022 fortalece sua posição entre os militares.

Incentivado por Bolsonaro — que já quebrara a regra de ouro de não levar a política para dentro dos quartéis quando fez um comício em frente ao Quartel-General do Exército em Brasília —, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello rompeu com a máxima do Exército, de hierarquia e disciplina, ao participar de um ato político no domingo no Rio, sendo general de divisão da ativa.

A partir dessa evidência, o ministro da Defesa, general Braga Netto, e o comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira, tentam achar uma saída que não desmoralize o Exército, nem crie uma crise institucional com a Presidência da República. Mas Pazuello não pode ser tratado com excepcionalidade.

Não puni-lo seria péssimo sinal de que a política está tomando conta dos quartéis. O que não pode, e é o que Bolsonaro está fazendo, é usar o Exército como instrumento político. Está na hora de os militares levarem isso a sério, sob o risco de desmoralização completa da ideia de uma corporação de Estado, hierarquicamente bem definida, e de todos se sentirem autorizados a fazer política nos quartéis.

O ministro Luiz Eduardo Ramos, hoje no Gabinete Civil, teve a sensibilidade de pedir para ir para a reserva quando se viu envolvido, na rampa do Palácio do Planalto, numa manifestação política conduzida por Bolsonaro.

Estava “disfarçado”, em meio a vários assessores, quando o presidente o chamou para a frente da manifestação. Admitiu que não poderia estar ali como general da ativa e pediu para ir para a reserva para poder continuar no governo. Durante muito tempo, tentou convencer Pazuello a fazer o mesmo, sem ter tido sucesso, muito porque Bolsonaro não considerava necessário.

A presença do presidente Bolsonaro em, na média dos primeiros dois anos de seu governo, uma formatura por mês de militares membros das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) e das polícias Militar, Federal e Rodoviária Federal indica uma tentativa de sua parte de politização dos quartéis. O especialista Adriano de Freixo, professor do Departamento de Estudos Estratégicos e Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (Inest-UFF), num estudo já analisado aqui sobre os militares no governo Bolsonaro, ressalta que uma variável que não deve ser ignorada nessa conjuntura é a “bolsonarização” dos estratos inferiores da corporação.

Outro aspecto da “bolsonarização” que começa a se tornar motivo de preocupação, para o professor da UFF, são as polícias militares estaduais, definidas na Constituição como forças auxiliares e reservas do Exército. Ele considera que “o quadro se torna mais complicado quando se leva em consideração a simbiose que existe em diversos estados da Federação entre parte das corporações policiais e forças parapoliciais, as chamadas “milícias” — que, no Rio de Janeiro, já têm o controle efetivo de vastos territórios —, e os crescentes indícios de ligação entre elas e figuras relevantes do entorno de Jair Bolsonaro”.

Merval Pereira participa do Conselho Editorial do Grupo Globo. É membro das Academias Brasileira de Letras, Brasileira de Filosofia e de Ciências de Lisboa. Recebeu os prêmios Esso de Jornalismo e Maria Moors Cabot, da Columbia University. Este artigo foi publicado n'O Globo, em 25.05.2021.

Inflação mais desemprego

Esses dois infortúnios raramente ocorrem ao mesmo tempo – e juntá-los tem sido um dos feitos memoráveis do atual governo
 
Inflação esfola o trabalhador, o desemprego o esmaga. Esses dois infortúnios só raramente ocorrem ao mesmo tempo – e juntá-los tem sido um dos feitos memoráveis do atual governo. Enquanto o presidente passeia sem máscara, provoca ajuntamentos e comanda desfiles a cavalo ou de motocicletas, como se houvesse algo para celebrar, dezenas de milhões de brasileiros enfrentam as durezas da ocupação escassa, do dinheiro curto e do aumento do custo de vida. A inflação ficará acima da meta neste ano e no próximo, segundo as últimas projeções, e, pior que isso, poderá estourar em 2021 o limite de tolerância – de 5,25% – fixado pelas autoridades.

Passado o primeiro choque da pandemia, a atividade econômica voltou a crescer, embora em ritmo ainda insuficiente para zerar o recuo do ano passado. A desocupação permanece elevada e o custo de sobrevivência das famílias, já em alta sensível nos meses finais de 2020, continua avançando. Mesmo com algum recuo no segundo semestre, a inflação oficial, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), poderá fechar o ano com alta acumulada de 5,3%, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vinculado ao Ministério da Economia. No mercado, a mediana das projeções aponta 5,24% para este ano, taxa bem superior à meta (3,75%) e muito próxima do limite superior de tolerância, de acordo com a pesquisa Focus, do Banco Central (BC).

A mesma pesquisa registra, com base num grupo menor de instituições, uma projeção mais atualizada: 5,36%. Para 2022 o relatório indica uma alta de preços – de 3,67% – superior ao centro da meta, fixado em 3,5%. Só em 2023 o aumento do IPCA deverá voltar ao centro do alvo, de 3,25%, mas essa previsão está longe de ser tranquilizante. As pressões continuarão fortes e, se nada tornar o quadro mais complicado, a alta de preços baterá na meta. Uma folga significativa no ritmo da inflação parece improvável, num ambiente de incerteza e dólar instável.

A novidade mais favorável no front inflacionário é um certo arrefecimento dos custos da comida – à primeira vista, uma bênção para os pobres. Nos 12 meses até abril os preços de alimentos consumidos em casa aumentaram 15,5%, 3,6 pontos porcentuais a menos que no período até janeiro. Mas esse grupo permaneceu, como observam os autores do estudo do Ipea, como principal foco de pressão inflacionária. Excluído o impacto dos preços dos alimentos, a inflação nos 12 meses até abril caiu de 6,76% para 5,34%. Mas o quadro muda quando se observam certos detalhes.

No caso da comida, o arrefecimento pode ter sido passageiro. Além disso, os novos aumentos, mesmo quando mais moderados, ocorrem sobre uma base muito elevada, sem proporcionar de fato um alívio. Além disso, os aumentos de preços monitorados, como os de eletricidade e gás, também complicam severamente a situação das famílias pobres. Não basta pôr algum alimento na panela. É preciso ter meios para cozinhá-lo. Todos esses problemas se tornam mais graves quando afetam pessoas desocupadas, sem renda ou com renda comprimida.

Os últimos números do desemprego são do trimestre dezembro-fevereiro. Nesse período havia 14,4 milhões de desempregados, equivalentes a 14,4% da força de trabalho. Nenhuma informação dos meses seguintes sugere mudança significativa nas condições de emprego. Se tiver ocorrido alguma melhora, deve ter sido muito moderada, a julgar pelas condições fracas do consumo e da atividade na indústria e no setor de serviços. Também quanto a esse ponto a situação brasileira é uma das piores, quando se observam as economias emergentes e as desenvolvidas.

Nos 37 países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a inflação nos 12 meses até março estava em 2,4%. Na União Europeia havia chegado a 1,7%. Nos Estados Unidos havia atingido 2,6%. No Brasil havia batido em 6,1%. Na OCDE, em março, o desemprego médio havia recuado para 6,5%. Nenhum chefe de governo dos países desse grupo foi filmado em aglomerações ou comandando um desfile de motociclistas.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 25 de maio de 2021 | 03h00

Principais pontos do depoimento da "capitã cloroquina" à CPI

Mayra Pinheiro, secretária do Ministério da Saúde, contradiz Pazuello, defende medicamento sem eficácia contra covid-19 e admite que pasta orientou médicos a adotarem o chamado "tratamento precoce.

"Capitã cloroquina" Mayra Pinheiro durante reunião da CPI da Pandemia do Senado.

O depoimento à CPI da Pandemia da secretária de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, nesta terça-feira (25/05), foi marcado por uma série de contradições, além de uma forte defesa do chamado "tratamento precoce” contra o coronavírus, como é conhecido o coquetel bolsonarista formado por drogas ineficazes contra a covid-19, como a cloroquina.

Pinheiro, conhecida como "capitã cloroquina” por sugerir diversas vezes a aplicação do medicamento no tratamento contra a covid-19, foi a nona depoente na CPI que investiga ações e omissões do governo federal e dos estados no combate à pandemia.

Ela disse que jamais recebeu orientação da presidência da República para promover o uso do remédio – sem eficácia cientificamente comprovada contra a covid-19 – e disse que isso tampouco teria ocorrido por sua escolha pessoal

Algumas de suas declarações contrastaram com o depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello  aos senadores na semana passada.

Pinheiro disse que Pazuello teria sido informado sobre a falta de oxigênio em Manaus no dia 8 de janeiro, dois dias antes da data que ele mencionou à CPI. Ao contrário do ex-ministro, ela disse que a plataforma TrateCov do Ministério da Saúde não foi hackeada, mas sim, teria sido alvo de uma "extração indevida de dados”.

Cloroquina e "tratamento precoce”

Pinheiro disse que o Ministério nunca determinou o uso da cloroquina no tratamento da covid-19, apenas orientou a aplicação de "doses seguras” do medicamento em pacientes infectados.

"O Ministério da Saúde nunca indicou tratamentos para a Covid. O Ministério da Saúde criou um documento juridicamente perfeito, que é a nota orientativa número 9, que depois virou a nota 17, onde nós estabelecemos doses seguras, onde os médicos pudessem utilizar medicamentos, com o consentimento de pacientes, de acordo com o seu livre arbítrio", afirmou a secretária.

Questionada pelo relator da CPI, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), se foi pressionada pelo presidente Jair Bolsonaro  para defender a cloroquina, ela respondeu que não. "Nunca recebi ordem, e o uso desses medicamentos não é uma iniciativa minha pessoal", disse a secretária.

O presidente e seus aliados defendem o chamado "tratamento precoce", que tem como base medicamentos que não têm eficácia cientificamente comprovada contra o coronavírus, assim como a cloroquina.

A secretária afirmou que a recomendação desse tratamento para combater a doença deve depender do "livre arbítrio" dos médicos, com o consentimento dos pacientes.

"Eu mantenho a orientação enquanto médica, que a gente possa usar todos os recursos possíveis para salvar vidas”, afirmou, ao ser perguntada se mantem ainda hoje a recomendação do uso da cloroquina.

TrateCov

Pinheiro disse à CPI que o aplicativo Tratecov, elaborado pelo Ministério da Saúde, foi alvo de uma extração de dados, e não um hackeamento, como afirmou Pazuello. Segundo a secretária, este teria sido o motivo que levou o Ministério desativar a ferramenta.

Ao contrário de Pazuello, Pinheiro disse que não houve alterações no aplicativo porque ele era seguro, e que foi desativado para que houvesse uma investigação. Por sua, vez, o ex-ministro havia dito aos senadores que o aplicativo foi manipulado e colocado no ar pelo hacker.

"Ele pegou esse diagnóstico, botou, alterou, com dados lá dentro, e colocou na rede pública. Quem colocou foi ele; tem todo o boletim de ocorrência. Eu vou disponibilizar para os senhores", disse Pazuello.

A secretária, entretanto, disse que o laudo da perícia no aplicativo mostra não ter havido hackeamento. "Ele não conseguiu hackear [...] foi uma extração indevida de dados. O termo usado [pelo ex-ministro] foi um termo de leigos", afirmou.

Pinheiro disse que o TrateCov foi elaborado para ser uma plataforma para auxiliar médicos no diagnóstico da covid-19. Os senadores, entretanto, afirmam que o aplicativo também receitava cloroquina para crianças e adolescentes.

Após o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), criticar o fato de o Ministério ter desativado um dispositivo que poderia ajudar no combate à doença, a secretária afirmou que a ferramenta estaria sendo "organizada” e deve voltar a ser utilizada.

O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), perguntou quem autorizou a utilização do TrateCov, que ainda era um protótipo. Ela disse que o protótipo era "validado e embasado em estudo internacional” e que a decisão partiu da secretaria comandada por ela, sem citar nomes ou assumir responsabilidade.

Crise do oxigênio em Manaus

Alvo de uma investigação sobre a falta de oxigênio para os pacientes de covid-19 em Manaus, Pinheiro avalia que o Ministério da Saúde não teve nenhuma responsabilidade pelo colapso na saúde na cidade, e jogou a culpa no coronavírus.

"A responsabilidade da doença é o vírus, senador, não é o Ministério da Saúde", disse Pinheiro, ao responder um questionamento de Renan Calheiros. Ela afirmou haver "vários” problemas de gestão no estado do Amazonas, entre estes, a falta de controle e de "planejamento estratégico para o enfrentamento da doença”

"Nas unidades básicas de saúde nós não tínhamos triagem, os pacientes que chegavam com covid eram misturados com pacientes sem covid, se contaminando mais", afirmou.

Pinheiro disse que não foi informada sobre o risco da falta de oxigênio durante visita que fez a cidade, entre 3 e 5 de janeiro. "Durante o período em que eu estive lá, inclusive eu participei de visitas aos hospitais, onde foi o nosso grande choque”, afirmou.

Calheiros quis saber em qual momento ela percebeu que faltaria oxigênio medicinal em Manaus. "Não houve uma percepção que faltaria", respondeu.

"Pelo que eu tenho de provas, é que nós tivemos uma comunicação por parte da Secretaria estadual, que transferiu para o ministro um email da White Martins [empresa fornecedora de oxigênio] dando conta de que haveria um problema de abastecimento, segundo eles mencionado como um problema na rede", disse a secretária.

Ela afirmou ainda que seria "impossível fazer uma previsão" sobre a quantidade de oxigênio que seria necessária para suprir a necessidade de Manaus.

Julgamento de Nuremberg

Renan Calheiros gerou revolta de alguns senadores ao usar como exemplo na CPI o julgamento de Nuremberg, onde oficiais nazistas foram acusados pelas atrocidades cometidas na 2ª Guerra Mundial.

O senador lembrou que Hermann Göring, membro do alto escalão do regime nazista, manteve sua lealdade a Adolf Hitler, e "insistiu que não sabia nada que que tinha acontecido”.

Alguns senadores da situação protestaram e disseram que era indevido comparar o genocídio nazista com o momento atual do país.

"Nuremberg reuniu e puniu inúmeros próceres nazistas e há muitos questionamentos, até hoje, que são feitos sobre o próprio julgamento. Por exemplo, se não foi um julgamento dos vencedores apenas; se a pena de morte dada como sentença não deveria ter sido a pena de prisão pelos crimes cometidos. São balizadores importantes", disse o relator.

Calheiros disse que era sempre bom lembrar que a CPI "não é um tribunal de guerra, nem de exceção", mas sim uma "instituição da democracia".

"Não haverá aqui penas capitais; haverá o respeito absoluto ao devido processo legal e a responsabilização eventual dos culpados será, se for, baseada em provas técnicas e objetivas", afirmou.

O relator negou ter comparado a pandemia com o genocídio nazista. O Holocausto é "assustadoramente comparável na negação dos oficiais nazistas e de algumas autoridades que depuseram aqui nesta CPI”, justificou.

Deutsche Welle Brasil, em 25.05.2021

Ministro do STF ordena que governo federal proteja terras indígenas

Em decisão, Barroso determina que União destaque "todo o efetivo necessário" para garantir segurança das terras Yanomami e Munduruku. Territórios são alvo de garimpo e extração de madeira ilegais.

Garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami se intensificou nos últimos anos

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso determinou nesta segunda-feira (24/05) que o governo federal adote medidas imediatas para garantir a proteção à vida, à saúde e à segurança dos indígenas que vivem nas terras indígenas Yanomami, em Roraima e Amazonas, e Munduruku, no Pará.

Com a decisão, o ministro atendeu a um pedido feito pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), pela Defensoria Pública da União e por organizações de direitos humanos e partidos políticos, que solicitaram a proteção aos indígenas citando uma escalada de violência nas regiões e os riscos de transmissão da covid-19 nestes territórios. A ação pediu ainda a retirada de garimpeiros dos territórios indígenas.

Barroso determinou que o governo deve destacar "todo o efetivo necessário" para proteger os indígenas e permanecer na região enquanto houver risco. O ministro afirmou ainda que os territórios são alvo de mineração e extração de madeira ilegais, além de desmatamento.

"Entendo suficientemente demonstrados os indícios de ameaça à vida, à saúde e à segurança das comunidades localizadas na TI Yanomami e na TI Mundurucu. Tais indícios se expressam na vulnerabilidade de saúde de tais povos, agravada pela presença de invasores, pelo contágio por covid-19 que eles geram e pelos atos de violência que praticam", destacou o ministro.

Sigilo de operações

Na decisão, o magistrado proíbe que o governo de divulgar datas ou informações que comprometam o sigilo de operações contra grupos invasores na região, determina que a da Procuradoria-Geral da República acompanhe essas ações e solicita um relatório da União sobre a situação nas terras indígenas e resultado da operação.

Barroso autorizou ainda fiscais ambientais a destruir maquinário e instrumentos usados pelos infratores. O ministro criticou também a falta de transparência sobre a atuação do governo federal para a proteção dos indígenas.

"O risco à vida, à saúde e à segurança de tais povos se agrava ante a recalcitrância e a falta de transparência que tem marcado a ação da União neste feito, o que obviamente não diz respeito a todas as autoridades que oficiam no processo, muitas das quais têm empenhado seus melhores esforços, mas diz respeito a algumas delas, suficientes para comprometer o atendimento a tais povos", afirma.

O magistrado acrescenta que a demora na tomada de ações "pode ser fatal e implicar conflitos, mortes ou contágio".

A comunidade de Palimiú, na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, está sob tensão por conta de ataques por parte de garimpeiros armados desde ao menos 10 de maio. De acordo com a Associação Yanomami Hutukara, ao menos cinco pessoas ficaram feridas, sendo quatro garimpeiros e um indígena. Policiais federais também foram alvo de disparos no local, no dia 11, quando estiveram na comunidade para apurar o ataque dos garimpeiros. Lideranças indígenas afirmam que duas crianças morreram afogadas ao fugirem dos garimpeiros.

Desde a década de 1980, a região é alvo de garimpo ilegal, mas nos últimos anos essa exploração se intensificou. No território, vivem cerca de 27 mil indígenas, incluindo grupos isolados. Além da ameaça da covid-19, trazida pelos garimpeiros, os yanomami enfrentam ainda um surto de malária, agravado pela escassez de cloroquina.

Deutsche Welle Brasil, em 25.05.2021

Covid: por que Taiwan e Cingapura vivem alta de infecções, após serem vistos como exemplos de sucesso

Eles foram exaltados como histórias de sucesso contra o coronavírus, e registravam quase nenhum caso de covid-19 no começo de 2021

Mas neste mês, Cingapura e Taiwan passaram a enfrentar um aumento repentino e agressivo no número de infecções. O primeiro teve 248 novos casos na semana passada, e o segundo, 1.200.

Pessoas oram no Templo Lungshan, em Taiwan. (GETTY IMAGES)

Para os padrões internacionais (o Brasil tem quase 80 mil por dia), esses números podem parecer irrisórios. Mas para esses países eles eram impensáveis meses atrás. O que deu errado, afinal?

Um caso de complacência: Taiwan

Taiwan foi um dos primeiros lugares a proibir turistas estrangeiros assim que a China relatou o surgimento do vírus no fim de 2019, e essas duras restrições de fronteira permanecem em vigor até hoje.

No entanto, localmente, tanto a população quanto o governo começaram a se tornar condescendentes, complacentes.

Hospitais pararam de testar massivamente as pessoas para covid, mesmo aquelas com febre, um dos sintomas mais comuns do coronavírus

De acordo com o portal Our World in Data, da Universidade de Oxford, Taiwan realizava apenas 0,57 testes de vírus a cada 1.000 pessoas em meados de fevereiro. Em comparação, Cingapura realizava 6,21 e o Reino Unido, 8,68.

Distrito da luz vermelha de Taiwan, repleto de casas de chá e casas de massagem. (Getty Images)

"Havia uma suposição geral, mesmo com pessoas apresentando sintomas, de que a probabilidade de ter o covid-19 era essencialmente zero", disse o professor associado Lin Hsien-ho da Universidade Nacional de Taiwan à BBC, acrescentando que derivava da crença de que o vírus não poderia atravessar as fortes barreiras levantadas por Taiwan.

"Os médicos não estavam levando isso a sério, os hospitais não estavam alertas, não faziam muitos rastreamentos de contatos. Definitivamente, havia uma certa sensação de complacência."

Isso se mostrou especialmente quando Taiwan relaxou suas exigências de quarentena para pilotos de companhias aéreas não vacinados de 14 para 5 dias. E depois para só 3 dias.

Pouco depois, surgiu uma série de casos conectada a um grupo de pilotos da China Airlines que estavam hospedados em um hotel perto do aeroporto de Taoyuan. Depois, descobri-use que muitos dos infectados ligados a essa série de casos tinham contraído a variante achada no Reino Unido, conhecida como B.1.1.7.

O vírus então se espalhou pela comunidade, chegando às "casas de chá" de Taiwan, que são locais de entretenimento para adultos.

"Você tinha pessoas cantando, bebendo, entrando em contato frequente em um ambiente interno não muito ventilado. Não era apenas uma casa de chá, mas muitas na mesma rua. Foi um evento super espalhador enorme", disse Lin, da Universidade Nacional de Taiwan.

O professor Chen Chien-jen, epidemiologista e ex-vice-presidente de Taiwan, diz que o fato de muitos daqueles que tiveram diagnóstico positivo não quererem declarar que visitaram esses locais de entretenimento para adultos tornou ainda mais difícil o rastreamento das pessoas com quem eles encontraram.

"Isso apenas nos lembra que mesmo quando uma proporção muito pequena da população quebra as regras, isso levará a escapes", disse o Dr. Chen.

Ele também acrescenta que Taiwan falhou em aprender com a indústria de entretenimento adulto do Japão, que também foi um foco de infecções em um dado momento.

"Não aprendemos a lição com o Japão e refletimos que Taiwan pode ter esses mesmos problemas", disse ele.

Segundo o professor Alex Cook, da Universidade Nacional de Cingapura (NUS), a situação de Taiwan é "um reflexo do risco constante de uma estratégia que enfatiza demais o controle de fronteiras e não o suficiente em medidas de prevenção à disseminação dentro do país".

Rachaduras no muro: Cingapura

Em Cingapura, no entanto, a história foi diferente.

A medidas no país sempre foram rigorosas, apesar dos poucos casos registrados ao longo da pandemia. Encontros públicos podem reunir até oito pessoas, os clubes noturnos não foram reabriram e ainda há um limite para reuniões coletivas, como casamentos.

Mas ainda havia lacunas em sua estratégia de vacinas e, no final de maio, o Aeroporto Changi de Cingapura, que também possui um popular shopping center, havia se transformado no maior centro de covid do país em 2021.

Aeroporto de Cingapura se tornou um ponto de espalhamento de covid-19. (Getty Images)

Tempos depois, as autoridades de Cingapura descobriram que vários funcionários infectados do aeroporto estavam trabalhando em uma zona que recebia viajantes de países de alto risco, incluindo os do sul da Ásia.

Alguns desses funcionários passaram a fazer suas refeições nas praças de alimentação do aeroporto, que são abertas ao público, espalhando ainda mais o vírus.

Como resultado, o país decidiu fechar seus terminais de passageiros para o público.

Mais tarde, descobriu-se que muitos dos infectados tinham uma variante altamente contagiosa que foi descoberta na Índia, conhecida como B.1.617.

Cingapura também anunciou que iria separar voos e passageiros de países e regiões de alto risco daqueles que chegam de lugares de menor risco. A equipe de funcionários também será segregada por zonas.

Muitos no país se perguntam por que tais medidas não foram tomadas antes, observando que essas brechas foram apontadas há semanas.

Mas especialistas dizem que era "inevitável" que uma nova variante chegasse ao país.

"Eu entendo porque as pessoas estão se sentindo frustradas porque a maioria dos cingapurenses tem sido extremamente complacente", disse o professor Teo Yik Ying, reitor da Escola de Saúde Pública (NUS).

"Mas não somos como a China, que consegue manter suas fronteiras completamente fechadas. Nossa reputação como país, nossa economia, está ligada à nossa posição de centro comercial. Além disso, se olharmos para os EUA no ano passado, seus piores casos de vírus não vieram da China, mas de viajantes da Europa. Então, para quantos países Cingapura pode fechar suas fronteiras?"

Mas Cook, da Universidade Nacional de Cingapura, diz que o país ainda está em uma "posição muito boa" para conter seu surto.

"Hesito em dizer que 'as coisas deram errado', já que Cingapura ainda está, apesar da intensificação das medidas, em uma posição muito boa", disse ele.

"Se compararmos com o Reino Unido, os casos diários típicos são cerca de 10% do nível do Reino Unido se considerarmos proporcionalmente o tamanho da população. Em outras palavras, Cingapura está endurecendo as medidas para prevenir chegar a um ponto em que o vírus possa se descontrolar."

Vacinação lenta

Há um problema que atingem por igual Cingapura e Taiwan: vacina.

Muitos em Taiwan não queriam tomar a vacina quando as coisas estavam indo bem, com temores em torno de eventuais efeitos colaterais da vacina AstraZeneca-Oxford, a principal disponível no país, o que ampliou ainda mais a hesitação vacinal.

O atual aumento de casos, entretanto, mudou isso, e as pessoas em Taiwan agora estão ose aglomerando para receber a vacina. Mas o problema é: não há doses para todos.

Até agora, Taiwan recebeu apenas 300 mil vacinas, ante sua população de 24 milhões.

"Tentamos nosso melhor comprando vacinas de empresas internacionais, mas não conseguimos muito. A única maneira de sustentar nosso fornecimento é fabricando nós mesmos, isso é muito importante para Taiwan", disse Chen, ex-vice-presidente de Taiwan.

Muito em Taiwan evitaram receber vacina AstraZeneca-Oxford por temer efeitos colaterais, mas depois fizeram fila quando casos aumentaram no país. (Getty Images)

Taiwan está trabalhando atualmente na produção de duas vacinas locais, que podem estar disponíveis no final de julho.

A história é um pouco diferente em Cingapura, mas sofre da mesma escassez.

Cerca de 30% da população recebeu pelo menos uma dose da vacina, de acordo com a Universidade de Oxford, e isso representa a maior taxa de vacinação do Sudeste Asiático. Mas o país está de mãos atadas com a oferta limitada de vacinas. De todo modo, o governo espere vacinar toda a sua população até o final do ano.

"Em última análise, somos limitados pelo fornecimento. Em países como o Reino Unido, EUA, China, eles têm a capacidade de produzir suas próprias vacinas", disse Teo, da Escola de Saúde Pública de Cingapura.

"Prevemos que a necessidade de vacinas será de longo prazo, por isso estamos caminhando para ter nossas próprias capacidades de fabricação. Então não seremos mais dependentes."

Teo acrescenta que o pico em ambos os lugares é uma lição para os países que agora podem estar vendo uma queda nos casos.

"Quando vemos países na Europa ou nos Estados Unidos começando a flexibilizar as medidas de restrição à circulação de pessoas, acho que eles deveriam ser muito cautelosos e olhar ao redor do mundo para ver o que está acontecendo", disse ele.

"O que aconteceu em Taiwan e Cingapura é um sinal de que não devemos baixar a guarda."

Yvette Tan, de Cingapura para a BBC News, em 21 maio 2021

Para conter variante indiana do coronavírus, SP inicia triagem de passageiros do Maranhão

A Prefeitura de São Paulo anunciou que começará a fazer nesta terça-feira (25/05) uma triagem de passageiros oriundos do Maranhão, por meio de ônibus ou avião, para tentar conter a entrada de novas variantes na capital paulista.

Adotada em diversas partes do mundo, aferição de temperatura têm alcance limitado porque muitos infectados por covid não apresentam sintomas da doença (Getty Images).

Na última quinta-feira (20/05), o governo estadual maranhense confirmou a detecção em seu território de seis pessoas infectadas com a variante B.1.617, descoberta na Índia. Eles eram tripulantes do navio MV Shandong da Zhi, ancorado no Estado, e constituem os primeiros casos da variante no Brasil. Apenas um dos infectados segue hospitalizado, em estado grave — outros já tiveram alta ou não precisaram ser internados.

Segundo a Prefeitura de São Paulo, a triagem funcionará por até 14 dias, envolvendo a verificação de temperatura e questionamentos a passageiros, além de cadastro de todos os ocupantes dos voos e viagens de ônibus — de forma a facilitar o controle e a comunicação em caso de transmissões suspeitas ou confirmadas.

"As medidas são essenciais no controle da população que chega à cidade de São Paulo, principalmente para evitar a entrada de novas cepas e aumentar o risco de um novo aumento de casos na Capital", diz um texto da prefeitura, que tem apoio da Anvisa, do município de Guarulhos, de concessionárias de rodovias, entre outros órgãos envolvidos na ação.

Vale lembrar que medidas como aferição de temperatura têm alcance limitado porque, segundo estudo publicado no periódico Jama, pelo menos 30% dos infectados por covid não apresentam sintomas da doença.

Em nota publicada nesta segunda-feira (24/5), a secretária de Saúde do Maranhão afirmou que não há transmissão local da variante no Estado (quando a infecção já ocorre no próprio território mas pode ter a cadeia de transmissão identificada, diferente da comunitária, quando o vírus circula livremente) e que está realizando exames e monitorando pessoas que tiveram contato com tripulantes do MV Shandong da Zhi.

O que se sabe sobre essa variante

Os primeiros relatos da B.1.617 foram publicados ainda em outubro de 2020, mas a preocupação com a variante aumentou recentemente conforme piorou a crise causada pela covid-19 na Índia, seu provável local de origem.

A partir de abril, o país asiático passou a bater recordes relacionados à doença, passando neste 24 de maio de 26,7 milhões de casos e 303 mil mortes pela covid.

Uma análise da Organização Mundial da Saúde (OMS) publicada no dia 9 reconhece que a guinada e a aceleração da transmissão da covid-19 na Índia tem como uma das explicações "a proporção de casos provocados por variantes com maior transmissibilidade".


Gráfico sobre variantes do coronavírus

Mas o relatório destaca outros ingredientes fundamentais para entender a crise, como "aglomerações relacionadas a eventos religiosos e políticos e a redução da aderência às medidas preventivas de saúde pública e sociais", como o uso de máscaras e o distanciamento físico.

Além do alerta acendido na Índia, a B.1.617 foi detectada em mais 44 países de todos os seis continentes.

Em algumas regiões da Inglaterra, como Bolton, Blackburn, Bedford e Sefton, ela já representa a maioria dos casos analisados e se tornou dominante.

A variante possui três versões, com pequenas diferenças: a B.1.617.1, a B.1.617.2 e a B.1.617.3. Elas apresentam mutações importantes nos genes que codificam a espícula, a proteína na superfície do vírus que é responsável por se conectar aos receptores das células humanas e dar início à infecção.

Mas cientistas ainda não sabem a real velocidade de transmissão da B.1.617 e nem o quanto ela influencia na gravidade da doença.

BBC News Brasil, em 25.05.2021

Apoio de Pazuello a Bolsonaro 'põe em xeque disciplina do Exército', diz ministra do Superior Tribunal Militar

A participação do general Eduardo Pazuello, ex-ministro na Saúde, em um ato político de apoio ao presidente Jair Bolsonaro no Rio de Janeiro "colocou em xeque a disciplina do Exército", afirma a ministra do Superior Tribunal Militar (STM) Maria Elizabeth Rocha.


Pazuello participa de ato em apoio a Bolsonaro no Rio de Janeiro (Fernando GFrazão / Ag. Brasil).

No domingo, Pazuello subiu em um caminhão de som ao lado do presidente, agradeceu o apoio do público e elogiou Bolsonaro — ambos estavam sem máscara, embora uma lei estadual estabeleça uso obrigatório da proteção no Rio de Janeiro.

Para a ministra, a atitude significou "várias transgressões" ao Regulamento Disciplinar do Exército, que proíbe o militar da ativa de se manifestar publicamente a respeito de assuntos de natureza político-partidária sem que esteja autorizado previamente.

Segundo Elizabeth Rocha, cabe ao comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira, definir se Pazuello deve receber uma punição, que pode variar de advertência até uma prisão disciplinar, segundo as normas militares. Ela lembra, porém, que o presidente Jair Bolsonaro, como chefe supremo das Forças Armadas, tem o poder de reverter decisões de Nogueira.

"Seria muitíssimo complicado. Por isso, talvez uma passagem (de Pazuello) pra reserva seja o melhor caminho. Porque aí o general Pazuello, como todo cidadão civil, vai poder manifestar livremente as suas convicções ideológicas", defende Rocha.

"Sem dúvida alguma ele colocou em xeque a disciplina do Exército, porque ele se posicionou publicamente, sem estar autorizado, em assuntos de natureza político-partidária, quando ele subiu naquele carro e defendeu o governo", acrescenta ela.


"Sem dúvida alguma ele colocou em xeque a disciplina do Exército", diz Rocha sobre Pazuello (Divulgação | Superior Tribunal Militar)

Por outro lado, a ministra diz que a atitude do ex-ministro não chega a configurar um crime militar, o que manterá seu caso longe da alçada do STM. Já eventuais crimes cometidos por Pazuello enquanto comandou o Ministério da Saúde durante a pandemia de coronavírus estão sendo apurados pelo Ministério Público Federal e a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid. O general, que depôs à CPI na semana passada, deve ser novamente convocado após sua presença no ato político que provocou aglomeração no domingo.

Crítica da "politização das Forças Armadas", Elizabeth Rocha considera que Pazuello já devia ter saído da ativa desde que se tornou ministro. Ela ressalta que a proibição para a atuação política não é apenas uma norma disciplinar, mas está prevista na própria Constituição Federal.

"Um militar não pode, enquanto estiver na ativa, se filiar a partido político. E por que isso? Porque os militares detêm as armas da nação. Eles são investidos do monopólio da força legítima do Estado. O Estado os arma pra defender a pátria e a sociedade. Então, realmente, não é possível que discursos ideológicos, que discursos político-partidários, adentrem os quartéis, porque isso pode comprometer toda a cadeia de comando", explica Rocha.

"É evidente que (os militares) estão subordinados ao Presidente da República como chefe supremo. Mas ele é o chefe supremo das Forças Armadas sob o ponto de vista funcional, operacional, de defesa da pátria, e só. A questão política tem que ficar apartada desse discurso", diz ainda.

Apesar da grande repercussão em torno da participação de Pazuello no ato político, o comando do Exército e o Ministério da Defesa não se manifestaram publicamente sobre o caso ao longo de toda segunda-feira.

Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, Bolsonaro telefonou para o ministro da Defesa, general Braga Netto, proibindo a divulgação de qualquer nota ou manifestação pública a respeito do caso.

Ainda de acordo com a reportagem, o Exército abriu um processo para apurar se houve transgressão disciplinar e Pazuello terá até quatro dias para manifestar sua defesa.

Ameaças à democracia?

Bolsonaro promoveu uma forte militarização da administração federal no seu governo, em patamares inéditos para o atual regime democrático. Um relatório do Tribunal de Contas da União do ano passado identificou mais de seis mil militares ocupando cargos civis, sendo cerca de metade deles composta por oficiais da ativa.

Generais ocupam alguns dos principais ministérios, como a Casa Civil (Luiz Eduardo Ramos), Defesa (Braga Netto) e o Gabinete de Segurança Institucional (Augusto Heleno).

Em momentos desafiadores para seu governo, com queda da sua popularidade, com frequência Bolsonaro apela para o apoio dos militares, falando em "meu Exército" ou "minhas Forças Armadas".


Pazuello foi acusado por senadores de ter mentido durante depoimento na CPI da Covid (Reuters).

Para a ministra Elizabeth Rocha, esse cenário "não é saudável para a democracia".

"O poder civil deve prevalecer sobre o poder militar. Todos os regimes democráticos apoiam isso, e a criação do Ministério da Defesa (como um órgão civil acima das três forças) foi uma sinalização do presidente Fernando Henrique Cardoso nesse sentido", lembra ela.

"Mas isso não significa que o poder civil possa chamar os militares e se valer da atuação da força militar toda vez que ele se sinta fragilizado ou comprometido. A destinação das Forças Armadas não é defender os regimes políticos, é defender o Estado nacional", reforça.

Apesar dessa preocupação, a ministra diz que não considera que a democracia brasileira esteja hoje "ameaçada" pela politização das Forças Armadas.

Enquanto alguns analistas políticos temem o uso dos militares por Bolsonaro em caso, por exemplo, de o presidente contestar uma eventual derrota na sua tentativa de reeleição em 2022, Elizabeth Rocha diz que o contexto mundial atual é muito diferente do de 1964, quando ocorreu um golpe militar com apoio do governo dos Estados Unidos.

"Eu acho que a nossa democracia, apesar de todos os percalços, está consolidada. E também (não vejo ameaça) porque as contingências geopolíticas mundiais são completamente diferentes de 64, quando havia uma Guerra Fria e o mundo estava dividido em dois blocos de influência", afirma.

"Eu não acredito que o Joe Biden (presidente dos EUA) tenha interesse em reviver a operação Brother Sam (uso da Marinha americana para apoiar o golpe de 64). Então, esses riscos eu acho que realmente o Brasil não corre mais. Mas o fato é que essa promiscuidade do militar na política acaba por comprometer a independência, a imparcialidade e o profissionalismo na caserna", critica.

Mariana Schreiber - @marischreiber, de Brasília para a BBC News Brasil, em 25.05.2021

segunda-feira, 24 de maio de 2021

Sarney: “Não podemos ignorar a desigualdade”

Acostumado aos embates e debates da vida pública, o político mais longevo do país, José Sarney, 91 anos, fez alguns pactos consigo mesmo: não dar palpite no governo de sucessores e não revelar conversas entre ex-presidentes, como a que teve recentemente com Luiz Inácio Lula da Silva.

Ainda assim, não se furta a analisar o país à luz da pandemia. Sabe que a sobrevivência da espécie humana só será possível com uma convivência mais harmoniosa e equilibrada com a natureza. Que a pandemia trouxe a certeza de que a humanidade não suporta a imensa desigualdade entre os que têm quase nada e os que têm quase tudo. “Não podemos aceitar que pessoas passem fome, sejam vítimas de violência, sofram discriminações terríveis enquanto uns poucos não saibam o que fazer com o que têm, vivam num niilismo e num luxo desenfreado”, reflete, nesta entrevista à coluna.

Na companhia dos livros, Sarney vive o isolamento em Brasília, cidade que ele considera hoje uma das mais confortáveis do mundo para se viver. “Fui um dos primeiros parlamentares a mudar-me para Brasília e, desde então, fora os anos em que governei o Maranhão, aqui vivo. Fora o primeiro momento — em que saímos das nuvens vermelhas da poeira das obras para o verde das superquadras — , o que vi foi a cidade se transformar numa das grandes cidades brasileiras”, diz.

Sobre o Brasil, entre tantos desafios, aponta alguns urgentes: “Pensar na imensidão do número de vítimas é uma dor que revolta e sufoca. Então temos que bater em duas teclas: ajuda à sobrevivência, a superação da fome e do desespero; e emprego, emprego e emprego”. Sarney vê caminho promissor numa reforma política que tenda ao parlamentarismo.

Aposta na ciência como o fio condutor de qualquer governo neste momento e vê na coletividade o caminho para sair da crise. “A pandemia nos torna a todos vulneráveis, sem discriminar fortuna, poder, cor. Ao mesmo tempo, ela só tem uma maneira efetiva de ser combatida, que é a solidariedade.”

Como a pandemia pode reforçar os valores humanistas da sociedade?

A pandemia nos torna a todos vulneráveis, sem discriminar fortuna, poder, cor. Ao mesmo tempo, ela só tem uma maneira efetiva de ser combatida, que é a solidariedade. Precisamos todos agir com o pensamento na coletividade, seja ao tomar as medidas e precauções de isolamento, distanciamento, uso de máscaras, higiene etc., seja inclusive na vacinação, que só faz realmente efeito se atingir a todos.

Ao igualar os homens, traz a todos os grandes valores da sociedade ocidental, inspirados no cristianismo — por mais agressivas contra a Igreja que tenham sido a Revolução Francesa, a Revolução de 1917, no fundo, tanto os homens do terror quanto os marxistas tinham como inspiração a igualdade e a fraternidade, que são expressões do amor ao próximo.

A pandemia nos mostra também a futilidade da acumulação de supérfluos, a precariedade do individualismo, o risco de desafiarmos a natureza, e tudo isso deve nos fazer dar mais importância ao que (o papa) Paulo VI exprimiu como “ser mais, em vez de ter mais”.

É possível ter um olhar poético diante deste momento difícil?

A poesia tem em seus fundamentos a narrativa dos grandes desafios, como foi o caso da Ilíada ou da Eneida. Dante foi buscar Virgílio para fazer a travessia do Inferno para o Paraíso, na Divina Comédia. Então um tema poético é o trágico, o impacto do inevitável.

Mas, ao mesmo tempo, a pandemia nos faz ter uma vida mais introspectiva, mais voltada para as relações pessoais, e pode ser assim uma grande fonte de lirismo.

O que mudou na sua rotina neste ano de pandemia?

Eu passei uma parte importante da minha vida, dedicada à política, interagindo com outras pessoas, em encontros pessoais ou reuniões de grupos, fosse no Parlamento, fosse no Executivo. Mesmo depois que deixei a política, minha rotina sempre foi passar parte do dia em meu escritório, recebendo pessoas — e tratando de uma grande variedade de assuntos.

Com a pandemia, passo a maior parte do meu tempo em casa, com a família e com esse grande amigo de toda a minha vida, que é o livro.

Como ficam as grandes questões da humanidade no pós-pandemia?

A humanidade tem um grande desafio, que é o seu convívio com a natureza. Se não encontrarmos — e rapidamente — um ponto de equilíbrio, seremos varridos, como já o foram tantos milhões de espécies, da face da Terra.

Mas não podemos ignorar também a gigantesca desigualdade que existe entre os que tudo têm e os que nada têm, tão forte globalmente quanto em nosso país. Não podemos aceitar — são coisas que eu disse há mais de 30 anos, nas Nações Unidas, falando em nome do Brasil — que pessoas passem fome, sejam vítimas de violência, sofram discriminações terríveis enquanto uns poucos, em uns poucos países, não saibam o que fazer com o que têm, vivam num niilismo e num luxo desenfreado.

O momento exige resiliência e ativismo solidário. Pessoalmente, se engajou em alguma atividade coletiva — a distância?

Você sabe que eu dei a minha contribuição na busca da justiça social e da democracia. Agora é a vez de outras gerações.

Que ensinamento este momento nos deixa?

O de que o homem tem que ser mais humilde diante do desconhecido e mais solidário.

O senhor é praticamente um candango. Como viu a evolução da cidade?

Realmente, creio que sou dos últimos sobreviventes dos que viram a cidade nascer. Fui um dos primeiros parlamentares a mudar-me para Brasília, e desde então, fora os anos em que governei o Maranhão, aqui vivo.

Fora o primeiro momento, em que saímos das nuvens vermelhas da poeira das obras para o verde das superquadras, o que vi foi a cidade se transformar numa das grandes cidades brasileiras. Aquela coisa que existia de as pessoas a classificarem de impossível de viver e aqui virem para passar dois ou três dias na semana, voltando para os grandes centros, desapareceu, e hoje há aqui todo ou mais conforto que em qualquer das capitais do mundo.

Como vê a perda de tantos brasileiros para a covid-19?

A perda de cada vida é uma tragédia, não só para a sua família como para o país. Infelizmente, todos já passamos, a esta altura, por viver a pandemia como uma tragédia familiar, pela perda de um parente ou amigo muito próximo. Pensar na imensidão do número de vítimas é uma dor que revolta e sufoca.

O governo federal está desempenhando o papel corretamente em relação à crise sanitária ?

Você sabe que tenho comigo mesmo o compromisso de não dar palpite no governo dos meus sucessores. O que posso dizer é que todos os governos da Terra devem se guiar, neste momento, pela ciência, pelos seus representantes, que são os médicos e pesquisadores, os que têm o domínio de como se processa a expansão deste organismo que não chega a ser vivo, mas é a morte para tantos.

Que conselho o senhor daria aos políticos das novas gerações?

No processo da Inconfidência, chega um Alferes para acusar Tiradentes e mostrar que ele estava numa conspiração, e lhe diz: “Eu aqui estou para trabalhar para ti.”; e Tiradentes responde: “Eu estou aqui para trabalhar para todos.” Creio que quem quer começar na política deve pensar nisso, pensar que a política só faz sentido para quem quer trabalhar por uma sociedade mais justa e humana.

O encontro com o ex-presidente Lula é um sinal de nova aliança?

Eu sou da velha guarda, em que se mantém a liturgia de que conversa entre ex-presidentes não se revela se não for acordado antes.

A importância da união em torno de um projeto suprapartidário para mitigar os efeitos da pandemia nos próximos anos é possível?

Creio que o Brasil tem dois desafios que precisam ser encarados por valores acima das polêmicas políticas: o primeiro é, sem dúvida, este de nos recuperarmos da perda de tantos brasileiros e dos graves efeitos de desorganização da sociedade e da economia que a pandemia causou e continua causando. Então temos que bater em duas teclas: ajuda à sobrevivência, superação da fome e do desespero; e emprego, emprego e emprego.

Depois precisamos fazer uma grande reforma política, com dois focos convergentes: o sistema de governo — temos que avançar para o parlamentarismo —, e o sistema eleitoral — temos que acabar com essa multidão de partidos, acabar com o voto proporcional uninominal, implantar o voto distrital misto, implantar a democracia partidária.

Por Ana Dubeux, repórter de Política do Correio Braziliense. Publicado em 24/05/2021 - 07:01 

Quatro dias antes de Pazuello ir à manifestação, Heleno rechaçou participação de militares em atos políticos

No domingo, ex-ministro esteve ao lado de Bolsonaro em evento no Rio de Janeiro, com direito a passeio de moto e escolta de mil policiais.

Ministro Augusto Heleno é ouvido por deputados em comissão da Câmara Foto: Pablo Valadares / Câmara dos Deputados

O ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, defendeu que membros da ativa das Forças Armadas sejam punidos caso participem de manifestações, independente da ideologia política. As declarações foram dadas em audiência da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle na Câmara dos Deputados, na última quarta-feira, quatro dias antes do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello ir à “motociata” promovida pelo presidente Jair Bolsonaro no Rio de Janeiro.

— É preciso entender qual é essa participação. Os militares da reserva podem participar de manifestações políticas. Militares da ativa não podem e serão devidamente punidos se aparecerem em manifestações políticas, não tenho dúvida disso — afirmou o militar na ocasião.

Sem consultar previamente o comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira, Pazuello subiu no palanque ao lado do presidente, chefe das Forças Armadas, no domingo. Nenhum deles usava máscara. Com escolta de mil policiais, o evento gerou aglomeração na zona oeste da capital, em meio a alertas sobre a terceira onda da Covid-19 e ao surgimento da cepa indiana no Maranhão.

O Estatuto dos Militares e o Regulamento Disciplinar do Exército proíbe a participação de militares em atos políticos. Segundo o item 103 do regimento, vale para "qualquer manifestação coletiva, seja de caráter reivindicatório ou político, seja de crítica ou de apoio a ato de superior hierárquico, com exceção das demonstrações íntimas de boa e sã camaradagem e com consentimento do homenageado". Além disso, integrantes das Forças Armadas não podem se candidatar a cargos políticos.

(No palanque de Bolsonaro, Pazuello testa limites do comandante do Exército)

— Sendo militar da reserva, pode participar de qualquer lado. É uma democracia, não tem restrição nenhuma a isso — continuou Heleno.

General de três estrelas, o ex-ministro seguiu na ativa durante os dez meses no cargo, mesmo após pressão militar para ir para a reserva. Os pedidos para a aposentadoria se intensificaram em março, quando deixou o ministério. Na época, a ideia era desvincular o Exército das ações da pasta no combate à pandemia. Quando assumiu o cargo interinamente em 15 de maio de 2020, o Brasil chegava a 14.817 mortes e 218.223 casos confirmados. Já em 14 de março, quando pediu para deixar o governo, os números alcançavam para 278.327 óbitos (18,7 vezes mais) e 11.483.031 infectados (52,6 vezes mais).

Agora, a participação no ato desencadeou uma crise institucional. De um lado, o comandante Paulo Sérgio Nogueira deve, em tese, cumprir o regimento e puni-lo. Porém, há chances de Bolsonaro invalidar a pena, numa demonstração ao ex-ministro, um dos principais alvos da CPI da Covid e investigado em inquérito pela atuação no colapso sanitário no Amazonas. Do outro lado, pode isentá-lo da punição e colocar em risco o respeito à hierarquia, tão importante no meio militar.

Melissa Duarte, O Globo, em 24/05/2021 - 14:50 / Atualizado em 24/05/2021 - 15:07

Exército deve abrir apuração disciplinar contra Pazuello

Ex-ministro da Saúde, general da ativa participou de ato político ao lado do presidente Jair Bolsonaro

 O comandante-geral do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, deverá abrir uma apuração disciplinar sobre a participação do general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, em ato político ao lado do presidente Jair Bolsonaro. A manifestação foi realizada neste domingo, no Rio de Janeiro, e provocou aglomeração em um momento de pandemia de covid-19. Tanto Bolsonaro como Pazuello estavam sem máscara. 

A apuração disciplinar é uma forma de o Exército garantir a Pazuello o direito de defesa, embora a infração por participar de manifestação política esteja documentada.

O Estadão apurou com quatro fontes que a decisão já foi comunicada a Pazuello. O general ainda teria nesta segunda-feira uma reunião no Comando-Geral do Exército, o Forte-Apache, em Brasília, a poucos metros de sua residência na capital, o Hotel de Trânsito de Oficiais.

O ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e o presidente Jair Bolsonaro discursam a apoiadores em ato no Rio de Janeiro. Foto: Wilton Júnior/Estadão

A punição varia de acordo com o grau do ato, se for julgada como transgressão leve, média ou grave. Ao fim do processo, o comandante do Exército pode aplicar a pena de advertência verbal, determinar algum tipo de impedimento, repreendê-lo ou mesmo determinar a prisão e exclusão das fileiras do Exército.

O procedimento disciplinar é uma espécie de julgamento adotado para casos considerados menos graves do que os que vão ao Conselho de Justificação. Esse conselho pode ser instaurado em casos de reincidência de transgressão disciplinar, crimes, atos que afetem a honra e o decoro, entre outros, e pode acarretar o afastamento imediato de oficiais e na sua reforma e perda de patentes.

Pazuello é um general de Divisão intendente, e, para sua formação, está no topo da carreira, com três estrelas. Pelas regras atuais, os generais de Intendência não podem chegar a quatro estrelas, cargo máximo de general de Exército. O ex-ministro da Saúde poderia pedir passagem à reserva, mas até hoje sempre resistiu a essa ideia, mesmo enquanto esteve no exercício do cargo de ministro e era pressionado por generais a se afastar da ativa.

A participação de Pazuello em ato político irritou ainda mais o generalato. O regulamento disciplinar do Exército prevê cinco transgressões de natureza política, entre as quais “autorizar, promover ou tomar parte em qualquer manifestação coletiva, seja de caráter reivindicatório ou político, seja de crítica ou de apoio a ato de superior hierárquico”.

Oficialmente, o Exército ainda não se pronunciou sobre o caso. O comando da Força Terrestre também não se manifestou sobre a reunião do general da ativa com o ministro Onyx Lorenzoni (Secretaria-Geral) no hotel militar, dois dias depois de dizer à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid que não poderia comparecer a depoimento presencial por ter tido contato direto com assessores infectados pelo novo coronavírus.

O procedimento disciplinar vai enquadrar a conduta de Pazuello em gradações da transgressão. Ela pode ser atenuada pelo “bom comportamento” e "relevância de serviços prestados" pelo oficial (Pazuello não tem outros casos em sua ficha), mas agravada por ter sido uma manifestação “em público” – o ex-ministro subiu em carro de som e passeou de moto entre militantes bolsonaristas.

A transgressão pode ser considerada "justificada", o que, na prática, não resultaria em punição, se restar comprovado que Pazuello obedeceu a “ordem superior”. Na ativa, ele ocupa um cargo administrativo na Secretaria-Geral do Exército, e não mais um cargo civil de natureza política no governo, mas estava acompanhado de Bolsonaro.

Felipe Frazão e Lauriberto Pompeu, O Estado de S.Paulo, em 24 de maio de 2021 | 18h31

Brasil vacinou completamente apenas 8,7% da população

Com escassez de vacinas, apenas cerca de 18,5 milhões de pessoas receberam duas doses de imunizantes contra a covid-19 no país, a maioria idosos e profissionais da saúde.

Três pessoas com roupa branca, touca e máscara estão em um pequeno barco que está em um rio. Há uma quarta pessoa, de preto, que parece controlar o motor. 

A grande maioria das doses aplicadas até o momento é da Coronavac (66,1%)

Mais de quatro meses após o início da vacinação contra a covid-19 no Brasil, o país imunizou completamente apenas 8,7% da população, a mostram dados do Ministério da Saúde.

De acordo com os números mais recentes, pouco mais de 18,5 milhões de pessoas receberam duas doses de vacinas contra o coronavírus.

Quando se trata da aplicação de apenas uma dose, o número sobe para 39,2 milhões de pessoas, o equivalente e 18% da população brasileira de 211 milhões de habitantes.

A maioria dos vacinados são mulheres (59%) e a faixa etária que mais recebeu doses foi a de 65 a 69 anos (9,7 milhões). Trabalhadores da saúde receberam 11,5 milhões de doses.

O estado que mais vacinou é, também, o mais populoso. São Paulo aplicou 13,2 milhões de doses, seguido por Minas Gerais (5,9 milhões), Rio de Janeiro (5 milhões), Rio Grande do Sul (4,2 milhões) e Bahia (4 milhões).

A grande maioria das doses aplicadas até o momento é da Coronavac (66,1%), seguida de AstraZeneca-Oxford (32,2%) e Pfizer-BioNTech (1,7%).

No total, o Brasil contabiliza mais de 449 mil mortes por covid-19 e mais de 16 milhões de casos. 

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 589 mil óbitos. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (33,1 milhões) e Índia (26,5 milhões).

Sozinho, o país é responsável por quase metade de todos os óbitos por covid-19 na América Latina. 

Escassez de vacinas

Embora seja exemplo mundial em campanhas de imunização, o Brasil enfrenta lentidão na vacinação contra a covid-19 devido à escassez de vacinas.

Na contramão de quase todos os países do mundo, o Ministério da Saúde se comprometeu inicialmente com apenas uma vacina e não com um leque diversificado como ocorreu, por exemplo, na União Europeia e nos Estados Unidos.

O governo brasileiro apostou todas as fichas na vacina da AstraZeneca-Oxford, fez pouco caso da Caronavac e recusou ofertas da Pfizer ao longo do segundo semestre do ano passado.

A lentidão e possível omissão na compra de vacinas está sendo investigada pela CPI da Pandemia. À comissão, o ex-presidente da Pfizer no Brasil Carlos Murillo diz que governo brasileiro ignorou cinco ofertas de vacinas somente em 2020. 

Segundo Murillo, a primeira proposta da Pfizer ao Brasil foi feita em 14 de agosto de 2020. A empresa ofereceu contratos para a compra de 30 milhões ou 70 milhões de doses da vacina. O de 70 milhões consistia em 500 mil doses ainda em 2020, 1,5 milhão no primeiro trimestre de 2021, 5 milhões no segundo trimestre, 33 milhões no terceiro trimestre e 30 milhões no quarto.

Após sete recusas por parte do Brasil, um contrato com a empresa foi fechado somente em março desse ano.

Outro fator que colabora para a escassez de imunizantes é o atraso na liberação de insumos enviados pela China, o que suspendeu a produção da Coronavac pelo Insituto Butantan e da vacina de Oxford pela Fundação Oswaldo Cruz. 

A direção do Instituto Butantan e o governador de São Paulo, João Doria, afirmaram no começo de maio que os constantes ataques do presidente Jair Bolsonaro à China estão afetando a importação dos insumos. 

O atraso no envio da matéria-prima e, consequentemente na produção da Coronavac, se refletiu na campanha de vacinação.

Desde o final de abril, o país sofre deatrasos na aplicação da segunda dose da Coronavac. Segundo uma pesquisa do final de abril da Confederação Nacional de Municípios (CNM), quase um terço das cidades brasileiras ficaram sem a segunda dose da vacina. O problema é mais grave na região Sul do país, onde quase metade das prefeituras disse ter interrompido a vacinação com a segunda dose.

Na raiz da crise, segundo especialistas e a própria atual gestão do Ministério da Saúde, está uma comunicação de março da pasta de que doses não precisariam ser guardadas para aplicação em que já recebeu a primeira.

Na semana passada, o Ministério da Saúde informou que enviou lotes de vacinas aos estados, com os quais será possível vacinar todos os que estão com doses atrasadas. 

Início da vacinação conturbado

A vacinação no Brasil começou em 18 de janeiro, com a Coronavac, aposta do governo paulista, já que a outra vacina aprovada, a da AsraZeneca-Oxford, ainda não estava disponível.

Ao longo de 2020, a Coronavac foi constantemente desprezada por Bolsonaro, que chegou a comemorar a morte de um voluntário na fase de testes – num caso sem relação com o estudo – e a suspensão temporária dos testes. "Mais uma que Jair Bolsonaro ganha", afirmou na época.

O presidente constantemente chamava o imunizante de "vacina chinesa" e questionava a sua eficácia. Em outubro, Bolsonaro cancelou um protocolo de intenção do Ministério da Saúde para a aquisição da Coronavac. A mudança de postura do governo federal veio após a pressão de governadores e tentativas frustradas de adquirir outra vacina para o início da imunização.

Apesar de depender da Coronavac para o início da campanha, Bolsonaro seguiu menosprezando o imunizante. "Esta vacina que está aí é 50% de eficácia. Ou seja, se jogar uma moedinha para cima, é 50% de eficácia. Então, está liberada a aplicação no Brasil", disse em janeiro.

Deutsche Welle Brasil, em 24.05.2021

Brasil registra mais 790 mortes por covid-19

País se aproxima de 450 mil óbitos ligados ao coronavírus. Autoridades confirmam ainda 37 mil casos da doença em 24 horas, e total de infectados vai a 16,12 milhões

Profissionais de saúde conversam em frente a um leito em hospital do Rio de Janeiro

O Brasil registrou oficialmente 790 mortes ligadas à covid-19 nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) nesta segunda-feira (24/05).

Também foram confirmados 37.498 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país chega a 16.120.756, e os óbitos somam agora 449.858.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação. As cifras divulgadas às segundas-feiras também costumam ser mais baixas, já que as equipes responsáveis pela notificação trabalham em escala reduzida no fim de semana. 

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 14.552.024 pacientes haviam se recuperado da doença até a noite de domingo.

Com os dados de óbitos registrados nesta segunda, a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 214,1 no país, a 10ª maior do mundo, se excluído o país nanico San Marino.

A média móvel de novas mortes (soma dos óbitos nos últimos sete dias e a divisão do resultado por sete) ficou em 1.903, e média móvel de novos casos, em 66.195.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 590 mil óbitos. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (33,1 milhões) e Índia (26,7 milhões).

Ao todo, mais de 167 milhões de pessoas contraíram o coronavírus no mundo, e 3,46 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença, segundo números oficiais.

Deutsche Welle Brasil, em 24.05.2021

Oh tempos, oh mores!


Itália, 1933. 


Brasil, 2021

Até quando, Catilina?

General Santos Cruz critica Bolsonaro e Pazuello após ato no Rio: 'irresponsável e perigoso'

Pazuello, como general da ativa da instituição, é proibido pelo regulamento disciplinar do Exército de se manifestar politicamente. No entanto, ele chegou a falar durante a manifestação em cima do carro de som em que também estava Bolsonaro. Ambos estavam sem máscara, assim como demais presentes no ato.

General Santos Cruz | Jorge William / Agência O Globo

O general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro do governo de Jair Bolsonaro, criticou o presidente e o general da ativa Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, após os dois terem participado de uma “motociata” no Rio de Janeiro, no último domingo, que causou aglomerações pela cidade. Santos Cruz escreveu no Twitter que “o presidente e um militar da ativa mergulharem o Exército na política é irresponsável e perigoso”.

O general, que foi ministro da Secretaria de Governo de Bolsonaro, afirmou ainda que os dois desrespeitam o Exército e são “um mau exemplo, que não pode ser seguido”.

“DE SOLDADO A GENERAL TEM QUE SER AS MESMAS NORMAS E VALORES. O presidente e um militar da ativa mergulharem o Exército na política é irresponsável e perigoso. Desrespeitam a instituição. Um mau exemplo, que não pode ser seguido. PÉSSIMO PARA O BRASIL”, escreveu Santos Cruz.

Pazuello, como general da ativa da instituição, é proibido pelo regulamento disciplinar do Exército de se manifestar politicamente. No entanto, ele chegou a falar durante a manifestação em cima do carro de som em que também estava Bolsonaro. Ambos estavam sem máscara, assim como demais presentes no ato.

Segundo Lauro Jardim noticiou em sua coluna, o ex-ministro da Defesa Raul Jungmann considerou "gravíssimo" "o ato do general Pazuello de subir no palanque com o Presidente da República". Atual chefe da pasta, Braga Netto, e o comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira, também já tiveram ao menos um conversa telefônica ainda no domingo para tratar da crise aberta com a presença do general na manifestação. 

Publicado originalmente por O Globo online , em 24/05/2021 • 10:22

Mourão diz que Pazuello 'sabe que cometeu erro' ao participar de ato com Bolsonaro

Contrariando norma, ex-ministro esteve em ato bolsonarista; Exército deve analisar caso nesta segunda

 O vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, fez críticas nesta segunda-feira, 24, ao comportamento do general Eduardo Pazuello, que participou de ato bolsonarista ontem. Segundo o vice, o ex-ministro da Saúde "entendeu que cometeu um erro".

O Exército deve avaliar nesta segunda-feira se aplicará alguma punição ao ex-ministro, que é militar da ativa das Forças Armadas.

"Acho que o episódio será conduzido à luz do regulamento, isso tem sido muito claro em todos os pronunciamentos dos comandantes militares e do próprio ministro da Defesa. Eu já sei que o Pazuello já entrou em contato com o comandante informando ali, colocando a cabeça dele no cutelo, entendendo que ele cometeu um erro", disse o vice-presidente ao chegar ao Palácio do Planalto na manhã desta segunda-feira.

"O regulamento disciplinar do Exército prevê que se avalie o tipo de transgressão que eventualmente foi cometido e que consequentemente se aplique a punição prevista para o caso", comentou Mourão.

O ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e o presidente Jair Bolsonaro discursam a apoiadores em ato no Rio de Janeiro. Foto: Wilton Júnior/Estadão

A parte do regulamento que o general fez menção diz respeito à transgressão 57, que diz: "Manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária". Em desrespeito à norma, Pazuello compareceu no domingo, 23, ao ato bolsonarista do Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro.

Ao ser questionado sobre o presidente Jair Bolsonaro, que promoveu o ato, Mourão evitou fazer declarações. "Eu já falei para vocês, eu não comento atos do presidente Bolsonaro porque eu considero antiético."

No Twitter, quem também reagiu à participação de Pazuello no ato foi o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo de Bolsonaro. "De soldado a general tem que ser as mesmas normas e valores. O presidente e um militar da ativa mergulharem o Exército na política é irresponsável e perigoso. Desrespeitam a instituição. Um mau exemplo, que não pode ser seguido. Péssimo para o Brasil."

O Estadão apurou que o Comando do Exército deve analisar o caso nesta segunda-feira.  Na quarta-feira, dia 19, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, disse à Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara que os militares da reserva podem participar de manifestações, ao contrário dos que estão na ativa. "Os da ativa não podem e serão devidamente punidos se aparecerem em manifestações políticas".  

O temor no Exército é que, se Pazuello ficar impune, os comandantes de unidades percam a autoridade para punir, eventualmente, sargentos e tenentes que resolvam seguir o exemplo do general, inclusive os que resolverem participar de atos políticos de partidos de oposição.

Lauriberto Pompeu  , O Estado de S.Paulo, em 24 de maio de 2021 | 10h21

Os partidos e o candidato da terceira via

O País tem um urgente desafio: encontrar um candidato competente e responsável, capaz de representar uma alternativa viável a Lula e Bolsonaro

O País tem um urgente desafio: encontrar um candidato competente e responsável, capaz de representar uma alternativa viável a Luiz Inácio Lula da Silva e a Jair Bolsonaro. A população não pode ser refém do lulopetismo e do bolsonarismo, opções que – por mais empenho que se coloque para identificar diferenças entre elas – convergem de forma tão cristalina no negacionismo (seja na saúde pública ou na economia), na falta de disposição para promover as reformas, na utilização da máquina pública para interesses particulares (familiares ou partidários), na irresponsabilidade da gestão pública e no exercício do poder para fins exclusivamente eleitorais.

Esse desafio à liberdade e à cidadania – encontrar um candidato a presidente da República responsável e com viabilidade política – é, em alguma medida, tarefa de toda a sociedade. Mas, ainda que todos os cidadãos sejam em alguma medida responsáveis – e é muito oportuno que ninguém se sinta alijado do processo político –, há numa democracia representativa atores institucionais sobre os quais recai especial responsabilidade pelo futuro do País. Faz-se referência aqui aos partidos políticos.

De maneira muito especial, cabe às legendas encontrar um candidato viável da terceira via, comprometido com o interesse público.

Essa específica responsabilidade dos partidos não é mero dever de ocasião, em razão das atuais circunstâncias. Nada mais distante disso. A tarefa é decorrência direta da missão institucional dos partidos políticos em uma democracia representativa: assegurar pluralidade de opções políticas. E ao falar da terceira via, é disto que se trata: garantir que o eleitor, ao votar para presidente da República, tenha uma opção de voto viável e responsável.

Por isso, a Constituição de 1988 coloca os partidos políticos entre as instituições fundamentais para a organização do Estado. Essa menção não é uma espécie de homenagem formal ou de regalia institucional. As legendas têm papel decisivo na qualidade dos candidatos que o eleitor tem à disposição. Tanto é assim que, por expressa determinação constitucional, a filiação partidária é uma das condições de elegibilidade.

Ao contrário do que às vezes se pensa, os partidos são muito relevantes no cenário político. Eles não são – não precisam ser – reféns de Luiz Inácio Lula da Silva ou de Jair Bolsonaro. Por exemplo, nas eleições de 2020, cinco partidos se destacaram quanto ao número de prefeitos eleitos: MDB (783), Progressistas (687), PSD (654), PSDB (521) e DEM (466).

Essas cinco legendas têm, portanto, inegável força política e expressiva capilaridade, não dependendo do lulopetismo ou do bolsonarismo para sua viabilidade eleitoral. Seria, no mínimo, ingênuo que, com tal potencial político, esses cinco grandes partidos não fossem protagonistas nas eleições presidenciais apresentando candidatos competentes, responsáveis e viáveis. 

Vale lembrar que, nas eleições do ano passado, o partido de Lula e aquele pelo qual Bolsonaro foi eleito presidente fizeram muito menos prefeitos que as cinco primeiras legendas. O PT elegeu 182 e o PSL, 90. O DEM sozinho elegeu duas vezes e meia o número de prefeitos do PT.

Os números das eleições de 2020 revelam que o eleitor não é submisso aos extremos lulopetista e bolsonarista. Dessa forma, encontrar um candidato viável da terceira via não é apenas um dever dos partidos, mas também uma oportunidade eleitoral.

Na urgente empreitada de encontrar um candidato de centro viável e responsável, os partidos podem resgatar o aspecto essencial de sua missão: o de intermediar a relação entre poder político e população, aproximando-os. É precisamente esse aspecto que Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro negam aos partidos, quando os fazem vassalos de seus interesses particulares.

Sempre, mas especialmente agora, o País precisa dos partidos. Somente com a altiva participação das legendas, o eleitor poderá desfrutar de um mínimo de pluralismo político que o liberte da asfixiante disjuntiva entre Lula e Bolsonaro.

Editorial / Notas e Informações. O Estado de S. Paulo, em 24.05.2021