segunda-feira, 24 de maio de 2021

Sarney: “Não podemos ignorar a desigualdade”

Acostumado aos embates e debates da vida pública, o político mais longevo do país, José Sarney, 91 anos, fez alguns pactos consigo mesmo: não dar palpite no governo de sucessores e não revelar conversas entre ex-presidentes, como a que teve recentemente com Luiz Inácio Lula da Silva.

Ainda assim, não se furta a analisar o país à luz da pandemia. Sabe que a sobrevivência da espécie humana só será possível com uma convivência mais harmoniosa e equilibrada com a natureza. Que a pandemia trouxe a certeza de que a humanidade não suporta a imensa desigualdade entre os que têm quase nada e os que têm quase tudo. “Não podemos aceitar que pessoas passem fome, sejam vítimas de violência, sofram discriminações terríveis enquanto uns poucos não saibam o que fazer com o que têm, vivam num niilismo e num luxo desenfreado”, reflete, nesta entrevista à coluna.

Na companhia dos livros, Sarney vive o isolamento em Brasília, cidade que ele considera hoje uma das mais confortáveis do mundo para se viver. “Fui um dos primeiros parlamentares a mudar-me para Brasília e, desde então, fora os anos em que governei o Maranhão, aqui vivo. Fora o primeiro momento — em que saímos das nuvens vermelhas da poeira das obras para o verde das superquadras — , o que vi foi a cidade se transformar numa das grandes cidades brasileiras”, diz.

Sobre o Brasil, entre tantos desafios, aponta alguns urgentes: “Pensar na imensidão do número de vítimas é uma dor que revolta e sufoca. Então temos que bater em duas teclas: ajuda à sobrevivência, a superação da fome e do desespero; e emprego, emprego e emprego”. Sarney vê caminho promissor numa reforma política que tenda ao parlamentarismo.

Aposta na ciência como o fio condutor de qualquer governo neste momento e vê na coletividade o caminho para sair da crise. “A pandemia nos torna a todos vulneráveis, sem discriminar fortuna, poder, cor. Ao mesmo tempo, ela só tem uma maneira efetiva de ser combatida, que é a solidariedade.”

Como a pandemia pode reforçar os valores humanistas da sociedade?

A pandemia nos torna a todos vulneráveis, sem discriminar fortuna, poder, cor. Ao mesmo tempo, ela só tem uma maneira efetiva de ser combatida, que é a solidariedade. Precisamos todos agir com o pensamento na coletividade, seja ao tomar as medidas e precauções de isolamento, distanciamento, uso de máscaras, higiene etc., seja inclusive na vacinação, que só faz realmente efeito se atingir a todos.

Ao igualar os homens, traz a todos os grandes valores da sociedade ocidental, inspirados no cristianismo — por mais agressivas contra a Igreja que tenham sido a Revolução Francesa, a Revolução de 1917, no fundo, tanto os homens do terror quanto os marxistas tinham como inspiração a igualdade e a fraternidade, que são expressões do amor ao próximo.

A pandemia nos mostra também a futilidade da acumulação de supérfluos, a precariedade do individualismo, o risco de desafiarmos a natureza, e tudo isso deve nos fazer dar mais importância ao que (o papa) Paulo VI exprimiu como “ser mais, em vez de ter mais”.

É possível ter um olhar poético diante deste momento difícil?

A poesia tem em seus fundamentos a narrativa dos grandes desafios, como foi o caso da Ilíada ou da Eneida. Dante foi buscar Virgílio para fazer a travessia do Inferno para o Paraíso, na Divina Comédia. Então um tema poético é o trágico, o impacto do inevitável.

Mas, ao mesmo tempo, a pandemia nos faz ter uma vida mais introspectiva, mais voltada para as relações pessoais, e pode ser assim uma grande fonte de lirismo.

O que mudou na sua rotina neste ano de pandemia?

Eu passei uma parte importante da minha vida, dedicada à política, interagindo com outras pessoas, em encontros pessoais ou reuniões de grupos, fosse no Parlamento, fosse no Executivo. Mesmo depois que deixei a política, minha rotina sempre foi passar parte do dia em meu escritório, recebendo pessoas — e tratando de uma grande variedade de assuntos.

Com a pandemia, passo a maior parte do meu tempo em casa, com a família e com esse grande amigo de toda a minha vida, que é o livro.

Como ficam as grandes questões da humanidade no pós-pandemia?

A humanidade tem um grande desafio, que é o seu convívio com a natureza. Se não encontrarmos — e rapidamente — um ponto de equilíbrio, seremos varridos, como já o foram tantos milhões de espécies, da face da Terra.

Mas não podemos ignorar também a gigantesca desigualdade que existe entre os que tudo têm e os que nada têm, tão forte globalmente quanto em nosso país. Não podemos aceitar — são coisas que eu disse há mais de 30 anos, nas Nações Unidas, falando em nome do Brasil — que pessoas passem fome, sejam vítimas de violência, sofram discriminações terríveis enquanto uns poucos, em uns poucos países, não saibam o que fazer com o que têm, vivam num niilismo e num luxo desenfreado.

O momento exige resiliência e ativismo solidário. Pessoalmente, se engajou em alguma atividade coletiva — a distância?

Você sabe que eu dei a minha contribuição na busca da justiça social e da democracia. Agora é a vez de outras gerações.

Que ensinamento este momento nos deixa?

O de que o homem tem que ser mais humilde diante do desconhecido e mais solidário.

O senhor é praticamente um candango. Como viu a evolução da cidade?

Realmente, creio que sou dos últimos sobreviventes dos que viram a cidade nascer. Fui um dos primeiros parlamentares a mudar-me para Brasília, e desde então, fora os anos em que governei o Maranhão, aqui vivo.

Fora o primeiro momento, em que saímos das nuvens vermelhas da poeira das obras para o verde das superquadras, o que vi foi a cidade se transformar numa das grandes cidades brasileiras. Aquela coisa que existia de as pessoas a classificarem de impossível de viver e aqui virem para passar dois ou três dias na semana, voltando para os grandes centros, desapareceu, e hoje há aqui todo ou mais conforto que em qualquer das capitais do mundo.

Como vê a perda de tantos brasileiros para a covid-19?

A perda de cada vida é uma tragédia, não só para a sua família como para o país. Infelizmente, todos já passamos, a esta altura, por viver a pandemia como uma tragédia familiar, pela perda de um parente ou amigo muito próximo. Pensar na imensidão do número de vítimas é uma dor que revolta e sufoca.

O governo federal está desempenhando o papel corretamente em relação à crise sanitária ?

Você sabe que tenho comigo mesmo o compromisso de não dar palpite no governo dos meus sucessores. O que posso dizer é que todos os governos da Terra devem se guiar, neste momento, pela ciência, pelos seus representantes, que são os médicos e pesquisadores, os que têm o domínio de como se processa a expansão deste organismo que não chega a ser vivo, mas é a morte para tantos.

Que conselho o senhor daria aos políticos das novas gerações?

No processo da Inconfidência, chega um Alferes para acusar Tiradentes e mostrar que ele estava numa conspiração, e lhe diz: “Eu aqui estou para trabalhar para ti.”; e Tiradentes responde: “Eu estou aqui para trabalhar para todos.” Creio que quem quer começar na política deve pensar nisso, pensar que a política só faz sentido para quem quer trabalhar por uma sociedade mais justa e humana.

O encontro com o ex-presidente Lula é um sinal de nova aliança?

Eu sou da velha guarda, em que se mantém a liturgia de que conversa entre ex-presidentes não se revela se não for acordado antes.

A importância da união em torno de um projeto suprapartidário para mitigar os efeitos da pandemia nos próximos anos é possível?

Creio que o Brasil tem dois desafios que precisam ser encarados por valores acima das polêmicas políticas: o primeiro é, sem dúvida, este de nos recuperarmos da perda de tantos brasileiros e dos graves efeitos de desorganização da sociedade e da economia que a pandemia causou e continua causando. Então temos que bater em duas teclas: ajuda à sobrevivência, superação da fome e do desespero; e emprego, emprego e emprego.

Depois precisamos fazer uma grande reforma política, com dois focos convergentes: o sistema de governo — temos que avançar para o parlamentarismo —, e o sistema eleitoral — temos que acabar com essa multidão de partidos, acabar com o voto proporcional uninominal, implantar o voto distrital misto, implantar a democracia partidária.

Por Ana Dubeux, repórter de Política do Correio Braziliense. Publicado em 24/05/2021 - 07:01 

Quatro dias antes de Pazuello ir à manifestação, Heleno rechaçou participação de militares em atos políticos

No domingo, ex-ministro esteve ao lado de Bolsonaro em evento no Rio de Janeiro, com direito a passeio de moto e escolta de mil policiais.

Ministro Augusto Heleno é ouvido por deputados em comissão da Câmara Foto: Pablo Valadares / Câmara dos Deputados

O ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, defendeu que membros da ativa das Forças Armadas sejam punidos caso participem de manifestações, independente da ideologia política. As declarações foram dadas em audiência da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle na Câmara dos Deputados, na última quarta-feira, quatro dias antes do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello ir à “motociata” promovida pelo presidente Jair Bolsonaro no Rio de Janeiro.

— É preciso entender qual é essa participação. Os militares da reserva podem participar de manifestações políticas. Militares da ativa não podem e serão devidamente punidos se aparecerem em manifestações políticas, não tenho dúvida disso — afirmou o militar na ocasião.

Sem consultar previamente o comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira, Pazuello subiu no palanque ao lado do presidente, chefe das Forças Armadas, no domingo. Nenhum deles usava máscara. Com escolta de mil policiais, o evento gerou aglomeração na zona oeste da capital, em meio a alertas sobre a terceira onda da Covid-19 e ao surgimento da cepa indiana no Maranhão.

O Estatuto dos Militares e o Regulamento Disciplinar do Exército proíbe a participação de militares em atos políticos. Segundo o item 103 do regimento, vale para "qualquer manifestação coletiva, seja de caráter reivindicatório ou político, seja de crítica ou de apoio a ato de superior hierárquico, com exceção das demonstrações íntimas de boa e sã camaradagem e com consentimento do homenageado". Além disso, integrantes das Forças Armadas não podem se candidatar a cargos políticos.

(No palanque de Bolsonaro, Pazuello testa limites do comandante do Exército)

— Sendo militar da reserva, pode participar de qualquer lado. É uma democracia, não tem restrição nenhuma a isso — continuou Heleno.

General de três estrelas, o ex-ministro seguiu na ativa durante os dez meses no cargo, mesmo após pressão militar para ir para a reserva. Os pedidos para a aposentadoria se intensificaram em março, quando deixou o ministério. Na época, a ideia era desvincular o Exército das ações da pasta no combate à pandemia. Quando assumiu o cargo interinamente em 15 de maio de 2020, o Brasil chegava a 14.817 mortes e 218.223 casos confirmados. Já em 14 de março, quando pediu para deixar o governo, os números alcançavam para 278.327 óbitos (18,7 vezes mais) e 11.483.031 infectados (52,6 vezes mais).

Agora, a participação no ato desencadeou uma crise institucional. De um lado, o comandante Paulo Sérgio Nogueira deve, em tese, cumprir o regimento e puni-lo. Porém, há chances de Bolsonaro invalidar a pena, numa demonstração ao ex-ministro, um dos principais alvos da CPI da Covid e investigado em inquérito pela atuação no colapso sanitário no Amazonas. Do outro lado, pode isentá-lo da punição e colocar em risco o respeito à hierarquia, tão importante no meio militar.

Melissa Duarte, O Globo, em 24/05/2021 - 14:50 / Atualizado em 24/05/2021 - 15:07

Exército deve abrir apuração disciplinar contra Pazuello

Ex-ministro da Saúde, general da ativa participou de ato político ao lado do presidente Jair Bolsonaro

 O comandante-geral do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, deverá abrir uma apuração disciplinar sobre a participação do general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, em ato político ao lado do presidente Jair Bolsonaro. A manifestação foi realizada neste domingo, no Rio de Janeiro, e provocou aglomeração em um momento de pandemia de covid-19. Tanto Bolsonaro como Pazuello estavam sem máscara. 

A apuração disciplinar é uma forma de o Exército garantir a Pazuello o direito de defesa, embora a infração por participar de manifestação política esteja documentada.

O Estadão apurou com quatro fontes que a decisão já foi comunicada a Pazuello. O general ainda teria nesta segunda-feira uma reunião no Comando-Geral do Exército, o Forte-Apache, em Brasília, a poucos metros de sua residência na capital, o Hotel de Trânsito de Oficiais.

O ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e o presidente Jair Bolsonaro discursam a apoiadores em ato no Rio de Janeiro. Foto: Wilton Júnior/Estadão

A punição varia de acordo com o grau do ato, se for julgada como transgressão leve, média ou grave. Ao fim do processo, o comandante do Exército pode aplicar a pena de advertência verbal, determinar algum tipo de impedimento, repreendê-lo ou mesmo determinar a prisão e exclusão das fileiras do Exército.

O procedimento disciplinar é uma espécie de julgamento adotado para casos considerados menos graves do que os que vão ao Conselho de Justificação. Esse conselho pode ser instaurado em casos de reincidência de transgressão disciplinar, crimes, atos que afetem a honra e o decoro, entre outros, e pode acarretar o afastamento imediato de oficiais e na sua reforma e perda de patentes.

Pazuello é um general de Divisão intendente, e, para sua formação, está no topo da carreira, com três estrelas. Pelas regras atuais, os generais de Intendência não podem chegar a quatro estrelas, cargo máximo de general de Exército. O ex-ministro da Saúde poderia pedir passagem à reserva, mas até hoje sempre resistiu a essa ideia, mesmo enquanto esteve no exercício do cargo de ministro e era pressionado por generais a se afastar da ativa.

A participação de Pazuello em ato político irritou ainda mais o generalato. O regulamento disciplinar do Exército prevê cinco transgressões de natureza política, entre as quais “autorizar, promover ou tomar parte em qualquer manifestação coletiva, seja de caráter reivindicatório ou político, seja de crítica ou de apoio a ato de superior hierárquico”.

Oficialmente, o Exército ainda não se pronunciou sobre o caso. O comando da Força Terrestre também não se manifestou sobre a reunião do general da ativa com o ministro Onyx Lorenzoni (Secretaria-Geral) no hotel militar, dois dias depois de dizer à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid que não poderia comparecer a depoimento presencial por ter tido contato direto com assessores infectados pelo novo coronavírus.

O procedimento disciplinar vai enquadrar a conduta de Pazuello em gradações da transgressão. Ela pode ser atenuada pelo “bom comportamento” e "relevância de serviços prestados" pelo oficial (Pazuello não tem outros casos em sua ficha), mas agravada por ter sido uma manifestação “em público” – o ex-ministro subiu em carro de som e passeou de moto entre militantes bolsonaristas.

A transgressão pode ser considerada "justificada", o que, na prática, não resultaria em punição, se restar comprovado que Pazuello obedeceu a “ordem superior”. Na ativa, ele ocupa um cargo administrativo na Secretaria-Geral do Exército, e não mais um cargo civil de natureza política no governo, mas estava acompanhado de Bolsonaro.

Felipe Frazão e Lauriberto Pompeu, O Estado de S.Paulo, em 24 de maio de 2021 | 18h31

Brasil vacinou completamente apenas 8,7% da população

Com escassez de vacinas, apenas cerca de 18,5 milhões de pessoas receberam duas doses de imunizantes contra a covid-19 no país, a maioria idosos e profissionais da saúde.

Três pessoas com roupa branca, touca e máscara estão em um pequeno barco que está em um rio. Há uma quarta pessoa, de preto, que parece controlar o motor. 

A grande maioria das doses aplicadas até o momento é da Coronavac (66,1%)

Mais de quatro meses após o início da vacinação contra a covid-19 no Brasil, o país imunizou completamente apenas 8,7% da população, a mostram dados do Ministério da Saúde.

De acordo com os números mais recentes, pouco mais de 18,5 milhões de pessoas receberam duas doses de vacinas contra o coronavírus.

Quando se trata da aplicação de apenas uma dose, o número sobe para 39,2 milhões de pessoas, o equivalente e 18% da população brasileira de 211 milhões de habitantes.

A maioria dos vacinados são mulheres (59%) e a faixa etária que mais recebeu doses foi a de 65 a 69 anos (9,7 milhões). Trabalhadores da saúde receberam 11,5 milhões de doses.

O estado que mais vacinou é, também, o mais populoso. São Paulo aplicou 13,2 milhões de doses, seguido por Minas Gerais (5,9 milhões), Rio de Janeiro (5 milhões), Rio Grande do Sul (4,2 milhões) e Bahia (4 milhões).

A grande maioria das doses aplicadas até o momento é da Coronavac (66,1%), seguida de AstraZeneca-Oxford (32,2%) e Pfizer-BioNTech (1,7%).

No total, o Brasil contabiliza mais de 449 mil mortes por covid-19 e mais de 16 milhões de casos. 

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 589 mil óbitos. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (33,1 milhões) e Índia (26,5 milhões).

Sozinho, o país é responsável por quase metade de todos os óbitos por covid-19 na América Latina. 

Escassez de vacinas

Embora seja exemplo mundial em campanhas de imunização, o Brasil enfrenta lentidão na vacinação contra a covid-19 devido à escassez de vacinas.

Na contramão de quase todos os países do mundo, o Ministério da Saúde se comprometeu inicialmente com apenas uma vacina e não com um leque diversificado como ocorreu, por exemplo, na União Europeia e nos Estados Unidos.

O governo brasileiro apostou todas as fichas na vacina da AstraZeneca-Oxford, fez pouco caso da Caronavac e recusou ofertas da Pfizer ao longo do segundo semestre do ano passado.

A lentidão e possível omissão na compra de vacinas está sendo investigada pela CPI da Pandemia. À comissão, o ex-presidente da Pfizer no Brasil Carlos Murillo diz que governo brasileiro ignorou cinco ofertas de vacinas somente em 2020. 

Segundo Murillo, a primeira proposta da Pfizer ao Brasil foi feita em 14 de agosto de 2020. A empresa ofereceu contratos para a compra de 30 milhões ou 70 milhões de doses da vacina. O de 70 milhões consistia em 500 mil doses ainda em 2020, 1,5 milhão no primeiro trimestre de 2021, 5 milhões no segundo trimestre, 33 milhões no terceiro trimestre e 30 milhões no quarto.

Após sete recusas por parte do Brasil, um contrato com a empresa foi fechado somente em março desse ano.

Outro fator que colabora para a escassez de imunizantes é o atraso na liberação de insumos enviados pela China, o que suspendeu a produção da Coronavac pelo Insituto Butantan e da vacina de Oxford pela Fundação Oswaldo Cruz. 

A direção do Instituto Butantan e o governador de São Paulo, João Doria, afirmaram no começo de maio que os constantes ataques do presidente Jair Bolsonaro à China estão afetando a importação dos insumos. 

O atraso no envio da matéria-prima e, consequentemente na produção da Coronavac, se refletiu na campanha de vacinação.

Desde o final de abril, o país sofre deatrasos na aplicação da segunda dose da Coronavac. Segundo uma pesquisa do final de abril da Confederação Nacional de Municípios (CNM), quase um terço das cidades brasileiras ficaram sem a segunda dose da vacina. O problema é mais grave na região Sul do país, onde quase metade das prefeituras disse ter interrompido a vacinação com a segunda dose.

Na raiz da crise, segundo especialistas e a própria atual gestão do Ministério da Saúde, está uma comunicação de março da pasta de que doses não precisariam ser guardadas para aplicação em que já recebeu a primeira.

Na semana passada, o Ministério da Saúde informou que enviou lotes de vacinas aos estados, com os quais será possível vacinar todos os que estão com doses atrasadas. 

Início da vacinação conturbado

A vacinação no Brasil começou em 18 de janeiro, com a Coronavac, aposta do governo paulista, já que a outra vacina aprovada, a da AsraZeneca-Oxford, ainda não estava disponível.

Ao longo de 2020, a Coronavac foi constantemente desprezada por Bolsonaro, que chegou a comemorar a morte de um voluntário na fase de testes – num caso sem relação com o estudo – e a suspensão temporária dos testes. "Mais uma que Jair Bolsonaro ganha", afirmou na época.

O presidente constantemente chamava o imunizante de "vacina chinesa" e questionava a sua eficácia. Em outubro, Bolsonaro cancelou um protocolo de intenção do Ministério da Saúde para a aquisição da Coronavac. A mudança de postura do governo federal veio após a pressão de governadores e tentativas frustradas de adquirir outra vacina para o início da imunização.

Apesar de depender da Coronavac para o início da campanha, Bolsonaro seguiu menosprezando o imunizante. "Esta vacina que está aí é 50% de eficácia. Ou seja, se jogar uma moedinha para cima, é 50% de eficácia. Então, está liberada a aplicação no Brasil", disse em janeiro.

Deutsche Welle Brasil, em 24.05.2021

Brasil registra mais 790 mortes por covid-19

País se aproxima de 450 mil óbitos ligados ao coronavírus. Autoridades confirmam ainda 37 mil casos da doença em 24 horas, e total de infectados vai a 16,12 milhões

Profissionais de saúde conversam em frente a um leito em hospital do Rio de Janeiro

O Brasil registrou oficialmente 790 mortes ligadas à covid-19 nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) nesta segunda-feira (24/05).

Também foram confirmados 37.498 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país chega a 16.120.756, e os óbitos somam agora 449.858.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação. As cifras divulgadas às segundas-feiras também costumam ser mais baixas, já que as equipes responsáveis pela notificação trabalham em escala reduzida no fim de semana. 

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 14.552.024 pacientes haviam se recuperado da doença até a noite de domingo.

Com os dados de óbitos registrados nesta segunda, a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 214,1 no país, a 10ª maior do mundo, se excluído o país nanico San Marino.

A média móvel de novas mortes (soma dos óbitos nos últimos sete dias e a divisão do resultado por sete) ficou em 1.903, e média móvel de novos casos, em 66.195.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 590 mil óbitos. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (33,1 milhões) e Índia (26,7 milhões).

Ao todo, mais de 167 milhões de pessoas contraíram o coronavírus no mundo, e 3,46 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença, segundo números oficiais.

Deutsche Welle Brasil, em 24.05.2021

Oh tempos, oh mores!


Itália, 1933. 


Brasil, 2021

Até quando, Catilina?

General Santos Cruz critica Bolsonaro e Pazuello após ato no Rio: 'irresponsável e perigoso'

Pazuello, como general da ativa da instituição, é proibido pelo regulamento disciplinar do Exército de se manifestar politicamente. No entanto, ele chegou a falar durante a manifestação em cima do carro de som em que também estava Bolsonaro. Ambos estavam sem máscara, assim como demais presentes no ato.

General Santos Cruz | Jorge William / Agência O Globo

O general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro do governo de Jair Bolsonaro, criticou o presidente e o general da ativa Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, após os dois terem participado de uma “motociata” no Rio de Janeiro, no último domingo, que causou aglomerações pela cidade. Santos Cruz escreveu no Twitter que “o presidente e um militar da ativa mergulharem o Exército na política é irresponsável e perigoso”.

O general, que foi ministro da Secretaria de Governo de Bolsonaro, afirmou ainda que os dois desrespeitam o Exército e são “um mau exemplo, que não pode ser seguido”.

“DE SOLDADO A GENERAL TEM QUE SER AS MESMAS NORMAS E VALORES. O presidente e um militar da ativa mergulharem o Exército na política é irresponsável e perigoso. Desrespeitam a instituição. Um mau exemplo, que não pode ser seguido. PÉSSIMO PARA O BRASIL”, escreveu Santos Cruz.

Pazuello, como general da ativa da instituição, é proibido pelo regulamento disciplinar do Exército de se manifestar politicamente. No entanto, ele chegou a falar durante a manifestação em cima do carro de som em que também estava Bolsonaro. Ambos estavam sem máscara, assim como demais presentes no ato.

Segundo Lauro Jardim noticiou em sua coluna, o ex-ministro da Defesa Raul Jungmann considerou "gravíssimo" "o ato do general Pazuello de subir no palanque com o Presidente da República". Atual chefe da pasta, Braga Netto, e o comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira, também já tiveram ao menos um conversa telefônica ainda no domingo para tratar da crise aberta com a presença do general na manifestação. 

Publicado originalmente por O Globo online , em 24/05/2021 • 10:22

Mourão diz que Pazuello 'sabe que cometeu erro' ao participar de ato com Bolsonaro

Contrariando norma, ex-ministro esteve em ato bolsonarista; Exército deve analisar caso nesta segunda

 O vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, fez críticas nesta segunda-feira, 24, ao comportamento do general Eduardo Pazuello, que participou de ato bolsonarista ontem. Segundo o vice, o ex-ministro da Saúde "entendeu que cometeu um erro".

O Exército deve avaliar nesta segunda-feira se aplicará alguma punição ao ex-ministro, que é militar da ativa das Forças Armadas.

"Acho que o episódio será conduzido à luz do regulamento, isso tem sido muito claro em todos os pronunciamentos dos comandantes militares e do próprio ministro da Defesa. Eu já sei que o Pazuello já entrou em contato com o comandante informando ali, colocando a cabeça dele no cutelo, entendendo que ele cometeu um erro", disse o vice-presidente ao chegar ao Palácio do Planalto na manhã desta segunda-feira.

"O regulamento disciplinar do Exército prevê que se avalie o tipo de transgressão que eventualmente foi cometido e que consequentemente se aplique a punição prevista para o caso", comentou Mourão.

O ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e o presidente Jair Bolsonaro discursam a apoiadores em ato no Rio de Janeiro. Foto: Wilton Júnior/Estadão

A parte do regulamento que o general fez menção diz respeito à transgressão 57, que diz: "Manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária". Em desrespeito à norma, Pazuello compareceu no domingo, 23, ao ato bolsonarista do Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro.

Ao ser questionado sobre o presidente Jair Bolsonaro, que promoveu o ato, Mourão evitou fazer declarações. "Eu já falei para vocês, eu não comento atos do presidente Bolsonaro porque eu considero antiético."

No Twitter, quem também reagiu à participação de Pazuello no ato foi o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo de Bolsonaro. "De soldado a general tem que ser as mesmas normas e valores. O presidente e um militar da ativa mergulharem o Exército na política é irresponsável e perigoso. Desrespeitam a instituição. Um mau exemplo, que não pode ser seguido. Péssimo para o Brasil."

O Estadão apurou que o Comando do Exército deve analisar o caso nesta segunda-feira.  Na quarta-feira, dia 19, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, disse à Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara que os militares da reserva podem participar de manifestações, ao contrário dos que estão na ativa. "Os da ativa não podem e serão devidamente punidos se aparecerem em manifestações políticas".  

O temor no Exército é que, se Pazuello ficar impune, os comandantes de unidades percam a autoridade para punir, eventualmente, sargentos e tenentes que resolvam seguir o exemplo do general, inclusive os que resolverem participar de atos políticos de partidos de oposição.

Lauriberto Pompeu  , O Estado de S.Paulo, em 24 de maio de 2021 | 10h21

Os partidos e o candidato da terceira via

O País tem um urgente desafio: encontrar um candidato competente e responsável, capaz de representar uma alternativa viável a Lula e Bolsonaro

O País tem um urgente desafio: encontrar um candidato competente e responsável, capaz de representar uma alternativa viável a Luiz Inácio Lula da Silva e a Jair Bolsonaro. A população não pode ser refém do lulopetismo e do bolsonarismo, opções que – por mais empenho que se coloque para identificar diferenças entre elas – convergem de forma tão cristalina no negacionismo (seja na saúde pública ou na economia), na falta de disposição para promover as reformas, na utilização da máquina pública para interesses particulares (familiares ou partidários), na irresponsabilidade da gestão pública e no exercício do poder para fins exclusivamente eleitorais.

Esse desafio à liberdade e à cidadania – encontrar um candidato a presidente da República responsável e com viabilidade política – é, em alguma medida, tarefa de toda a sociedade. Mas, ainda que todos os cidadãos sejam em alguma medida responsáveis – e é muito oportuno que ninguém se sinta alijado do processo político –, há numa democracia representativa atores institucionais sobre os quais recai especial responsabilidade pelo futuro do País. Faz-se referência aqui aos partidos políticos.

De maneira muito especial, cabe às legendas encontrar um candidato viável da terceira via, comprometido com o interesse público.

Essa específica responsabilidade dos partidos não é mero dever de ocasião, em razão das atuais circunstâncias. Nada mais distante disso. A tarefa é decorrência direta da missão institucional dos partidos políticos em uma democracia representativa: assegurar pluralidade de opções políticas. E ao falar da terceira via, é disto que se trata: garantir que o eleitor, ao votar para presidente da República, tenha uma opção de voto viável e responsável.

Por isso, a Constituição de 1988 coloca os partidos políticos entre as instituições fundamentais para a organização do Estado. Essa menção não é uma espécie de homenagem formal ou de regalia institucional. As legendas têm papel decisivo na qualidade dos candidatos que o eleitor tem à disposição. Tanto é assim que, por expressa determinação constitucional, a filiação partidária é uma das condições de elegibilidade.

Ao contrário do que às vezes se pensa, os partidos são muito relevantes no cenário político. Eles não são – não precisam ser – reféns de Luiz Inácio Lula da Silva ou de Jair Bolsonaro. Por exemplo, nas eleições de 2020, cinco partidos se destacaram quanto ao número de prefeitos eleitos: MDB (783), Progressistas (687), PSD (654), PSDB (521) e DEM (466).

Essas cinco legendas têm, portanto, inegável força política e expressiva capilaridade, não dependendo do lulopetismo ou do bolsonarismo para sua viabilidade eleitoral. Seria, no mínimo, ingênuo que, com tal potencial político, esses cinco grandes partidos não fossem protagonistas nas eleições presidenciais apresentando candidatos competentes, responsáveis e viáveis. 

Vale lembrar que, nas eleições do ano passado, o partido de Lula e aquele pelo qual Bolsonaro foi eleito presidente fizeram muito menos prefeitos que as cinco primeiras legendas. O PT elegeu 182 e o PSL, 90. O DEM sozinho elegeu duas vezes e meia o número de prefeitos do PT.

Os números das eleições de 2020 revelam que o eleitor não é submisso aos extremos lulopetista e bolsonarista. Dessa forma, encontrar um candidato viável da terceira via não é apenas um dever dos partidos, mas também uma oportunidade eleitoral.

Na urgente empreitada de encontrar um candidato de centro viável e responsável, os partidos podem resgatar o aspecto essencial de sua missão: o de intermediar a relação entre poder político e população, aproximando-os. É precisamente esse aspecto que Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro negam aos partidos, quando os fazem vassalos de seus interesses particulares.

Sempre, mas especialmente agora, o País precisa dos partidos. Somente com a altiva participação das legendas, o eleitor poderá desfrutar de um mínimo de pluralismo político que o liberte da asfixiante disjuntiva entre Lula e Bolsonaro.

Editorial / Notas e Informações. O Estado de S. Paulo, em 24.05.2021

Roberto Romano: Poderes ocultos na falsa república

Quando examinamos os conselheiros do nosso príncipe, um nome vem à mente: Rasputin

Raros governos na história política mundial agiram sem conselheiros. Embora já na Ilíada o astuto Ulisses recomende o poder de um só, a liderança exige partilhas. Reunir num dirigente decisões estratégicas traz inconvenientes só remediados pela tirania. Escritos clássicos evidenciam a relevância dos ministros, secretários e similares na ordem estatal. Os conselheiros podem agir às claras ou exercer seu ofício nas sombras. Não raro surgem conflitos entre poderosos e auxiliares, o que traz desgraças aos dois.

Platão exemplifica a tragédia do aconselhamento. Dionísio, tirano da Sicília, pediu-lhe ajuda para definir uma administração justa e verdadeira. O autor da República caiu na armadilha, ensinou ao hospedeiro verdades insuportáveis. Como “prêmio” ele foi vendido como escravo. A Carta Sétima platônica narra as desventuras do infeliz conselheiro. Maquiavel entra no rol dos sapientes em desgraça após cumprir as missões secretas da república. É imensa a lista dos desenganos vividos nos palácios.

Um ajudante governamental bem-sucedido e que agiu nas sombras é o famoso Père Joseph, alma gêmea do cardeal Richelieu. Ele auxiliou na tarefa de edificar o moderno Estado francês, modelo dos Estados europeus desde então. Na política internacional e nos assuntos internos nota-se o mencionado clérigo agindo como eminência oculta.

Aconselhar o dirigente máximo de uma coletividade política – inserida em territórios controlados por outras soberanias – exige treino, ciência, prudência. O Père Joseph, religioso erudito, desde a mais tenra idade aprendeu as bases do saber. Aos 16 anos ele dominava a língua italiana e o espanhol, o latim e o grego. Era também capacitado em direito e matemáticas superiores, lia o hebreu, nas artes militares praticava tiro e equitação. Ao conhecer Richelieu o frade estava a par da política internacional e impulsionou opções diplomáticas da França. “O Père Joseph, não apenas cumpriu brilhantemente as missões das quais foi encarregado, mas ele também sabia, único entre todos, apresentar críticas que sempre impressionaram Richelieu. Este último com frequência levava em conta seus alertas” (Carl J. Burckhardt, Richelieu).

Gabriel Naudé reserva o capítulo quinto de sua obra sobre os golpes de Estado à escolha de auxiliares pelo governante. Fundador de instituições sólidas na construção do Estado francês, como a Biblioteca Mazarino, ele recomenda opção por conselheiros prudentes, amorosos da coisa pública, de espírito agudo.

No Brasil, personagens ilustres cumpriram o papel de aconselhar o príncipe. De José Bonifácio a San Tiago Dantas, a política governamental sempre teve pessoas sábias que desenharam saídas para os dilemas pátrios. Nem sempre tais ajudantes demonstraram espírito democrático. Francisco Campos e Golbery do Couto e Silva exibiam perfis tirânicos. Mas sua presença nos palácios definiu rotas para o Estado.

Chegamos aos nossos dias. Nos Estados Unidos, Donald Trump cerca-se de conselheiros tão ignaros quanto ele. Nas sombras, Bannon e seus manejos internacionais pioram a política estadunidense, interna ou externa. Na Itália, Berlusconi acolhe uma intelectualidade cuja marca principal é a ideologia autoritária. Na França, Sarkosy vê-se rodeado de auxiliares opostos a tudo o que significa a antiga república. Angela Merkel brilha – estrela solitária – numa constelação governamental obscura e obscurantista. A União Europeia, assim, nem sequer conseguiu definir uma sólida Constituição.

No Brasil a Presidência da República é aconselhada por um gabinete oculto, com várias atribuições. Nenhuma delas integra a lista das mais relevantes missões estatais. Na política externa, o grupo é liderado por Eduardo Bolsonaro. A experiência demonstrada por ele é interessante: trabalhou em lanchonete nos Estados Unidos. Mas comanda a Comissão de Relações Internacionais da Câmara dos Deputados. No campo da saúde pública e das comunicações, temos outro membro da família, Carlos Bolsonaro. Pelos testemunhos na CPI da Covid, ele foi ouvido na recusa de vacinas, na administração de fármacos, etc. Não foi publicado até hoje o diploma médico do referido príncipe. Nos tratos com o Congresso o conselheiro é Flávio Bolsonaro. Sua competência não impediu a abertura da referida CPI e não consegue esconder procedimentos contrários a todo o direito público, como o escândalo tratoral do orçamento secreto. Sim, o gabinete oculto encarregado de espalhar fake news também opera no interior do Planalto.

Quando examinamos tais conselheiros semiocultos do nosso príncipe, um só nome vem à mente com celeridade: Rasputin. Ao usar a fé da imperatriz e cooptar com promessas de poder parte da corte russa, aquela pessoa apressou a queda do regime imperial, tantos foram os absurdos praticados pela casa reinante sob seus auspícios.

Lida, a História política é cheia de exemplos quando se trata dos riscos no aconselhamento do governante. Mas quem hoje pratica a leitura no Palácio do Planalto?

Roberto Romano, o autor deste artigo publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 23.05.2021, é Professor na UNICAMP. Escreveu "Razões de Estado e outras Razões" (Editora Perspectiva). 

Porandubas Políticas

Por Gaudêncio Torquato 

Abro a coluna com a noiva.

A morada do doutô Agriço

Mais uma do mestre Leonardo Mota.

Quem entra no "Hotel Roma" de Alagoinhas, na Bahia, vai com os olhos a uma tabuleta agressiva em que peremptoriamente se adverte:

Pagamento adiantado, hóspedes sem bagagens e conferencistas

Também em Pernambuco, o proprietário do hotelzinho de Timbaúba é, com carradas de razão, um espírito prevenido contra conferencistas que correm terras. Notei que se tornou carrancudo comigo quando lhe disseram que eu era conferencista, a pior nação de gente que ele contava em meio à sua freguesia. Supunha o hoteleiro de Timbaúba que eu fosse doutor de doença ou doutor de questão. Por falar em Timbaúba, há ali um sobrado, em cuja parte térrea funciona uma loja de modas, liricamente denominada "A Noiva". O andar superior foi adaptado para residência de uma família. Eu não sabia de nada disso quando, ao indagar ao major Ulpiano Ventura onde residia o dr. Agrício Silva, juiz de Direito da comarca, recebi esta informação que me deixou tonto:

- O Doutô Agriço? O Doutô Agriço está morando em riba d'A Noiva...

Panorama

Terceira onda?

Nos últimos 15 dias os hospitais privados de São Paulo registraram alta de 7% de contaminados de Covid-19 com ingresso em leitos e UTIs. Interrogações dos médicos: seria uma terceira onda? O relaxamento aumentou bastante. E os vacinados com segunda dose se achando imunizados. Não é bem assim.

CPI da Covid-19

Em uma semana pouca coisa mudou no front da política. A CPI da Covid-19 continua a mobilizar as atenções, os bolsonaristas tentam sair pela tangente no banco de testemunhas e, ao que se infere, o relatório final incriminará o governo e membros de sua equipe apontando má gestão da pandemia e provas recaindo sobre a responsabilidade de gestores e ex-gestores. Indagação que se impõe: o presidente será responsabilizado, além de seus auxiliares? Sim. Mas será punido com impeachment? Não. Não haveria tempo e condições objetivas para uma decisão com tal dimensão.

Pazuello

O depoimento do ex-ministro Eduardo Pazuello, hoje, é o que cria maior expectativa. O ministro tem um salvo-conduto para não se incriminar. Mas é obrigado a falar sobre terceiros. A questão de fundo é: falando ou silenciando, o general terá curta sombra para se abrigar. Aliás, o silêncio, como já acentuei neste espaço, é uma grande forma de expressão, traduzindo coisas como medo, insegurança, versão distante da verdade, escapadas ao fogo interrogativo. Esta também é a alternativa da "Capitã Cloroquina", que enviou carradas do remédio para Manaus, no auge da crise, orientando sobre sua adoção.

O Centrão de olho

O Centrão, com eixo central no PP, está de olhos esbugalhados: um focado em Bolsonaro e em seu governo, outro fixado nas pesquisas que mostram imagem em queda na avaliação da administração. Como se sabe, a tendência de integrantes do bloco é de caminhar na direção apontada pelo peso da balança. Caso seja o da oposição a Bolsonaro, lá pelos meados de 2022, talvez até antes, o desembarque dos participantes do Centrão é algo previsível. Primeiro, eu; segundo, eu; terceiro, eu. Este é o velho lema do blocão. Perspectiva de poder - eis a bússola que orienta a esfera política.

Lula submergindo

Para evitar desgaste com lançamento prematuro, Luiz Inácio foi aconselhado a mergulhar. Sair a campo muito cedo é se sujeitar a bombardeios prévios. Ademais, Lula não está seguro sobre sua condição de elegibilidade. A primeira instância voltará a analisar seus casos. Mas, e a pressão da opinião pública? Já começa a funcionar a favor dele. Lula inicia um discurso de vítima, de inocente. A OP tende a favorecê-lo, como indicam as pesquisas. É evidente que os juízes balizarão em suas decisões por impulsos dos balões de pressão social.

DEM

Padece sua maior crise dos últimos tempos.

PRTB

Esnobou e decidiu não entregar a legenda para Bolsonaro. Continuará nas mãos da família de Levy Fidelix. Historinha: por ocasião do lançamento do meu livro - Era uma Vez Mil Vezes - na livraria Cultura, Levy chegou trovejando sua voz: "desculpem, tenho outro compromisso. Vou furar a fila e cumprimentar meu amigo". Passou bom tempo posando para fotos ao lado da mesa. E a gritaria o impediu de ficar mais tempo. Uma figura.

Alckmin

Geraldo Alckmin está entre a cruz e a caldeirinha. Se permanecer no PSDB, ameaça perder a condição de candidato ao governo de São Paulo, posição hoje nas mãos de Rodrigo Garcia, que deixa o DEM pelo tucanato. Se sair, pode ser candidato da sigla em que ingressar. E vai brigar contra João Doria, seu discípulo. O que seria melhor?

Bolsonaro

Cai o índice de avaliação positiva de Jair Bolsonaro. Poderá cair mais ou ele terá condições de resgatar o prestígio anterior? Em política, tudo pode ocorrer. Mas, a continuar seu destampatório, emerge a alternativa de perder o favoritismo. Lula, para ele, seria o candidato ideal. Há quem não acredite nesta hipótese.

Mourão

Hamilton Mourão, o vice-presidente da República deverá ser candidato ao Senado pelo Rio Grande do Sul. Opção mais atrativa. Não integrará a chapa de Bolsonaro.

Militares

Alas insatisfeitas com os "feitos" do capitão se espalham.

Classes médias

Continuam a observar o cenário e a aguardar momento de descer do muro da indecisão. Hoje, pendem para Lula por falta de opção. E parcela vai de Bolsonaro, por convicção.

Pobreza

Aumentando a olhos vistos. Os pedintes agora querem víveres, comida, em vez de dinheiro. Em São Paulo, na porta de supermercados, os famintos marcam ponto.

Redes sociais

Decrescem ímpeto e tom violento das brigadas bolsonaristas nas redes sociais. Sinal dos tempos.

Bruno Covas

Certo dia, em evento num sindicato, disse para ele: "Bruno, siga o exemplo de firmeza de seu avô, Mário". Ele me respondeu: "Gaudêncio, ele me inspira na vida. É minha bússola". Bruno era um homem corajoso, determinado, transparente e simples. Sem arrogância. Teria um grande amanhã na política. Muito ligado ao avô.

Renan

O relator da CPI da Covid-19, senador Renan Calheiros (MDB-AL), passa a ganhar simpatia em setores que o recriminavam. É a gangorra da política.

Angarita

Liguei, ontem, para cumprimentar meu amigo Antônio Angarita, ex-presidente da Vasp, ex-professor da FGV, ex-secretário de Estado em São Paulo, tendo ajudado muito o governo Mário Covas. Lembrei os velhos tempos em que me acolheu para integrar a equipe de preparação do programa do governo, levado que fui por João Doria. Viva Angarita.

Fatores da eficácia eleitoral

Pré-candidatos já começam a pôr os ouvidos junto aos bochichos das ruas. Pedem a este consultor para dizer o que pode acontecer em outubro de 2022. Consulto minha bola de cristal e vejo apenas nuvens plúmbeas. Mas arrisco o alinhamento de 10 fatores que jogarão/não jogarão votos nas urnas:

1. Economia - dinheiro no bolso, barriga satisfeita.

2. Pandemia - Gestores bem avaliados serão bafejados.

3. Cobertor social - Quanto menos curto, melhor, permitindo cobrir pés e cabeça.

4. Mais ação, menos discurso - Tempos de observação para quem age e para quem fica no blá blá blá.

5. Inovação - Palavra enganadora. Não adiantará dizer que vai inovar. A boca expressiva deve garantir credibilidade.

6. Tendência de caras novas ganharem preferência. Mas as caras antigas, respeitadas, terão sucesso.

7. Partidos políticos - Sem grande importância, mas serão alavanca em termos de espaço midiático.

8. Polarização do discurso - Abrigo de 15% do eleitorado. A maioria não engrossará turbas radicais.

9. Dinheiro/Recursos - Continua abrindo porta, mas bolso largo deixou de ser decisivo.

10. Circunstâncias - O espírito do tempo. O Produto Nacional Bruto da Felicidade, conjunto de situações vividas naquele momento eleitoral. O Senhor Imponderável, que costuma nos fazer visitas, deve aparecer em algumas regiões.

Fecho a coluna com uma historinha das Minas Gerais.

Da burrice e da engenharia

Viajando pelo interior de Minas, o arquiteto Marcos Vasconcelos encontrou um grupo de trabalhadores abrindo uma estrada:

- Esta estrada vai até onde?

- Muito longe, muito longe, doutor. Atravessa o vale, retorce na beirada da serra, quebra pela esquerda, retoma pela direita, desemboca em frente, e vai indo, vai indo, até chegar a Ponte Nova, passando pelos baixios e cabeceiras.

- Vocês têm engenheiro, arquiteto, teodolito, instrumentos de medição?

- Num tem não, doutor. Nós tem um burro, que nós manda ir andando, andando. Por onde ele for, aí é o melhor caminho. Nós vai picando, picando.

- E quando não tem burro?

- Aí não tem jeito, doutor; nós chama um engenheiro mesmo.

O arquiteto seguiu adiante filosofando sobre as artes da burrice e da engenharia.

Torquato Gaudêncio, cientista político, é Professor Titular na Universidade de São Paulo e consultor de Marketing Político.
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quinta-feira, 20 de maio de 2021

Brasil registra mais 2.403 mortes por covid-19

Número acumulado de mortes passa de 444 mil. País também contabiliza mais 82 mil novos casos da doença nesta quinta-feira.

O Brasil registrou oficialmente nesta quinta-feira (20/05) 2.403 mortes ligadas à covid-19, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).

Também foram confirmados 82.039 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país chega a 15.894.094, e os óbitos somam 444.094.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 14.330.118 pacientes haviam se recuperado da doença até quarta-feira.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 588 mil óbitos. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (33 milhões) e Índia (25,7 milhões).

Já a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 211,3 no Brasil, a 10ª mais alta do mundo, quando desconsiderado o país nanico de San Marino.

Ao todo, mais de 165 milhões de pessoas contraíram oficialmente o coronavírus no mundo, e 3,42 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença.

Deutsche Welle Brasil, em 20.05.2021

Na CPI, Pazuello volta a distorcer histórico de sua gestão

No segundo dia de depoimento, ex-ministro da Saúde continua a executar estratégia de blindar Bolsonaro. General mente sobre aplicativo que recomendava cloroquina e culpa governo do Amazonas por crise do oxigênio

Pazuello voltou a defender gestão que foi marcada por explosão de mortes e falta de vacinas. Senadores também voltaram a acusar ex-ministro de mentir.

No segundo dia de depoimento à CPI da Pandemia no Senado, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello deu prosseguimento a uma estratégia múltipla de poupar o presidente Jair Bolsonaro, distorcer episódios do histórico da sua gestão e transferir alguns erros ou omissões da pasta para terceiros.

O general culpou nesta quinta-feira (20/05) uma empresa e o governo do Amazonas pela crise do oxigênio que atingiu Manaus em janeiro, negou responsabilidade pela criação e lançamento do aplicativo TrateCov - ferramenta que recomendava altas doses de cloroquina até para bebês - e minimizou seu papel e o do ministério na falta de empenho do governo em adquirir vacinas. Ele também voltou a mentir que nunca recomendou cloroquina, medicamento sem eficácia comprovada contra a covid-19, e sobre o cancelamento da compra de doses de Coronavac por ordem de Bolsonaro.

Por outro lado, assim como fez na quarta-feira, assumiu algumas decisões graves do governo ao longo da pandemia, no que foi encarado pela oposição como uma tentativa de blindar o presidente.

Desta vez, a sessão começou diretamente com questionamentos de senadores, após o primeiro dia do depoimento do ex-ministro terminar com ainda 23 parlamentares inscritos para fazer perguntas. A sessão de ontem acabou sendo suspensa no final da tarde após Pazuello se sentir mal.

Nesta quinta-feira, senadores da oposição voltaram a criticar Pazuello e sua gestão, que foi marcada por uma explosão de casos e mortes de covid-19 e pela promoção de drogas ineficazes contra a doença.

Por outro lado, o general ganhou reforço com a intervenção de senadores governistas, que repetiram velhos argumentos bolsonaristas desacreditados, como a mentira de que o Supremo retirou poder do governo federal ou estudos fraudulentos que indicariam eficácia da cloroquina. O senador bolsonarista Marcos do Val, por exemplo, usou seu tempo para fazer elogios a Pazuello, chegando a "agradecer" o general pelo seu trabalho à frente do ministério. Já o senador Flávio Bolsonaro, filho mais velho do presidente, mais uma vez tumultuou a sessão da CPI. 

Pazuello comandou o ministério entre maio de 2020 e março deste ano. Quando o general assumiu a pasta, o Brasil acumulava 233 mil casos e 15.633 mortes associadas à covid-19. Quando o substituto do general na pasta foi anunciado, o número de casos passava de 11,5 milhões, e o de mortes se aproximava de 280 mil, com o país ocupando o segundo lugar entre as nações com mais óbitos na pandemia. Pazuello também deixou o cargo sem garantir vacinas suficientes para a população e com um inquérito no Supremo por suspeita de omissão na crise de Manaus.

Jogo da transferência da responsabilidade

Assim como ocorreu na quarta-feira, Pazuello tentou se eximir de decisões controversas da sua gestão. O senador Alessandro Vieira, por exemplo, questionou o general sobre o fechamento de um hospital de campanha federal em Goiás. Pazuello afirmou que o ministério não mandou fechar nenhum hospital, parecendo ignorar que a unidade em questão era federal. Posteriormente, o general disse que o fechamento foi uma demanda do governo goiano. Mas o senador Vieira lembrou que o governo local havia pedido a prorrogação do funcionamento da unidade. "Eu posso verificar. Eu não tenho esse dado pra dar pro senhor", respondeu Pazuello, deixando a questão sem explicação.

Pazuello também voltou a negar que a sua gestão tenha ignorado as ofertas de vacinas da Pfizer, argumentando que as dificuldades estavam ligadas às clausulas impostas pela empresa. A Pfizer afirma que ficou meses sem receber qualquer resposta do ministério para suas ofertas de vacina, apontando desinteresse do governo. Dezenas de outros países negociaram com a Pfizer sem impor tantas restrições nas negociações como o governo brasileiro fez.

O general também disse que as negociações demoraram por causa da falta de legislação para permitir a transação. Pazuello ainda disse que o Ministério da Casa Civil tomou decisão sobre a adesão ao consórcio Covax Facility. Na terça-feira, o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo afirmou que tudo ocorreu no âmbito da Saúde.

Pazuello também foi questionado sobre o sumiço de dados sobre a pandemia que ocorreu em junho de 2020, quando o Portal Coronavírus do Ministério da Saúde parou de disponibilizar dados totais de mortes e casos relacionados à doença no país. Os números só voltaram ao ar por ordem do Supremo, e a ação do governo foi encarada como uma tentativa autoritária de esconder a escala da pandemia. Pazuello deu uma longa resposta vaga, divagando sobre dificuldade de coleta de dados, mas sem explicar por que os dados foram ocultados.

Ainda que tenha minimizado seu papel em controvérsias ou decisões que tiveram consequências graves, Pazuello, assim como havia feito ontem, puxou para si a responsabilidade por alguns episódios da gestão da pandemia, como a publicação de protocolos para expandir o uso da cloroquina e o cancelamento da compra da Coronavac, em outubro.

Dois antecessores de Pazuello na pasta, os médicos Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, afirmaram que foram pressionados pelo presidente para promover a cloroquina. Teich, inclusive, apontou que esse foi o principal motivo para a sua saída da pasta.

O general repetiu que não sofreu nenhuma pressão de Bolsonaro, no que foi encarado pela oposição como uma estratégia para blindar o presidente. "Eu sinto que o senhor tenha assumido para si responsabilidades que não são suas", afirmou o senador Rogério Carvalho (PT-SE).

Em outro momento, Pazuello chegou a afirmar que não havia comprovação da eficácia de medidas de distanciamento - novamente parecendo querer proteger Bolsonaro de acusações de sabotagem dessas medidas. Ele ainda afirmou que falas de Bolsonaro em público e nas redes que incentivavam o uso da cloroquina não nortearam as ações do ministério.

Crise no Amazonas

Pazuello voltou a negar responsabilidade pela crise do oxigênio de Manaus, que em janeiro resultou na morte de dezenas de pessoas por asfixia, após o esgotamento de estoques do elemento químico na capital do Amazonas.

Aos senadores, o general disse que, na opinião dele, a responsabilidade pela falta de oxigênio hospitalar foi da empresa fornecedora, White Martins, e da Secretaria de Saúde do Amazonas

"Então a empresa White Martins, que é a grande fornecedora, somada à produção da Carbox, que é uma empresa menor, já vinha consumindo sua reserva estratégica e não fez essa posição de uma forma clara desde o início. Começa aí a primeira posição de responsabilidade", disse Pazuello.

"O contraponto disso é o acompanhamento da Secretaria de Saúde, que se tivesse acompanhado de perto, teria descoberto que estava sendo consumido uma reserva estratégica. Vejo aí duas responsabilidades muito claras", acrescentou o general.

O ex-ministro da Saúde também afirmou que o governo Bolsonaro chegou a discutir uma intervenção no Amazonas durante a crise da saúde no estado, mas que o plano foi abandonado após o Planalto discutir o assunto com o governador Wilson Lima.

"Essa decisão [de intervir] não era minha. Foi levada ao conselho de ministros, o governador se apresentou, se justificou. Desculpa, quero retirar o termo, não é conselho de ministros, é reunião de ministros, com o presidente. O governador se explicou e foi decidido pela não intervenção", disse Pazuello.

A crise de Manaus já rendeu uma investigação contra Pazuello no STF por suspeita de omissão. O general já apresentou diferentes versões para o caso, dando declarações contraditórias sobre quando a pasta teria tomado conhecimento dos problemas na cidade.

Aplicativo da cloroquina

Pazuello voltou a negar qualquer responsabilidade pelo aplicativo TrateCov, lançado em janeiro pelo Ministério da Saúde para difundir o uso da cloroquina e outras drogas ineficazes contra a covid-19 - e que ainda assim são promovidas por Bolsonaro e apoiadores do governo.

O aplicativo servia para que usuários informassem dados da sua saúde e em seguida eventualmente recebessem orientações para a adoção do chamado "tratamento precoce" - o coquetel bolsonarista de drogas sem eficácia comprovada contra a covid-19. O aplicativo ganhou notoriedade por receitar altas doses de cloroquina até para gestantes e bebês.

Aos senadores, Pazuello afirmou que o aplicativo era só um protótipo que foi levado indevidamente ao ar pela ação de um suposto hacker. No entanto, Pazuello esteve no lançamento oficial da ferramenta em Manaus, e uma de suas assessoras afirmou que o aplicativo estava disponível para ser baixado. A máquina de propaganda do governo, incluindo a TV Brasil, também fez a divulgação do aplicativo, que estava disponível no site do Ministério da Saúde.

Esses detalhes não passaram despercebidos pelo senado Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI, que ironizou a versão de Pazuello. "Esse programa que o ministro Pazuello fala que foi hackeado, ele foi hackeado e colocado na TV Brasil, para vocês terem uma ideia, na TV Brasil. O hacker é tão bom que ele conseguiu colocar uma matéria extensa na TV Brasil", disse Aziz.

Pazuello também afirmou que o TrateCov era uma mera de ferramenta de "diagnóstico", embora o próprio nome da ferramenta indique que ela tinha a função de indicar tratamento.

Segundo Pazuello a ideia do TrateCov foi da secretária do Ministério da Saúde Mayra Pinheiro, que será ouvida na CPI na próxima terça-feira. O senador Alessandro Vieira, por sua vez, citou documento de 6 de janeiro assinado por Pazuello sobre a disponibilização do aplicativo.

Críticas

Vários senadores da oposição fizeram duras críticas ao ex-ministro nesta quinta-feira. O senador Otto Alencar (PSD-BA) afirmou que o general nunca poderia ter sido titular da pasta, pois "não sabe nada sobre a doença". "Não sabe nada da doença, não poderia ser ministro da Saúde", disse Alencar.

O relator da CPI da Pandemia, senador Renan Calheiros, também voltou a pedir a contratação de um serviço de checagem de fatos em tempo real para impedir que depoente contem mentiras na comissão. Segundo Calheiros, Pazuello "mentiu flagrantemente" em ao menos 14 oportunidades na quarta-feira. "Deve ser uma nova cepa o que estamos vendo aqui: a negação do negacionismo. É tripudiar da comissão parlamentar de inquérito", disse.

Deutsche Welle Brasil, em 20.05.2021

Confira as figuras-chave da investigação penal contra Trump em Nova York

Dossiê judicial pode levar ao indiciamento do ex-presidente americano, situação inédita nos EUA

 Um promotor democrata em fim do mandato, outra promotora conhecida pela tenacidade, um fiel assessor de Donald Trump e um ex-funcionário próximo que decidiu traí-lo: estes são alguns dos protagonistas do dossiê judicial que poderá levar ao indiciamento inédito de um ex-presidente americano.

Cyrus Vance, um promotor em busca da posteridade

O promotor de Manhattan Cyrus Vance, de 66 anos, democrata que conquistou o cargo em 2010, foi o primeiro a abrir uma investigação penal contra o ex-presidente republicano. 

Filho de um ex-secretário de Estado americano, Vance foi acusado às vezes de se negar a processar pessoas poderosas, sobretudo após ter demorado a indiciar o ex-produtor de cinema Harvey Weinstein. 

No caso Trump, mostrou-se determinado, primeiro na longa batalha para obter seus arquivos contábeis e financeiros e depois mobilizando grandes recursos humanos e financeiros nesta investigação politicamente sensível.

Em jogo está sua reputação para a posteridade. Vance já anunciou que não tentará um quarto mandato quando o atual expirar em dezembro. Observadores avaliam que ele fará tudo o possível para indicar Trump antes de sua saída para facilitar o trabalho do seu sucessor.

Investigação do Estado de NY contra empresa do ex-presidente Donald Trump passou a ser de natureza criminal (Foto: Alex Brandon/AP)

Letitia James, a promotora combativa

A promotora-geral do Estado de Nova York Letitia James, também democrata, foi a primeira mulher negra a ocupar o cargo, em 2018. 

Desde então, a procuradora de 62 anos tem forjado uma reputação de combativa e independente, intensificando as investigações tanto de grandes empresas - especialmente as gigantes tecnológicas - quanto da administração Trump, contra a qual lançou dezenas de ações civis.

Embora Trump a acuse de parcialidade contra ele, ela também assumiu expedientes comprometedores contra o governador democrata de Nova York, Andrew Cuomo, envolvido em uma série de escândalos.

Depois de entregar um relatório contundente sobre as acusações de ocultamento do número de mortos por covid-19 em asilos, James lidera a investigação em curso sobre as acusações de assédio sexual contra o governador. Dependendo da gravidade dos resultados desta investigação, Cuomo pode ser obrigado a renunciar.

Allen Weisselberg, leal entre os leais a Trump

Aos 73 anos, o discreto contador é o colaborador mais fiel da holding familiar de Trump. Começou como contador na empresa de  Frederick Trump, pai de Donald, antes de se unir à Organização Trump como controlador financeiro quando o magnata se estabeleceu em Manhattan na década de 1980. 

Weisselberg esteve em todas as aventuras empresariais de Donald Trump, inclusive quando ele ficou em apuros com seus cassinos de Atlantic City.

Segundo Barbara Res, ex-vice-presidente da Organização Trump citada recentemente pelo Daily News, Weisselberg "achava que Trump era um deus". Mas agora todos se perguntam se ele se voltará contra seu chefe.

Investigadores o pressionam há meses, sem hesitar em mirar também em sua família, especialmente seu filho, Barry Weisselberg, para convencer o homem que, acredita-se, conhece todos os segredos da Organização Trump.

Michael Cohen, com sede de vingança

O ex-advogado pessoal de Trump, de 54 anos, foi o primeiro do círculo próximo do ex-presidente a ser pego pela justiça, que o condenou no fim de 2018 a três anos de prisão por evasão de impostos e violação das leis de financiamento de campanhas.

Mas também foi o primeiro de seus seguidores - mesmo tendo trabalhado durante dez anos como braço-direito do magnata, por quem dizia-se pronto a "levar um tiro" - a lhe dar as costas e colaborar com os investigadores.

Foi interrogado várias vezes nas últimas semanas pela equipe de Cyrus Vance.

Em fevereiro de 2019, ant uma comissão parlamentar, acusou amplamente Donald Trump. Entre outras coisas, destacou que o bilionário super ou subestima regularmente seus ativos, tanto com os bancos quanto com as empresas de seguros, para escalar nos rankings das pessoas mais ricas estabelecidas por organizações como a Forbes.

Muito ativo no Twitter ou em seu podcast "Mea Culpa", com frequência comemora os problemas legais do ex-chefe e sua possível futura acusação. /AFP

Redação, O Estado de S.Paulo, em 20 de maio de 2021 | 05h00

Média salarial no Judiciário chega a ser o dobro da registrada no Executivo

Estudo do Ipea vê maior diferença na esfera estadual, onde os integrantes do Judiciário ganham, na média, R$ 10,2 mil, mais que o dobro do Executivo (R$ 4,8 mil); no plano federal, Executivo paga R$ 9,4 mil, ante R$ 15,3 mil no Judiciário

 Um novo raio x traçado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que a média salarial no Poder Judiciário, que inclui magistrados e servidores, é a maior dos três Poderes. Na esfera estadual, os integrantes do Judiciário ganham, na média, R$ 10,2 mil, mais que o dobro do observado no Poder Executivo (R$ 4,8 mil). No âmbito federal, a diferença é menor, ainda com juízes e servidores em vantagem, com ganhos médios de R$ 15,3 mil, ante R$ 9,4 mil no Executivo.

Os salários médios do Judiciário também são maiores do que no Legislativo estadual (R$ 7,7 mil) e federal (R$ 9,3 mil). Os dados são do Atlas do Estado Brasileiro e foram trabalhados pelo Ipea a partir da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) de 2019. O pesquisador Félix Lopes ressalta ainda que os valores são brutos, mas não incluem “penduricalhos” que, muitas vezes, ajudam a turbinar remunerações de juízes e procuradores para além do teto remuneratório, que hoje é de R$ 39,2 mil. Também ficam de fora os salários de terceirizados.

Brasil é o sétimo país do mundo que mais gasta com salários de servidores públicos

A crítica à desigualdade de salários na administração pública é um dos poucos pontos que mobilizam, ao mesmo tempo, grupos favoráveis e contrários à reforma administrativa proposta pelo governo para alterar as regras do “RH” do serviço público. Após o Estadão/Broadcast divulgar cálculo do Tesouro de que o Brasil é um dos que mais gastam com funcionalismo no mundo, diversas categorias buscaram chamar atenção para as diferentes realidades dentro da administração.

Servidores do Poder Judiciário também ganham mais do que os do Poder Legislativo. Foto: Dida Sampaio/Estadão

“É expressiva a participação do Judiciário e do MP (Ministério Público) entre as ocupações com maiores remunerações médias, a despeito de ser o Executivo o poder responsável por prestar a maior quantidade de serviços”, afirma o presidente da Afipea Sindical, José Celso Cardoso Jr. A entidade representa os funcionários do Ipea.

Contrária à reforma do governo, a Afipea Sindical é uma das entidades que se coloca a favor da discussão de determinados pontos, como a limitação dos “penduricalhos” ou o fim das férias de 60 dias para magistrados, o dobro dos 30 dias a que os demais integrantes da administração têm direito. Outras propostas enfrentam oposição, como a flexibilização da estabilidade do servidor no cargo, medida que facilitaria dispensas pelo governo, mas é vista como um risco à atuação independente dos servidores.

“Nada que envolva os Poderes Legislativo, Judiciário e militares está na PEC 32 (reforma administrativa). Também somos favoráveis à regulamentação e imposição irrestrita do teto constitucional remuneratório a todos os Poderes e níveis da federação, mas tampouco esse tema está na PEC 32”, afirma Cardoso Jr.

Embora servidores do Judiciário e do Legislativo tenham sido incluídos na reforma, seus membros – juízes, parlamentares, procuradores, desembargadores – ficaram de fora do alcance das mudanças. São eles que costumam ter maiores remunerações e “penduricalhos”. Em 2019, pesquisa encomendada pela bancada do Novo apontou que 65% dos magistrados ganhavam acima do teto remuneratório.

No ano passado, quando enviou a PEC, o governo argumentou que o Executivo não poderia propor uma mudança de regras para membros de outro poder. A mudança ficou para ser feita no Congresso Nacional. O deputado Tiago Mitraud (Novo-MG), que preside a Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa, é um dos defensores da inclusão. “Essa PEC não fala de remuneração, só de benefícios, mas precisamos falar de remuneração”, afirma.

Categorias do Judiciário, porém, argumentam que isso seria “ilegal” e veem necessidade de uma mudança constitucional de iniciativa do próprio Judiciário para que a mudança tenha valor. A reportagem pediu posição das associações dos Magistrados Brasileiros (AMB), dos Juízes Federais (Ajufe) e dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), mas não houve retorno até o fechamento desta edição.

Dados

Além da diferença entre as médias salariais, os dados do Ipea mostram que, no Judiciário, há maior concentração de servidores e membros do poder com remuneração elevada. No Judiciário federal, 48,77% dos trabalhadores recebem acima de R$ 15 mil mensais. No Executivo federal, essa proporção é de 18,59%, e no Legislativo, de 21,35%.

Nos Estados, 16,45% dos servidores e membros do Judiciário recebem acima de R$ 15 mil, enquanto no Executivo essa proporção é de 3,36%, e no Legislativo, de 15,75%.

Em todos os casos, os dados do Executivo incluem civis e militares, o que pode contribuir para reduzir “um pouco” a média, segundo o pesquisador Félix Lopez. Isso acontece porque há soldados que ganham valores próximos do salário mínimo. A diferença, porém, não é significativa a ponto de colocar o Executivo federal, por exemplo, à frente do Judiciário. A remuneração média de servidores civis homens é de R$ 11,0 mil, e das mulheres, R$ 9,5 mil.

Idiana Tomazelli, O Estado de S.Paulo, em 20 de maio de 2021 | 05h00

CPI da Covid vira nova paixão nacional depois do BBB

Depoimentos colhidos pelos senadores para apurar ações e omissões do governo Jair Bolsonaro durante a pandemia já alcançam 3 milhões de acessos na internet

O enredo é trágico, os personagens vestem o figurino indicado (com papéis bem definidos), há periodicidade na apresentação dos capítulos e o final pode ser surpreendente. Com o fim do Big Brother Brasil, a CPI da Covid virou o novo reality show dos brasileiros. E com recordes de audiência. O canal criado pelo Senado no Youtube para informar sobre o andamento da comissão soma mais de 3 milhões de acessos em menos de um mês. Juntos, os vídeos sobre a investigação só perdem em visualização para a sessão do impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Senador Ciro Nogueira (Progressistas-PI) olha o celular durante sessão da CPI. Foto: Dida Sampaio/ Estadão

Com a "apresentação" de apenas sete depoimentos, a CPI criada para investigar ações e omissões do governo Jair Bolsonaro ao longo da pandemia caiu na boca do povo e cenas dos próximos capítulos são aguardadas com expectativa pelo público. Nesta terça, 18, a fala do ex-chanceler Ernesto Araújo foi vista mais de 372 mil vezes. Nos intervalos ainda foi possível acompanhar coberturas extraoficiais cheias de humor e ao gosto do freguês.

O comediante Marcelo Adnet, por exemplo, famoso pelas imitações que faz, narrou parte do depoimento do diplomata como se fosse uma partida de futebol apresentada por Galvão Bueno e comentada pelo ex-jogador Casagrande. "Ele vai enrolando, ela vai gaguejando, não sabe o que é o que. Parece inebriado pelo álcool em gel, suas palavras não fazem mais sentido, vai dando voltas com a bola em campo."

Em três horas, os dois primeiros posts de Adnet no Twitter já tinham mais de 470 mil acessos e eram comentados até mesmo por deputados federais. "No meio de tantas tragédias e tantas mentiras, ainda bem que temos a genialidade do Adnet", afirmou Ivan Valente (PSOL-SP).

Piadas à parte, o interesse pela CPI é tanto entre eleitores e apoiadores de integrantes da comissão que senadores têm checado suas redes sociais em pleno interrogatório. Durante a fala do ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten, um vídeo postado nas redes chegou a ser apresentado por Rogério Carvalho (PT-SE) para desmentir declaração dada por ele minutos antes.

O ex-chefe da Secom disse que havia ficado 26 dias afastado de suas funções em março de 2020 por ter contraído covid-19. No vídeo gravado ao lado do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), no entanto, Wajngarten dizia estar ótimo e trabalhando normalmente. Até aqui, o depoimento dele foi o mais assistido no canal do Senado, com mais de 642 mil acessos.

Para o cientista político Marco Antonio Teixeira, da FGV-SP, são vários os motivos que explicam esse interesse popular pela CPI da Covid. "Primeiro, o assunto, que é impactante e tem a ver com a vida de muitas pessoas. Depois, os 'personagens' são bons e travam duelos retóricos dignos de um espetáculo. E, por fim, o assunto não é técnico. Diferentemente da CPI da Petrobrás, por exemplo, que era chamada de a CPI do engenheiro, os temas tratados agora são de domínio público, ou seja, não exigem conhecimento técnico", diz.

Teixeira ainda destaca que a comissão tem o potencial de explicar à população de fato quais políticas ou quais ausências de políticas colaboraram para a tragédia humana que a crise sanitária representa no Brasil, com mais de 430 mil mortos. "Há a necessidade, diante de tantos mortos, de se buscar respostas, apontar os erros e os responsáveis,  apesar de a maioria da população já conhecer o script."Esse é o lado mais dramático da CPI, cujo material é o sofrimento."

Interatividade

 No Telegram, que teve participação massiva na edição do BBB 21, a diversão atual dos grupos e canais não é observar uma casa com anônimos e famosos, mas sim seguir todos os bate-bocas que se desenrolam no Senado. Um dos maiores grupos dedicados a comentar o BBB 21 no Telegram, o Canal Espiadinha, entendeu a popularidade da comissão e já soma quase 150 mil inscritos 

 Os "melhores momentos dos depoimentos" também têm sido editados pelos parlamentares e postados como uma "novela" em seus perfis na internet. O relator Renan Calheiros (MDB-AL) é um dos senadores que lança mão dessa ferramenta. Pelas suas redes, é possível relembrar parte de suas interferências ao longo das falas dos depoentes e ainda enviar perguntas para serem feitas aos depoentes.

No Instagram, Renan Calheiros pede sugestões de perguntas a Pazuello na CPI da Covid Foto: Reprodução/ Instagram Renan Calheiros

Já a senadora Kátia Abreu (PP-GO) teve outra estratégia nesta terça: publicou um vídeo antes mesmo de a sessão começar, desejando que "Deus tivesse piedade da alma de Araújo". A demissão do diplomata ocorreu após o ex-chanceler afirmar que Kátia Abreu fazia lobby para que o Brasil adotasse a tecnologia chinesa do 5G. Durante seu depoimento, ele confirmou a acusação e se negou a pedir desculpas em público. A senadora classificou Araújo como "uma bússola que levou o País ao caos e ao naufrágio.

Nesta quarta, 19, a expectativa é que a CPI bata novos recordes de público e busca. Os senadores vão ouvir o ex-ministro Eduardo Pazuello, que obteve no Supremo Tribunal Federal o direito de não responder perguntas que possam incriminá-lo.

Adriana Ferraz, O Estado de S.Paulo, em 19 de maio de 2021 

Para construção de uma democracia sólida, uma limpa em entulhos autoritários

Criada em 1983, a Lei de Segurança Nacional é problemática desde a sua concepção, pautada na lógica do inimigo interno

O presidente Jair Bolsonaro no dia 15, durante manifestação em Brasília. (UESLEI MARCELINO / REUTERS)

Uma espécie de entulho autoritário resistiu por anos esquecido em um canto, até voltar aos holofotes, em mais uma demonstração de que nossa democracia, em constante processo de construção, anda com as estruturas abaladas. Criada em 1983, a Lei de Segurança Nacional é problemática desde a sua concepção, pautada na lógica do inimigo interno. Apesar de sua raiz autoritária, ela continuou vigente no regime democrático, após a promulgação da Constituição de 1988.

Seus contornos de inconstitucionalidade, porém, só voltaram a chamar atenção com denúncias recentes de uso indiscriminado e as consequentes reações e debates protagonizados pela sociedade civil, Congresso e Supremo Tribunal Federal. As respostas das instituições e reações da sociedade civil já começaram a ser dadas, mas muitos pontos demandam a nossa atenção.

De acordo com levantamento do jornal O Estado de S. Paulo, o número de procedimentos abertos pela Polícia Federal para apurar supostos delitos tipificados na Lei de Segurança Nacional aumentou 285% nos dois primeiros anos do governo de Jair Bolsonaro. A segunda edição do monitoramento periódico GPS do Espaço Cívico, lançada esta semana pelo Instituto Igarapé, também indica uma intensificação nas notícias sobre a utilização abusiva da norma.

A legislação anacrônica passou a ser utilizada para fundamentar investigações contra vozes dissidentes e críticos ao governo, o que pode figurar, no mínimo, como intimidação e assédio. Neste cenário, a revisão da LSN tornou-se imperativa para a garantia do espaço cívico e da democracia brasileira.

O uso abusivo da LSN mobilizou o chamado sistema de freios e contrapesos. Antigos projetos de lei sobre o tema, que já tramitavam no Congresso, ganharam fôlego. Além disso, o Supremo Tribunal Federal foi acionado numa tentativa de revogar dispositivos específicos, ou derrubar a norma em sua integralidade. No dia 4 de maio, a Câmara, em regime de urgência, aprovou o Projeto de Lei 6.764 de 2002, que revoga a LSN e tipifica crimes contra o Estado Democrático de Direito.

O processo legislativo foi acelerado e prejudicou a realização de um amplo debate com a sociedade. Apesar disso, organizações da sociedade civil, juristas e acadêmicos conseguiram encontrar espaços para debater de forma intensa e transparente e, assim, contribuir com o texto-base. Foram realizadas duas audiências públicas e, parte relevante das recomendações e preocupações foram acatadas pela relatora, a deputada Margarete Coelho, com avanços relevantes alcançados.

Um exemplo foi a maior precisão em relação aos tipos penais, na tentativa de impedir que movimentos sociais sejam criminalizados e liberdades fundamentais dos cidadãos, cerceadas. Também passou-se a exigir a chamada “lesividade concreta das condutas”. Esse princípio da lesividade estabelece que só são passíveis de punição por parte do Estado as condutas que lesionem ou coloquem em perigo um bem jurídico penalmente tutelado, ou seja, um valor ou interesse protegido por lei em razão de sua relevância para a sociedade.

Outro componente importante incluído foi a previsão de elementos subjetivos, nos quais é analisada a intenção do agente praticar aquele delito determinado. Esses aspectos jurídicos são importantes para delimitar com clareza quem deve ou não ser alvo da lei. O crime de “sabotagem”, por exemplo, determina que as condutas previstas devem ser praticadas “com o fim de abolir o Estado Democrático de Direito”, reduzindo as chances de a norma ser usada para criminalizar manifestações e protestos legítimos.

Por outro lado, ainda há pontos que preocupam. Um deles é o grau de subjetividade do que a lei chama de disseminação de “fatos que sabe inverídicos”, que pode dar margem a eventuais censuras. E, ainda, a referência à incitação à “animosidade” - expressão excessivamente ampla, que, a depender da interpretação, pode incluir restrições a eventuais críticas contra as Forças Armadas. Seria importante indicar expressamente que só é criminalizada a incitação das Forças Armadas contra a sociedade, e não o contrário.

O texto-base aprovado, portanto, não é um projeto ideal. Porém, há de se reconhecer que está consideravelmente à frente da atual legislação, que coloca em risco o debate crítico e a liberdade de expressão. O movimento na Câmara sinaliza um progresso, especialmente no momento histórico de ameaças à democracia que enfrentamos. O texto agora segue para o Senado, que deve zelar pelos avanços até agora conquistados, e aprimorar trechos que ainda despertam preocupação. Como demonstra esse processo, a sociedade civil brasileira continuará trabalhando arduamente, tijolo por tijolo, na construção de uma democracia sólida, segura e plural.

RENATA GIANNINI é pesquisadora sênior do Instituto Igarapé. MARIA EDUARDA PESSOA de Assis é assessora jurídica do Instituto Igarapé. Este artigo foi publicado originalmente no EL PAÍS, em 16.05.2021

EUA entregaram ao Brasil detalhes que levaram PF a Salles por suspeita de contrabando de madeira ilegal

Ministro do Meio Ambiente e presidente do Ibama são investigados enquanto país tenta se livrar da imagem de “vilão ambiental” e se aproximar do Governo Biden. “Infelizmente quem quiser saber sobre a questão ambiental precisa abrir as páginas policiais”, critica secretário-executivo do Observatório do Clima

Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, em evento em Brasília neste 19 de maio. (JOÉDSON ALVES / EFE)

Nunca antes na história um ministro do Meio Ambiente brasileiro foi investigado por supostas violações ambientais. O ineditismo foi quebrado nesta quarta-feira, quando Ricardo Salles apareceu entre os investigados da Polícia Federal sob acusação de envolvimento num “grave esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais”. 

As 35 ordens de busca e apreensão que vasculharam propriedades de Salles e servidores apontados por ele para a pasta aconteceram em São Paulo, no Distrito Federal e no Pará e vem num péssimo momento para o fiel integrante do gabinete Jair Bolsonaro. Enquanto o Governo brasileiro tenta se livrar da imagem de “vilão ambiental” e se aproximar do Governo Joe Biden, foram justamente autoridades norte-americanas que ajudaram a deflagrar a operação da PF, ao denunciar irregularidades em carregamentos de madeira exportados para os Estados Unidos.

O objetivo da Operação Akuanduba, segundo a PF, é apurar crimes de corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando por meio da exportação ilegal de madeira que teriam sido cometidos por agentes públicos e empresários do ramo madeireiro. Além de Salles, estão entre os investigados 10 funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Ministério do Meio Ambiente, que foram nomeados pelo ministro e afastados de seus cargos —entre eles o presidente do Ibama, Eduardo Bim.

A investigação de Salles, que tem foro privilegiado por ser ministro, foi autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, um desafeto do bolsonarismo. Além das buscas, apreensões e afastamentos, Moraes determinou “a suspensão imediata”de uma despacho, editado no ano passado, que permitia a exportação de produtos florestais sem a necessidade da emissão de autorizações, e a quebra de sigilo bancário e fiscal de Salles e outros investigados. A justificativa da decisão leva em conta “os depoimentos, os documentos e os dados que sinalizam para a existência” do esquema de contrabando.

“A situação que se apresenta é de grave esquema criminoso de caráter transnacional. Esta empreitada criminosa não apenas realiza o patrocínio do interesse privado de madeireiros e exportadores em prejuízo do interesse público (...) mas, também, tem criado sérios obstáculos à ação fiscalizatória do poder público no trato das questões ambientais com inegáveis prejuízos a toda a sociedade”, afirma a PF, em trecho reproduzido na decisão de Moraes. 

O mesmo documento cita a frase dita por Ricardo Salles em reunião ministerial, que se tornou pública no fim de maio do ano passado, onde ele afirmou que a pandemia do coronavírus era uma “oportunidade” para “ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas [ambientais] (...) de baciada. Tem um monte de coisa que é só parecer, caneta, parecer, caneta”.

“O referido modus operandi (’parecer, caneta’) teria sido aplicado na questão das exportações ilícitas de produtos florestais”, descreve a decisão. Segundo explica o documento, o papel de Salles no esquema criminoso foi evidenciado após a apreensão nos Estados Unidos de madeira ilegal exportada do Pará pelas empresas Ebata Produtos Florestais Ltda. e Tradelink Madeiras Ltda. Por conta da apreensão, a Associação Brasileira das Empresas Concessionárias Florestais (Confloresta) e a Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira no Pará (Aimex) procuraram Walter Mendes Magalhães, superintendente do Ibama no Pará, e Rafael Freire de Macedo, diretor de Uso Sustentável da Biodiversidade e Florestas do Instituto —ambos nomeados e promovidos por Ricardo Salles— para “resolver a situação”. 

Ambos teriam emitido certidões e ofício “claramente sem valor” para liberar a exportação. “O que se viu na prática foi a elaboração de um parecer por servidores de confiança [do ministro Salles], em total descompasso com a legalidade”, afirma o texto de Moraes.

As autoridades norte-americanas não aceitaram os pareceres e fizeram a denúncia à Justiça brasileira, o que motivou o início das investigações em janeiro de 2021 e culminou nos mandados desta quarta (19). Os indícios da participação do ministro no contrabando foram reforçados pelo depoimento de outro servidor do Ibama, Hugo Leonardo Mota Ferreira, à Polícia Federal. 

O depoente, que atua no Instituto desde 2015, destacou a participação Leopoldo Penteado Butkiewicz, assessor especial de Salles, dizendo que “nunca tinha visto um assessor direto do Ministro do Meio Ambiente atuar de forma direta no Ibama (...) tendo por diversas vezes dado ordens diretamente [a Ferreira] e intercedido em favor de autuados”.

Assim que soube da operação, Ricardo Salles compareceu na sede da Polícia Federal em Brasília, por volta das 8h (horário de Brasília), com um assessor armado (que seria militar da reserva e atuaria como segurança do ministro) e cobrando explicações sobre o inquérito ao superintendente. Poucas horas depois, o ministro participou da abertura de um evento sobre desenvolvimento sustentável da indústria em Brasília e classificou operação como “exagerada” e “desnecessária”. 

“O Ministério do Meio Ambiente, desde o início desta gestão, atua sempre com bom senso, respeito às leis, respeito ao devido processo legal”, prometeu. Também disse que o inquérito induziu Alexandre de Moraes “a dar impressão de que teria havido possivelmente uma ação concatenada de agentes do Ibama e do Ministério do Meio Ambiente para favorecer ou para fazer destravamento indevido do que quer que seja. Essas ações jamais, repito, jamais aconteceram”.

No mesmo evento, Salles disse que explicou ao presidente Jair Bolsonaro que “não há substância em nenhuma das acusações” e que “o assunto pode ser esclarecido com muita rapidez”. Com as atenções voltadas ao depoimento de Pazuello na CPI da Pandemia, nenhum membro do Governo federal se manifestou em suas redes sociais sobre a investigação da Polícia Federal, nem sequer Salles. Somente o filho do presidente e deputado federal, Eduardo Bolsonaro, publicou em seu Twitter que Ricardo Salles “é o melhor ministro do Meio Ambiente da história deste país”.

Por outro lado, quem celebrou a Operação Akuanduba foi Alexandre Saraiva, ex-superintendente da PF no Amazonas. Saraiva apresentou uma notícia-crime ao STF no dia 14 de abril em que dizia que o ministro Salles e o senador de Roraima, Telmário Mota (PROS), agem “no intento de causar obstáculos à investigação de crimes ambientais e de buscar patrocínio de interesses privados e ilegítimos perante a Administração Pública”. 

No dia 15 de abril, Saraiva foi exonerado do cargo pelo diretor-geral da PF, Paulo Maiurino. Após os mandados desta quarta (19), o delegado publicou em seu Twitter: “Salmo 96:12: ‘Regozijem-se os campos e tudo o que neles há! Cantem de alegria todas as árvores da floresta’”, para em seguida exibir o desenho de uma moto com a inscrição “Eu te disse, eu te disse!!”.

Os atritos entre Salles e Saraiva começaram após o então superintendente coordenar a maior apreensão da história de madeira extraída de maneira ilegal na região amazônica, em dezembro do ano passado. A carga é avaliada em 130 milhões de reais, representa mais de 200.000 metros cúbicos de madeira e foi apreendida no Pará. 

O inquérito da PF sobre o caso apontou que a madeira foi retirada ilegalmente de terras públicas griladas e as madeireiras responsáveis pelas toras não apresentaram documentação válida. Tudo foi confiscado na ação batizada de Operação Handroanthus. 

Depois da apreensão, o ministro Salles visitou o local duas vezes para prestar apoio aos apontados como criminosos, sugeriu que estava tudo certo com a documentação apresentada pelos madeireiros e pediu a liberação da madeira. Daí se seguiu a denúncia do ex-superintendente e sua exoneração no dia seguinte.

A bancada do PSOL na Câmara dos Deputados entrou com uma representação no Ministério Público Federal (MPF) contra o diretor-geral da PF por causa da troca do chefe no Amazonas, mas a atitude não gerou resultados. A notícia-crime apresentada por Saraiva ao STF foi repassada à Procuradoria Geral da República pela ministra Carmen Lúcia, mas também não caminhou até agora. 

Até o fechamento desta reportagem, a Superintendência Regional da Polícia Federal no DF não havia respondido às tentativas de contato para dar mais detalhes sobre a mais recente operação. O nome escolhido para a ação, Akuanduba, faz referência a uma divindade protetora do meio ambiente da mitologia dos índios Araras, que habitam o estado do Pará. “Segundo a lenda, se alguém cometesse algum excesso, contrariando as normas, a divindade fazia soar uma pequena flauta, restabelecendo a ordem”.

A investigação é mais um problema de imagem para o Brasil. “Infelizmente quem quiser saber sobre a questão ambiental precisa abrir as páginas policiais”, criticou Marcio Astrini, secretário-executivo da ONG Observatório do Clima. 

O levantamento mais recente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontou que a Amazônia perdeu em abril 581 quilômetros quadrados de sua cobertura vegetal (43% acima dos valores desmatados em 2020), o maior índice de desmatamento no mês de abril desde 2016, quando foram destruídos 440 quilômetros quadrados. 

No mesmo mês em que aconteceu a Cúpula do Clima liderada pelos EUA, Bolsonaro também enviou uma carta ao presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, prometendo acabar com o desmatamento ilegal no bioma até 2030.

DIOGO MAGRI, de São Paulo para o EL PAÍS, em 19 MAI 2021 - 22:28 BRT