quarta-feira, 19 de maio de 2021

Ricardo Salles é alvo de operação da Polícia Federal

PF cumpriu mandados de busca no âmbito de uma investigação sobre exportação ilegal de madeira para a Europa e os EUA. Presidente do Ibama é afastado do cargo

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi alvo de uma operação de busca e apreensão da Polícia Federal nesta quarta-feira (19/05), no âmbito de uma investigação sobre exportação ilegal de madeira para a Europa e os Estados Unidos. Além de endereços ligados ao ministro, os agentes estiveram também na sede do Ministério do Meio Ambiente.

A Operação Akuanduba apura se agentes públicos e empresários do ramo madeireiro teriam praticado crimes de corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando. A Polícia Federal cumpriu 35 mandados de busca no Distrito Federal, em São Paulo e no Pará.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes autorizou os mandados de busca e determinou o afastamento de dez agentes públicos que ocupam cargos de confiança no ministério e no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Entre os afastados está o presidente do Ibama, Eduardo Bim.

O STF autorizou ainda a quebra de sigilo bancário e fiscal de Salles e servidores do Ibama. Alexandre de Moraes também suspendeu um despacho do instituto, emitido em fevereiro do ano passado, que possibilitou a exportação de madeira de origem nativa sem a necessidade da emissão de autorizações.

De acordo com a PF, o despacho teria sido elaborado a pedido de empresas com cargas apreendidas no exterior e teria regularizado mais de 8 mil cargas de madeira com origem ilegal.

PF aponta "contrabando"

A investigação começou em janeiro, após o recebimento de informações enviadas por autoridades estrangeiras sobre um "possível desvio de conduta de servidores públicos brasileiros no processo de exportação de madeira".

A PF aponta a "existência de grave esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais" envolvendo Salles e servidores, e que um relatório financeiro elaborado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) identificou transações suspeitas envolvendo o escritório de advocacia do ministro.

Segundo a PF, empresas responsáveis por cargas de produtos exportados ilegalmente para os Estados Unidos teriam buscado apoio do superintendente do Ibama no Pará, Walter Mendes Magalhães, e do então diretor de Uso Sustentável da Biodiversidade e Florestas do órgão, Rafael Freire de Macedo, nomeados ou promovidos por Salles, que "teriam emitido certidões e ofício, claramente sem valor, por ausência de previsão legal, que não foram aceitos pelas autoridades norte-americanas".

Ação para liberar carga

A operação contra Salles e outros servidores foi deflagrada pouco mais de um mês depois de o ministro ter sido acusado pelo delegado Alexandre Saraiva, ex-superintendente da Polícia Federal no Amazonas, de ter agido para liberar uma carga de madeira ilegal apreendida na região.

A Operação Handroanthus confiscou em dezembro de 2020 mais de 200 mil metros cúbicos de madeira vindos do Pará. A carga, transportada em balsas pelo rio Madeira, representava a morte de aproximadamente 65 mil árvores de espécies como ipê, maçaranduba, cumaru e angelim.

Em 7 de abril, Salles se reuniu em Santarém, no Pará, com empresários alvos da apreensão e se comprometeu em apoiar uma eventual liberação das cerca de 40 mil toras após revisão da documentação, segundo noticiou a imprensa brasileira. 

O ministro teria dito que ouviu dos empresários que a madeira foi derrubada de maneira legal e pedido pressa na análise pela PF. Dois dias depois, ele afirmou à Folha de S.Paulo que uma "demonização" indevida do setor madeireiro iria contribuir para aumentar o desmatamento ilegal. 

Saraiva enviou em 14 de abril ao Supremo uma notícia-crime pedindo a investigação de Salles, afirmando que o ministro e o senador Telmário Mota (Pros-RR) teriam atuado para obstruir a Operação Handroanthus.

Um dia após enviar a notícia-crime ao Supremo, Saraiva foi demitido do cargo de superintendente da Polícia Federal no Amazonas, que ocupava há quatro anos. Em entrevista à DW Brasil no final de abril, ele disse que a carga de madeira que Salles tentava liberar tinha sido alvo de "fraudes grotescas" e que o ministro agiu para tentar "passar a boiada".

Outro lado

Após a operação, Ricardo Salles classificou a ação como exagerada e desnecessária.

"Vou fazer aqui uma manifestação de surpresa com essa operação, que eu entendo exagerada, desnecessária, até porque todos, não só o ministro como todos os demais que foram citados e incluídos nessa investigação, estiveram sempre à disposição para esclarecer quaisquer questões", disse.

"O Ministério do Meio Ambiente, desde o início desta gestão, atua sempre com bom senso, respeito às leis, respeito ao devido processo legal", completou.

Ele ainda afirmou que relatou o episódio ao presidente Jair Bolsonaro. "Expliquei que, na minha opinião, não há substância em nenhuma das acusações. Embora eu não conheça os autos, eu já sei de que assunto se trata. E me parece que esse é um assunto que pode ser esclarecido com muito rapidez."

O jornal Folha de S.Paulo informou que Salles foi à sede da superintendência da Polícia Federal em Brasília pela manhã. Segundo o jornal, Salles chegou ao prédio da PF por volta das 8h, acompanhado de um assessor armado - um militar da reserva. O jornal ainda informou que agentes relataram que o ministro cobrou explicações sobre o inquérito e quis falar com o superintendente. Ele foi informado que o inquérito está sob sigilo.

Deutsche Welle Brasil, em 19.05.2021

Em CPI, Pazuello poupa Bolsonaro e diz que tinha autonomia

Ex-ministro da Saúde repete argumentos já desmentidos, defende gestão marcada por explosão de mortes e afirma que nunca foi pressionado pelo presidente para promover cloroquina e cancelar compra da Coronavac.

  

  "Missão cumprida" foi como Pazuello resumiu sua gestão. General assumiu cargo quando país tinha 15 mil mortos por covid. Deixou a pasta quando as mortes passavam de 280 mil.

Em depoimento à CPI da Pandemia no Senado nesta quarta-feira (19/05), o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello adotou uma postura combativa, defendendo sua gestão à frente da pasta, que foi marcada por uma explosão de casos e mortes de covid-19, pela promoção de drogas ineficazes contra a doença e pela lentidão na aquisição de vacinas. 

Pazuello tentou poupar Jair Bolsonaro, afirmando que o presidente não lhe impôs condições para assumir o cargo, como a adoção da cloroquina como medicamento contra a covid-19, e ainda disse que "nunca teve decisões contrapostas" pelo chefe do Executivo.

O general ainda repetiu argumentos bolsonaristas já desacreditados, como o de que o Supremo Tribunal Federal (STF) teria retirado poder do governo para combate à pandemia. Sem apresentar provas, Pazuello ainda negou ter ignorado propostas do laboratório Pfizer para a aquisição de vacinas no segundo semestre de 2020, apesar de a própria empresa apontar que ficou por meses sem resposta.

A sessão acabou sendo suspensa pouco depois das 17h, sem retornar de um intervalo. Durante a pausa, o ex-ministro se sentiu mal e foi atendido pelo senador Otto Alencar, que é médico. Alencar relatou que o general se recuperou rapidamente.

Pouco depois, o presidente da CPI, Omar Aziz, anunciou que a sessão havia sido suspensa. O perfil oficial do Sendo confirmou o mal-estar do militar. Ainda havia 23 senadores inscritos para fazer perguntas a Pazuello. A sessão será retomada às 9h30 de quinta-feira.

Ao deixar a sessão, Pazuello negou que tenha passado mal,mesmo com a confirmação do episódio pelo senador Alencar. O perfil oficial do Senado no Twitter também apontou que Pazuello passou mal.

Depoimento

Havia expectativa sobre como seria atitude do general da ativa na sessão de hoje. Pazuello comandou o ministério entre maio de 2020 e março deste ano.

Antes do depoimento à comissão, ele chegou a conseguir junto ao Supremo um habeas corpus para assegurar o direito de permanecer calado durante a fase de perguntas, sempre que entendesse que essas pudessem incriminá-lo. O general, no entanto, disse aos senadores que pretendia "responder todas as perguntas". Pazuello também apareceu em trajes civis, e não de farda.

Em diversos momentos, a sessão foi interrompida por bate-bocas, entre Pazuello e os senadores, e entre parlamentares da oposição e da base do governo. Como ocorreu em outras sessões delicadas para o governo, o senador Flávio Bolsonaro, filho mais velho do presidente, promoveu tumultos.

No início da sessão, Pazuello leu um discurso preparado previamente no qual contou anedotas biográficas e culpou governos anteriores por eventuais problemas na Saúde, afirmando que o Brasil já sofria com "dois outros vírus": o da corrupção e o da impunidade.

Ele também tentou minimizar a responsabilidade do governo na pandemia afirmando falsamente que o STF retirou poder do governo - na realidade, o tribunal só determinou que estados e municípios tinham autonomia para determinar medidas de isolamento social no contexto local, e isso não eximia o Planalto de formular uma política nacional.

"Missão cumprida" foi como Pazuello resumiu sua gestão.

Quando Pazuello assumiu o ministério, em 16 de maio de 2020, o Brasil acumulava 233 mil casos e 15.633 mortes associadas à covid-19. No dia 15 de março, quando o substituto do general na pasta foi anunciado, o número de casos passava de 11,5 milhões, e o de mortes se aproximava de 280 mil, com o país ocupando o segundo lugar entre as nações com mais óbitos na pandemia.

Contradições

Dando respostas longas, o general caiu diversas vezes em contradição. Ele afirmou que nunca teve "decisões contrapostas pelo presidente". "Em momento algum o presidente me orientou ou me deu ordem para algo diferente do que eu estava fazendo", disse Pazuello.

Em outubro, no entanto, o general disse que "um manda e o outro obedece" quando foi desautorizado publicamente por Bolsonaro após a pasta tentar comprar vacinas do Instituto Butantan, ligado ao governo de São Paulo - uma negociação que tinha oposição de Bolsonaro, que chamava o imunizante de "vacina chinesa de João Doria".

Mesmo assim, aos senadores, Pazuello afirmou que nunca recebeu ordem de Bolsonaro para cancelar o negócio, sugerindo que o episódio "um manda e o outro obedece" não passava de uma cena feita para as redes sociais. "É apenas uma posição de internet", disse.

Pazuello ainda negou que tenha assumido o cargo em maio de 2020 com a orientação de expandir a adoção da cloroquina para o tratamento da covid-19 - estudos já demonstravam a ineficácia da droga contra a doença, mas a cloroquina logo virou uma bandeira de movimentos de extrema direita pelo mundo. 

Dois antecessores de Pazuello na pasta, os médicos Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, afirmaram que foram pressionados pelo presidente para promover a droga. Teich, inclusive, apontou que esse foi o principal motivo para a sua saída da pasta. Quatro dias após a saída dele, o ministério, já sob a caneta de Pazuello, publicou um novo protocolo de expansão do uso da cloroquina e da hidroxicloroquina para o tratamento de pacientes com covid-19. "Por que ele pressionou seus antecessores e você não?", perguntou o senador Renan Calheiros.

Aos senadores, Pazuello repetiu o argumento bolsonarista de que só atuou para "dar autonomia aos médicos" para uso da droga. Só que em janeiro o ministério sob sua gestão chegou a lançar um aplicativo que recomendava altas doses de cloroquina até mesmo para bebês. "Nunca recomendei o uso da cloroquina", disse Pazuello.

Documentos também apontam que sua gestão pressionou o governo do Amazonas a expandir o uso da cloroquina durante a crise do oxigênio em Manaus. O aplicativo da cloroquina também teve um lançamento oficial em Manaus em evento organizado pelo ministério, no qual Pazuello discursou e uma assessora afirmou que a ferramenta já podia ser baixada - mesmo com esse histórico, Pazuello afirmou hoje que apenas uma versão em desenvolvimento foi colocada indevidamente no ar.

O general também afirmou que se sentia "plenamente apto" a assumir a chefia da Saúde, mesmo sem experiência de gestão em saúde ou conhecimentos na área médica. Citando sua experiência como militar, ele disse que questionar a capacidade de generais em gestão e liderança "seria como perguntar se chuva molha". Em outubro de 2020, o general atraiu críticas negativas ao afirmar num evento que "nem sabia o que era SUS" antes de assumir a titularidade do ministério.

Em diversos momentos, a postura de Pazuello irritou diversos senadores. O general chegou a afirmar que não queria que os parlamentares fizessem "perguntas simplórias". O presidente da CPI, Omar Aziz, rebateu: "General, o senhor não vai dizer aqui quais perguntas serão feitas pelos senadores."

Vacinas

Uma das principais marcas da gestão Pazuello foi a aquisição de vacinas suficientes para a população. Entre dezembro e janeiro, Pazuello divulgou números otimistas, mas que acabaram não se traduzindo em doses entregues. Ele ainda forneceu diferentes datas para o início da campanha de imunização, mas, ao final, a campanha só começou graças aos esforços do governo de São Paulo, apesar da oposição do Planalto. "A vacina vai começar no dia D, na hora H no Brasil", disse, no início de janeiro, numa fala que acabaria simbolizando a falta de organização da sua gestão.

O tema das vacinas gerou embates durante o depoimento de Pazuello. O general afirmou que "dialogou ininterruptamente" com o laboratório americano Pfizer para a compra de vacinas, mas a empresa já afirmou que teve diversas propostas ignoradas pelo ministério no segundo semestre. A acusação também foi feita pelo ex-secretário de Comunicação Fábio Wajngarten.

A resposta de Pazuello provocou reação dos senadores. "Então a Pfizer está mentindo?", perguntou o relator da CPI, Renan Calheiros. O presidente da comissão, Omar Aziz, chegou a sugerir que fosse feita uma acareação entre os responsáveis pelo laboratório e o general. O gerente-geral da Pfizer para a América Latina, Carlos Murillo, já disse que só interagiu pela primeira vez com Pazuello em novembro de 2020, mais de três meses após a Pfizer enviar propostas. Pazuello também não apresentou provas desse "diálogo ininterrupto". "O que o Fábio Wajngarten disse é totalmente diferente do que o senhor está falando", disse Aziz a Pazuello.

O ex-ministro ainda afirmou que os preços oferecido pela Pfizer e a quantidade de doses disponibilizadas pela empresa acabaram sendo obstáculos para a negociação. Ele também disse que à época a vacina da Pfizer ainda não tinha aprovação da Anvisa. No entanto, o ministério não teve essas reservas quando comprou doses da vacina indiana Covaxin em fevereiro, que ainda está em testes e é mais cara. A vacina indiana também não foi aprovada pela Anvisa até o momento.

Pazuello também afirmou que o Tribunal de Contas da União (TCU) havia dado parecer contra fechar contrato com a Pfizer. Mais tarde, o senador Renan Calheiros afirmou que recebeu informação do TCU dizendo que o tribunal nunca orientou contra a compra de vacina. Pazuello então se desculpou e afirmou que se confundiu: "Era CGU e AGU", disse, em referência à Controladoria-Geral da União e a Advocacia-Geral da União, que são ligadas ao governo federal.

O general ainda tentou minimizar por que o governo optou por adquirir a cobertura mínima de vacinas do consórcio Covax Facility, lançado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O governo só adquiriu cobertura de 10%, quando tinha a opção de pedir até 50%. Pazuello afirmou que a iniciativa "começou muito nebulosa" e que o "risco era muito grande". Ele ainda reclamou do preço.

Falta de oxigênio em  Manaus

Em janeiro, com o avanço da doença, a rede hospitalar de Manaus entrou em colapso. Unidades de saúde registraram falta de oxigênio, provocando a morte de dezenas de pacientes por asfixia.

O caso acabou rendendo uma investigação contra Pazuello no STF por suspeita de omissão. O general já apresentou diferentes versões para o caso, dando declarações contraditórias sobre quando a pasta teria tomado conhecimento dos problemas em Manaus. 

Pazuello chegou a informar três diferentes datas de quando teria sido informado sobre o fim iminente das reservas de oxigênio. Na primeira versão, apontou que foi em 8 de janeiro. Depois, 17 de janeiro. Aos senadores, ele disse que soube da falta de oxigênio em 10 de janeiro.

"No dia 12 já chegou a primeira aeronave trazendo oxigênio líquido. Quando nós entramos, chegamos com bastante força", disse Pazuello. Segundo o militar, o fornecimento irregular só "durou três dias".

"Faltou por mais de 20 dias. Não é possível. É só olhar o número de mortos", respondeu o senador Eduardo Braga, que representa o Amazonas.

Críticas

As falas de Pazuello foram criticadas por senadores da oposição. O senador Humberto Costa, que já foi ministro da Saúde, disse que o general tinha que pedir desculpas aos brasileiros. Ele ainda rebateu falas de Pazuello. "O senhor defendeu o tratamento precoce muitas vezes", disse. "Enviaram 47 mil comprimidos [de cloroquina] para Manaus quando se precisava de oxigênio", citou o senador, em referência à crise no Amazonas.

O presidente da CPI, Omar Aziz, também reclamou das afirmações de Pazuello sobre a crise em Manaus, apontando que documentos do próprio ministério contradizem as falas do general. "Tentar tangenciar as perguntas não será bom para ninguém", disse Aziz. "Eu acho que não houve 'missão cumprida'. Nós perdemos todas as batalhas até agora". "Melhor ele ficar em silêncio do que se comprometer cada vez mais", disse Aziz em outro momento.

""Parece que o senhor está brincando com a cara da gente, o senhor já mentiu demais", disse a senadora Eliziane Gama, ao apontar contradições de Pazuello na crise de Manaus. Eduardo Braga, por sua vez, criticou Pazuello pelo fato de o general não ter se conduzido negociações com laboratórios - algo confirmado pelo próprio militar, que argumentou que não poderia fazer isso na qualidade de ministro. "Mais de 200 mil pessoas morreram na sua gestão (por Covid-19) e o senhor não estava preocupado com compra de vacinas?", questionou o senador.

Deustsche Welle Brasil, em 19.05.2021

Brasil registra mais 2.641 mortes por covid-19

Número acumulado de mortes passa de 441 mil. País também contabiliza mais 79 mil novos casos da doença nesta quarta-feira.

O Brasil registrou oficialmente nesta quarta-feira (19/05) 2.641 mortes ligadas à covid-19, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).

Também foram confirmados 79.219 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país chega a 15.812.055, e os óbitos somam 441.691.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 14.247.609 pacientes haviam se recuperado da doença até terça-feira.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 587 mil óbitos. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (33 milhões) e Índia (25,4 milhões).

Já a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 210,2 no Brasil, a 10ª mais alta do mundo, quando desconsiderado o país nanico de San Marino.

Ao todo, mais de 164,4 milhões de pessoas contraíram oficialmente o coronavírus no mundo, e 3,4 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença.

Deutsche Welle Brasil, em 19.05.2021

TCU pode punir Pazuello por ‘omissões graves’ na pandemia

Tribunal retoma julgamento de auditoria que indicou falhas do ex-ministro da Saúde no combate ao coronavírus

Após conseguir adiar temporariamente seu depoimento, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello será interrogado pela CPI da Covid, nesta quarta-feira, 19, sob pressão dupla. Além do ímpeto dos opositores em cobrar do general explicações sobre incentivos a tratamentos não eficientes e sobre o atraso nas vacinas, no Tribunal de Contas da União (TCU) os ministros retomam o julgamento de autoria que já sinalizou “omissões graves” da gestão Pazuello no combate à pandemia. O relatório conta hoje com o apoio de quatro ministros. Eles tentam convencer mais um para que seja aprovado.

O relatório técnico em análise pelos ministros da Corte de Contas traz o mais duro diagnóstico acerca do trabalho do aliado do presidente Jair Bolsonaro à frente da pasta incumbida de liderar o enfrentamento à doença que matou mais de 437 mil pessoas no Brasil. O relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), chegou a classificar o documento como um bom “roteiro” para a comissão.

A eventual aprovação do relatório, além de alimentar a CPI no Senado, poderá resultar em abertura de processo específico para apurar as condutas de Eduardo Pazuello, do ex-secretário-executivo da pasta Élcio Franco Filho, do secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos, Hélio Angotti Neto e do secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Correia de Medeiros.

Como consequência, em processos desta natureza, o TCU pode definir a cobrança e multas, decretar a indisponibilidade de bens e proibir os investigados de exercerem cargos ou funções de confiança no serviço público.

Entre as constatações que vieram à tona pela área técnica do tribunal a de que ações tomadas pela gestão de Pazuello buscaram, ao invés de ampliar, retirar responsabilidades do governo federal sobre o gerenciamento de estoques de medicamentos, insumos e testes.

Em outra leitura, o ministério descumpriu determinações anteriores do TCU que apontavam para a falta de planejamento em diversas áreas. Para o tribunal, a maneira como Pazuello conduziu o ministério afetou a resposta do sistema de saúde ao novo coronavírus.

O relatório da auditoria prossegue apontando falhas na comunicação com a população sobre o vírus, na assistência farmacêutica prestada pelo ministério e na estratégia de testagem. "Surpreende que o Brasil tenha implantado como estratégia esperar que os cidadãos com sintomas procurem os serviços de saúde e realizem um teste de detecção da doença, sem estabelecer qualquer meta, ação ou objetivo de acordo com os resultados”, diz a área técnica.

Até o momento, dois ministros votaram pela aprovação da auditoria feita pela área técnica, Benjamin Zymler, o relator, e Bruno Dantas. Ambos fizeram duras considerações a respeito de Pazuello e indicaram a tendência de nova derrota do governo no tribunal.

“Em vez de expandir as ações para a assunção da centralidade da assistência farmacêutica e garantia de insumos necessários, o ministério excluiu, por meio de regulamento, as suas responsabilidades”, frisou Zymler. Dantas viu argumentos para “condenações severas” e disse que a gestão do ex-ministro “envergonha”.

Os ministros Augusto Nardes e Jorge Oliveira – indicado por Jair Bolsonaro para o cargo – pediram vista (mais tempo para apreciação do caso). O prazo chegou ao fim e volta à pauta hoje. O Estadão apurou que membros do TCU mais alinhados com o presidente da República costuram uma estratégia de reagir à abertura de processo contra Pazuello com abertura de investigações sobre repasses do governo federal a estados e municípios para o combate ao vírus.

Entre esses, prevalece um entendimento de que é fundamental trazer para o foco da fiscalização o caminho que o dinheiro da saúde percorreu ao sair de Brasília. A “roubalheira e os desvios” seriam mais danosos do que uma suposta inação do governo central, dizem. A estratégia tem paralelo com ampliação do escopo da CPI para apurações contra governadores e prefeitos.

Uma outra ala do plenário do TCU não concorda com a estratégia por interpretar que ela é uma manobra para aliviar a pressão sobre os aliados de Jair Bolsonaro e que abrir apurações sobre todo o dinheiro repassado a fundos de saúde, sem um recorte específico, seria um caminho moroso, que desvirtua os pontos centrais da auditoria sobre a gestão de Eduardo Pazuello.

A expectativa de autoridades que acompanham o caso é a de que o julgamento não chegue ao fim nesta semana e que novos pedidos de prazo adiem um pouco mais o desfecho.

Vinícius Valfré, O Estado de S.Paulo, em 19 de maio de 2021 | 05h00

‘Um manda, outro obedece’ de Pazuello coloca Bolsonaro no banco da CPI da Covid

Gesto do ex-ministro da Saúde de não colaborar com a comissão e não falar pode ser interpretado, sob certo ângulo, também como postura de alguém que rejeita defender o presidente

Se adotar a estratégia do silêncio ou das meias-palavras na CPI da Covid, o general Eduardo Pazuello passará a bola, inevitavelmente, para o presidente Jair Bolsonaro. O gesto do ex-ministro da Saúde de não colaborar com a comissão e não falar pode ser interpretado, sob certo ângulo, também como postura de alguém que rejeita defender o presidente. Nesse caso, o oficial da ativa se comportará em benefício de sua própria sobrevivência e não em prol de um governo.

É uma mensagem que o próprio general e toda a equipe de estrategistas do Planalto não conseguem controlar. Toda vez que deixar uma pergunta sem resposta e selecionar o que pretende rebater, Pazuello demonstrará que não tem nada a falar, pois, como deixou claro, algumas vezes apenas cumpriu ordens. Logo, quem tem de prestar contas aos senadores e ao País é seu ex-chefe no governo e atual chefe militar, o presidente da República.


Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, e Jair Bolsonaro, presidente da República Foto: Ueslei Marcelino/ Reuters

O governo atuou oficialmente para garantir o silêncio de Pazuello. A pedido da Advocacia-Geral da União, o Supremo concedeu habeas corpus para o general não responder a perguntas que possam levantar provas contra ele. Em suma, Pazuello não sairá preso do Senado.

Se optar mesmo por não falar, o general forçará a lembrança de uma frase decisiva que disse em outubro. Numa “live” ao lado de Bolsonaro, ele foi direto ao ponto: “É simples assim: um manda e o outro obedece”. Era uma reação à atitude do presidente de desautorizá-lo ao mandar cancelar a compra de doses da Coronavac. A frase, que entrou para o anedotário, é o que pode agora salvar o general. Ele tem um álibi: o presidente. 

A estratégia do silêncio pode trazer consequências históricas também para a caserna. Por ser um general da ativa, Pazuello pregará nas Forças Armadas a imagem de uma instituição que não tinha resposta, no calor da hora, à denúncia grave de ter colaborado para uma política desastrosa de governo no combate à doença. Até a noite de ontem, o vírus tinha matado 439.379 brasileiros.

Andreza Matais, O Estado de S.Paulo, em 19 de maio de 2021 | 05h00

Atentado contra a democracia

A difusão de desinformação sobre as urnas eletrônicas é fato grave, que atenta contra o regime democrático

Atendendo a apelos bolsonaristas, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), determinou a criação de comissão especial para discutir a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 135/19, que propõe a volta do voto impresso. Apresentada em 2019 pela deputada Bia Kicis (PSL-DF), a proposta exige a impressão de cédulas em papel na votação e na apuração de eleições, plebiscitos e referendos no País.

No dia 13 de maio, ao lado de Arthur Lira, o presidente Jair Bolsonaro saudou a criação da comissão na Câmara. “O voto impresso tem nome, né? A mãe é a deputada Bia Kicis, lá de Brasília; o pai é o Arthur Lira, que instalou a comissão no dia de ontem. Parabéns, Arthur!”, disse Jair Bolsonaro.

Dias antes, o presidente Jair Bolsonaro havia mencionado a aprovação da PEC 135/19. “Com toda certeza, nós aprovaremos isso no Parlamento e teremos, sim, uma maneira de auditar o voto por ocasião das eleições de 22”, disse no dia 9 de maio.

Em meio à pandemia de covid-19, com uma grave crise sanitária, social e econômica a abater o País, é um inteiro disparate a promoção da bandeira do voto impresso. Trata-se de mais uma demonstração da irresponsabilidade e do negacionismo do governo de Jair Bolsonaro. 

No entanto, a movimentação de Jair Bolsonaro a favor do voto impresso é muito mais grave do que mera indiferença pelas circunstâncias do País e da população – o que, por óbvio, já é extremamente preocupante. A tentativa de dar ao voto impresso um caráter de prioridade nacional, como se a lisura das eleições estivesse em risco por causa das urnas eletrônicas, é um atentado contra a democracia.

De forma contínua e sem nenhum fundamento, o presidente Jair Bolsonaro tem difundido dúvidas sobre o atual sistema eleitoral. Por exemplo, no ano passado, prometeu apresentar provas de supostas fraudes nas eleições de 2018. “Pelas provas que tenho em minhas mãos, que vou mostrar brevemente, eu tinha sido, eu fui eleito no primeiro turno, mas no meu entender teve fraude”, disse em março de 2020. Até agora, Jair Bolsonaro não apresentou nenhuma prova.

A difusão de desinformação sobre as urnas eletrônicas é fato grave, que atenta contra o regime democrático. No dia 9 de maio, por exemplo, ao falar da PEC 135/19, Jair Bolsonaro insistiu na ideia de que o atual sistema não é confiável: “Ganhe quem ganhar, mas na certeza e não na suspeição da fraude”. Ora, não existe nenhuma suspeita de fraude no atual sistema de votação eletrônica.

A rigor, o quadro que se tem é o oposto do que Jair Bolsonaro difunde. No ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou, por unanimidade, decisão liminar de 2018, reconhecendo que a obrigatoriedade de impressão de registros de votos depositados de forma eletrônica na urna – prevista na reforma eleitoral de 2015 – era inconstitucional, tanto pelos riscos de manipulação como pela desproporção do custo econômico da medida.

“Esse modelo de votação (com urnas eletrônicas), introduzido aqui há mais de 20 anos, fez com que o Brasil se tornasse referência mundial no assunto. Nessa perspectiva, não há qualquer risco de fraude objetivamente evidenciado que justifique a introdução de um mecanismo adicional de fiscalização cuja operacionalização envolve grandes dificuldades e custos”, disse, em seu voto, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Tendo em vista que Jair Bolsonaro não tem nenhuma prova contra as urnas eletrônicas, fica evidente que a sua insistência a respeito do voto impresso não é uma tentativa de aumentar a confiabilidade das eleições. Tal como fez Donald Trump nos Estados Unidos, seu objetivo é precisamente disseminar a desconfiança no sistema eleitoral, para que seus apoiadores rejeitem a futura derrota nas urnas.

Cabe ao Congresso rejeitar esse atentado contra a democracia. A PEC 135/19 é uma explícita manobra do bolsonarismo contra as eleições. Não há respeito ao voto, não há regime democrático, sem respeito ao resultado das urnas.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 19 de maio de 2021 | 03h00

Vacinas contra covid-19 só chegarão para todo mundo no fim de 2023 no ritmo atual, calcula editor-chefe da Lancet

O microbiologista John McConnell tem um privilégio único: ler em primeiríssima mão os estudos que avaliam a segurança e a eficácia das vacinas contra a covid-19.

Especialista acredita que países mais ricos devem pensar em doar doses excedentes de vacinas contra a covid-19 para os locais que não têm condições de comprar vacinas por conta própria. (Crédito: Getty Images).

O cientista é editor-chefe da The Lancet Infectious Diseases, revista científica que publicou as mais importantes pesquisas sobre a pandemia e os imunizantes nos últimos meses.

Diretor do Butantan prevê vacinação lenta até setembro contra a covid-19 no Brasil

Por que a variante do coronavírus descoberta na Índia preocupa o Brasil e o mundo?

Ele é responsável por receber os manuscritos originais, enviados por laboratórios e especialistas de várias partes do mundo, e encaminhá-los para o time de editores independentes, que faz a revisão e a análise do conteúdo antes da divulgação.

Formado em microbiologia clínica e parasitologia pela Universidade East London, na Inglaterra, McConnell atua na The Lancet desde 1990.

Em 2001, ele foi um dos fundadores e logo tornou-se editor-chefe da The Lancet Infectious Diseases, uma revista voltada 100% para as doenças infecciosas.

No final de abril e no começo de maio, o cientista foi convidado para uma série de webinários no Brasil promovidos pela Elsevier, empresa de informação analítica responsável por diversas publicações científicas, incluindo a própria The Lancet.

Numa entrevista à BBC News Brasil feita por e-mail, McConnell avaliou o atual ritmo de vacinação no mundo e destacou que o fim da pandemia está necessariamente vinculado às ações globais.

"Acredito que nós conseguiremos sair juntos dessa pandemia, desde que não percamos o foco. Só assim faremos que a luz no fim do túnel não seja destinada apenas para ricos e afortunados, mas para todos", disse.

Sobre a situação particular do Brasil, o microbiologista entende que nosso país precisa aliar duas estratégias: acelerar a imunização e promover as medidas preventivas.

"As duas ações precisam andar de mãos dadas. Depender inteiramente da vacina significa que o progresso será lento. Precisamos proteger as pessoas por meio de intervenções não farmacológicas, dando-as a oportunidade de serem vacinadas no futuro", analisou.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

BBC News Brasil - Num feito inédito, a humanidade conseguiu desenvolver, testar e aprovar várias vacinas contra uma mesma doença em pouco menos de um ano. Como o senhor avalia esse progresso?

John McConnell - Acho que é o culminar de muitos anos de trabalho no desenvolvimento das tecnologias, o que nos permitiu gerar vários tipos diferentes de vacinas, que agora estão sendo aplicadas em bilhões de pessoas.

Uma dessas tecnologias, que usa vírus inativados, já existe há um século ou mais. A tecnologia que utiliza as chamadas subunidades proteicas é aplicada às vacinas contra a hepatite B, por exemplo, há muitos anos.

E mesmo as vacinas de vetores virais, como as de Johnson & Johnson e AstraZeneca/Oxford, se valem de uma tecnologia que vem sendo usada em ensaios clínicos há cerca de 20 anos, principalmente em três imunizantes licenciados contra o ebola.

E, embora se acredite amplamente que as vacinas de mRNA, como as de Pfizer/BioNTech e Moderna, são novas e essa é a primeira vez em que se utiliza tal tecnologia, a verdade é que o trabalho de desenvolvimento de produtos semelhantes está em andamento por quase 30 anos.

Antes da covid-19, havia vacinas em testes clínicos usando a tecnologia de mRNA contra doenças como aids, zika e raiva, por exemplo.

Portanto, embora as vacinas de Pfizer/BioNTech e Moderna sejam as primeiras a usar essa tecnologia em uma escala muito grande em seres humanos, elas se baseiam em um conhecimento existente e bem testado.

Então, de certa forma, tivemos sorte que a pandemia surgiu em um momento em que temos algumas formas muito bem estabelecidas de produzir vacinas, bem como um conjunto de novas tecnologias, para as quais havia um pouco de experiência clínica.

O microbiologista John McConnell recebe, em primeira mão, os artigos científicos mais importantes sobre a covid-19 e as vacinas. (Crédito: The Lancet)

BBC News Brasil - Como o senhor mesmo mencionou, temos diversas plataformas tecnológicas bem-sucedidas neste momento. Qual a importância dessa variedade nos tipos de imunizantes?

McConnell - Nunca foi garantido que uma determinada tecnologia funcionaria, então acho que era muito importante ter uma gama de tentativas diferentes, mesmo que, quando aplicadas na vida real, elas sejam comparáveis ​​em relação à eficácia.

É importante ter vacinas que possam ser distribuídas de diferentes maneiras. Por exemplo, as vacinas de Pfizer/BioNtech e Moderna precisam de uma cadeia de frio para distribuição que requer congelamento, enquanto as vacinas de AstraZeneca/Oxford e Johnson & Johnson requerem apenas geladeiras regulares. Já a vacina da Bharat Biotech pode ser mantida em temperatura ambiente.

Precisamos de uma gama de tecnologias que podem ser levadas para diferentes contextos ao redor do mundo.

Também é importante ter vacinas que possam ser modificadas conforme surgem novas variantes do coronavírus. Algumas das tecnologias são mais facilmente adaptáveis do que as outras.

Devo acrescentar também que, ao usar diferentes formas de produção de vacinas, estamos aproveitando ao máximo as instalações de fabricação disponíveis em todo o mundo. Se dependêssemos apenas da tecnologia de mRNA, não haveria nenhuma maneira de produzir doses suficientes para 2022 ou 2023, mesmo nos países de alta renda.

Se você espalhar as vacinas por diferentes tecnologias, poderá usar a gama de instalações disponíveis em todo o mundo.

BBC News Brasil - E como foi acompanhar tantas novidades e saber, em primeira mão, os resultados de segurança e eficácia das vacinas, que o mundo inteiro aguardava com tanto interesse?

McConnell - É uma grande honra ser o canal através do qual flui essas pesquisas incrivelmente importantes durante a maior emergência de saúde pública do mundo nos últimos 100 anos.

É um verdadeiro privilégio ver esse material e organizar sua revisão antes da publicação. Sinto-me realmente em uma posição honrada e espero que o que estamos fazendo enquanto editores tenha algum impacto em controlar a pandemia o mais rápido possível.

BBC News Brasil - Em alguns países, como Israel, Emirados Árabes Unidos e Reino Unido, a campanha de imunização contra a covid-19 está bem adiantada. O que essa experiência de vida real nos revela sobre a efetividade das vacinas disponíveis?

McConnell - As vacinas parecem ser ainda mais efetivas quando aplicadas a grandes populações do que nos ensaios clínicos. Os dados provenientes de Israel e do Reino Unido mostram cerca de 90% de eficácia na prevenção de todas as formas de covid-19 para a vacina de Pfizer/BioNTech e algo em torno de 88% para a vacina de AstraZeneca/Oxford.

É bastante encorajador que as vacinas que estão sendo usadas em todo o mundo pareçam ser amplamente eficazes contra as variantes do vírus, particularmente em termos de prevenção de doenças graves e morte, embora não necessariamente previnam a infecção em si.

Se você olhar os gráficos, pode ver o quanto a taxa de novas infecções diminui nas populações que foram vacinadas, em comparação com aquelas que não receberam as doses ainda.

O Chile é um bom exemplo de como as vacinas estão realmente funcionando. Lá está claro que os casos se estabilizaram ou estão diminuindo nos indivíduos que foram vacinados, enquanto continuam a aumentar naqueles que não foram imunizados.

O motivo do aumento de casos, portanto, não é o fato de a vacina eventualmente não estar funcionando, mas porque ela ainda não foi administrada em um número suficiente de pessoas.

BBC News Brasil - Se, por um lado, a campanha deslancha em alguns lugares, outros países estão lidando com a escassez ou a falta absoluta de vacinas. Como o senhor avalia essa desigualdade global?

McConnell - Existe um mecanismo global chamado Covax, que foi projetado para comprar vacinas e distribuí-las a países que não têm condições de financiar seus próprios programas de vacinação.

No atual momento, esse programa foi elaborado para ajudar a vacinar apenas 20% das pessoas nessas nações de baixa e média renda.

Na atual progressão, levará até o final de 2023 para que as vacinas estejam disponíveis para todas as pessoas do mundo.

É imperativo que outros países, quando tiverem vacinado totalmente as suas populações, disponibilizem as doses restantes aos governos que não têm condições de pagá-las.

Alguns desses países mais ricos chegaram a contratar uma quantidade de vacinas suficientes para cobrir três ou quatro vezes a sua população total.

Por ora, apenas 2% da população do continente africano recebeu a vacina contra a covid-19, calcula McConnell. (Crédito: Getty Images).

BBC News Brasil - O senhor acredita que é possível resolver esse problema da desigualdade global?

McConnell - É muito importante que os governos levem em consideração o interesse global para minimizar a quantidade de vírus em circulação em todo o mundo.

Quando os programas de vacinação nesses locais estiverem concluídos, e com o planejamento para os reforços necessários num futuro próximo, os países com estoques remanescentes precisarão considerar seriamente a doação de doses excedentes.

Enquanto o vírus permanecer em circulação, sempre existe a chance de ocorrer uma mutação para a qual alguns imunizantes atuais podem não ser eficazes.

Deixo aqui uma sugestão, sobre a qual não tenho opinião formada ou dados suficientes. Mas será que deveríamos priorizar a vacinação de crianças, que não são particularmente suscetíveis a essa doença e é extremamente improvável que tenham sintomas graves ou morram? Ou deveríamos priorizar os idosos e pessoas vulneráveis ​​dos países de baixa e média renda?

Para encurtar esse prazo de 2023, quando o mundo inteiro estará vacinado segundo as projeções atuais, precisamos nos fazer perguntas sobre nossas prioridades, e não apenas olhar para a realidade interna de nossos próprios países.

BBC News Brasil - Como o senhor vê a situação do Brasil? Nós temos um Programa Nacional de Imunizações reconhecido internacionalmente, mas a campanha contra a covid-19 avança lentamente…

McConnell - As vacinas parecem ser eficazes contra a variante P.1 e proteger até mesmo contra as formas mais graves da doença. Parece que o número de casos está começando a diminuir no Brasil.

Agora, o único caminho a seguir no Brasil é combinar uma distribuição ampla e rápida da vacina com a continuação das medidas de distanciamento físico. Isso tem se mostrado eficaz tanto em Israel quanto no Reino Unido.

As duas ações precisam andar de mãos dadas. Depender inteiramente da vacina significa que o progresso será lento. Precisamos proteger as pessoas por meio de intervenções não farmacológicas, dando-as a oportunidade de serem vacinadas no futuro.

BBC News Brasil - Mesmo com as primeiras vacinas contra a covid-19 aprovadas, nós temos uma série de outras candidatas que continuam em estudo. Por que é importante ter mais opções de imunizantes contra a covid-19?

McConnell - Pois bem, as vacinas que ainda estão em desenvolvimento terão a oportunidade de modificar suas formulações, para que sejam direcionadas contra as novas variedades do coronavírus.

O maior problema é que simplesmente não há vacina suficiente para todos. Atualmente, existem muitas fábricas no mundo que produzem os imunizantes. Se os diferentes países possuem suas próprias instalações de produção de vacinas e podem atender às suas demandas, isso é extremamente importante para controlar a pandemia o mais rápido possível.

Além disso, há também uma questão de preço. Alguns fabricantes, devido ao tipo de tecnologia que estão usando, produziram vacinas muito mais baratas e de distribuição muito mais fácil do que aquelas que foram desenvolvidas pela Pfizer/BioNTech, por exemplo.

Não consigo imaginar como todas as pessoas no mundo serão vacinadas se contarmos apenas com a vacina da Pfizer/BioNTech.

Assim como temos um arsenal muito amplo de antibióticos, por exemplo, acredito que precisamos de um arsenal variado de vacinas.

Para sair da pandemia, Brasil precisa acelerar vacinação e reforçar medidas não-farmacológicas, indica McConnell. (Crédito: Getty Images). Fila para vacinação em S. Paulo, SP.

BBC News Brasil - Como a vacinação ajudará a tirar o mundo desta pandemia? O senhor já vê alguma luz no fim do túnel?

McConnell - Sim, certamente há uma luz no fim do túnel. Para os países que implementaram seu programa de vacinação rapidamente, essa luz está muito forte.

Israel já reabriu completamente e o Reino Unido está a caminho disso. A França teve que introduzir um novo bloqueio, mas a combinação da vacinação com as medidas de restrição está levando esse país a uma posição em que poderá começar a aliviar as políticas em breve.

Até mesmo os Estados Unidos estão virando esse jogo, embora não seja a mesma realidade para todos os Estados. No entanto, os locais onde há uma ampla aceitação da vacina e onde as medidas de distanciamento físico têm sido mais rigorosas estão definitivamente evoluindo bem.

Alguns dados publicados pela autoridade de saúde pública na Inglaterra (Public Health England), indicam que quase 70% de todos os doadores de sangue têm anticorpos contra o coronavírus.

Esses 70% são o número estabelecido como a soroprevalência necessária para que exista uma imunidade coletiva. Ainda não podemos traçar uma linha rígida sobre isso, mas acredita-se que essa seja uma taxa importante.

Também sabemos que menos de 20% dessa soroprevalência é causada pela infecção natural. Então, a maior parte disso veio da vacinação.

Ainda precisamos de organização e disponibilidade de uma variedade de vacinas, mas há uma esperança real.

Essa luz ainda está escura para países do Sul da Ásia, como Paquistão, Bangladesh e Nepal, que não têm condições de pagar pelas vacinas. Nessa mesma linha, menos de 2% de toda a população do continente africano já recebeu suas doses. Portanto, algumas partes do mundo estão muito atrasadas.

Acredito que nós conseguiremos sair juntos dessa pandemia, desde que não percamos o foco. Só assim faremos que a luz no fim do túnel não seja destinada apenas para ricos e afortunados, mas para todos.

André Biernath, de S. Paulo para a BBC News Brasil, em 19 de maio de 2021.

Covid-19: por que a variante do coronavírus descoberta na Índia preocupa o Brasil e o mundo?

A descoberta da variante B.1.617 não é exatamente uma novidade: os primeiros relatos dessa nova versão do coronavírus foram publicados ainda em outubro de 2020.


Variante encontrada na Índia pode levar a um recrudescimento da pandemia em vários lugares do mundo, apontam projeções. (Crédito: Getty Images)

Mais recentemente, porém, o interesse e a preocupação relacionados a essa linhagem aumentaram consideravelmente.

Como a crise da covid-19 na Índia põe em risco vacinação nos países mais pobres do mundo

O que ciência já descobriu sobre maior agressividade da variante P.1 em jovens?

Isso porque o número de casos de covid-19 provocados por ela aumentou consideravelmente na Índia, seu provável local de origem.

Nas últimas semanas, a cepa também foi detectada em outros 44 países de todos os seis continentes.

Desde o final de abril, a Índia vive seus piores momentos desde que a pandemia começou, com recordes nos números de infectados e óbitos pela covid-19 — embora a variante não seja o único fator que explica esse agravamento da crise sanitária por lá.

No Reino Unido, a subida vertiginosa de pacientes infectados com a B.1.617 ameaça a reabertura: já existem dúvidas se as atividades sociais e econômicas serão 100% retomadas até junho, como planejado.

Por ora, o Brasil ainda não tem nenhum caso provocado por essa linhagem oficialmente detectado.

Mas a confirmação da chegada da cepa à Argentina e as notícias de um paciente indiano que está em observação no Maranhão ligaram recentemente o sinal de alerta no país.

Mas o que faz a B.1.617 ser tão preocupante assim?

O que a ciência já sabe

Essa variante possui três versões, com pequenas diferenças: a B.1.617.1, a B.1.617.2 e a B.1.617.3.

Todas elas foram descobertas na Índia, entre outubro e dezembro de 2020.


Um paciente de covid-19 usando uma máscara de oxigênio médica sendo carregado em uma maca para um hospital antes da internação em Calcutá, na Índia, em 24 de abril de 2021

Nas últimas semanas, Índia vive seu pior momento desde que a pandemia começou. (Crédito: Getty Images)

A análise genética revelou que o trio apresenta mutações importantes nos genes que codificam a espícula, a proteína que fica na superfície do vírus e é responsável por se conectar aos receptores das células humanas e dar início à infecção.

Entre as alterações, três delas chamam mais a atenção dos especialistas: a L452R, a E484Q e a P681R.

Vale reparar que a mutação L452R já havia sido observada em duas variantes detectadas em Nova York e na Califórnia, nos Estados Unidos.

A E484Q tem algumas similaridades com a E484K, que foi uma alteração encontrada em outras três linhagens que ganharam bastante destaque nos últimos meses: a B.1.1.7 (Reino Unido), a B.1.351 (África do Sul) e a P.1 (Brasil).

Já a mutação P681R parece ser exclusiva das versões flagradas na Índia e não se sabe muito bem o que ela pode significar na prática.

"Essas mutações virais estão surgindo em cidades em que há o relaxamento das medidas de proteção e onde se acreditava que a população já estava imunizada, seja pela infecção natural ou pela vacinação", diz o virologista Fernando Spilki, professor da Universidade Feevale, no Rio Grande do Sul.

Em linhas gerais, tudo indica que esses "aprimoramentos" genéticos melhoram a capacidade de transmissão do vírus e permitem que ele consiga invadir nosso organismo com mais facilidade.

Antes, com as versões anteriores, era necessário ter contato com uma quantidade considerável de vírus para ficar doente.

Agora, com as novas variantes, essa carga viral necessária para desenvolver a covid-19 é um pouco mais baixa, o que certamente representa um perigo.

"É como se o vírus criasse caminhos para escapar do sistema imune e desenvolvesse maneiras de transmissão mais eficazes", completa Spilki, que também coordena a Rede Corona-Ômica, do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações.

O que a ciência ainda não sabe

Por enquanto, ainda há muitas perguntas sem respostas sobre a B.1.617 e seu impacto no controle da pandemia.

Até o momento, os cientistas não conseguiram estabelecer a sua real velocidade de transmissão e o quanto as mudanças genéticas contidas nessa linhagem interferem na eficácia das vacinas já disponíveis.

Também não se sabe ao certo se a variante está relacionada a quadros de covid-19 mais graves, que exigem internação e intubação.

Com base nas poucas informações disponíveis, o Grupo Independente de Aconselhamento Científico para Emergências (Indie-Sage), do Reino Unido, montou projeções para entender como a cepa pode influenciar a pandemia por lá.

Se a B.1.617 for de 30% a 40% mais transmissível que a B.1.1.7 (que é a variante dominante até o momento no Reino Unido), é possível que a região volte a viver uma situação tão grave quanto a que ocorreu nas ondas anteriores, com aumento considerável no número de hospitalizações.

Variante B.1.617 pode colocar em xeque os avanços no enfrentamento da pandemia conquistados em países como o Reino Unido, indicam especialistas. (Crédito: Getty Images).

Se ficar provado que essa variante consegue "escapar" da proteção da vacina, é provável que a situação seja ainda pior, estimam os especialistas.

Vale lembrar que o Reino Unido é um dos países com o melhor sistema de vigilância genômica do mundo: todas as semanas, eles fazem o sequenciamento genético de dezenas de milhares de amostras.

E os resultados recentes indicam um aumento considerável na presença da B.1.617 em terras britânicas: em uma semana, o número de casos provocados por essa nova variante quase triplicou.

Em 12 de maio, 1.331 amostras analisadas apresentaram a linhagem descoberta originalmente na Índia. Na semana anterior, eram 520.

Nos últimos 30 dias, a participação relativa dela no total de casos que foram sequenciados geneticamente subiu de 1% para 9%.

Em algumas regiões inglesas, como Bolton, Blackburn, Bedford e Sefton, a B.1.617 já representa a maioria dos casos analisados e já se tornou dominante.

Para conter o problema, o Indie-Sage montou um plano emergencial, que envolve seis ações prioritárias, como a aceleração da vacinação no Reino Unido e no mundo, o controle de fronteiras, o aperfeiçoamento dos sistemas de diagnóstico locais e a continuidade da vigilância epidêmica e genômica.

E na Índia?

Enquanto o país asiático bate recorde atrás de recorde no número de casos e de mortes, muito se questiona sobre o papel da B.1.617 nesse cenário.

Não há dúvidas de que a variante tem influência no contexto indiano, mas as autoridades em saúde pública sabem que ela não é a única culpada por todo o caos.

Uma análise da Organização Mundial da Saúde (OMS) publicada no dia 9 de maio admite que a guinada e a aceleração da transmissão da covid-19 na Índia tem uma série de fatores, "incluindo a proporção de casos provocados por variantes com maior transmissibilidade".

Mas o relatório da entidade não ignora também outros ingredientes fundamentais para entender essa crise sanitária, "como aglomerações relacionadas a eventos religiosos e políticos e a redução da aderência às medidas preventivas de saúde pública e sociais", como o uso de máscaras e o distanciamento físico.

Na Índia, os crematórios têm recorrido a piras funerárias em massa à medida que o número de corpos de vítimas de covid continua aumentando (Crédito: Reuters)

A própria OMS, inclusive, apontou recentemente a B.1.617 como uma "variante de preocupação global" pelas evidências de maior transmissibilidade.

Por outro lado, outras instituições, como o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, ainda aguardam mais dados para fechar uma classificação.

Na visão desses órgãos, a B.1.617 segue como uma "variante de interesse", que precisa ser melhor estudada e acompanhada.

E o Brasil no meio disso tudo?

Até o momento, essa nova variante ainda não foi encontrada no Brasil.

Mas alguns indícios aumentam a preocupação sobre a entrada da linhagem no país.

Primeiro, no dia 10 de maio, a Argentina anunciou a descoberta de dois casos de covid-19 causados pela B.1.617.

O vírus foi flagrado por lá em dois menores de idade, que voltavam de uma viagem a Paris, na França.

Como a Argentina faz fronteira com o Brasil e há um constante fluxo entre os dois países, o risco de a nova versão do vírus "pular" para cá aumenta consideravelmente.

Uma segunda notícia que deixou os especialistas apreensivos foi a chegada do navio MV Shandong da ZHI em São Luís, capital do Maranhão, no último sábado (15/05).

Um passageiro indiano que estava na embarcação foi diagnosticado com covid-19 e permanece em observação num hospital privado da capital maranhense.

A vigilância sanitária do estado determinou a quarentena de todos os tripulantes, enquanto o caso é analisado para saber se é causado pela B.1.617.

Independentemente desses dois fatos, que certamente ligam o sinal de alerta, especialistas ouvidos pela BBC News Brasil entendem que nosso país não possui um sistema com capacidade de barrar a entrada de novas variantes.

"Precisamos de uma vigilância nas fronteiras, que consiga testar as pessoas que passam pelos portos e aeroportos", aponta o virologista Flávio da Fonseca, da Universidade Federal de Minas Gerais.

Há cerca de 15 dias, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sugeriu que o Governo Federal tomasse medidas mais contundentes, como a proibição da chegada de voos vindos da Índia.

Mas uma atitude sobre o tema só foi tomada dez dias depois: uma portaria que proíbe temporariamente a entrada de passageiros vindos não só da Índia, mas também de África do Sul, Reino Unido e Irlanda do Norte, foi publicada no Diário Oficial da União na última sexta-feira (14/05).

Desde 14 de maio, Brasil restringiu a chegada de voos vindo da Índia e de outros três países (Crédito Getty Images)

Fonseca, que também é presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, entende que a introdução da variante no país é alarmante.

"Quando a segunda onda da covid-19 começa a dar sinais ainda tímidos de diminuição, me preocupa a possibilidade de uma nova linhagem chegar e piorar as coisas novamente", avalia.

Para evitar que isso aconteça, o país deveria não apenas cuidar melhor de suas fronteiras, mas também lançar mão de um sistema de vigilância genômica amplo e ágil.

Assim, os indivíduos infectados que entrassem por meio de navios e aviões poderiam ser identificados e isolados antes de transmitirem as novas versões do vírus dentro de nossas fronteiras, criando cadeias de transmissão internas.

"O clamor é o mesmo desde o início da pandemia: necessitamos de uma coordenação central e de medidas que possam servir de barreira às variantes, como os testes, a quarentena e a diminuição ou o corte de voos de países que estejam com a pandemia descontrolada", reforça Spilki.

Competição feroz

Numa eventual "invasão" da B.1.617 ao Brasil, uma coisa que ninguém sabe é como ela vai se comportar e competir com as outras variantes que dominam a situação de momento, especialmente a P.1.

"A variante detectada na Índia pode chegar ao Brasil e não encontrar espaço para se desenvolver, pois aqui já temos uma linhagem mais adaptada e agressiva", especula Fonseca.

Foi isso, aliás, que parece ter acontecido com outras variantes de preocupação, como a B.1.1.7 (Reino Unido) e a B.1.351 (África do Sul): elas até foram detectadas por aqui, mas a participação delas na pandemia é pequena e não evoluiu, ao contrário do que ocorreu em outras nações.

Detectada pela primeira vez em Manaus, a P.1 se alastrou para o país inteiro e, em questão de semanas, se tornou a linhagem mais frequente das cadeias de transmissão.

"Eu diria que, no momento, a variante encontrada no Amazonas me preocupa muito mais, pois ela é tão ou ainda mais transmissível que a linhagem da Índia", avalia o virologista José Eduardo Levi, da rede de laboratórios de diagnóstico Dasa.

"Também fico apreensivo com os 'filhotes' da P.1, que são as variantes que surgiram ou podem surgir a partir dela", acrescenta o especialista, que também é pesquisador do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo.

Em meio a tantas incertezas e projeções, uma coisa é certa: do ponto de vista individual, as medidas de prevenção contra o coronavírus continuam as mesmas, não importa qual a variante de maior circulação.

Distanciamento físico, uso de máscaras, lavagem das mãos e cuidados com a circulação do ar pelos ambientes continuam imprescindíveis.

Também é essencial tomar a vacina quando chegar a sua vez.

"As novas variantes do coronavírus podem até se disseminar mais rápido e enganar uma resposta imune prévia, mas todas as estratégias não farmacológicas de proteção seguem válidas", reforça Fonseca.

André Biernath, de S. Paulo para a BBC News Brasil, em 18 de maio de 2021.

terça-feira, 18 de maio de 2021

Na CPI, Araújo diz que Bolsonaro promoveu corrida à cloroquina e culpa Pazuello por vacinas

Ex-ministro das Relações Exteriores afirma que presidente envolveu Itamaraty na busca de medicamentos alternativos e joga responsabilidade ao Ministério da Saúde por atraso na imunização

O ex-chanceler Ernesto Araújo jogou nesta terça-feira, dia 18, a responsabilidade sobre a estratégia para obtenção de vacinas para o Ministério da Saúde. Na prática, Araújo implicou o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello na escassez de vacinas, na véspera do interrogatório do general da ativa do Exército à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid. No depoimento, Ernesto Araújo também envolveu diretamente o presidente Jair Bolsonaro nas decisões de mobilizar a rede diplomática do Itamaraty em busca de medicamentos alternativos à vacina e sem eficácia científica comprovada, como a cloroquina fabricada na Índia e um spray nasal em desenvolvimento em Israel.

Evasivo durante o depoimento, Araújo disse que o Itamaraty servia como um executor de solicitações da Saúde, tanto na busca por insumos farmacêuticos, vacinas e equipamentos hospitalares. Toda a coordenação técnica e estratégica, segundo o ex-chanceler, era do Ministério da Saúde. “A linha do Itamaraty foi atuar na linha do que era pedido pelo Ministério da Saúde”, disse o ex-ministro das Relações Exteriores.

 O ex-chanceler Ernesto Araújo durante depoimento na CPI da Covid Foto: Gabriela Biló/Estadão

Segundo ele, foi de Pazuello a decisão de entrar tardiamente na Covax Facility, consórcio da Organização Mundial da Saúde (OMS) para distribuição de vacinas, com reserva de doses para apenas 10% da população, quando havia possibilidade de solicitar até 50%. Ele negou ter sido contra o ingresso do País no consórcio, decidido em reunião com outros ministros no Palácio do Planalto.

“Essa decisão não foi minha, não foi do Ministério das Relações Exteriores, foi uma decisão do Ministério da Saúde, dentro da sua estratégia de vacinação”, afirmou Araújo. 

Ernesto sustentou que o Brasil aderiu tempestivamente à iniciativa da OMS. A intenção foi manifestada primeiro numa carta dele em julho e houve conclusão em setembro. Porém, o embaixador omitiu que houve reuniões prévias de preparação do Covax Facility em abril e maio do ano passado, das quais o Brasil não participou. A entrega de vacinas via Covax também sofreu atrasos.

Araújo disse ainda que nas reuniões ministeriais dais quais participou a compra de vacinas para a covid-19 não era discutida especificamente. A exceção foi o encontro que ocorreu em fevereiro ou março deste ano, quando se teria debatido o contato de Bolsonaro com a Pfizer. “Com exceção em março ou fim de fevereiro onde se decidiu que o presidente faria contato com presidente da PFizer para obtenção da vacina da Pfizer. Foi reunião onde o presidente disse ‘sim, quero falar com o presidente da Pfizer’”, relatou Araújo.

Para senadores oposicionistas da cúpula da CPI, o depoimento de Ernesto deixa Pazuello em situação delicada. “Ele sistematicamente enfatizou que todas as iniciativas da política externa aconteceram em função de decisões e influência do Ministério da Saúde, à exceção da importação de cloroquina, porque ele discutiu com o presidente, e da viagem a Israel. Ao dizer isso ele transfere o ônus da responsabilidade ao ex-ministro Pazuello, diretamente, sem subterfúgios”, disse o relator, Renan Calheiros (MDB-AL). 

“A melhor coisa que Eduardo Pazuello tem a fazer é vir a essa CPI e colaborar, ele está sendo abandonado. O que está sendo feito pelo governo com o senhor Pazuello é um ato de covardia. Está sendo entregue aos leões para ser o bode expiatório e pagar o preço sozinho. A pergunta a ele será: O senhor foi o único responsável por tudo isso?”, afirmou o Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da comissão.

Corrida por cloroquina

O ex-chanceler confirmou a troca de mensagens revelada pelo jornal Folha de S. Paulo com a Embaixada em Nova Déli para tentar viabilizar a compra de insumos de fabricação de cloroquina. Araújo disse que conversou com o presidente Bolsonaro sobre a busca por cloroquina e que havia um pedido do Ministério da Saúde, pois o medicamento poderia entrar em falta. A intenção era preservar o estoque regulador de remédios propagandeados pelo presidente e contestados na comunidade científica. 

Segundo ele, Bolsonaro chegou a pedir uma conversa por telefone com o premiê indiano, Narendra Modi, na tentativa de sensibilizar o governo da Índia a dar aval para a importação. “Nesse caso é o mesmo caso anterior: um pedido do Ministério da Saúde, tendo em vista, pelo que nos foi comunicado à época, a baixa do estoque de hidroxicloroquina no Brasil, um remédio usado inclusive para outras doenças”, disse Araújo. “O presidente da República, em determinado momento, pediu que o Itamaraty viabilizasse um telefonema dele com o primeiro-ministro (Modi).”

Ele também disse que a viagem a Israel, realizada neste ano, para conhecer o spray que o presidente dizia ser milagroso e que estava em fase de testes surgiu a partir de um telefonema de alto nível político, em fevereiro, entre Bolsonaro e o premiê israelense Benjamin Netanyahu. Ele não soube especificar qual a função exercida na missão pelo assessor presidencial Max Guilherme Machado de Moura, ex-policial militar que atuou como segurança de Bolsonaro. Segundo ele, o assessor fez contatos políticos.

Em pelo menos duas ocasiões, a versão do ministro se chocou com informações repassadas ao Itamaraty ao Congresso Nacional. À CPI, o MRE disse que viabilizou a recepção no País de contribuições vindas da Venezuela. O governo bolivariano autorizou a doação de uma carga de oxigênio em cilindros durante a crise de Manaus (AM), que provocou um colapso em UTIs e mortes. Também houve indicação da White Martins de que havia estoque disponível em sua planta venezuelana. 

O Brasil não mantém relações com o governo Nicolás Maduro, a quem Bolsonaro se opõe. Senadores contestaram essa versão de intervenção do Itamaraty, já que nem mesmo um avião foi disponibilizado para buscar oxigênio hospitalar no país vizinho. Caminhões trouxeram o oxigênio por via terrestre.

Araújo por fim negou que tenha telefonado à chancelaria de Maduro, seja para pedir a doação, seja para agradecer pela carga remetida pelos chavistas.

No entanto, disse ter determinado, ao saber da possibilidade de doação, que diplomatas se mobilizassem e acompanhassem procedimentos burocráticos, através da Agência Brasileira de Cooperação, "para viabilizar o mais rápido possível essa doação, sem nenhum percalço político, de nenhuma maneira". 

“Eu me lembro de que coloquei colegas, funcionários de alto nível para monitorar, inclusive durante a noite, se houvesse algum problema na passagem da Receita Federal ali na fronteira, para que pudéssemos comunicar: ‘Não, isso é uma doação que, sim, nós estamos aceitando’. Então, fizemos plenamente o nosso papel, sem nenhum impedimento de natureza política”, afirmou Araújo. 

O ex-ministro admitiu que houve omissão de informações ao Congresso. Segundo ele, a missão de Israel foi solicitada depois de um telefonema, em fevereiro, entre o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, e Bolsonaro, em que trataram com "entusiasmo"de medicamentos com potencial de cura da covid-19. À CPI e à bancada do PSOL na Câmara, o Itamaraty não relatou o telefonema que implica Bolsonaro e disse que houve convites reiterados em 2020 para visita de Ernesto Araújo, depois que o general Gabi Ashkenazi assumiu o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros do país.

Ernesto negou embates públicos com a China. Em alegação falsa, ele disse que nunca proferiu, em seu entendimento, frases de cunho preconceituoso ou antichinês. Também afirmou que frases do presidente, seus filhos e aliados já rebatidas por Pequim em protestos diplomáticos do governo Xi Jinping, possam ter atrapalhado as relações entre os países ou prejudicado a obtenção de vacinas ou insumos fabricados na China.

“Nenhum dos atos do presidente prejudica as nossas relações”, disse o ex-ministro. "Não entendo nenhuma declaração que eu tenha feito em nenhum momento como antichinesa. Houve determinados momentos em que, como se sabe, por notas oficiais, o Itamaraty, eu tomei a decisão, nós nos queixamos de comportamentos da Embaixada da China ou do embaixador da China em Brasília, mas não houve nenhuma declaração que se possa qualificar como antichinesa. Enfim, não há nenhum impacto de algo que não existiu."

Com a base do governo acuada, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) foi ao plenário da comissão elogiar a participação do ex-ministro. Ele disse que Ernesto foi “transparente, esclarecedor e não caiu em desavenças com o presidente”. “Hoje a oposição teve mais um dia difícil”, provocou o filho do presidente.

Os senadores quiseram saber sobre a interferência no governo do vereador no Rio Carlos Bolsonaro (Republicanos) e do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), mas o ex-ministro esquivou-se de responder. Também disse que em reuniões com ministros no Palácio do Planalto não saberia dizer se havia pessoas de fora do quadro de servidores federais presentes que talvez não conhecesse.

Ernesto mudou versões durante o depoimento e alegou que teve dificuldade de compreender perguntas. Ao responder ao senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), disse que o presidente nunca o havia demandado para atuar ou se omitir em relação a vacinas. Citou apenas uma ocasião em que Bolsonaro quis saber dos motivos que levaram ao atraso no envio dos primeiros 2 milhões de doses da AstraZeneca fabricadas na Índia – e que não foram as primeiras exportadas pelo país, ao contrário do que sustentou perante aos senadores. Depois disse que participou de algumas reuniões na presença do presidente.

Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo, em 18 de maio de 2021 | 19h06

Brasil registra mais 2.513 mortes por covid-19

País também contabiliza mais 75 mil novos casos da doença nesta terça-feira. Número acumulado de mortes se aproxima de 440 mil.

O Brasil registrou oficialmente nesta terça-feira(18/05) 2.513 mortes ligadas à covid-19, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass)

Também foram confirmados 75.445 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país chega a 15.732.836, e os óbitos somam 439.050.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 14.152.433 pacientes haviam se recuperado da doença até segunda-feira.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 586 mil óbitos. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois de EUA (32,98 milhões) e Índia (25,2 milhões).

Já a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 208,9 no Brasil, a 10ª mais alta do mundo, quando desconsiderado o país nanico de San Marino.

Ao todo, mais de 163,7 milhões de pessoas contraíram oficialmente o coronavírus no mundo, e 3,39 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença.

Deutsche Welle Brasil, em 19.05.2021

Nem liberal nem conservador

Jair Bolsonaro não é conservador; é apenas reacionário. O conservadorismo não se opõe a reformas, e sim às rupturas revolucionárias

Que o governo de Jair Bolsonaro não é liberal na economia, todos já sabem. O próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, queixou-se recentemente da falta de “aderência” a seu projeto de redução radical do Estado, anunciado na campanha eleitoral de 2018 por Bolsonaro e claramente frustrado após mais de dois anos de mandato.

A cada dia que passa, no entanto, o governo tampouco consegue ser o campeão dos valores conservadores, conforme também prometido por Bolsonaro nos palanques.

O presidente não é conservador; é apenas reacionário. O conservadorismo não se opõe a mudanças e reformas, como faz Bolsonaro, e sim às rupturas revolucionárias, especialmente aquelas motivadas por utopias que só podem resultar em autoritarismo e na anulação do indivíduo. Ademais, o conservadorismo defende o respeito às instituições democráticas e luta por sua estabilidade; defende a liberdade política e econômica, dentro da ordem constitucional; defende a igualdade de todos perante a lei, que é o verdadeiro lastro da estabilidade; defende a política como a “arte do possível”, fruto de ampla negociação; e, finalmente, defende a coesão social baseada em valores morais comuns, sobretudo o respeito, a responsabilidade e a honestidade.

Lamentavelmente, Bolsonaro viola esses princípios de forma sistemática desde que ganhou os holofotes da vida pública, quebrando o decoro sem constrangimento, tomando a coisa pública como se fosse privada e atacando os pilares da democracia.

Poucas vezes na história brasileira as instituições foram tão vilipendiadas por um presidente da República. Poucas vezes um chefe de Estado foi tão indiferente às leis e à Constituição, considerando-se frequentemente acima delas. Poucas vezes um governante desprezou tanto o diálogo político, demonizando a oposição e menosprezando partidos. E poucas vezes um presidente transgrediu de forma tão desabrida os valores morais comuns da sociedade, especialmente ao rejeitar a responsabilidade por seus atos e omissões e ao ofender e ameaçar quem o contesta.

Nesse cenário, a linguagem chula de Bolsonaro é, por incrível que pareça, o menor dos problemas – embora, frise-se, só isso já bastasse para constranger os movimentos que se dizem conservadores e que apoiam o presidente, notadamente os religiosos.

Bolsonaro julga ter recebido dos eleitores o poder de fazer o que bem entende – e, se as instituições republicanas e os valores morais se tornam obstáculos ao exercício desse poder sem limites, pior para as instituições e para os valores.

O presidente já se confundiu com a Constituição (“eu sou a Constituição”), um ato falho que traiu seu desejo de transformar sua vontade pessoal em lei. E anunciou, desde a campanha, que a “verdade” não era a realidade, mas uma revelação mística que ele profetizou nos palanques, transformando em slogan eleitoral o versículo bíblico “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (João 8:32).

No seu governo, vale o Führerprinzi, isto é, o princípio da supremacia do líder sobre qualquer outra consideração, pois o presidente julga encarnar o “povo”. Por essa razão, demanda-se lealdade absoluta a Bolsonaro, seja de seus ministros, seja de seus eleitores, e o que quer que o presidente estabeleça como verdade deve ser aceito sem contestação.

Assim, a verdade dos fatos, cujo respeito é princípio central no credo conservador, não tem lugar no mundo bolsonarista. Nesse universo fantástico, o presidente não pode ser refutado quando declara não ter nenhuma responsabilidade sobre os mais de 435 mil mortos pela pandemia de covid-19, tampouco pela desastrosa situação econômica, e muito menos pela morosidade das reformas e das privatizações. Questionar Bolsonaro equivale a violar um mandamento.

Isso obviamente nada tem a ver com o espírito do conservadorismo cuja representação Bolsonaro reivindica. É, ao contrário, uma violação explícita. Os conservadores que se alinham a Bolsonaro supostamente por afinidade de valores deveriam repensar esse apoio, pois correm o risco de se confundir com a desonestidade bolsonarista.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 18 de maio de 2021 | 03h00

Ramos assinou projeto que criou orçamento secreto do governo Bolsonaro

Ministro reformulou proposta e articulou lei que originou a emenda do relator; mecanismo foi usado pelo governo Bolsonaro para distribuir R$ 3 bi a parlamentares aliados

O atual ministro da Casa Civil, general Luiz Eduardo Ramos, participou diretamente da articulação e criação do orçamento secreto para favorecer políticos aliados do governo, o chamado “tratoraço”. Braço direito de Jair Bolsonaro, Ramos era chefe da Secretaria de Governo quando reformulou uma proposta antes barrada pelo presidente para criar uma emenda de relator-geral usada pela equipe para distribuir R$ 3 bilhões e conquistar o controle do Congresso.

(Eliane Cantanhêde: Tratoraço, ou orçamento secreto, serve para o quê? Comprar votos, como o mensalão)

Articulação. Luiz Eduardo Ramos assinou sozinho, no dia 3 de dezembro de 2019, projeto de lei que criou a emenda RP9 Foto: Dida Sampaio / Estadão

Em sua sala no quarto andar do Palácio do Planalto, um nível acima do gabinete do presidente, Ramos resgatou um mecanismo incluído pelo Congresso na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), mas que havia sido vetado por Bolsonaro. Assim, em 3 de dezembro de 2019, o ministro assinou sozinho o projeto de lei que criou a emenda chamada RP9. É um caso atípico, pois propostas sobre orçamento costumam passar pelo crivo do Ministério da Economia.

Desde que o Estadão revelou o orçamento secreto, Bolsonaro tem negado a existência do esquema. O presidente chegou a chamar os jornalistas do Estadão de “idiotas” e “jumentos” por noticiar o caso, batizado de “tratoraço” nas redes sociais por envolver compras de máquinas a preços até 259% acima da tabela de referência do governo. O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, sustenta que “é de conhecimento de qualquer jornalista que acompanhe minimamente o noticiário em Brasília que a RP9 foi iniciativa do Congresso”. Os documentos contradizem essa versão. 

Oposição só teve 4% do orçamento secreto do governo Bolsonaro

Políticos indicam verbas do orçamento secreto para fora de seus Estados

Orçamento secreto: Ministério admite que ofícios não estão públicos

Orçamento secreto: Governador do DF destina R$ 7 milhões para onde tem fazendas 

A operação de Ramos ocorreu três semanas após Bolsonaro vetar a tentativa do Congresso de criar a RP9. A equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, tinha convencido o presidente de que a nova emenda engessaria o governo, pois impactava o cálculo do resultado primário, afetando a meta fiscal. Mas, quando Ramos ressuscitou a proposta, Bolsonaro trocou as justificativas técnicas que usou para barrar a medida pela criação de um orçamento que lhe permitira escolher quais parlamentares seriam beneficiados com bilhões de reais. 

No mesmo projeto enviado ao Congresso, o general da reserva chegou a incluir no texto um artigo, o 64-A, que dava ao Congresso o direito de indicar o que deveria ser feito com o dinheiro. Nesse caso, porém, Bolsonaro novamente impediu a iniciativa por contrariar o “interesse público” e “fomentar o cunho personalístico” das indicações. O Congresso não derrubou esse veto. Dessa forma, tornou irregular o toma lá, dá cá que veio a fazer mais tarde.

Agora na Casa Civil, Ramos é o homem forte do governo no Planalto e mantém influência na articulação política. Em fevereiro, com o orçamento secreto, ele garantiu as vitórias dos aliados Arthur Lira (Progressistas-AL), na Câmara, e de Rodrigo Pacheco (DEM-MG), no Senado. 

Procurado pelo Estadão, o ministro desconsiderou ter assinado o projeto e repetiu que “a iniciativa da criação da RP9 foi da Comissão de Orçamento do Congresso”. Toda negociação dos parlamentares para divisão do dinheiro da RP9 foi feita no gabinete da Secretaria de Governo, pasta que Ramos comandava quando assinou o texto.

Riscos

Em ao menos duas reuniões no gabinete do general, no fim de 2019, técnicos previram que o esquema para aumentar a base de apoio de Bolsonaro poderia resultar no primeiro grande escândalo do seu mandato. Na ocasião, tentaram dissuadir o Planalto de vetar a possibilidade de os congressistas imporem os bilhões da emenda RP9.

Segundo um dos presentes, o braço direito do ministro, Jonathas Assunção de Castro, foi alertado de que as negociações para divisão do dinheiro já estavam em curso e o veto tornaria essa operação ilegal. Nessa queda de braço, porém, quem ganhou foi a equipe econômica, para quem dar ao Congresso o direito de também definir como aplicar R$ 20 bilhões de RP9 transformaria Bolsonaro em “rainha da Inglaterra”.

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União investiga se, ao ignorar seu veto, Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade por “atentar contra a lei orçamentária, nos termos do art. 85, inciso VI, da Constituição Federal”.

Felipe Frazão e Breno Pires, O Estado de S.Paulo, em 18 de maio de 2021 | 05h00

Independentes estremecem tabuleiro político do Chile e controlarão 64% da Assembleia Constituinte

Nem militam em partidos e a maioria se autodefine como esquerda. Triunfo eleitoral de grupo heterogêneo é evidência da crise de representatividade dos partidos tradicionais no país andino

A candidata do Partido do Povo, a mapuche Juanita Millal, faz campanha em Santiago.MARTIN BERNETTI / AFP

Uma das grandes surpresas da jornada eleitoral chilena no fim de semana é a grande presença que os independentes terão na Assembleia Constituinte que a partir de junho começará a trabalhar em uma nova Carta Fundamental. Dos 155 constituintes, 48 se apresentaram por listas independentes dos partidos políticos, ou seja, 31%. Se a eles forem somados os 40 eleitos que não militam, mas chegaram às urnas sob o guarda-chuva de alguma comunidade —de diversos setores—, o número de independentes no órgão chega a 64%, segundo o Observatório da Nova Constituição. Em suma, sem contar as 17 cadeiras reservadas aos povos indígenas, haverá apenas 50 militantes partidários na Assembleia paritária (77 mulheres e 78 homens) que terá o prazo máximo de um ano para estabelecer as novas leis que regerão os destinos do Chile.

Chile, crônica de um país fraturado Confronto político e tensão social marcam ano de renovação da grande parte das autoridades

Os que não são militantes de partidos se organizaram principalmente por listas e foram duas as que se destacaram de longe. A Lista do Povo, que surgiu no âmbito dos protestos sociais de 2019 e que conseguiu articular uma organização social e política, alcançou 27 cadeiras na Assembleia (17,4%). Já a lista de Independentes para uma nova Constituição ficou com 11 cadeiras (7%) na Assembleia que se reunirá no Palácio Pereira, em Santiago, e na sede do Congresso da capital. É uma lista de centro-esquerda não-militante que se define como “um grupo diverso, transversal e comprometido com a atividade pública” que atua “em organizações da sociedade civil e no meio acadêmico, da cultura, ciência, planejamento urbano, comunicação e outros assuntos sociais “. Tiveram o não-militante com a maior votação, Benito Baranda, um psicólogo amplamente conhecido pelo público por seu trabalho social de décadas. Além disso, 10 outros constituintes foram eleitos por listas independentes em nível nacional.

Eles estremeceram o tabuleiro político chileno e foram uma surpresa total para os analistas e dirigentes de todos os setores. As projeções predominantes indicavam que ganhariam entre 8 e 16 cadeiras. Mas, segundo a cientista política Pamela Figueroa, do Observatório da Nova Constituição, era impossível fazer cálculos eleitorais prévios porque estavam sendo colocadas em prática novas regras do jogo. “As três novas regras —paridade, cadeiras reservadas para indígenas e listas de independentes— contribuíram para que a Constituinte represente algo diferente dos típicos órgãos de representação”, diz a cientista política.

O sucesso dos independentes nas eleições chilenas está diretamente relacionado à crise de representatividade dos partidos políticos. Segundo a última pesquisa do Centro de Estudos Públicos (CEP), apenas 2% dos chilenos confiam em alguma das formações que não conseguiram renovar seus quadros (desde 2006 Michelle Bachelet e Sebastián Piñera se alternaram na presidência).

A crise da democracia representativa não é nova no Chile e explicaria, em parte, a abstenção já quase estrutural nas eleições, que não fica abaixo de 50% desde que o voto voluntário foi implementado em 2012. Nesta eleição, tão importante para os destinos no país, a maioria dos eleitores também optou por ficar em casa (57%).

Neste fim de semana os independentes se tornaram uma força gravitacional na política chilena. Ao analisar as listas e as propostas dos eleitos —em sua maioria, desconhecidos até agora do grande público—, observa-se que têm um discurso transformador, que estavam empenhados em mudar a Constituição e que não se situam à direita do espectro político. “Os 48 independentes votaram em outubro por mudar a Constituição e para que a Constituição seja cívica e não formada por parlamentares”, explica Baranda.

A Lista Popular, por exemplo, se define como antissistêmica, segundo Daniel Trujillo, coordenador nacional desse movimento que ainda não tem sede nem liderança nacional e que superou em cadeiras a centro-esquerda (que conquistou 25, uma grande derrota) e quase igualou o Partido Comunista e a Frente Ampla (28).

“Somos um movimento de cidadãos autoconvocado e independente que se organizou para permitir a participação dos representantes do povo sem partidos políticos que representassem os valores da revolta na Constituinte”, afirma Trujillo. Surgiram na Plaza Italia, o epicentro dos protestos em Santiago, que cresceram à medida que se conectaram com os territórios, o que lhes permitiu formar listas em quase todos os bairros. “Acreditamos que a crise a que chegaram as instituições chilenas se deve justamente ao fato de o sistema partidário ter sido capturado pela elite econômica que controla o Chile”, diz o coordenador nacional da Lista do Povo, que estima que todas as organizações políticas se levantaram para proteger Sebastián Piñera e seu Governo após a eclosão social de outubro de 2019. “É uma grande traição ao povo mobilizado nas revoltas e, portanto, com eles, nada”, afirma Trujillo.

Ele fala de uma institucionalidade “caduca” e diz que se ser antissistema capitalista os define como de esquerda, então, a Lista do Povo é de esquerda. Não gostam do Governo de Piñera nem da elite econômica que “capturou” o Chile. Mas reforça a diversidade que os compõe: “Somos contra o modelo neoliberal, mas temos eleitos que endossam o marxismo e até ao trotskismo, como a companheira María Rivera, e outros constituintes como a jovem advogada Francisca Arauna, 28, que foi eleita em um município de camponeses, uma região do latifúndio chileno, que tem um discurso baseado no feminismo, na colaboração e na defesa do meio ambiente, não na luta de classes”, diz Trujillo.

Como a Lista do Povo se formou em torno das mobilizações da Plaza Italia —Plaza Dignidad, como alguns setores a rebatizaram—, símbolos do protesto aderem a este grupo. Como a constituinte Giovanna Grandón, que ficou conhecida como Tía Pikachu por se disfarçar de criatura dos videogames. Ou o Sensual spiderman, um homem-chave na configuração desse grupo, famoso por usar o traje do super-herói.

O alto número de independentes sugere que na Constituinte chilena não haverá disciplina partidária, nem mesmo para os 40 não militantes que chegam ao órgão constituinte amparados pelos partidos. Será semelhante, em todo caso, ao Congresso chileno, onde há muito tempo não se vota em bloco. A partir da instalação da Constituinte, porém, novas alianças internas começaram a se configurar tendo em vista as novas normas.

ROCÍO MONTES, de Santiago do Chile para o EL PAÍS, em 17 MAI 2021 - 23:09 BRT

Combinar vacinas da AstraZeneca e Pfizer é seguro, indica estudo

Pesquisa detecta mais anticorpos em pessoas que receberam uma dose de cada um dos imunizantes contra covid-19 do que em quem foi vacinado apenas com o da AstraZeneca. Efeitos colaterais foram pouco comuns e moderados.

Vacina da Pfizer-Biontech usa tecnologia de RNA mensageiro

Uma pesquisa científica feita na Espanha concluiu que aplicar uma dose da vacina contra a covid-19 da Pfizer-Biontech em pessoas que receberam a primeira dose da AstraZeneca é um procedimento seguro e eficaz.

As duas vacinas utilizam tecnologias diferentes: a da AstraZeneca é uma vacina de vetor viral, e a da Pfizer, de RNA mensageiro.

O estudo, chamado Combivacs e cujos resultados preliminares foram divulgados nesta terça-feira (18/05), foi conduzido pelo Instituto de Saúde Carlos 3º. Ele detectou a presença de anticorpos IgC no sangue em quantidade 30 a 40 vezes maior em pessoas que receberam uma segunda dose da Pfizer na comparação com aquelas que receberam apenas a primeira dose da AstraZeneca.

Já a presença de anticorpos neutralizantes subiu sete vezes depois de uma segunda dose da Pfizer, bem mais do que na aplicação de uma segunda dose da AstraZeneca, quando a presença apenas dobrou.

Cerca de 670 voluntários entre 18 e 59 anos que já haviam recebido uma primeira dose de AstraZeneca participaram do estudo, e cerca de 450 receberam uma segunda dose da vacina da Pfizer.

Um número mínimo de participantes, apenas 1,7%, relatou efeitos colaterais, restritos a dor de cabeça, dor muscular e mal-estar.

Um estudo semelhante foi feito no Reino Unido, e primeiros resultados mostram que pessoas vacinadas com uma combinação das vacinas da Pfizer e da AstraZeneca são mais propensas a apresentarem efeitos colaterais moderados do que aquelas que receberam as duas doses da mesma vacina. Ainda não foram divulgados dados sobre a geração de anticorpos.

O objetivo do estudo na Espanha era ajudar a determinar como proceder após a limitação de uso da vacina da AstraZeneca para pessoas com mais de 60 anos devido a temores de formação de coágulos sanguíneos, adotada pela Espanha e outros países.

A restrição causou insegurança, e pessoas jovens que já receberam a primeira dose da AstraZeneca estavam impossibilitadas de receber uma segunda.

Deutsche Welle Brasil, em 18.05.2021