terça-feira, 9 de março de 2021

Ministério da Saúde admite que pode faltar vacina e crise da pandemia fecha cerco sobre Bolsonaro

Atraso na compra de imunizantes desgasta imagem do presidente enquanto Brasil bate novo recorde, com 1.972 mortes por covid-19. Em ofício, pasta de Pazuello admite precisar de mais doses para não interromper vacinação

O presidente Jair Bolsonaro saindo do Palácio da Alvorada, em 9 de março de 2021.( Crédito da foto: Ueslei Marcelino / Reuters )

O Brasil vive o momento mais crítico da pandemia. Registrou 1.972 mortes nesta terça-feira, um novo recorde para óbitos em 24 horas e um número elevado mesmo considerando o impacto do represamento de dados do fim de semana. Enquanto 25 das 27 capitais do país veem mais de 80% dos leitos de UTI do SUS ocupados e diversos setores pressionam o Governo Bolsonaro para dar celeridade na vacinação, o Ministério da Saúde o admite risco de interromper campanha por falta de doses em carta à China e busca negociar compras com novos laboratórios. As críticas à ineficiência do Governo Federal para acelerar ações que possam conter a pandemia vem apertando o cerco político contra o presidente Jair Bolsonaro, que durante toda a crise sanitária adotou um discurso negacionista e errático. Até aliados no Congresso e empresários agora cobram do Planalto um cronograma claro de vacinação.

O Governo Bolsonaro passou meses defendendo um tratamento precoce sem eficácia, criticou medidas de isolamento social e demorou a fechar acordos de compra de vacinas contra a covid-19. O presidente viu sua aprovação cair e parte de seus apoiadores abandonarem o discurso antivacina que alimentava. A falta de liderança nacional ainda levou governadores a se articularem entre si para afinar ações e tentar negociar vacinas enquanto o cronograma de entrega do Ministério da Saúde sofria uma série de atrasos. Até mesmo o Congresso Nacional ―cuja cúpula foi eleita com o apoio do presidente― têm sinalizado que nem só o Planalto representa o Governo do Brasil enquanto fazem reuniões diplomáticas para tentar importar mais vacinas. A pressão parte também do empresariado, que vê na vacinação em massa a saída para fazer a economia voltar a girar. E de partidos e entidades, que se movimentam para tentar afastar o presidente diante da má gestão da pandemia, que já custou mais de 260.000 vidas no país. É neste contexto que o presidente tenta, agora, modular o discurso e adotar uma estratégia pró-vacina para tentar escapar da perda de popularidade.

O passo mais emblemático deste ensaio de mudança na retórica foi a reunião de Bolsonaro com representantes globais da Pfizer na última segunda-feira (8) depois de meses de críticas e ironias à farmacêutica. Em várias oportunidades, o presidente criticou cláusulas “draconianas” da Pfizer, especialmente pela exigência de que questões relacionadas a possíveis efeitos adversos da vacina fossem tratadas em tribunais internacionais. “Se você virar um jacaré, é problema seu”, disse em dezembro enquanto a Pfizer sustentava que as cláusulas eram um padrão dos acordos com outros países. Seu Governo recusou ao menos três ofertas da farmacêutica. Mas desde então a vacina foi a primeira a conseguir o registro definitivo no país, voltaram os panelaços e cresceu a pressão até dos setores econômicos pela vacinação em massa no país. Bolsonaro então adotou um plano para reduzir o desgaste na sua imagem e rebater críticas de ineficiência na compra de imunizantes e as ações da pandemia.

Por videoconferência, Bolsonaro pediu pessoalmente a representantes da Pfizer para acelerar a entrega de doses em um contrato a ser firmado, mas incumbiu que o ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciasse à imprensa que o contrato seria firmado e que a farmacêutica teria sinalizado com 14 milhões de doses no primeiro semestre. Nas redes sociais, publicou um pequeno vídeo do encontro, mas não chegou a defender diretamente a vacinação. O Governo também anunciou que a comitiva que viajou até Israel para conhecer um spray nasal anti covid-19 ainda em fase de testes também trataria de vacinas. São acenos a diversos setores para tentar mostrar esforço federal no momento em que a população brasileira está mais disposta a tomar o imunizante. Segundo uma pesquisa do PoderData/Band divulgada na semana passada, aumentou de 78% para 85% a parcela de brasileiros que querem se vacinar.

“Campanha corre o risco de ser interrompida”

Embora o Governo venha anunciando novas negociações com vários laboratórios neste ano para mostrar o esforço em correr atrás do prejuízo na aquisição dos imunizantes, na prática, o cronograma de entrega de vacinas já contratadas está repleto de atrasos. O Ministério da Saúde agora se movimenta em busca de outros laboratórios e de cooperação internacional para conseguir mais estoques. Em um ofício enviado ao embaixador da China no Brasil, a pasta solicita a compra de 30 milhões de doses da vacina BBIBP-CorV, fabricada na China pela Sinopharm. Assinado pelo número dois da pasta, Elcio Franco, o documento argumenta que a campanha nacional de imunização corre risco de ser interrompida por falta de doses e que a estratégia brasileira para conter a variante P1 do vírus e impedir que ela se espalhe pelo mundo é a imunização. “A campanha nacional de imunização, contudo, corre risco de ser interrompida por falta de doses, dada a escassez da oferta internacional. Por conta disso, o Ministério da Saúde vem buscando estabelecer contato com novos fornecedores, em especial a Sinopharm, cuja vacina é de comprovada eficácia contra a covid-19″, diz Franco no ofício.

O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello tem defendido uma ação diplomática para tentar importar vacinas. O Governo tem enfrentado dificuldades para receber 8 milhões de doses da AstraZeneca já contratadas e produzidas pelo instituto Serum, na Índia, após o país bloquear a exportação. Investigado pela Polícia Federal por suposta omissão em ações da pandemia em Manaus, Pazuello tem pedido ajuda a gestores nos bastidores. Em Brasília, articula-se a criação de uma comissão com governadores, Congresso e o ministro para afinar ações unificadas. Tudo com discrição para não provocar a ira do presidente, segundo a coluna Painel, da Folha de S. Paulo.

Eleitos para a presidência da Câmara Federal e do Senado com o apoio de Bolsonaro, o deputado Arthur Lira e o senador Rodrigo Pacheco também têm sinalizado um possível descolamento do presidente em relação à pandemia. Nesta terça (9), eles cobraram do Ministério da Saúde um cronograma de recebimento de vacinas e pediram uma resposta em 24 horas para saber se há risco de falta de insumos no país. No mesmo dia, Lira enviou uma carta ao embaixador da China, Yang Wanming, fazendo um apelo por um olhar “amigo, humano e solidário” no oferecimento de insumos e vacinas. “O Governo brasileiro não é apenas o Executivo, mas também o Legislativo e o Judiciário”, escreveu.

O Brasil vive o momento mais crítico da pandemia. Das 27 capitais do país, 25 estão com taxas de ocupação de leitos de UTI para adultos superiores a 80% ― em 15 delas, o índice já é superior a 90%. Os dados são do monitoramento feito pelo Observatório Covid-19 da Fiocruz. Há filas de pacientes aguardando internação em várias regiões do país. Secretários da Saúde têm pedido aumento das medidas restritivas nacionalmente ao Ministério da Saúde para tentar frear a alta velocidade de contágio, mas Pazuello descartou porque o presidente não deixa. A postura errática do presidente tem motivado a articulação de novas ações judiciais para afastá-lo do cargo e responsabilizá-lo por omissão tanto por partidos quanto por entidades de classe.

Novas tentativas de afastamento

O PDT, partido do ex-presidenciável Ciro Gomes, pediu a interdição de Bolsonaro à Procuradoria-Geral da República nesta segunda (8). Alega que o presidente age “na contramão dos atos que uma pessoa em plena saúde mental agiria” e não teria capacidade mental de permanecer no cargo. A interdição está prevista no Código de Processo Civil e deve ser promovida pelo Ministério Público em caso de doença mental grave. Juristas têm avaliado, porém, que o processo tem poucas chances de prosperar até pelo alinhamento do procurador-geral Augusto Aras com o Planalto. Mesmo assim, é mais um elemento de pressão.

Na última semana, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, disse que convocaria uma sessão extraordinária para discutir a gestão de Bolsonaro sobre a pandemia e um possível pedido de impeachment. Se em janeiro Santa Cruz dizia não ver ambiente para um pedido, agora diz que vem sentindo pressão da alta cúpula da entidade. “Há muita pressão de conselheiros e ex-presidentes por medidas duras contra o governo Bolsonaro”, afirmou ao Estadão. O conselho federal da entidade já denunciou o governo à Comissão Interamericana de Direitos Humanos por “violações” e “omissão” na pandemia. O Congresso já recebeu dezenas de pedidos de impeachment contra o presidente, mas não há até agora perspectiva de apreciação. A Faculdade de Saúde Pública da USP e a Conectas Direitos Humanos analisaram 3.049 normas federais produzidas em 2020 para uma pesquisa mostrando que Bolsonaro executou uma “estratégia institucional de propagação do coronavírus”.

BEATRIZ JUCÁ, de São Paulo, Brasil, para o EL PAÍS, em 09 MAR 2021

Lewandowski empata placar, e julgamento sobre Moro é suspenso após pedido de vista de Kassio

Cármen Lúcia avisou que vai se manifestar novamente sobre o caso, mesmo já tendo votado no início do julgamento, em dezembro de 2018. Não há previsão para quando a análise da ação vai ser retomada pela Segunda Turma

O ministro Gilmar Mendes. Foto: Dida Sampaio/Estadão

Indicado ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo presidente Jair Bolsonaro, o ministro Kassio Nunes Marques pediu vista (mais tempo para análise) e suspendeu nesta terça-feira (9) o julgamento sobre a parcialidade do ex-juiz federal Sérgio Moro ao condenar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá. Não há previsão para quando o caso vai ser concluído pela Segunda Turma. O julgamento está empatado, mas a ministra Cármen Lúcia avisou que vai se manifestar novamente sobre a ação, mesmo já tendo votado no início do julgamento, em dezembro de 2018.

“Todos nós sabemos que esse é um processo de extrema relevância e de um conteúdo extremamente vasto e complexo, que demanda tempo, atenção e estudo.  Eu nunca julguei essa matéria. Soube, como todos nós, do julgamento pouco antes dessa sessão”, disse Kassio Nunes Marques, ao comentar a inclusão da ação para julgamento a menos de três horas do início da sessão.

“Até que tentei, rapidamente, alinhar um voto diante do que vi e principalmente do que foi trazido aos autos. Mas o tempo foi extremamente curto para um membro da corte que jamais participou do processo e que não tinha absolutamente nenhum conhecimento sobre ele”, acrescentou. Surpreendido com a inclusão do tema na sessão, o ministro está em São Paulo, acompanhando o tratamento dos pais, que estão infectados com o novo coronavírus.

A discussão sobre a atuação de Moro na ação do triplex do Guarujá foi retomada nesta tarde com os votos dos ministros Gilmar Mendes (leia a íntegra aqui) e Ricardo Lewandowski. Expoentes da ala contrária à Lava Jato no STF, os dois ministros votaram para declarar Moro suspeito e derrubar a condenação imposta pelo ex-juiz federal ao petista. 

A análise do caso começou em dezembro de 2018, quando o relator da Lava Jato, Edson Fachin, e Cármen Lúcia votaram para rejeitar o pedido do petista – antes de virem à tona mensagens privadas obtidas por hackers e atribuídas a Moro e a procuradores da Lava Jato em Curitiba. Ao longo da sessão desta terça-feira, no entanto, Cármen deu indícios de concordar com trechos do voto de Gilmar Mendes.

Ao comentar  a interceptação do escritório de advocacia da defesa de Lula, Gilmar disse que o episódio remetia a regimes totalitários – e foi apoiado por Cármen Lúcia. “Gravíssimo”, disse a ministra. “Eu tenho voto escrito, mas vou aguardar o voto-vista do ministro Kassio. Vossa Excelência (dirigindo-se a Gilmar) trouxe um voto profundo, com dados muito graves. Darei o meu voto”, disse Cármen Lúcia na sessão.

Embora a discussão do caso diga respeito apenas ao triplex do Guarujá, investigadores temem que haja um efeito cascata caso prevaleça a posição da dupla, o que poderia contaminar outros processos da Lava Jato. 

A atuação de Moro na ação do sítio de Atibaia, que também levou à condenação de Lula, foi menor: coube ao ex-juiz da Lava Jato aceitar a denúncia e colocar o ex-presidente no banco dos réus mais uma vez. A condenação, no entanto, foi assinada pela juíza Gabriela Hardt, depois que o ex-juiz já tinha abandonado a magistratura para assumir um cargo no primeiro escalão do governo Bolsonaro.

Ao iniciar a leitura do voto, Gilmar Mendes disse que seu voto não apenas “descreve uma cadeia sucessiva de atos lesivos ao compromisso de imparcialidade”. “Ele explicita as condições do surgimento e do funcionamento do maior escândalo judicial da nossa história”, frisou.

Para Gilmar Mendes, a “Justiça Federal está vivendo uma imensa crise a partir deste fenômeno de Curitiba”. “O combate à corrupção é digno de elogios. Mas o combate à corrupção deve ser feito dentro dos moldes legais. Não se combate crime cometendo crime. Ninguém pode se achar o ó do borogodó. Cada um terá o seu tamanho no final da história. Calcem as sandálias da humildade”, disse Gilmar, ao lembrar fala proferida em dezembro de 2016. “Não podemos aceitar que o combate à corrupção se dê sem limites. Não podemos aceitar que ocorra a desvirtuação do Estado de Direito, que uma pena seja imposta de um modo ilegítimo, não podemos aceitar que o Estado viole as próprias regras.”

O ministro Ricardo Lewandowski, por sua vez, disse que Lula não foi submetido a um julgamento justo, mas a um “verdadeiro simulacro de ação penal, cuja nulidade salta aos olhos”. Para Lewandowski, Moro assumiu papel de coordenador dos órgãos de investigação e acusação, onde teria ficado patenteado o abuso de poder no caso. “Um completo menosprezo ao sistema judicial vigente no País”, disse. “Por razões mais do que espúrias, porque todos os desdobramentos do processo levam ao desenlace de que o ex-juiz extrapolou os limites ao assumir papel de coordenador dos órgãos de investigação e acusação”, acrescentou Lewandowski.

Responsável por liberar as mensagens hackeadas da Lava Jato e apreendidas na Operação Spoofing ao ex-presidente Lula, Lewandowski disse que usou trechos das conversas como “reforço argumentativo” em seu voto. “Parabéns pelo voto, ministro Ricardo Lewandowski”, disse Cármen ao final da sessão.

Estratégia.

A Segunda Turma retomou nesta tarde o julgamento sobre a suposta parcialidade de Moro no caso do triplex do Guarujá. Já o plenário STF vai decidir – em data a ser definida- o recurso da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra a decisão do ministro Edson Fachin que anulou todas as condenações de Lula na Lava Jato – tanto a do triplex (assinada por Moro) quanto a do sítio de Atibaia (assinada pela juíza Gabriela Hardt).

Conforme revelou o Estadão no início do mês, Fachin lançou uma ofensiva para reduzir danos diante de derrotas iminentes que podem colocar em risco o legado da operação. A Corte virou foco de oposição à Lava Jato, e Fachin não conta hoje com situação confortável nem na Segunda Turma nem no plenário. Fachin queria considerar a discussão sobre a conduta de Moro já encerrada, mas a Segunda Turma decidiu que, mesmo com a anulação da condenação no caso do triplex, o tribunal deve, sim, analisar a conduta do ex-juiz federal na ação.

Os ministros discutiram se o ex-juiz federal de Curitiba tratou o petista como “inimigo” e agiu com parcialidade ao condenar o ex-presidente da República por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no triplex do Guarujá. Caso os ministros sigam o entendimento de Gilmar Mendes formem maioria para declarar a suspeição de Moro, todas as provas reunidas contra o ex-presidente podem ser anuladas, incluindo o acervo que embasa as demais ações penais contra Lula.

Para Gilmar Mendes, a condenação que Moro impôs a Lula no caso do triplex é de uma “cristalina contaminação”, devido ao “histórico de cooperação espúria” entre o juiz federal da Lava Jato e a força-tarefa de investigadores .

“Em fevereiro de 2016, quando o reclamante (Lula) ainda estava sendo investigado, o ex-juiz Sergio Moro chegou a indagar ao procurador Deltan Dallagnol se já havia uma denúncia ‘sólida ou suficiente’, o procurador responde apresentando um verdadeiro resumo das razões acusatórias do MP, de modo a antecipar a apreciação do magistrado”, destacou Gilmar, ao citar mensagens privadas atribuídas a Moro e Dallagnol obtidas por um grupo criminoso de hackers.

Ao comentar  a interceptação do escritório de advocacia da defesa de Lula, Gilmar disse que o episódio remetia a regimes totalitários – e foi apoiado pela ministra Cármen Lúcia. “Gravíssimo”, disse a colega, levantando dúvidas se a magistrada vai mudar o voto proferido em dezembro de 2018, quando rejeitou o habeas corpus de Lula.

Como o julgamento ainda não foi encerrado, nada impede que Cármen Lúcia altere o voto proferido em dezembro de 2018, quando o caso começou a ser analisado. Na época, a discussão foi interrompida por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, que só liberou o processo para julgamento às 11h29 desta terça-feira, dois anos e três meses depois – a menos de três horas da sessão.

Presidente da Segunda Turma, Gilmar é expoente da ala mais contrária aos métodos de investigação dos procuradores de Curitiba. Fachin, por outro lado, é o relator do caso de Lula e integrante da corrente do STF pró-Lava Jato.

“Falo com toda tranquilidade porque não cheguei aqui pela mão do PT. E eu era considerado um tipo de opositor de algumas práticas do Partido dos Trabalhadores. Chegou-se a dizer, a imprensa chegou a dizer que eu liderava bancada de oposição no STF apontando que faltava oposição ao governo do PT. Portanto eu sou insuspeito nessa matéria. Não obstante eu sempre soube distinguir o que é ser adversário do que é ser inimigo”, disse Gilmar Mendes, ao iniciar a leitura do voto.

Para embasar o voto em que concluiu pela parcialidade de Moro, ministro ainda destacou a condução coercitiva de Lula – e a nomeação do ex-juiz federal da Lava Jato ao cargo de ministro da Justiça do governo Bolsonaro.

Histórico.

Em 2018, Fachin e a ministra Cármen Lúcia votaram para negar o pedido da defesa do petista. Na prática, o placar neste momento é de 2 a 2 contra as pretensões de Lula, mas ainda falta o voto de Kassio Nunes Marques – e Cármen Lúcia já avisou que vai votar novamente.

Nos bastidores, a avaliação é que Gilmar “segurou” o caso enquanto a revelação de novas mensagens hackeadas da Lava Jato vinham desgastando a forca-tarefa.

A mesma posição é adotada por Ricardo Lewandowski, que liberou as conversas obtidas na Operação Spoofing a Lula. A dupla intensificou as críticas ao ex-juiz da Lava Jato depois que o site The Intercept Brasil começou a publicar trechos das mensagens privadas, obtidas pelos hackers, atribuídas a Moro e a procuradores de Curitiba.

Adiamento.

Após Gilmar Mendes incluir o caso para ser examinado nesta tarde, Fachin deu um novo despacho, indicando o adiamento da discussão, expondo o acirramento de ânimos na Corte. No início da sessão, o representante da Procuradoria-Geral da República (PGR) no julgamento – o subprocurador Juliano Baiocchi – também pediu que o caso não fosse examinado hoje. A maioria da Turma, no entanto, ficou do lado de Gilmar.

“O que me preocupa mais aqui para que a gente tenha uma decisão ou um julgamento é que esse processo teve início há mais de dois anos e está suspenso por um pedido de vista. Então eu me encontro habilitada a participar do julgamento e a votar e, com todas as vênias então do ministro Fachin, neste caso tenho legítimo que haja a continuidade”, disse a ministra Cármen Lúcia, que se alinhou a Gilmar Mendes.

Como mostrou o Estadão, ao declarar a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para análise de quatro ações contra Lula – triplex do Guarujá, sítio de Atibaia, sede do Instituto Lula e doações da Odebrecht para a entidade – , Fachin agiu para reduzir danos, tirar o foco de Moro e tentar preservar as investigações de um esquema bilionário de corrupção na Petrobrás. Fachin não havia se debruçado sobre as provas contra o petista, que correm o risco de serem invalidadas agora.

O ministro Ricardo Lewandowski, que também integra a ala contrária à Lava Jato no STF, endossou a posição para que o julgamento fosse retomado. “A decisão do ministro Fachin (que anulou as condenações de Moro contra Lula) é uma decisão precária e efêmera que está sujeita à apreciação do plenário e não tem o condão de obstar a continuidade do julgamento desta Segunda Turma”, afirmou Lewandowski.  “A sociedade espera isso, a comunidade jurídica aguarda o pronunciamento da Segunda Turma.”

No início da sessão, Fachin reforçou o pedido de adiamento e citou duas razões para que o caso não fosse analisado pelos ministros nesta tarde.  Uma é sua decisão de ontem que determinou o encerramento desta ação após declarar a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para análise de quatro ações contra Lula – triplex do Guarujá, sítio de Atibaia, sede do Instituto Lula e doações da Odebrecht para a entidade. Depois disso, as ações que discutem a suspeição de Moro foram consideradas “prejudicadas” por Fachin.

O segundo argumento apresentado pelo Ministro para que o julgamento seja adiado é a apresentação de um memorial pela defesa do ex-presidente Lula hoje. Fachin descreveu o material como “robusto e relevante”, que se devidamente provadas podem trazer “sérias consequências”. “Um conjunto relevante de imputações”, disse. Ele ainda frisou que “é atribuição própria do relator ordenar e dirigir o processo”.

Após a fala de Fachin, Gilmar votou pela continuidade do julgamento, alegando que o colega não poderia sozinho determinar o arquivamento do caso. “É o cachorro que abana o rabo, não o rabo que abana o cachorro”, disse Gilmar, ao defender a retomada do julgamento pela Segunda Turma nesta tarde.

Paulo Roberto Netto, Pepita Ortega e Rayssa Motta/São Paulo e Rafael Moraes Moura e Amanda Pupo/Brasília para o Estado de São Paulo, em 09 de março de 2021

Presidente do Clube Militar, general critica decisão de Fachin: ‘vitória do banditismo’

Com o título 'Lugar de ladrão é na cadeia', texto de Eduardo José Barbosa chama anulação das condenações de Lula de 'artimanha grotesca'

Após algumas horas em silêncio, o presidente do Clube Militar, general de divisão Eduardo José Barbosa, divulgou uma nota em que critica a decisão do ministro Edson Fachin de anular as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. 

Com o título “Lugar de ladrão é na cadeia”, o documento diz que, no Brasil, “aqueles que julgam são alinhados políticos daqueles que são julgados”. Para o general, “novos processos em outras varas são uma artimanha grotesca para que o meliante fique definitivamente impune”. 

O general de divisão Eduardo José Barbosa, presidente do Clube Militar Foto: Reprodução/Instagram Clube Militar

Ao concluir a nota, Barbosa afirma que “toda a comunidade criminosa do país e seus aliados mundo afora devem estar festejando a vitória do banditismo”. O general foi eleito para o clube na chapa do então general da reserva Hamilton Mourão, que se afastou em 2018 para ser o vice do então candidato Jair Bolsonaro. Barbosa é colega de turma do presidente da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) – ambos se formaram em 1977 – e apoiou a candidatura de Bolsonaro em 2018.

Barbosa já se havia manifestado em outras oportunidades contra decisões do STF que afetavam aliados de Bolsonaro – como a prisão do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) por crime contra Segurança Nacional, ao ameaçar ministros do STF. Na ocasião, Barbosa questionou: “Por que esses supostos crimes praticados pelos apoiadores do presidente recebem alta prioridade nas investigações, enquanto crimes cometidos por aliados ideológicos ou denúncias contra os próprios ministros do STF ficam sem investigação ou aguardando a prescrição?”

Na nota, o general afirma ainda que “a desculpa encontrada (para anular as condenações de Lula) não convence nem alunos do maternal”. “Ou alguém acredita que algum desses processos chegará a transitar em julgado (depois de centenas de recursos) com o ‘paciente’ vivo? Lugar de ladrão é na cadeia.... mas não no Brasil onde aqueles que julgam são alinhados políticos daqueles que são julgados.”

Militares críticos a Bolsonaro, ouvidos pelo Estadão, observaram que a nota do presidente do Clube Militar não menciona, como fatos que levaram ao enfraquecimento da Operação Lava Jato, casos como a escolha de Augusto Aras para a Procuradoria-Geral da República, a nomeação do ministro Kassio Nunes para o Supremo Tribunal Federal, ou a demissão de Sergio Moro do Ministério da Justiça. O Estadão procurou Barbosa, mas não obteve resposta. 

General fala em chance de ‘ruptura institucional’

Além da nota, o general Barbosa também fez publicar no site do Clube Militar um artigo do general Luiz Eduardo Rocha Paiva, no qual o militar levanta a possibilidade de uma ruptura institucional entre os Poderes e um golpe militar. “A nefasta decisão do Ministro Fachin, livrando Lula de suas condenações foi uma bofetada na cara (desculpem a expressão) da Nação Brasileira”, diz o texto do artigo. 

Paiva diz que o “STF feriu de morte o equilíbrio dos Poderes, um dos pilares do regime democrático e da paz política e social. A continuar esse rumo, chegaremos ao ponto de ruptura institucional e, nessa hora, as Forças Armadas serão chamadas pelos próprios Poderes da União, como reza a Constituição”. 

Próximo do grupo Terrorismo Nunca Mais (Ternuma) – coletivo criado para se opor ao movimento Tortura Nunca Mais, do fim dos anos 1980 –, Rocha Paiva é um dos militares que defendem a tese de que as Forças Armadas seriam uma espécie de poder moderador da República, interpretação considerada ilegal pelo STF e criticada por generais. 

Marcelo Godoy, O Estado de S.Paulo, em 09 de março de 2021

Brasil tem 1.972 mortes por covid-19 em 24h, pior marca da pandemia

Número de mortes passa de 268 mil. País ainda registrou mais de 70 mil novos casos. Total passa de 11 milhões.


É a pior marca diária registrada desde o início da pandemia, superando o recorde da última quarta-feira, quando foram contabilizados 1.910 óbitos.

Com isso, o total de mortes no país associadas à doença chega a 268.370.

O Brasil registrou oficialmente 1.972 mortes ligadas à covid-19 nesta terça-feira (09/03), segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O país vive um novo momento de aceleração da doença, com registro de colapso da rede de saúde pública em vários estados. 

Ainda nesta terça-feira, foram identificados 70.764  novos casos da doença, elevando o total oficial para 11.122.429.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 9.782.320 pacientes haviam se recuperado até segunda-feira.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 127,7 no Brasil, a 20ª mais alta do mundo, quando desconsiderados os países nanicos San Marino, Liechtenstein e Andorra.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 28,7 milhões de casos, e da Índia, com 11,2 milhões. Mas é o segundo em número absoluto de mortos, já que mais de 527 mil pessoas morreram nos EUA.

Ao todo, mais de 117,4 milhões de pessoas já contraíram oficialmente o coronavírus no mundo, e 2,6 milhões de pacientes morreram.

Deutsche Welle Brasil, em 09.02.2021

Após reação sobre soltura de Lula em 2018, militares dizem que agora é melhor silenciar

Oficiais do Exército avaliam que o novo entendimento do STF pode beneficiar 'extremistas' das duas vertentes

A anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, provenientes da 13.ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, desagradou aos militares. Influentes generais da reserva temem que o caso alimente o extremismo e têm feito apelos por “equilíbrio” diante da decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, que, na prática, reabilitou politicamente Lula como pré-candidato ao Palácio do Planalto, em 2022.

Oficiais do Exército avaliam que o novo entendimento pode beneficiar “extremistas” das duas vertentes, tanto de esquerda quanto de direita, mas ponderam que, no momento, não cabem mais manifestações públicas sobre o caso por parte de comandantes da ativa, como ocorreu em abril de 2018. Na época, antes do julgamento de um habeas corpus de Lula pelo Supremo Tribunal Federal, o então comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, usou o Twitter para publicar uma mensagem que jogou pressão sobre os ministros da Corte.

"Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?", questionou Villas Bôas, na ocasião. O episódio foi detalhado em recente livro com depoimento do general, lançado pela Editora FGV. A obra provocou novo debate sobre o episódio, no mês passado,  após Villas Bôas dizer que aquele tuíte contou com o aval do Alto Comando do Exército.

Fachin respondeu que a pressão era “intolerável e inaceitável”. Villas Bôas, hoje assessor do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência, ironizou a demora da reação: “Três anos depois...”. O ministro do STF Gilmar Mendes retrucou o que considerou um deboche: “Ditadura nunca mais”.

Ex-ministro da Secretaria de Governo, o general de Exército Carlos Alberto dos Santos Cruz disse ao Estadão que, embora a decisão de Fachin chame a atenção, as Forças Armadas não podem se precipitar.

Santos Cruz observou que o momento é diferente daquele de 2018, quando Lula recorria ao STF na frustrada tentativa de evitar a prisão, e Villas Bôas dizia que o Exército julgava “compartilhar do repúdio à impunidade”. Bolsonaro ainda não era presidente, mas já estava em campanha.

“São tempos distintos. Lá era véspera de uma decisão, aqui já é decisão tomada”, afirmou Santos Cruz. “Até o plenário (do Supremo) se manifestar, tem um caminho a percorrer juridicamente. Tenho absoluta certeza de que o Exército não tem nada a ver com isso. Isso é loucura, não leva a nada. Tem de esperar, ainda há passos jurídicos. Ninguém tem de se precipitar. É preciso ter equilíbrio, uma posição racional.”

No Ministério da Defesa, a decisão de Fachin foi recebida com incredulidade. Um oficial da ativa das Forças Armadas  classificou a anulação das condenações como “absurda” e disse que isso sela a derrocada do ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro, figura tida em alta conta no meio militar.

Entre os militares mais aborrecidos circulou até um questionamento, em tom de cobrança, para que se manifestassem novamente, repudiando a anulação das condenações de Lula. Até a noite de ontem, porém, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, preferiu nada comentar, num sinal de que espera um pronunciamento do plenário do Supremo sobre o caso. Azevedo foi assessor na Corte, durante parte do período em que o ministro Dias Toffoli era presidente do tribunal. O ministro mantém interlocução com os magistrados até hoje.

A reação do presidente Jair Bolsonaro à decisão de Fachin foi interpretada por generais como “morna”. Isso, para eles, indica que o chefe do Executivo pode tirar proveito político do caso. O tom de Bolsonaro foi semelhante ao citado nos bastidores por oficiais da ativa.

O presidente afirmou que Fachin “sempre teve forte ligação com o PT” e disse esperar que a Corte restabeleça o que havia sido julgado. “Não pode, em hipótese alguma, um homem só ser senhor desse julgamento", afirmou Bolsonaro.

O general de Exército da reserva Sérgio Etchegoyen disse que as pessoas em geral estão “indignadas” e “chocadas” com a decisão. Ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional no governo Michel Temer, Etchegoyen afirma que não faz julgamentos sobre o mérito do caso, mas questiona a necessidade de haver uma decisão coletiva dos ministros do Supremo.

“Por que essa decisão monocrática que se sobrepõe a dois tribunais colegiados não é um risco à democracia? Ou é um risco para a democracia só quando um general fala?”, afirma Etchegoyen, em referência ao tuíte do ex-comandante do Exército. “Não saberia avaliar a atitude do ministro Fachin, me surpreende somente que seja uma decisão monocrática, que se sobrepõe a dois tribunais, o TRF-4 e o STJ. Conceitualmente, a tese de que Curitiba estava virando juízo universal é antiga e é possível que esteja certa, só acho que um cidadão sozinho anular decisões... É o cara mais poderoso do mundo.”

O ex-ministro do GSI também discorda da possibilidade de novas manifestações das Forças Armadas sobre os processos de Lula. “Agora, para quê? Não faz nenhum sentido. Está encerrado o assunto. O cara foi lá e fez o que queria fazer”, opinou. Ele pondera que, em 2018, o tuíte de Villas Bôas era também um recado à tropa “para evitar que alguém da reserva dissesse alguma bobagem”.

Polarização. Santos Cruz avalia que a sociedade deve afastar de vez os extremistas de esquerda e de direita da vida política. Ele diz que um sinal prévio foi o crescimento de partidos de centro nas eleições municipais do ano passado, mas admite que a decisão de Fachin favorece nova polarização.

“O Brasil não pode mais depender, nem viver, numa guerra de extremistas. Vejo grande entusiasmo de extremistas de uma ponta e da outra. Extremista é tudo igual, o comportamento é semelhante. 

O fanatismo só está atrapalhando o Brasil. Tem que expurgar esses extremistas, que se dizem bolsonaristas, e os lá da ponta esquerda também. O Brasil tem que mostrar para as turmas das duas pontas que está cansado de extremismo. 

Está na hora da parte central da sociedade brasileira se manifestar e dizer que não aceita mais radicalismos de um lado e de outro, mostrar que a grande maioria da gente é equilibrada. A grande parcela da população não quer participar dessa novela sem fim.”

Para Santos Cruz, o País não pode aceitar uma “briga de rua” entre Lula e Bolsonaro. Ele diz que as personalidades de ambos não ajudam o País. 

E elogia Moro, personagem que militares avaliam sair desgastado do episódio. “Está aí Sérgio Moro, gente decente, e outros que são equilibrados e vão parar com esse show diário e não deixar que o Brasil tenha uma eleição transformada em briga de rua digital. É hora do centro. O Brasil precisa de equilíbrio, não de uma eleição de briga de rua”, diz o ex-ministro de Bolsonaro.

Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo, em 09 de março de 2021 

Maria Cristina Pinotti: Sociedade civil deve se unir

Surpresa provocada pela decisão é excelente indicador da fragilidade do aparato legal para lidar com casos de corrupção.

A grande surpresa provocada pela decisão do ministro Fachin de anular todas as condenações referentes a Lula no âmbito da Lava Jato é um excelente indicador da fragilidade do nosso aparato legal para lidar com a corrupção. Depois de anos de trabalho da 13.ª Vara de Curitiba, referendado por instâncias superiores, repentinamente descobre-se uma incompetência. Mais uma filigrana formal a indicar que, no Brasil, o crime de corrupção compensa.

A sensação de impunidade gerada é inevitável, e ocorre quando há, no Congresso, um movimento para abrandar as leis que definem e punem atos de corrupção como nepotismo, caixa dois, ou propõe blindagem dos parlamentares, recuo na transparência da prestação contas dos partidos e na cláusula de barreira, etc.

O que queremos para o Brasil? Permanecer no inglório grupo dos países com baixo crescimento e elevado nível de corrupção ou avançar no processo civilizatório, construindo um país ético e justo? Se este for o caso, e tenho certeza de que esse é o desejo de muitos brasileiros e brasileiras, temos de repensar, corajosamente, as nossas “sólidas instituições”. Não será a confortável ilusão de tudo o que estamos assistindo é natural (e passará com um passe de mágica) que nos livrará dos males que enfrentamos hoje. Afinal, a Venezuela aí está para mostrar como pode ser longa a noite de um recesso democrático.

O mundo nos mostra que corrupção e desenvolvimento econômico caminham juntos, e dependem da qualidade das instituições e da confiança na Justiça. A existência da corrupção evidencia que as instituições não estão cumprindo seu papel de pensar no bem comum, estão capturadas pelos interesses de grupos que se encastelam no poder e o utilizam em benefício próprio. Se reduz, cada vez mais, a qualidade da educação, da saúde, da segurança pública, minando na população a esperança de uma vida melhor. Só a união da sociedade civil será capaz de encontrar o caminho para superar esses tempos sombrios.

Maria Cristina Pinotti, economista, é coautora e organizadora do livro "Corrupção: Operação Mãos Limpas e Lava Jato". Este artigo foi publicado originalmente n'O Estado de São Paulo, edição de 09.03.2021.

'Como fantoches': Judiciário passa a decidir quem concorre ou não à eleição no Brasil, dizem brasilianistas

A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin que, na segunda-feira (08/03), anulou as condenações e indiciamentos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no âmbito da Operação Lava Jato representou, na prática, o início da campanha presidencial de 2022 — um ano e sete meses antes dos brasileiros irem efetivamente às urnas.

Essa é a avaliação de um grupo de brasilianistas — acadêmicos estrangeiros dedicados ao estudo do Brasil — sobre o impacto da medida jurídica no cenário político brasileiro.

Para estudiosos de Brasil, decisão de Fachin define Lula e Bolsonaro como o segundo turno em 2022, e aponta para desgastes na democracia no país. (Crédito foto: Reuters)

Fachin determinou a nulidade das ações justificando a decisão em um aspecto processual: a falta de competência jurídica do então juiz Sérgio Moro, da Justiça Federal de Curitiba, para decidir sobre os casos envolvendo o ex-presidente Lula. Com isso, Fachin sedimentou o caminho para uma disputa polarizada entre os dois maiores líderes em cada campo político no país. À esquerda, Lula. À direita, o atual presidente Jair Bolsonaro.

"Quatro horas atrás eu te diria que havia um 'mercado' de eleitores de centro, centro-direita esperando para ser conquistados por uma terceira via. Agora esse caminho é improvável", afirmou à BBC News Brasil a cientista política Amy Erica Smith, da Iowa State University, no fim da tarde desta segunda.

Para Smith, a canetada de Fachin deve encerrar — ou diminuir muito — as possibilidades de viabilidade eleitoral de candidaturas de centro-direita, como a do governador paulista João Doria Jr. ou a do apresentador Luciano Huck. A tendência é que o eleitorado seja atraído para uma das duas forças, esvaziando o centro.

Mas, na avaliação dos brasilianistas, mais do que determinar os concorrentes da disputa de 2022, a decisão revela importantes aspectos da condução da democracia brasileira nos últimos anos — em que o Judiciário interfere na política como quem manipula fantoches, decidindo quem pode ou não concorrer à eleição presidencial. As sequelas dessas ações, segundo eles, passam por descrédito institucional e enfraquecimento da pauta de combate à corrupção no país.

Barrado antes, liberado agora

Embora tenham hoje um ao outro como principal adversário político a ser batido, o confronto entre Lula e Bolsonaro jamais aconteceu nas urnas. Isso porque em 2018, apesar de líder nas pesquisas eleitorais de intenção de voto, Lula acabou tendo a candidatura barrada pela Lei da Ficha Limpa, após as mesmas condenações de Moro contra ele — agora derrubadas por Fachin — terem sido confirmadas pela segunda instância do Judiciário brasileiro.


Lula e Dilma acenam na varanda da casa do ex-presidente em São Bernardo do Campo (Crédito Instituto Lula)

Com a retirada de Lula da disputa por mecanismos judiciais, Bolsonaro assumiu a dianteira na campanha e venceu a presidência em segundo turno, contra Fernando Haddad (PT), apontado por Lula para substituí-lo.

Agora, a decisão de Fachin restitui a Lula plenos direitos políticos e ele poderá concorrer à presidência se não voltar a ser condenado em segunda instância até o processo eleitoral. A decisão de Fachin não analisa se Lula cometeu atos de corrupção ao supostamente se beneficiar de um apartamento tríplex no Guarujá ou de um sítio em Atibaia bancados em parte por empreiteiras que mantinham contratos fraudulentos com a Petrobras. Ao longo de anos, a Lava Jato sustentou que tais benefícios a Lula fariam parte de pagamentos indiretos dessas empresas pelas injustas vantagens que conseguiam com a petroleira estatal graças à intervenção de políticos, foco principal da Lava Jato de Curitiba.

"Tem havido uma batalha sobre a jurisdição do caso Lava Jato desde 2013 e agora é estranho ver um ministro do Supremo tomar uma decisão com base nessa questão. Como americano e estudioso da América Latina, a ideia de que um único ministro da Suprema Corte possa tomar uma decisão dessa magnitude é esquisito. E contradiz um pouco a história de que as instituições no Brasil se tornaram mais fortes", avalia Brian Winter, editor-chefe da publicação Americas Quarterly, especializada em temas latino-americanos. Winter relembra que a tese de que Moro e seus colegas em Curitiba não seriam os juízes competentes para julgar o caso Lula — o que se chama no direito de juiz natural do caso — foram repetidas pela defesa do ex-presidente e repelidas à exaustão pelo judiciário brasileiro até a tarde desta segunda-feira.

A mudança de postura em relação ao assunto no Supremo acontece na esteira de um processo de anos de desgaste da figura de Moro e dos procuradores da força-tarefa, liderados por Deltan Dallagnol.

Moro foi acusado de parcialidade quando, poucos dias antes do pleito de 2018, liberou a público a delação premiada do ex-ministro dos governos Lula e Dilma Antonio Palocci, em que ele atacava a cúpula petista, sem entregar provas do que dizia. Em seguida, com a vitória de Bolsonaro, Moro abandonou a magistratura para assumir, no começo de 2019, o posto de ministro da Justiça do recém-eleito. Ainda naquele ano, mensagens hackeadas entre o então juiz Moro e os procuradores revelaram que o juiz havia orientado e conduzido a acusação em diversos momentos do processo contra Lula, o que lançou dúvidas sobre a parcialidade do magistrado para julgar o caso que - em última instância - tirou Lula da disputa presidencial.

Considerada por Deltan Dallagnol a "maior especialista em combate à corrupção do mundo", Susan Rose-Ackerman, professora de Direito da Universidade Yale, afirmou à BBC News Brasil que a decisão de Fachin agora foi acertada.

Em 2019, ela assinou uma carta junto a colegas juristas internacionais em que se dizia "estarrecida" pela revelação das mensagens trocadas entre Moro e os procuradores e denunciava a parcialidade na atuação do juiz.

"Muita coisa aconteceu na investigação, Moro era o juiz nos casos (da corrupção na Petrobras), mas o caso do Lula era diferente, não fazia parte de todo o pacote. Por isso acho acertada a decisão de agora, mas certamente há um problema com o tempo. Isso impediu o Lula de ser candidato e permitiu a ascensão de Bolsonaro. Então não sei o que as pessoas pensam agora, mas há, sim, um problema com o fato de essa decisão estar sendo tomada só agora, vários anos após a eleição", diz Rose-Ackerman.

Montanha-russa jurídico política

Para Amy Erica Smith, o fato de que Lula tenha sido barrado antes por decisões judiciais e agora readmitido às urnas também pelas mãos de juízes, em decisões díspares sobre os mesmos fatos, é um dado preocupante para a democracia brasileira.

"Há uma montanha-russa de judicialização da política no Brasil. A Lava Jato e tudo isso que aconteceu nos últimos anos dão a impressão de que os juízes têm a palavra final sobre o que acontece na democracia brasileira. E as decisões dos juízes são realmente muito arbitrárias, politizadas, e muito longe de serem imparciais", afirma Smith.

Segundo ela, a Lei da Ficha Limpa, que barrou condenados em segunda instância de se candidatarem, seria uma regra bastante razoável para melhorar a qualidade dos candidatos, desde que os devidos processos legais fossem seguidos pelos investigadores e pela justiça. Há, no entanto, no caso de Lula, de acordo com Smith, evidências de que ela acabou usada para retirar uma força política do jogo.

"A democracia brasileira se reduziu a uma espécie de procedimento institucional para determinar quem pode concorrer e quem não pode concorrer, quais opções permitiremos ou não. Parece ter havido um esforço concertado no período de 2015 a 2018 para manter certos líderes do PT, basicamente Dilma e Lula, longe da possibilidade de disputar cargos ou ocupar cargos. Essa politização da Lava Jato em Curitiba e do Supremo levaram a essa situação em que os juízes atuam como 'master puppeteers' (bonequeiros que manipulam fantoches) preparando o palco para o que é permitido acontecer dentro da política brasileira", diz Smith.

Nos últimos anos, o Judiciário tomou decisões nas quais questiona-se extrapolação sobre outros poderes, como quando barrou a indicação de ministros do Executivo ou determinou prisão de parlamentares.

O historiador James Green, da Brown University, acredita que Lula ainda estará sujeito a reviravoltas orquestradas pelo Judiciário. Green avalia que a condenação de Lula foi um "ato político", resultado de um "processo judicial contaminado". Para ele, a decisão de Fachin agora procura preservar o conjunto de provas amealhado pela Lava Jato ao tirar da ordem do dia o julgamento da possível suspeição de Moro, que colocava sob ameaça todo o legado da operação por efeito cascata.

Por isso mesmo, a condição elegível de Lula poderia ser temporária já que, em tese, ele poderia voltar a ser julgado com o mesmo conjunto probatório. "Fachin deve ter conseguido um certo acordo, um entendimento entre os outros membros do STF sobre essa como uma saída mais viável. E eu acho que vai ser muito difícil começarem os processos da primeira instância de novo, mas pode ser, podem condenar Lula de novo para que ele não seja candidato", diz Green.

A morte do combate à corrupção?

"Ideia de que um único ministro da Suprema Corte possa tomar uma decisão dessa magnitude é esquisito. E contradiz um pouco a história de que as instituições no Brasil se tornaram mais fortes", avalia Brian Winter. (Foto crédito: Américas Society).

O cenário de atuação política do Judiciário parece apontar para um descrédito na atuação de forças no combate à corrupção no Brasil. Os brasilianistas reconhecem a corrupção como um problema histórico nacional e afirmam ser impossível determinar qual será o futuro do combate aos crimes contra o bem público após os desdobramentos dos últimos anos com a Lava Jato.

Apesar das críticas feitas por Rose-Ackerman no caso Lula, ela afirma esperar que isso não invalide o restante da investigação, que demonstrou ser robusta em apontar desvios na gestão da Petrobras.

"Seria realmente lamentável se isso minasse todos os outros processos em que há uma evidência muito boa e clara de que as pessoas se comportaram de forma corrupta. Essa é a preocupação, de que a derrubada do caso Lula possa, de alguma forma, prejudicar toda a empreitada anticorrupção", afirmou a professora de Yale.

Para Winter, a decisão de Fachin hoje expõe o quão ferida a causa do combate à corrupção está ao derrubar as mais importantes decisões tomadas na operação. Segundo ele, "os abusos" cometidos por Moro e os procuradores representaram um "grande retrocesso na busca pelo fim da impunidade" não só no Brasil, mas em toda a região da América Latina onde a Lava Jato foi tomada como modelo de investigação e punição de empreiteiras e políticos. Ele, no entanto, afirma que a Lava Jato não pode ser reduzida a seus erros.

"É importante resistir ao desejo de reescrever a história e retratar as revelações da Lava Jato, como nada mais que um sonho febril, uma vasta conspiração inventada pelos procuradores e Sergio Moro com o único objetivo de condenar Lula e desqualificá-lo para a eleição de 2018", diz Winter.

Mariana Sanches, de Washington, DC, para a BBC News Brasil, em 09.03.21

segunda-feira, 8 de março de 2021

Luciano Huck sobre Lula elegível em 2022: "Figurinha repetida não completa álbum"


O apresentador Luciano Huck, que se perfila como candidato à presidência da República em 2022, também se manifestou sobre a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin de anular os processos do ex-presidente Lula e torná-lo elegível nas próximas disputas: 

"É respeitar a decisão do STF e refletir com equilíbrio sobre o momento e o que vem pela frente. Mas uma coisa é fato: figurinha repetida não completa álbum", escreveu Huck no Twitter.

O apresentador pontuou que "no Brasil, o futuro é duvidoso e o passado é incerto", mas que, "na democracia, a Corte Suprema tem a última palavra na Justiça". 

Publicado originalmente por EL PAÍS, em 08.03.2021

Qual a possibilidade de o STF reverter decisão que anula todas as condenações de Lula?

Conforme a decisão de Fachin, 13ª Vara de Curitiba poderia julgar apenas casos da Lava Jato ligados diretamente à Petrobras - o que não é o caso das acusações contra Lula

Ministro Edson Fachin (Crédito da foto: EPA)

A decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin que tem como consequência a anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos processos da operação Lava Jato dificilmente será revertida, segundo juristas ouvidos pela BBC News Brasil.

Em decisão monocrática nesta segunda (8/3), Fachin reconheceu que a 13ª Vara de Curitiba não tem competência para julgar os casos da Lava Jato envolvendo o ex-presidente Lula porque os atos julgados não aconteceram no Paraná. À época, Lula era presidente e estava em Brasília, portanto, a competência para julgar o caso seria do Distrito Federal.

Segundo a decisão, a 13ª Vara de Curitiba poderia julgar apenas casos da Lava Jato que envolvessem desvio de dinheiro da Petrobras — o que não é o caso das acusações contra Lula. Ou seja, Fachin não julgou o mérito do caso — se Lula seria ou não inocente —, apenas tomou uma decisão técnica determinando que na verdade o julgamento deveria ter acontecido em outro local, explica Gustavo Badaró, professor de direito processual da USP.

As condenações contra Lula até agora, portanto, foram anuladas e o processo contra ele vai para julgamento em Brasília e volta praticamente à estaca zero.

A decisão de Fachin, tomada após pedido da defesa de Lula, não é liminar (temporária) e não precisa ser confirmada pelo plenário do STF, explica o criminalista Davi Tangerino, professor de direito da FGV-SP.

Mas ainda há possibilidade de recurso, que pode ser pedido pela Procuradoria Geral da República (PGR) na forma de um chamado agravo regimental. Segundo o jornal Folha de S. Paulo, assessores do Procurador-Geral, Augusto Aras, confirmaram que ele deve entrar com o recurso.

Caso Aras entre de fato com o agravo, a 2ª Turma do STF decidirá se concede ou não o recurso, ou seja, se reverte ou não a decisão de Fachin.

Lula prestes a entrar no carro, com uma multidão em volta e ao lado da namorada Rosangela da Silva (Crédito da foto: AFP).

Reversão improvável

Segundo Tangerino, embora possível, uma reversão da decisão é improvável, porque, com ela, Fachin confirma uma postura que tem sido tomada há bastante tempo pelo STF de restringir a competência de Curitiba nos casos da Lava Jato.

"Pelo Código de Processo Penal, o principal critério de competência é o local dos fatos. Mas há uma lei subsidiária que cria a possibilidade de casos em que haja conexão sejam julgados em outros lugares. Na Lava Jato, um processo foi puxando outro e outro e os casos acabaram ficando muito distantes daquele processo original em Curitiba", explica Tangerino.

Na análise de Tangerino, com base na lei e jurisprudência do STF, a decisão de que a competência para julgar o caso de Lula é do Distrito Federal "já deveria ter sido tomada há bastante tempo". Tanto o então juiz Sergio Moro quanto o TRF-4 (que julgou o caso em segunda instância) e o STJ poderiam ter enviado o processo para Brasília.

Por enquanto, com a decisão de Fachin, todas as condenações de Lula estão anuladas e ele volta a ser elegível

Com a declaração de incompetência, explica o professor de direito da USP Gustavo Badaró, o processo envolvendo Lula volta ao início e vai para julgamento em Brasília. As provas produzidas no processo podem, em tese, ser reaproveitadas pelo novo juiz que pegar o caso.

Tangerino explica que é improvável que a 2º Turma do STF reverta a decisão não só pela questão da jurisprudência, mas pela composição da turma. A 2ª turma é composta por Edson Fachin, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Carmen Lúcia e Nunes Marques.

Fachin já deixou clara sua posição. Gilmar Mendes e Lewandowski historicamente também têm a opinião de que a competência deve ser mais restrita.

Por enquanto, com a decisão de Fachin, todas as condenações de Lula estão anuladas e ele volta a ser elegível.

Leticia Mori, da BBC News Brasil em São Paulo, em 8.03.21

Desvalorização do real no ano supera até a da moeda de Mianmar, que vive golpe de Estado

Situação fiscal complicada do Brasil, os juros muito baixos e a ingerência de Bolsonaro na Petrobrás estão por trás da forte piora

A disparada do dólar no Brasil fez o real ter um dos piores desempenhos no mundo este ano, superando até a divisa de Mianmar, país que passou por um golpe de Estado neste começo de 2021, mostram números de quase 150 ativos monitorados pela gestora Armor Capital. Só duas moedas têm números piores que o real em 2021: a de Cuba e a da Líbia, mas foram reflexos de decisões de desvalorização deliberadas de seus próprios governos. Por isso, o dinar líbio cai 70% ante o dólar em 2021 e o peso cubano recua 95%, após o primeiro movimento do tipo na moeda do país do Caribe desde a revolução nos anos de 1950.

A situação fiscal complicada do Brasil, os juros muito baixos, com taxas reais negativas, e o episódio de ingerência de Jair Bolsonaro na Petrobrás estão por trás da forte piora do dólar no mercado doméstico este ano, de acordo com economistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast.

('Efeito Bolsonaro' nos mercados faz risco país disparar e pressiona dólar)

Para tentar segurar as cotações do câmbio, o Banco Central tem feito uma série de intervenções no mercado desde o episódio da Petrobrás. Só na semana passada, foram injetados US$ 4 bilhões, entre venda de moeda e leilões de swap. 

No ano, já foram US$ 10,2 bilhões, metade de dólar à vista e a outra metade de swap cambial - que é uma espécie de venda da moeda americana no mercado futuro. Mesmo assim, o dólar acumula alta de cerca de 10% ante o real no ano até a última sexta-feira.

Para a economista-chefe da Armor Capital, Andrea Damico, além do cenário externo não estar mais tão favorável para países emergentes nos últimos dias, em especial os mais frágeis, os problemas locais continuam pesando sobre os ativos domésticos. A piora significativa da pandemia e a discussão de retirada do Bolsa Família do teto de gastos elevaram o risco fiscal percebido pelos participantes do mercado, tornando inócua as várias intervenções do Banco Central no câmbio.

No final, o Senado aprovou a PEC emergencial mantendo os gastos do programa no teto, porém, a economista observa que o risco fiscal percebido pelos investidores deverá ainda seguir elevado, tendo em vista o caráter mais populista das últimas decisões de Bolsonaro.

"O real vem tendo depreciação significativa", avalia a analista de moedas e emergentes do banco alemão Commerzbank, You-Na Park-Heger. A decisão de Bolsonaro de substituir o presidente da Petrobrás é vista como populista e cresce o temor de mais medidas do tipo, ressalta a analista. Além disso, há um crescente ceticismo sobre a resolução da situação fiscal do Brasil. Por isso, a moeda brasileira vai seguir sob pressão.

Questões internas deram força ao dólar ante o real  Foto: Paul Yeung

A ingerência na Petrobrás, ao provocar nervosismo no mercado e fazer o dólar disparar, só contribuiu para pressionar ainda mais a inflação, destaca o economista-chefe nos Estados Unidos da Frente Corretora de Câmbio, Fabrizio Velloni. "Foi um tiro de canhão no próprio pé. O que reduziu de imposto no combustível, aumentou no dólar e o barril de petróleo ainda subiu", ressalta ele. "O câmbio pressiona muito nossa inflação, ainda mais com o aumento do petróleo."

Para Velloni, já passou da hora de o BC subir os juros, pois com as taxas muito baixas e perspectivas econômicas fracas, o risco para o estrangeiro investir no Brasil não compensa. "A confiança no Brasil pelo investidor estrangeiro é hoje muito baixa." Para o economista, faz mais sentido investir no México, onde o juro é mais alto, a economia é mais sólida e o risco é menor. "Nosso risco versus retorno ficou péssimo para o investidor internacional."

Descolado

"O real ficou completamente descolado de outras moedas emergentes", afirma a economista-chefe da Tendências Consultoria, Alessandra Ribeiro. "O grosso dessa história é o fiscal. Essa percepção de que o Brasil não vai dar conta da situação e garantir a sustentabilidade das contas públicas", disse ela em live da Genial Investimentos, citando ainda o diferencial de juros, que se reduziu muito nos últimos meses e deixa o país menos atrativo para o investidor estrangeiro. A taxa real, quando se desconta a inflação, está ao redor de -2,5%, nível da Suíça.

"Estamos vendo o câmbio em outro patamar, o Banco Central tentando brigar, colocando dinheiro no mercado, e claro, é super difícil. Os fatores que estão por trás o BC não consegue mudar", disse Alessandra Ribeiro. "O quadro pandêmico está pior do que se imaginava e as dúvidas em relação ao quadro fiscal estão muito fortes."

O sócio-diretor da Galapagos WM, Arnaldo Curvello, ressalta que o desempenho do real é ainda pior quando se leva em conta que os chamados termos de troca do Brasil estão melhorando - preços das commodities estão em alta no exterior e a conta corrente do balanço de pagamentos está saudável. "Normalmente quando as commodities sobem, o câmbio ajuda a inflação, mas agora não está ajudando." Ao contrário, o dólar valorizado tem pressionando ainda mais os preços

Em um ambiente de muita incerteza doméstica, em meio a sinais de ingerência em estatais, ajuste fiscal incerto e pandemia piorando, Curvello avalia que o Brasil perdeu a prioridade para investidores estrangeiros. "O que faria um investidor estrangeiro investir hoje no Brasil? Atuamos mal na pandemia, a vacinação está atrasada, a política de ESG [sigla para sustentabilidade, governança e ambiente] está atrasada, temos um governo conflituoso."

Altamiro Silva Junior, O Estado de São Paulo, em 08 de março de 2021 

Dólar fecha a R$5,80 após decisão de Fachin sobre Lula

Assim, Lula ficaria elegível para a eleição presidencial de 2022

No fim de semana, a imprensa publicou levantamento do Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec) segundo o qual Lula teria mais potencial de voto do que  Jair Bolsonaro

O real tem o segundo pior desempenho global na sessão com as perdas lideradas pela lira turca (-2,7%)

(Reuters) – O dólar fechou no maior patamar desde maio e a pouco mais de 2 centavos de 5,80 reais, com o mercado estressando no meio da tarde e deflagrando forte movimento de compra de moeda depois de o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), anular todas as condenações impostas ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela 13ª Vara Federal de Curitiba no âmbito da operação Lava Jato.

Assim, Lula ficaria elegível para a eleição presidencial de 2022. A decisão de Fachin deverá ser posteriormente avaliada pelo plenário do STF.

O Ibovespa chegou a recuar mais de 3% na tarde desta segunda-feira, ficando momentaneamente abaixo de 112 mil pontos, após a decisão do ministro do STF.

Às 16:39, o Ibovespa caía 2,39 %, a 112.450,58 pontos. Na mínima, o Ibovespa chegou a 111.257,67 pontos (-3,4%). O volume financeiro somava 32,7 bilhões de reais.

Antes, às 15h56, o dólar à vista saltava 1,73%, a 5,7825 reais na venda. Na máxima, foi a 5,7865 reais, alta de 1,80%.

Publicado originariamente por E-INVESTIDOR einvestidor@estadao.com, em 08/03/2021

General diz que Bolsonaro está 'deslumbrado com o poder' e precisa 'baixar a bola'

Em entrevista, general diz que o 'negacionismo' do governo em relação à pandemia agravou a situação e que é preciso 'uma dose de humildade muito grande' para reconhecer o erro

Entrevista com Paulo Chagas, general da reserva:

Candidato bolsonarista ao governo do Distrito Federal pelo PRP em 2018, o general da reserva Paulo Chagas foi apoiador de primeira hora do presidente Jair Bolsonaro, mas hoje considera o ex-aliado um deslumbrado com o poder. "O caminho correto seria o presidente baixar a bola e entender qual é a missão dele", disse o militar em entrevista ao Estadão/Broadcast. 

Para Chagas, ministros deveriam conversar com Bolsonaro na busca de arrefecer os ânimos a fim de evitar um eventual impeachment. Segundo ele, se ficar “cada um caladinho, cuidando do seu quadradinho”, o governo será paralisado.

General de brigada Paulo Chagas foi alvo de uma busca e apreensão determinada pelo Supremo Tribunal Federal Foto: Dida Sampaio/Estadão

O general diz ainda que o “negacionismo” do governo em relação à pandemia agravou a situação e que é preciso "uma dose de humildade muito grande" para reconhecer o erro. "É um absurdo que o presidente venha ‘mimimizar’ um problema como esse", disse.

Em postagem no Twitter, no fim de semana, Chagas rebate quem o critica por se voltar contra o presidente e relata ter perdido seguidores por isso. "Há quem diga que não devo criticar o presidente Bolsonaro porque não temos outro capaz de liderar a direita. Ora, se entre 200 milhões de brasileiros só encontramos um narcisista deslumbrado, trapalhão e que não cumpre o q promete para nos liderar, é porque a direita não está preparada para mudar o Brasil!", postou ele no sábado.

Na entrevista, ele vai além e diz sempre ter sido contra uma espécie de glorificação da figura do presidente, pois ele "não é milagreiro", e afirmou que o uso da palavra "mito" para defini-lo pode carregar outro significado. "Mito pode também ser chamado de mentira, de ilusão."

O sr. apoiou o presidente Jair Bolsonaro, foi o candidato dele ao governo do Distrito Federal. Mas desde o primeiro ano do governo adotou uma postura mais crítica. O que mudou?

O que mudou foi o próprio presidente. Ou não mudou. Durante a campanha eu defendi a pessoa, até a maneira de ele ser, se comportar, as atitudes mais intempestivas. Dizia que fazia parte da imagem dele, mas como deputado. Quando for presidente vai mudar, tudo que falar vai repercutir, as coisas têm que tomar o rumo da harmonia, da União, não da divisão. Mas ninguém na volta dele conseguiu convencer. Ele assumiu, e alguém soprou no ouvido dele que não precisava mudar. Se eu estivesse fazendo parte do governo, eu diria isso para ele, mas nunca fiz parte nem nunca pedi para fazer. À medida que as coisas foram perdendo o rumo, e a própria personalidade do presidente foi tomando conta dele, aí começou a crítica. Se você começa de uma forma mais sutil e não surte efeito, vai aumentando até chegar uma hora em que você perde a censura. Acho que é a fase em que estou entrando agora (risos).

O sr. escreveu no último sábado que Bolsonaro é um “narcisista deslumbrado” e um “trapalhão que não cumpre o que promete”. O que credencia o presidente a esses títulos?

Deslumbrado com o poder, não tenho dúvida de que ele está, em que pese não ser só ele. Vemos os ministros da Suprema Corte também exacerbando o poder que têm, e o próprio Congresso. Os poderes estão se imbricando, um engole um pedacinho do outro. Está faltando harmonização. Mas quando falo do narcisista deslumbrado é porque ele, tanto quanto outros, está deslumbrado com o poder que tem, com a popularidade que tem e nunca teve. É um deslumbramento que faz com que ele se comporte pensando que é mais do que é na verdade. Veja esse negócio da rachadinha (investigação que tem como um dos alvos o senador Flavio Bolsonaro, filho do presidente). Fica bem claro que está querendo esconder. O que falta é humildade. O ser humano é falho, se tivesse desde o início falado desse negócio e deixado que a Justiça tomasse conta. Não, fica tentando negar uma coisa que é evidente. É só uma questão de tempo para provar, e ele colocando obstáculos na comprovação disso vai prejudicá-lo muito mais. Tudo que ele falou vai por água abaixo quando a polícia chegar à conclusão.

O caso da rachadinha teve um revés no STJ recentemente. O sr. acha que mesmo assim, quem eventualmente for culpado ou não, isso virá à tona?

Mais cedo ou mais tarde. O empenho é que seja mais tarde, mas não tenho dúvida que isso vai aparecer. Mesmo sendo o mais bolsonarista dos bolsonaristas, você não pode admitir um crime para beneficiar quem quer que seja. É imoral.

O sr. falou que há uma exacerbação não só do presidente, mas também do outro lado da Praça dos Três Poderes. De quem deveria ser o primeiro passo no sentido de acalmar os ânimos?

Olha, agora vai ser difícil. Quem tem que dar uma palavra nisso é o próprio povo, começar pressionando o Congresso a tomar uma atitude na direção correta. Em princípio, para mim, (em relação a) os ministros da Suprema Corte.  Se colocar para funcionar aquela CPI da Lava Toga, naturalmente cada um vai subir para o seu galho. Quem tem que fazer isso é o Senado. E quem tem que pressionar para isso? O povo. Ah, mas aí a Suprema Corte também põe pressão no Senado...  Se tiver que botar meia dúzia, uma dúzia ou metade do Senado na cadeia, põe. Mas o caminho é esse. Eu fui incluído nesse inquérito do fim do mundo, do Alexandre de Moraes e do (Dias) Toffoli (Chagas é um dos investigados no inquérito das fake news). Numa postagem, eu falei, no sentido de um conselho, que se não tivesse uma revisão da maneira de proceder, eles iam acabar tendo que ser chamados a um tribunal de exceção. Um tribunal de exceção é um tribunal ad hoc (para o ato), que é o Senado. É o tribunal constitucional para julgar esse caso.

Em relação à exacerbação no Executivo, chegou-se a falar de impeachment. Seria o momento?

Se para cada problema a gente ficar com esse negócio de impeachment, o Brasil não sai do lugar. Já tivemos dois impeachments em curto espaço de tempo. Temos de serenar, amadurecer. O caminho correto seria o presidente baixar a bola e entender qual é a missão dele. Alguém que tivesse influência real sobre ele chegar e dizer: "Olha, a partir de agora, tem que fazer assim". (Bolsonaro) Tem uma compulsão a dizer impropérios. Fica sempre instigando, não para nunca a briga. Alguém tem que ter humildade para parar essa briga. Não vejo o impeachment como uma boa solução, porque vamos ter que parar o Brasil. Mas, dependendo do rumo que as coisas tomarem, é uma solução também. Não vejo como a melhor.

Quem poderia ser a pessoa para dizer ao presidente que o caminho correto é baixar a bola?

Dentro do Palácio, tem duas assessorias: uma racional e outra fanática e irracional. O chamado "gabinete do ódio" ele não pode ouvir, vão dizer "fecha tudo". Há a ilusão de que os militares vão apoiar um golpe, é uma ilusão. O presidente inclusive procura passar essa imagem, de que os militares estão do lado dele. Sim, estão do lado dele tanto quanto estiveram do lado da Dilma (Rousseff), do Lula e de todos os presidentes. A outra, que é a assessoria racional, são os ministros competentes que ele tem. (O que deveria ser feito é) Reúne os ministérios e fala com o presidente. Ora, (se ficar) cada um caladinho, cuidando do seu quadradinho, vai chegar uma hora em que o governo vai parar porque vai acontecer esse impeachment, que é a pior coisa que pode acontecer, mas pode acontecer. Para segurar, (tem que) dizer "vamos abaixar a bola, vamos contornar, reunir, conversar". Tem que ter pessoas de bom senso, e vejo dentro do governo ministros de altíssimo nível. Eu tiro desse time de craques o nosso ministro das Relações Exteriores. É um sujeito desequilibrado.

Qual é sua avaliação sobre o desempenho do governo na gestão da crise do novo coronavírus, inclusive na compra de vacinas?

O erro começou logo no começo, o presidente não quis assumir a coordenação nacional da crise, traçar um plano e seguir esse planejamento. O presidente negou, (adotou) o negacionismo, "é uma gripezinha", deixou passar, as coisas foram se agravando. Os prefeitos e governadores foram sendo cobrados, vendo as pessoas ficarem doentes, morrendo. Cada um tomou um rumo. Agora, a gente vê uma tentativa para assumir o controle, mas a impressão que tenho é que é tarde. Ele precisa de uma dose de humildade muito grande para admitir que se equivocou, que deveria ter feito e não fez. Estamos vendo hoje de que fato era grave, jamais foi uma gripezinha. Eu acho o fim da picada, no século XXI, a gente ainda achar que existem pessoas que são enviadas de Deus e são tratadas como mito. Mito pode também ser chamado de mentira, de ilusão. Desde o início me manifestei contra, o presidente não devia estimular isso, porque é um presidente, não um milagreiro.

O sr. acha que vacinação contra covid-19 precisa ser obrigatória?

O que tem que ser feito é uma campanha, como eu vi na Globo, "vacina sim". As pessoas têm que entender que, se você está vacinado, não está transmitindo o vírus para ninguém. Agora, não pode ser obrigado. Eu julgo que todos deveriam se vacinar, mas não pode obrigar. O governo tem que estimular as pessoas, mostrar por que todos devem se vacinar.

No dia em que o País bateu recorde no número de óbitos, o presidente criticou as medidas restritivas e disse “chega de frescura, de mimimi”. O que o sr. acha dessa declaração?

Acho um absurdo. Um absurdo que o presidente venha ‘mimimizar’ um problema como esse, que está mais do que caracterizado no mundo inteiro que é gravíssimo. Ele chega e diz que não é nada, "é mimimi, vamos acabar com a frescura". Não é esse o papel dele, ele não tem que ter posição radical. Tem que ter uma posição conciliadora, uma posição científica, ouvir as pessoas que sabem, cientistas, médicos. Esse é um problema de saúde, não é um problema político, nem um problema econômico.

A questão que o presidente coloca, de ter que conciliar saúde com economia, é um falso dilema?

Não é um falso dilema. É isso mesmo tem que acontecer. Mas primeiro tem que resolver o problema da saúde. Estruturar o País para a pior hipótese. Para isso tem os médicos, os cientistas, os infectologistas, pessoas que entendem disso. Logicamente tem que ter um momento de "lockdown". E em todos os momentos (precisamos da) comunicação social para que todos saibam o perigo que estão correndo. (É preciso) Haver uma palavra só sobre isso, e não várias. Depois que a parte da saúde estiver sendo controlada, vai abrindo a parte da economia.

O presidente é muito crítico a essas medidas restritivas.

É uma crítica que ele tira intuitivamente não sei de onde. Não podemos ser governados por intuição, temos que ser governados racionalmente.

O ministro Eduardo Pazuello está sendo investigado por causa da crise do oxigênio em Manaus. O sr. acredita que ele foi omisso?

Não acredito que ele tenha sido omisso nesse caso. Acho que ele disse "olha, mandei o dinheiro para lá, eles têm o planejamento, se a imprensa está dizendo que vai faltar é lógico que o povo de lá está sabendo disso, ainda tem uma recomendação da Suprema Corte de que nós não temos que interferir no que eles estão fazendo, então vamos ficar esperando". Ele apostou no bom senso, na inteligência, na responsabilidade do governador. E no final não houve, e deu no que deu. Mas não chamo de omissão.

O próprio STF esclareceu que a decisão não foi no sentido de o governo federal não poder agir, mas de dar autonomia para que Estados e municípios pudessem agir sem o governo federal. Nesse sentido, o ministro Pazuello poderia ter agido mais cedo?

Sim, poderia. Ele tinha todos os dados para agir mais cedo. Mas aí entra uma decisão: vou agir mais cedo ou vou deixar por conta deles? Já tinha um responsável. Agora, no momento em que houve o problema, se criou a crise, o governo federal agiu, o Ministério da Saúde colocou a FAB para levar oxigênio.

Há desconforto dos militares com a permanência do general Eduardo Pazuello como ministro estando na ativa?

Há sim. Ainda mais o Pazuello, que está no final da carreira, já atingiu o último posto. Era natural que ele, ao ser ministro, que é muito mais do que general de divisão, passasse para a reserva, como fez o Ramos (Luiz Eduardo Ramos, ministro-chefe da Secretaria de Governo). É um desconforto porque isso está ligado àquela tentativa do presidente de associar Forças Armadas ao governo dele, como se ele tivesse apoiado institucionalmente. As Forças Armadas, como instituição, fazem o que está na Constituição.

A tentativa do presidente de atrelar seu governo às Forças Armadas traz desgaste?

Sim, para a imagem das Forças Armadas perante a sociedade. Se der certo, vira herói, se der errado, vira bandido. Nós não temos nada a ver com isso.  Mas até você explicar que jacaré não é cobra, quanto tempo demora?

O sr. escreveu em novembro que o governo tem pouco tempo para recuperar o espaço perdido com “chorumelas e filhotismos”. O senador Flavio Bolsonaro acaba de adquirir uma mansão de R$ 6 milhões, com um empréstimo em condições mais favoráveis que as de mercado. Esse episódio é exemplo disso que o sr. comentou?

Isso é um tiro no pé, uma bobagem sem tamanho. Ele podia comprar essa mansão depois. No meio dessa poeira, desse fogaréu, ele vai lá e compra uma mansão que a gente vai, faz a conta e não cabe no orçamento dele. É lógico que, se ele pagou, tinha dinheiro para pagar. Agora, vai ter que provar que não teve nenhuma falcatrua. Tomara que prove, né?

O sr. também criticou o que classificou de “populismos raivosos e demagógicos”. Qual seria um exemplo?

Você está vendo exemplo todos os dias. O presidente vive disso, ele continua sendo deputado. Como deputado, era cheio de impropérios, tinha um milhão e meio de pessoas no Rio de Janeiro que queriam ouvir isso dele. Essas pessoas continuam aplaudindo, mais outros tantos desses 57 milhões que votaram nele. No meu entendimento, esse número já diminuiu. Já diminuiu pelo menos o de um, porque eu não voto mais.

O sr. incluiria a questão do preço diesel nesse populismo demagógico?

Sim. Ele intempestivamente está dizendo coisas que como presidente não poderia dizer, porque tem repercussão nacional e internacional. No momento em que ele disse que era contra (o aumento), que ia intervir na Petrobras, as ações começaram a cair. Tem que saber o que dizer, tem que saber quando não dizer, e ele não sabe. Mas isso aí agrada muita gente, né? Ele só não sabe que não agrada aos 57 (milhões), é bem menos. Ele se prejudica.

Até que ponto o apoio de Bolsonaro à agenda liberal não foi só uma fantasia?

O apoio dele não foi uma fantasia. Ele apoiou aquilo que ele estava entendendo que era. Ele nunca soube direito o que era liberalismo. Está aprendendo agora, aos poucos, e aprende só o que ele quer, porque está mais preocupado com a reeleição, e no liberalismo não tem populismo.

Em 2022, o sr. disse que seu voto Bolsonaro não terá. Da mesma maneira, o apoio de outros integrantes das Forças Armadas definhou?

Politicamente, eleitoralmente, o presidente se desgastou e perdeu a confiança de muita gente, incluindo militares. Tenho sido criticado por companheiros, acham que não devo criticar o presidente porque só temos ele. Mas não é possível que, em 200 milhões de brasileiros, só tem um que seja capaz de liderar e representar a direita liberal e conservadora, ainda mais um que está provado que não sabe bem o que é liberalismo, o que é conservadorismo. Se fizer pesquisa nos posicionamentos do deputado Jair Bolsonaro, tem um lado mais socialista na economia do que liberal. Ele é ideologicamente de direita, contra a esquerda, mas na área da economia é estatizante.

O presidente disse recentemente que, se tudo dependesse dele, o País não viveria sob o regime que vive hoje e que, apesar de tudo, ele representa a democracia no Brasil. O sr. vê risco de uma guinada antidemocrática?

Não. Qualquer guinada antidemocrática precisa de Força Armada, e as Forças Armadas não vão apoiar nenhuma aventura não democrática. Para que haja uma intervenção, vai ser no sentido como disse o general (Eduardo) Villas Bôas algumas vezes, o (vice-presidente Hamilton) Mourão falou, de um processo de anomia. Uma circunstância em que você não sabe mais quem está mandando, uma "degringolação" total da lei e da ordem, da harmonia dentro do País. Então alguém tem que botar ordem. Quem? Quem tem a força. Mas isso não vai mudar o regime, é um freio de arrumação.

O Brasil se aproxima dessa necessidade de um freio de arrumação?

Não. Começamos nossa conversa falando que vivemos um momento em que os limites não estão sendo respeitados pelos próprios poderes. Vemos que o STF está saindo dos limites dele. A exacerbação disso vai dar no entrechoque dos poderes, e está escrito na Constituição que eles têm que ser independentes e harmônicos. No momento que um mete a mão (no outro), estamos caminhando para um processo desse tipo, mas eu não acredito que o bom senso não prevaleça. Tudo tem limite, então de repente vamos parar, pensar. Eu não acredito que falte inteligência para as pessoas. Pode faltar honestidade, mas não inteligência.

Idiana Tomazelli, O Estado de São Paulo, em 08 de março de 2021 

Fachin anula todas as condenações de Lula na Lava Jato e torna ex-presidente elegível

Relator da Operação no Supremo incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para o processo e julgamento de quatro ações contra o petista e determinou a remessa dos autos dos processos à Justiça Federal do Distrito Federal, que vai decidir 'acerca da possibilidade da convalidação dos atos instrutórios.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante entrevista na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Foto: Ricardo Stuckert (26/04/2019)

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, declarou a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para o processo e julgamento das quatro ações da Operação Lava Jato contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – triplex do Guarujá, sítio de Atibaia e sede do Instituto Lula e doações da Odebrecht – , anulando todas as decisões daquele juízo nos respectivos casos, desde o recebimento das denúncias até as condenações, o que torna o petista elegível.

O relator da operação no Supremo determinou a remessa dos autos dos processos à Justiça Federal do Distrito Federal, que vai decidir ‘acerca da possibilidade da convalidação dos atos instrutórios’. Em razão do entendimento, o ministro ainda declarou a perda de objeto de dez habeas corpus e quatro reclamações apresentadas à corte pela defesa do petista.

Em decisão de 46 páginas, o ministro Edson Fachin apontou que, na ação penal do tríplex, o único ponto de ‘intersecção entre os fatos narrados’ na denúncia contra Lula e a competência de Curitiba foi o pertencimento do grupo OAS ao cartel de empreiteiras que atuava de forma ilícita nas contratações da Petrobrás.

“Não cuida a exordial acusatória de atribuir ao paciente uma relação de causa e efeito entre a sua atuação como Presidente da República e determinada contratação realizada pelo Grupo OAS com a Petrobras S/A, em decorrência da qual se tenha acertado o pagamento da vantagem indevida”, anotou Fachin.

Ao estender a decisão para as outras três ações penais – sítio de Atibaia, terreno do Instituto Lula e doações da Odebrecht – o ministro afirmou que existem as mesmas problemáticas.

“Em todos os casos, as denúncias foram estruturadas da mesma forma daquela ofertada nos autos da Ação Penal n. 5046512-94.2016.4.04.7000/PR, ou seja, atribuindo-lhe o papel de figura central do grupo criminoso organizado, com ampla atuação nos diversos órgãos pelos quais se espalharam a prática de ilicitudes, sendo a Petrobras S/A apenas um deles”, registrou o ministro.

Em nota divulgada junto da decisão, Fachin ainda destacou que nas ações penais envolvendo Lula, assim como em outros processos julgados pelo Plenário e pela Segunda Turma, ‘verificou-se que os supostos atos ilícitos não envolviam diretamente apenas a Petrobras, mas, ainda outros órgãos da administração pública. Nessa linha, o ministro frisou que ‘especificamente em relação a outros agentes políticos que o Ministério Público acusou de adotar um modus operandi semelhante ao que teria sido adotado pelo ex-presidente, a Segunda Turma tem deslocado o feito para a Justiça Federal do Distrito Federal’.

“As regras de competência, ao concretizarem o princípio do juiz natural, servem para garantir a imparcialidade da atuação jurisdicional: respostas análogas a casos análogos. Com as recentes decisões proferidas no âmbito do Supremo Tribunal Federal, não há como sustentar que apenas o caso do ora paciente deva ter a jurisdição prestada pela 13ª Vara

Federal de Curitiba. No contexto da macrocorrupção política, tão importante quanto ser imparcial é ser apartidário”, registrou o ministro em sua decisão.

A decisão monocrática divulgada pelo gabinete do ministro do STF diz ainda que a questão da competência já havia sido suscitada pela defesa de Lula em outros momentos, mas que é a ‘primeira vez que o argumento reúne condições processuais de ser examinado, diante do aprofundamento e aperfeiçoamento da matéria pelo Supremo Tribunal Federal.

Conclui assim:

5. Dispositivo.

Ante o exposto, com fundamento no art. 192, caput, do RISTF e no art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal, concedo a ordem de habeas corpus para declarar a incompetência da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba para o processo e julgamento das Ações Penais n.5046512 94.2016.4.04.7000/PR (Triplex do Guarujá), 5021365- 32.2017.4.04.7000/PR (Sítio de Atibaia), 5063130-17.2018.4.04.7000/PR (sede do Instituto Lula) e 5044305-83.2020.4.04.7000/PR (doações ao
Instituto Lula), determinando a remessa dos respectivos autos à Seção Judiciária do Distrito Federal. 

Declaro, como corolário e por força do disposto no art. 567 do Código de Processo Penal, a nulidade apenas dos atos decisórios praticados nas respectivas ações penais, inclusive os recebimentos das denúncias, devendo o juízo competente decidir acerca da possibilidade da convalidação dos atos instrutórios.

Considerada a extensão das nulidades ora reconhecidas, com fundamento no art. 21, IX, do RISTF, declaro a perda do objeto das pretensões deduzidas nos habeas corpus 164.493, 165.973, 190.943, 192.045, 193.433, 198.041, 178.596, 184.496, 174.988, 180.985, bem como nas Reclamações 43.806, 45.948, 43.969 e 45.325.

Junte-se cópia desta decisão nos autos dos processos relacionados,
arquivando-os.

Supremo Tribunal Federal

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 054F-78E6-9D0C-C38E e senha F461-6242-A60B-D2B7 HC 193726 ED / PR

Comunique-se a Presidência do Supremo Tribunal Federal, perante a qual tramita o ARE 1.311.925.

Publique-se. Intime-se.

Brasília, 8 de março de 2021.

Ministro EDSON FACHIN
Relator

Documento assinado digitalmente

Pepita Ortega, Paulo Roberto Netto e Fausto Macedo para O Estado de São Paulo, em 08.03.2021. 

(O último parágrafo do texto original foi modificado pelo editor do blog que, tendo em vista facilitar, por força do juridiquês, a melhor compreensão do leitor substituiu as três primeiras palavras. Pela mesma razão, transcreve-se na íntegra a conclusão da Decisão de 46 páginas, em PDF, do Ministro Fachin).