terça-feira, 9 de março de 2021

'Como fantoches': Judiciário passa a decidir quem concorre ou não à eleição no Brasil, dizem brasilianistas

A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin que, na segunda-feira (08/03), anulou as condenações e indiciamentos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no âmbito da Operação Lava Jato representou, na prática, o início da campanha presidencial de 2022 — um ano e sete meses antes dos brasileiros irem efetivamente às urnas.

Essa é a avaliação de um grupo de brasilianistas — acadêmicos estrangeiros dedicados ao estudo do Brasil — sobre o impacto da medida jurídica no cenário político brasileiro.

Para estudiosos de Brasil, decisão de Fachin define Lula e Bolsonaro como o segundo turno em 2022, e aponta para desgastes na democracia no país. (Crédito foto: Reuters)

Fachin determinou a nulidade das ações justificando a decisão em um aspecto processual: a falta de competência jurídica do então juiz Sérgio Moro, da Justiça Federal de Curitiba, para decidir sobre os casos envolvendo o ex-presidente Lula. Com isso, Fachin sedimentou o caminho para uma disputa polarizada entre os dois maiores líderes em cada campo político no país. À esquerda, Lula. À direita, o atual presidente Jair Bolsonaro.

"Quatro horas atrás eu te diria que havia um 'mercado' de eleitores de centro, centro-direita esperando para ser conquistados por uma terceira via. Agora esse caminho é improvável", afirmou à BBC News Brasil a cientista política Amy Erica Smith, da Iowa State University, no fim da tarde desta segunda.

Para Smith, a canetada de Fachin deve encerrar — ou diminuir muito — as possibilidades de viabilidade eleitoral de candidaturas de centro-direita, como a do governador paulista João Doria Jr. ou a do apresentador Luciano Huck. A tendência é que o eleitorado seja atraído para uma das duas forças, esvaziando o centro.

Mas, na avaliação dos brasilianistas, mais do que determinar os concorrentes da disputa de 2022, a decisão revela importantes aspectos da condução da democracia brasileira nos últimos anos — em que o Judiciário interfere na política como quem manipula fantoches, decidindo quem pode ou não concorrer à eleição presidencial. As sequelas dessas ações, segundo eles, passam por descrédito institucional e enfraquecimento da pauta de combate à corrupção no país.

Barrado antes, liberado agora

Embora tenham hoje um ao outro como principal adversário político a ser batido, o confronto entre Lula e Bolsonaro jamais aconteceu nas urnas. Isso porque em 2018, apesar de líder nas pesquisas eleitorais de intenção de voto, Lula acabou tendo a candidatura barrada pela Lei da Ficha Limpa, após as mesmas condenações de Moro contra ele — agora derrubadas por Fachin — terem sido confirmadas pela segunda instância do Judiciário brasileiro.


Lula e Dilma acenam na varanda da casa do ex-presidente em São Bernardo do Campo (Crédito Instituto Lula)

Com a retirada de Lula da disputa por mecanismos judiciais, Bolsonaro assumiu a dianteira na campanha e venceu a presidência em segundo turno, contra Fernando Haddad (PT), apontado por Lula para substituí-lo.

Agora, a decisão de Fachin restitui a Lula plenos direitos políticos e ele poderá concorrer à presidência se não voltar a ser condenado em segunda instância até o processo eleitoral. A decisão de Fachin não analisa se Lula cometeu atos de corrupção ao supostamente se beneficiar de um apartamento tríplex no Guarujá ou de um sítio em Atibaia bancados em parte por empreiteiras que mantinham contratos fraudulentos com a Petrobras. Ao longo de anos, a Lava Jato sustentou que tais benefícios a Lula fariam parte de pagamentos indiretos dessas empresas pelas injustas vantagens que conseguiam com a petroleira estatal graças à intervenção de políticos, foco principal da Lava Jato de Curitiba.

"Tem havido uma batalha sobre a jurisdição do caso Lava Jato desde 2013 e agora é estranho ver um ministro do Supremo tomar uma decisão com base nessa questão. Como americano e estudioso da América Latina, a ideia de que um único ministro da Suprema Corte possa tomar uma decisão dessa magnitude é esquisito. E contradiz um pouco a história de que as instituições no Brasil se tornaram mais fortes", avalia Brian Winter, editor-chefe da publicação Americas Quarterly, especializada em temas latino-americanos. Winter relembra que a tese de que Moro e seus colegas em Curitiba não seriam os juízes competentes para julgar o caso Lula — o que se chama no direito de juiz natural do caso — foram repetidas pela defesa do ex-presidente e repelidas à exaustão pelo judiciário brasileiro até a tarde desta segunda-feira.

A mudança de postura em relação ao assunto no Supremo acontece na esteira de um processo de anos de desgaste da figura de Moro e dos procuradores da força-tarefa, liderados por Deltan Dallagnol.

Moro foi acusado de parcialidade quando, poucos dias antes do pleito de 2018, liberou a público a delação premiada do ex-ministro dos governos Lula e Dilma Antonio Palocci, em que ele atacava a cúpula petista, sem entregar provas do que dizia. Em seguida, com a vitória de Bolsonaro, Moro abandonou a magistratura para assumir, no começo de 2019, o posto de ministro da Justiça do recém-eleito. Ainda naquele ano, mensagens hackeadas entre o então juiz Moro e os procuradores revelaram que o juiz havia orientado e conduzido a acusação em diversos momentos do processo contra Lula, o que lançou dúvidas sobre a parcialidade do magistrado para julgar o caso que - em última instância - tirou Lula da disputa presidencial.

Considerada por Deltan Dallagnol a "maior especialista em combate à corrupção do mundo", Susan Rose-Ackerman, professora de Direito da Universidade Yale, afirmou à BBC News Brasil que a decisão de Fachin agora foi acertada.

Em 2019, ela assinou uma carta junto a colegas juristas internacionais em que se dizia "estarrecida" pela revelação das mensagens trocadas entre Moro e os procuradores e denunciava a parcialidade na atuação do juiz.

"Muita coisa aconteceu na investigação, Moro era o juiz nos casos (da corrupção na Petrobras), mas o caso do Lula era diferente, não fazia parte de todo o pacote. Por isso acho acertada a decisão de agora, mas certamente há um problema com o tempo. Isso impediu o Lula de ser candidato e permitiu a ascensão de Bolsonaro. Então não sei o que as pessoas pensam agora, mas há, sim, um problema com o fato de essa decisão estar sendo tomada só agora, vários anos após a eleição", diz Rose-Ackerman.

Montanha-russa jurídico política

Para Amy Erica Smith, o fato de que Lula tenha sido barrado antes por decisões judiciais e agora readmitido às urnas também pelas mãos de juízes, em decisões díspares sobre os mesmos fatos, é um dado preocupante para a democracia brasileira.

"Há uma montanha-russa de judicialização da política no Brasil. A Lava Jato e tudo isso que aconteceu nos últimos anos dão a impressão de que os juízes têm a palavra final sobre o que acontece na democracia brasileira. E as decisões dos juízes são realmente muito arbitrárias, politizadas, e muito longe de serem imparciais", afirma Smith.

Segundo ela, a Lei da Ficha Limpa, que barrou condenados em segunda instância de se candidatarem, seria uma regra bastante razoável para melhorar a qualidade dos candidatos, desde que os devidos processos legais fossem seguidos pelos investigadores e pela justiça. Há, no entanto, no caso de Lula, de acordo com Smith, evidências de que ela acabou usada para retirar uma força política do jogo.

"A democracia brasileira se reduziu a uma espécie de procedimento institucional para determinar quem pode concorrer e quem não pode concorrer, quais opções permitiremos ou não. Parece ter havido um esforço concertado no período de 2015 a 2018 para manter certos líderes do PT, basicamente Dilma e Lula, longe da possibilidade de disputar cargos ou ocupar cargos. Essa politização da Lava Jato em Curitiba e do Supremo levaram a essa situação em que os juízes atuam como 'master puppeteers' (bonequeiros que manipulam fantoches) preparando o palco para o que é permitido acontecer dentro da política brasileira", diz Smith.

Nos últimos anos, o Judiciário tomou decisões nas quais questiona-se extrapolação sobre outros poderes, como quando barrou a indicação de ministros do Executivo ou determinou prisão de parlamentares.

O historiador James Green, da Brown University, acredita que Lula ainda estará sujeito a reviravoltas orquestradas pelo Judiciário. Green avalia que a condenação de Lula foi um "ato político", resultado de um "processo judicial contaminado". Para ele, a decisão de Fachin agora procura preservar o conjunto de provas amealhado pela Lava Jato ao tirar da ordem do dia o julgamento da possível suspeição de Moro, que colocava sob ameaça todo o legado da operação por efeito cascata.

Por isso mesmo, a condição elegível de Lula poderia ser temporária já que, em tese, ele poderia voltar a ser julgado com o mesmo conjunto probatório. "Fachin deve ter conseguido um certo acordo, um entendimento entre os outros membros do STF sobre essa como uma saída mais viável. E eu acho que vai ser muito difícil começarem os processos da primeira instância de novo, mas pode ser, podem condenar Lula de novo para que ele não seja candidato", diz Green.

A morte do combate à corrupção?

"Ideia de que um único ministro da Suprema Corte possa tomar uma decisão dessa magnitude é esquisito. E contradiz um pouco a história de que as instituições no Brasil se tornaram mais fortes", avalia Brian Winter. (Foto crédito: Américas Society).

O cenário de atuação política do Judiciário parece apontar para um descrédito na atuação de forças no combate à corrupção no Brasil. Os brasilianistas reconhecem a corrupção como um problema histórico nacional e afirmam ser impossível determinar qual será o futuro do combate aos crimes contra o bem público após os desdobramentos dos últimos anos com a Lava Jato.

Apesar das críticas feitas por Rose-Ackerman no caso Lula, ela afirma esperar que isso não invalide o restante da investigação, que demonstrou ser robusta em apontar desvios na gestão da Petrobras.

"Seria realmente lamentável se isso minasse todos os outros processos em que há uma evidência muito boa e clara de que as pessoas se comportaram de forma corrupta. Essa é a preocupação, de que a derrubada do caso Lula possa, de alguma forma, prejudicar toda a empreitada anticorrupção", afirmou a professora de Yale.

Para Winter, a decisão de Fachin hoje expõe o quão ferida a causa do combate à corrupção está ao derrubar as mais importantes decisões tomadas na operação. Segundo ele, "os abusos" cometidos por Moro e os procuradores representaram um "grande retrocesso na busca pelo fim da impunidade" não só no Brasil, mas em toda a região da América Latina onde a Lava Jato foi tomada como modelo de investigação e punição de empreiteiras e políticos. Ele, no entanto, afirma que a Lava Jato não pode ser reduzida a seus erros.

"É importante resistir ao desejo de reescrever a história e retratar as revelações da Lava Jato, como nada mais que um sonho febril, uma vasta conspiração inventada pelos procuradores e Sergio Moro com o único objetivo de condenar Lula e desqualificá-lo para a eleição de 2018", diz Winter.

Mariana Sanches, de Washington, DC, para a BBC News Brasil, em 09.03.21

segunda-feira, 8 de março de 2021

Luciano Huck sobre Lula elegível em 2022: "Figurinha repetida não completa álbum"


O apresentador Luciano Huck, que se perfila como candidato à presidência da República em 2022, também se manifestou sobre a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin de anular os processos do ex-presidente Lula e torná-lo elegível nas próximas disputas: 

"É respeitar a decisão do STF e refletir com equilíbrio sobre o momento e o que vem pela frente. Mas uma coisa é fato: figurinha repetida não completa álbum", escreveu Huck no Twitter.

O apresentador pontuou que "no Brasil, o futuro é duvidoso e o passado é incerto", mas que, "na democracia, a Corte Suprema tem a última palavra na Justiça". 

Publicado originalmente por EL PAÍS, em 08.03.2021

Qual a possibilidade de o STF reverter decisão que anula todas as condenações de Lula?

Conforme a decisão de Fachin, 13ª Vara de Curitiba poderia julgar apenas casos da Lava Jato ligados diretamente à Petrobras - o que não é o caso das acusações contra Lula

Ministro Edson Fachin (Crédito da foto: EPA)

A decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin que tem como consequência a anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos processos da operação Lava Jato dificilmente será revertida, segundo juristas ouvidos pela BBC News Brasil.

Em decisão monocrática nesta segunda (8/3), Fachin reconheceu que a 13ª Vara de Curitiba não tem competência para julgar os casos da Lava Jato envolvendo o ex-presidente Lula porque os atos julgados não aconteceram no Paraná. À época, Lula era presidente e estava em Brasília, portanto, a competência para julgar o caso seria do Distrito Federal.

Segundo a decisão, a 13ª Vara de Curitiba poderia julgar apenas casos da Lava Jato que envolvessem desvio de dinheiro da Petrobras — o que não é o caso das acusações contra Lula. Ou seja, Fachin não julgou o mérito do caso — se Lula seria ou não inocente —, apenas tomou uma decisão técnica determinando que na verdade o julgamento deveria ter acontecido em outro local, explica Gustavo Badaró, professor de direito processual da USP.

As condenações contra Lula até agora, portanto, foram anuladas e o processo contra ele vai para julgamento em Brasília e volta praticamente à estaca zero.

A decisão de Fachin, tomada após pedido da defesa de Lula, não é liminar (temporária) e não precisa ser confirmada pelo plenário do STF, explica o criminalista Davi Tangerino, professor de direito da FGV-SP.

Mas ainda há possibilidade de recurso, que pode ser pedido pela Procuradoria Geral da República (PGR) na forma de um chamado agravo regimental. Segundo o jornal Folha de S. Paulo, assessores do Procurador-Geral, Augusto Aras, confirmaram que ele deve entrar com o recurso.

Caso Aras entre de fato com o agravo, a 2ª Turma do STF decidirá se concede ou não o recurso, ou seja, se reverte ou não a decisão de Fachin.

Lula prestes a entrar no carro, com uma multidão em volta e ao lado da namorada Rosangela da Silva (Crédito da foto: AFP).

Reversão improvável

Segundo Tangerino, embora possível, uma reversão da decisão é improvável, porque, com ela, Fachin confirma uma postura que tem sido tomada há bastante tempo pelo STF de restringir a competência de Curitiba nos casos da Lava Jato.

"Pelo Código de Processo Penal, o principal critério de competência é o local dos fatos. Mas há uma lei subsidiária que cria a possibilidade de casos em que haja conexão sejam julgados em outros lugares. Na Lava Jato, um processo foi puxando outro e outro e os casos acabaram ficando muito distantes daquele processo original em Curitiba", explica Tangerino.

Na análise de Tangerino, com base na lei e jurisprudência do STF, a decisão de que a competência para julgar o caso de Lula é do Distrito Federal "já deveria ter sido tomada há bastante tempo". Tanto o então juiz Sergio Moro quanto o TRF-4 (que julgou o caso em segunda instância) e o STJ poderiam ter enviado o processo para Brasília.

Por enquanto, com a decisão de Fachin, todas as condenações de Lula estão anuladas e ele volta a ser elegível

Com a declaração de incompetência, explica o professor de direito da USP Gustavo Badaró, o processo envolvendo Lula volta ao início e vai para julgamento em Brasília. As provas produzidas no processo podem, em tese, ser reaproveitadas pelo novo juiz que pegar o caso.

Tangerino explica que é improvável que a 2º Turma do STF reverta a decisão não só pela questão da jurisprudência, mas pela composição da turma. A 2ª turma é composta por Edson Fachin, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Carmen Lúcia e Nunes Marques.

Fachin já deixou clara sua posição. Gilmar Mendes e Lewandowski historicamente também têm a opinião de que a competência deve ser mais restrita.

Por enquanto, com a decisão de Fachin, todas as condenações de Lula estão anuladas e ele volta a ser elegível.

Leticia Mori, da BBC News Brasil em São Paulo, em 8.03.21

Desvalorização do real no ano supera até a da moeda de Mianmar, que vive golpe de Estado

Situação fiscal complicada do Brasil, os juros muito baixos e a ingerência de Bolsonaro na Petrobrás estão por trás da forte piora

A disparada do dólar no Brasil fez o real ter um dos piores desempenhos no mundo este ano, superando até a divisa de Mianmar, país que passou por um golpe de Estado neste começo de 2021, mostram números de quase 150 ativos monitorados pela gestora Armor Capital. Só duas moedas têm números piores que o real em 2021: a de Cuba e a da Líbia, mas foram reflexos de decisões de desvalorização deliberadas de seus próprios governos. Por isso, o dinar líbio cai 70% ante o dólar em 2021 e o peso cubano recua 95%, após o primeiro movimento do tipo na moeda do país do Caribe desde a revolução nos anos de 1950.

A situação fiscal complicada do Brasil, os juros muito baixos, com taxas reais negativas, e o episódio de ingerência de Jair Bolsonaro na Petrobrás estão por trás da forte piora do dólar no mercado doméstico este ano, de acordo com economistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast.

('Efeito Bolsonaro' nos mercados faz risco país disparar e pressiona dólar)

Para tentar segurar as cotações do câmbio, o Banco Central tem feito uma série de intervenções no mercado desde o episódio da Petrobrás. Só na semana passada, foram injetados US$ 4 bilhões, entre venda de moeda e leilões de swap. 

No ano, já foram US$ 10,2 bilhões, metade de dólar à vista e a outra metade de swap cambial - que é uma espécie de venda da moeda americana no mercado futuro. Mesmo assim, o dólar acumula alta de cerca de 10% ante o real no ano até a última sexta-feira.

Para a economista-chefe da Armor Capital, Andrea Damico, além do cenário externo não estar mais tão favorável para países emergentes nos últimos dias, em especial os mais frágeis, os problemas locais continuam pesando sobre os ativos domésticos. A piora significativa da pandemia e a discussão de retirada do Bolsa Família do teto de gastos elevaram o risco fiscal percebido pelos participantes do mercado, tornando inócua as várias intervenções do Banco Central no câmbio.

No final, o Senado aprovou a PEC emergencial mantendo os gastos do programa no teto, porém, a economista observa que o risco fiscal percebido pelos investidores deverá ainda seguir elevado, tendo em vista o caráter mais populista das últimas decisões de Bolsonaro.

"O real vem tendo depreciação significativa", avalia a analista de moedas e emergentes do banco alemão Commerzbank, You-Na Park-Heger. A decisão de Bolsonaro de substituir o presidente da Petrobrás é vista como populista e cresce o temor de mais medidas do tipo, ressalta a analista. Além disso, há um crescente ceticismo sobre a resolução da situação fiscal do Brasil. Por isso, a moeda brasileira vai seguir sob pressão.

Questões internas deram força ao dólar ante o real  Foto: Paul Yeung

A ingerência na Petrobrás, ao provocar nervosismo no mercado e fazer o dólar disparar, só contribuiu para pressionar ainda mais a inflação, destaca o economista-chefe nos Estados Unidos da Frente Corretora de Câmbio, Fabrizio Velloni. "Foi um tiro de canhão no próprio pé. O que reduziu de imposto no combustível, aumentou no dólar e o barril de petróleo ainda subiu", ressalta ele. "O câmbio pressiona muito nossa inflação, ainda mais com o aumento do petróleo."

Para Velloni, já passou da hora de o BC subir os juros, pois com as taxas muito baixas e perspectivas econômicas fracas, o risco para o estrangeiro investir no Brasil não compensa. "A confiança no Brasil pelo investidor estrangeiro é hoje muito baixa." Para o economista, faz mais sentido investir no México, onde o juro é mais alto, a economia é mais sólida e o risco é menor. "Nosso risco versus retorno ficou péssimo para o investidor internacional."

Descolado

"O real ficou completamente descolado de outras moedas emergentes", afirma a economista-chefe da Tendências Consultoria, Alessandra Ribeiro. "O grosso dessa história é o fiscal. Essa percepção de que o Brasil não vai dar conta da situação e garantir a sustentabilidade das contas públicas", disse ela em live da Genial Investimentos, citando ainda o diferencial de juros, que se reduziu muito nos últimos meses e deixa o país menos atrativo para o investidor estrangeiro. A taxa real, quando se desconta a inflação, está ao redor de -2,5%, nível da Suíça.

"Estamos vendo o câmbio em outro patamar, o Banco Central tentando brigar, colocando dinheiro no mercado, e claro, é super difícil. Os fatores que estão por trás o BC não consegue mudar", disse Alessandra Ribeiro. "O quadro pandêmico está pior do que se imaginava e as dúvidas em relação ao quadro fiscal estão muito fortes."

O sócio-diretor da Galapagos WM, Arnaldo Curvello, ressalta que o desempenho do real é ainda pior quando se leva em conta que os chamados termos de troca do Brasil estão melhorando - preços das commodities estão em alta no exterior e a conta corrente do balanço de pagamentos está saudável. "Normalmente quando as commodities sobem, o câmbio ajuda a inflação, mas agora não está ajudando." Ao contrário, o dólar valorizado tem pressionando ainda mais os preços

Em um ambiente de muita incerteza doméstica, em meio a sinais de ingerência em estatais, ajuste fiscal incerto e pandemia piorando, Curvello avalia que o Brasil perdeu a prioridade para investidores estrangeiros. "O que faria um investidor estrangeiro investir hoje no Brasil? Atuamos mal na pandemia, a vacinação está atrasada, a política de ESG [sigla para sustentabilidade, governança e ambiente] está atrasada, temos um governo conflituoso."

Altamiro Silva Junior, O Estado de São Paulo, em 08 de março de 2021 

Dólar fecha a R$5,80 após decisão de Fachin sobre Lula

Assim, Lula ficaria elegível para a eleição presidencial de 2022

No fim de semana, a imprensa publicou levantamento do Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec) segundo o qual Lula teria mais potencial de voto do que  Jair Bolsonaro

O real tem o segundo pior desempenho global na sessão com as perdas lideradas pela lira turca (-2,7%)

(Reuters) – O dólar fechou no maior patamar desde maio e a pouco mais de 2 centavos de 5,80 reais, com o mercado estressando no meio da tarde e deflagrando forte movimento de compra de moeda depois de o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), anular todas as condenações impostas ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela 13ª Vara Federal de Curitiba no âmbito da operação Lava Jato.

Assim, Lula ficaria elegível para a eleição presidencial de 2022. A decisão de Fachin deverá ser posteriormente avaliada pelo plenário do STF.

O Ibovespa chegou a recuar mais de 3% na tarde desta segunda-feira, ficando momentaneamente abaixo de 112 mil pontos, após a decisão do ministro do STF.

Às 16:39, o Ibovespa caía 2,39 %, a 112.450,58 pontos. Na mínima, o Ibovespa chegou a 111.257,67 pontos (-3,4%). O volume financeiro somava 32,7 bilhões de reais.

Antes, às 15h56, o dólar à vista saltava 1,73%, a 5,7825 reais na venda. Na máxima, foi a 5,7865 reais, alta de 1,80%.

Publicado originariamente por E-INVESTIDOR einvestidor@estadao.com, em 08/03/2021

General diz que Bolsonaro está 'deslumbrado com o poder' e precisa 'baixar a bola'

Em entrevista, general diz que o 'negacionismo' do governo em relação à pandemia agravou a situação e que é preciso 'uma dose de humildade muito grande' para reconhecer o erro

Entrevista com Paulo Chagas, general da reserva:

Candidato bolsonarista ao governo do Distrito Federal pelo PRP em 2018, o general da reserva Paulo Chagas foi apoiador de primeira hora do presidente Jair Bolsonaro, mas hoje considera o ex-aliado um deslumbrado com o poder. "O caminho correto seria o presidente baixar a bola e entender qual é a missão dele", disse o militar em entrevista ao Estadão/Broadcast. 

Para Chagas, ministros deveriam conversar com Bolsonaro na busca de arrefecer os ânimos a fim de evitar um eventual impeachment. Segundo ele, se ficar “cada um caladinho, cuidando do seu quadradinho”, o governo será paralisado.

General de brigada Paulo Chagas foi alvo de uma busca e apreensão determinada pelo Supremo Tribunal Federal Foto: Dida Sampaio/Estadão

O general diz ainda que o “negacionismo” do governo em relação à pandemia agravou a situação e que é preciso "uma dose de humildade muito grande" para reconhecer o erro. "É um absurdo que o presidente venha ‘mimimizar’ um problema como esse", disse.

Em postagem no Twitter, no fim de semana, Chagas rebate quem o critica por se voltar contra o presidente e relata ter perdido seguidores por isso. "Há quem diga que não devo criticar o presidente Bolsonaro porque não temos outro capaz de liderar a direita. Ora, se entre 200 milhões de brasileiros só encontramos um narcisista deslumbrado, trapalhão e que não cumpre o q promete para nos liderar, é porque a direita não está preparada para mudar o Brasil!", postou ele no sábado.

Na entrevista, ele vai além e diz sempre ter sido contra uma espécie de glorificação da figura do presidente, pois ele "não é milagreiro", e afirmou que o uso da palavra "mito" para defini-lo pode carregar outro significado. "Mito pode também ser chamado de mentira, de ilusão."

O sr. apoiou o presidente Jair Bolsonaro, foi o candidato dele ao governo do Distrito Federal. Mas desde o primeiro ano do governo adotou uma postura mais crítica. O que mudou?

O que mudou foi o próprio presidente. Ou não mudou. Durante a campanha eu defendi a pessoa, até a maneira de ele ser, se comportar, as atitudes mais intempestivas. Dizia que fazia parte da imagem dele, mas como deputado. Quando for presidente vai mudar, tudo que falar vai repercutir, as coisas têm que tomar o rumo da harmonia, da União, não da divisão. Mas ninguém na volta dele conseguiu convencer. Ele assumiu, e alguém soprou no ouvido dele que não precisava mudar. Se eu estivesse fazendo parte do governo, eu diria isso para ele, mas nunca fiz parte nem nunca pedi para fazer. À medida que as coisas foram perdendo o rumo, e a própria personalidade do presidente foi tomando conta dele, aí começou a crítica. Se você começa de uma forma mais sutil e não surte efeito, vai aumentando até chegar uma hora em que você perde a censura. Acho que é a fase em que estou entrando agora (risos).

O sr. escreveu no último sábado que Bolsonaro é um “narcisista deslumbrado” e um “trapalhão que não cumpre o que promete”. O que credencia o presidente a esses títulos?

Deslumbrado com o poder, não tenho dúvida de que ele está, em que pese não ser só ele. Vemos os ministros da Suprema Corte também exacerbando o poder que têm, e o próprio Congresso. Os poderes estão se imbricando, um engole um pedacinho do outro. Está faltando harmonização. Mas quando falo do narcisista deslumbrado é porque ele, tanto quanto outros, está deslumbrado com o poder que tem, com a popularidade que tem e nunca teve. É um deslumbramento que faz com que ele se comporte pensando que é mais do que é na verdade. Veja esse negócio da rachadinha (investigação que tem como um dos alvos o senador Flavio Bolsonaro, filho do presidente). Fica bem claro que está querendo esconder. O que falta é humildade. O ser humano é falho, se tivesse desde o início falado desse negócio e deixado que a Justiça tomasse conta. Não, fica tentando negar uma coisa que é evidente. É só uma questão de tempo para provar, e ele colocando obstáculos na comprovação disso vai prejudicá-lo muito mais. Tudo que ele falou vai por água abaixo quando a polícia chegar à conclusão.

O caso da rachadinha teve um revés no STJ recentemente. O sr. acha que mesmo assim, quem eventualmente for culpado ou não, isso virá à tona?

Mais cedo ou mais tarde. O empenho é que seja mais tarde, mas não tenho dúvida que isso vai aparecer. Mesmo sendo o mais bolsonarista dos bolsonaristas, você não pode admitir um crime para beneficiar quem quer que seja. É imoral.

O sr. falou que há uma exacerbação não só do presidente, mas também do outro lado da Praça dos Três Poderes. De quem deveria ser o primeiro passo no sentido de acalmar os ânimos?

Olha, agora vai ser difícil. Quem tem que dar uma palavra nisso é o próprio povo, começar pressionando o Congresso a tomar uma atitude na direção correta. Em princípio, para mim, (em relação a) os ministros da Suprema Corte.  Se colocar para funcionar aquela CPI da Lava Toga, naturalmente cada um vai subir para o seu galho. Quem tem que fazer isso é o Senado. E quem tem que pressionar para isso? O povo. Ah, mas aí a Suprema Corte também põe pressão no Senado...  Se tiver que botar meia dúzia, uma dúzia ou metade do Senado na cadeia, põe. Mas o caminho é esse. Eu fui incluído nesse inquérito do fim do mundo, do Alexandre de Moraes e do (Dias) Toffoli (Chagas é um dos investigados no inquérito das fake news). Numa postagem, eu falei, no sentido de um conselho, que se não tivesse uma revisão da maneira de proceder, eles iam acabar tendo que ser chamados a um tribunal de exceção. Um tribunal de exceção é um tribunal ad hoc (para o ato), que é o Senado. É o tribunal constitucional para julgar esse caso.

Em relação à exacerbação no Executivo, chegou-se a falar de impeachment. Seria o momento?

Se para cada problema a gente ficar com esse negócio de impeachment, o Brasil não sai do lugar. Já tivemos dois impeachments em curto espaço de tempo. Temos de serenar, amadurecer. O caminho correto seria o presidente baixar a bola e entender qual é a missão dele. Alguém que tivesse influência real sobre ele chegar e dizer: "Olha, a partir de agora, tem que fazer assim". (Bolsonaro) Tem uma compulsão a dizer impropérios. Fica sempre instigando, não para nunca a briga. Alguém tem que ter humildade para parar essa briga. Não vejo o impeachment como uma boa solução, porque vamos ter que parar o Brasil. Mas, dependendo do rumo que as coisas tomarem, é uma solução também. Não vejo como a melhor.

Quem poderia ser a pessoa para dizer ao presidente que o caminho correto é baixar a bola?

Dentro do Palácio, tem duas assessorias: uma racional e outra fanática e irracional. O chamado "gabinete do ódio" ele não pode ouvir, vão dizer "fecha tudo". Há a ilusão de que os militares vão apoiar um golpe, é uma ilusão. O presidente inclusive procura passar essa imagem, de que os militares estão do lado dele. Sim, estão do lado dele tanto quanto estiveram do lado da Dilma (Rousseff), do Lula e de todos os presidentes. A outra, que é a assessoria racional, são os ministros competentes que ele tem. (O que deveria ser feito é) Reúne os ministérios e fala com o presidente. Ora, (se ficar) cada um caladinho, cuidando do seu quadradinho, vai chegar uma hora em que o governo vai parar porque vai acontecer esse impeachment, que é a pior coisa que pode acontecer, mas pode acontecer. Para segurar, (tem que) dizer "vamos abaixar a bola, vamos contornar, reunir, conversar". Tem que ter pessoas de bom senso, e vejo dentro do governo ministros de altíssimo nível. Eu tiro desse time de craques o nosso ministro das Relações Exteriores. É um sujeito desequilibrado.

Qual é sua avaliação sobre o desempenho do governo na gestão da crise do novo coronavírus, inclusive na compra de vacinas?

O erro começou logo no começo, o presidente não quis assumir a coordenação nacional da crise, traçar um plano e seguir esse planejamento. O presidente negou, (adotou) o negacionismo, "é uma gripezinha", deixou passar, as coisas foram se agravando. Os prefeitos e governadores foram sendo cobrados, vendo as pessoas ficarem doentes, morrendo. Cada um tomou um rumo. Agora, a gente vê uma tentativa para assumir o controle, mas a impressão que tenho é que é tarde. Ele precisa de uma dose de humildade muito grande para admitir que se equivocou, que deveria ter feito e não fez. Estamos vendo hoje de que fato era grave, jamais foi uma gripezinha. Eu acho o fim da picada, no século XXI, a gente ainda achar que existem pessoas que são enviadas de Deus e são tratadas como mito. Mito pode também ser chamado de mentira, de ilusão. Desde o início me manifestei contra, o presidente não devia estimular isso, porque é um presidente, não um milagreiro.

O sr. acha que vacinação contra covid-19 precisa ser obrigatória?

O que tem que ser feito é uma campanha, como eu vi na Globo, "vacina sim". As pessoas têm que entender que, se você está vacinado, não está transmitindo o vírus para ninguém. Agora, não pode ser obrigado. Eu julgo que todos deveriam se vacinar, mas não pode obrigar. O governo tem que estimular as pessoas, mostrar por que todos devem se vacinar.

No dia em que o País bateu recorde no número de óbitos, o presidente criticou as medidas restritivas e disse “chega de frescura, de mimimi”. O que o sr. acha dessa declaração?

Acho um absurdo. Um absurdo que o presidente venha ‘mimimizar’ um problema como esse, que está mais do que caracterizado no mundo inteiro que é gravíssimo. Ele chega e diz que não é nada, "é mimimi, vamos acabar com a frescura". Não é esse o papel dele, ele não tem que ter posição radical. Tem que ter uma posição conciliadora, uma posição científica, ouvir as pessoas que sabem, cientistas, médicos. Esse é um problema de saúde, não é um problema político, nem um problema econômico.

A questão que o presidente coloca, de ter que conciliar saúde com economia, é um falso dilema?

Não é um falso dilema. É isso mesmo tem que acontecer. Mas primeiro tem que resolver o problema da saúde. Estruturar o País para a pior hipótese. Para isso tem os médicos, os cientistas, os infectologistas, pessoas que entendem disso. Logicamente tem que ter um momento de "lockdown". E em todos os momentos (precisamos da) comunicação social para que todos saibam o perigo que estão correndo. (É preciso) Haver uma palavra só sobre isso, e não várias. Depois que a parte da saúde estiver sendo controlada, vai abrindo a parte da economia.

O presidente é muito crítico a essas medidas restritivas.

É uma crítica que ele tira intuitivamente não sei de onde. Não podemos ser governados por intuição, temos que ser governados racionalmente.

O ministro Eduardo Pazuello está sendo investigado por causa da crise do oxigênio em Manaus. O sr. acredita que ele foi omisso?

Não acredito que ele tenha sido omisso nesse caso. Acho que ele disse "olha, mandei o dinheiro para lá, eles têm o planejamento, se a imprensa está dizendo que vai faltar é lógico que o povo de lá está sabendo disso, ainda tem uma recomendação da Suprema Corte de que nós não temos que interferir no que eles estão fazendo, então vamos ficar esperando". Ele apostou no bom senso, na inteligência, na responsabilidade do governador. E no final não houve, e deu no que deu. Mas não chamo de omissão.

O próprio STF esclareceu que a decisão não foi no sentido de o governo federal não poder agir, mas de dar autonomia para que Estados e municípios pudessem agir sem o governo federal. Nesse sentido, o ministro Pazuello poderia ter agido mais cedo?

Sim, poderia. Ele tinha todos os dados para agir mais cedo. Mas aí entra uma decisão: vou agir mais cedo ou vou deixar por conta deles? Já tinha um responsável. Agora, no momento em que houve o problema, se criou a crise, o governo federal agiu, o Ministério da Saúde colocou a FAB para levar oxigênio.

Há desconforto dos militares com a permanência do general Eduardo Pazuello como ministro estando na ativa?

Há sim. Ainda mais o Pazuello, que está no final da carreira, já atingiu o último posto. Era natural que ele, ao ser ministro, que é muito mais do que general de divisão, passasse para a reserva, como fez o Ramos (Luiz Eduardo Ramos, ministro-chefe da Secretaria de Governo). É um desconforto porque isso está ligado àquela tentativa do presidente de associar Forças Armadas ao governo dele, como se ele tivesse apoiado institucionalmente. As Forças Armadas, como instituição, fazem o que está na Constituição.

A tentativa do presidente de atrelar seu governo às Forças Armadas traz desgaste?

Sim, para a imagem das Forças Armadas perante a sociedade. Se der certo, vira herói, se der errado, vira bandido. Nós não temos nada a ver com isso.  Mas até você explicar que jacaré não é cobra, quanto tempo demora?

O sr. escreveu em novembro que o governo tem pouco tempo para recuperar o espaço perdido com “chorumelas e filhotismos”. O senador Flavio Bolsonaro acaba de adquirir uma mansão de R$ 6 milhões, com um empréstimo em condições mais favoráveis que as de mercado. Esse episódio é exemplo disso que o sr. comentou?

Isso é um tiro no pé, uma bobagem sem tamanho. Ele podia comprar essa mansão depois. No meio dessa poeira, desse fogaréu, ele vai lá e compra uma mansão que a gente vai, faz a conta e não cabe no orçamento dele. É lógico que, se ele pagou, tinha dinheiro para pagar. Agora, vai ter que provar que não teve nenhuma falcatrua. Tomara que prove, né?

O sr. também criticou o que classificou de “populismos raivosos e demagógicos”. Qual seria um exemplo?

Você está vendo exemplo todos os dias. O presidente vive disso, ele continua sendo deputado. Como deputado, era cheio de impropérios, tinha um milhão e meio de pessoas no Rio de Janeiro que queriam ouvir isso dele. Essas pessoas continuam aplaudindo, mais outros tantos desses 57 milhões que votaram nele. No meu entendimento, esse número já diminuiu. Já diminuiu pelo menos o de um, porque eu não voto mais.

O sr. incluiria a questão do preço diesel nesse populismo demagógico?

Sim. Ele intempestivamente está dizendo coisas que como presidente não poderia dizer, porque tem repercussão nacional e internacional. No momento em que ele disse que era contra (o aumento), que ia intervir na Petrobras, as ações começaram a cair. Tem que saber o que dizer, tem que saber quando não dizer, e ele não sabe. Mas isso aí agrada muita gente, né? Ele só não sabe que não agrada aos 57 (milhões), é bem menos. Ele se prejudica.

Até que ponto o apoio de Bolsonaro à agenda liberal não foi só uma fantasia?

O apoio dele não foi uma fantasia. Ele apoiou aquilo que ele estava entendendo que era. Ele nunca soube direito o que era liberalismo. Está aprendendo agora, aos poucos, e aprende só o que ele quer, porque está mais preocupado com a reeleição, e no liberalismo não tem populismo.

Em 2022, o sr. disse que seu voto Bolsonaro não terá. Da mesma maneira, o apoio de outros integrantes das Forças Armadas definhou?

Politicamente, eleitoralmente, o presidente se desgastou e perdeu a confiança de muita gente, incluindo militares. Tenho sido criticado por companheiros, acham que não devo criticar o presidente porque só temos ele. Mas não é possível que, em 200 milhões de brasileiros, só tem um que seja capaz de liderar e representar a direita liberal e conservadora, ainda mais um que está provado que não sabe bem o que é liberalismo, o que é conservadorismo. Se fizer pesquisa nos posicionamentos do deputado Jair Bolsonaro, tem um lado mais socialista na economia do que liberal. Ele é ideologicamente de direita, contra a esquerda, mas na área da economia é estatizante.

O presidente disse recentemente que, se tudo dependesse dele, o País não viveria sob o regime que vive hoje e que, apesar de tudo, ele representa a democracia no Brasil. O sr. vê risco de uma guinada antidemocrática?

Não. Qualquer guinada antidemocrática precisa de Força Armada, e as Forças Armadas não vão apoiar nenhuma aventura não democrática. Para que haja uma intervenção, vai ser no sentido como disse o general (Eduardo) Villas Bôas algumas vezes, o (vice-presidente Hamilton) Mourão falou, de um processo de anomia. Uma circunstância em que você não sabe mais quem está mandando, uma "degringolação" total da lei e da ordem, da harmonia dentro do País. Então alguém tem que botar ordem. Quem? Quem tem a força. Mas isso não vai mudar o regime, é um freio de arrumação.

O Brasil se aproxima dessa necessidade de um freio de arrumação?

Não. Começamos nossa conversa falando que vivemos um momento em que os limites não estão sendo respeitados pelos próprios poderes. Vemos que o STF está saindo dos limites dele. A exacerbação disso vai dar no entrechoque dos poderes, e está escrito na Constituição que eles têm que ser independentes e harmônicos. No momento que um mete a mão (no outro), estamos caminhando para um processo desse tipo, mas eu não acredito que o bom senso não prevaleça. Tudo tem limite, então de repente vamos parar, pensar. Eu não acredito que falte inteligência para as pessoas. Pode faltar honestidade, mas não inteligência.

Idiana Tomazelli, O Estado de São Paulo, em 08 de março de 2021 

Fachin anula todas as condenações de Lula na Lava Jato e torna ex-presidente elegível

Relator da Operação no Supremo incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para o processo e julgamento de quatro ações contra o petista e determinou a remessa dos autos dos processos à Justiça Federal do Distrito Federal, que vai decidir 'acerca da possibilidade da convalidação dos atos instrutórios.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante entrevista na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Foto: Ricardo Stuckert (26/04/2019)

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, declarou a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para o processo e julgamento das quatro ações da Operação Lava Jato contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – triplex do Guarujá, sítio de Atibaia e sede do Instituto Lula e doações da Odebrecht – , anulando todas as decisões daquele juízo nos respectivos casos, desde o recebimento das denúncias até as condenações, o que torna o petista elegível.

O relator da operação no Supremo determinou a remessa dos autos dos processos à Justiça Federal do Distrito Federal, que vai decidir ‘acerca da possibilidade da convalidação dos atos instrutórios’. Em razão do entendimento, o ministro ainda declarou a perda de objeto de dez habeas corpus e quatro reclamações apresentadas à corte pela defesa do petista.

Em decisão de 46 páginas, o ministro Edson Fachin apontou que, na ação penal do tríplex, o único ponto de ‘intersecção entre os fatos narrados’ na denúncia contra Lula e a competência de Curitiba foi o pertencimento do grupo OAS ao cartel de empreiteiras que atuava de forma ilícita nas contratações da Petrobrás.

“Não cuida a exordial acusatória de atribuir ao paciente uma relação de causa e efeito entre a sua atuação como Presidente da República e determinada contratação realizada pelo Grupo OAS com a Petrobras S/A, em decorrência da qual se tenha acertado o pagamento da vantagem indevida”, anotou Fachin.

Ao estender a decisão para as outras três ações penais – sítio de Atibaia, terreno do Instituto Lula e doações da Odebrecht – o ministro afirmou que existem as mesmas problemáticas.

“Em todos os casos, as denúncias foram estruturadas da mesma forma daquela ofertada nos autos da Ação Penal n. 5046512-94.2016.4.04.7000/PR, ou seja, atribuindo-lhe o papel de figura central do grupo criminoso organizado, com ampla atuação nos diversos órgãos pelos quais se espalharam a prática de ilicitudes, sendo a Petrobras S/A apenas um deles”, registrou o ministro.

Em nota divulgada junto da decisão, Fachin ainda destacou que nas ações penais envolvendo Lula, assim como em outros processos julgados pelo Plenário e pela Segunda Turma, ‘verificou-se que os supostos atos ilícitos não envolviam diretamente apenas a Petrobras, mas, ainda outros órgãos da administração pública. Nessa linha, o ministro frisou que ‘especificamente em relação a outros agentes políticos que o Ministério Público acusou de adotar um modus operandi semelhante ao que teria sido adotado pelo ex-presidente, a Segunda Turma tem deslocado o feito para a Justiça Federal do Distrito Federal’.

“As regras de competência, ao concretizarem o princípio do juiz natural, servem para garantir a imparcialidade da atuação jurisdicional: respostas análogas a casos análogos. Com as recentes decisões proferidas no âmbito do Supremo Tribunal Federal, não há como sustentar que apenas o caso do ora paciente deva ter a jurisdição prestada pela 13ª Vara

Federal de Curitiba. No contexto da macrocorrupção política, tão importante quanto ser imparcial é ser apartidário”, registrou o ministro em sua decisão.

A decisão monocrática divulgada pelo gabinete do ministro do STF diz ainda que a questão da competência já havia sido suscitada pela defesa de Lula em outros momentos, mas que é a ‘primeira vez que o argumento reúne condições processuais de ser examinado, diante do aprofundamento e aperfeiçoamento da matéria pelo Supremo Tribunal Federal.

Conclui assim:

5. Dispositivo.

Ante o exposto, com fundamento no art. 192, caput, do RISTF e no art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal, concedo a ordem de habeas corpus para declarar a incompetência da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba para o processo e julgamento das Ações Penais n.5046512 94.2016.4.04.7000/PR (Triplex do Guarujá), 5021365- 32.2017.4.04.7000/PR (Sítio de Atibaia), 5063130-17.2018.4.04.7000/PR (sede do Instituto Lula) e 5044305-83.2020.4.04.7000/PR (doações ao
Instituto Lula), determinando a remessa dos respectivos autos à Seção Judiciária do Distrito Federal. 

Declaro, como corolário e por força do disposto no art. 567 do Código de Processo Penal, a nulidade apenas dos atos decisórios praticados nas respectivas ações penais, inclusive os recebimentos das denúncias, devendo o juízo competente decidir acerca da possibilidade da convalidação dos atos instrutórios.

Considerada a extensão das nulidades ora reconhecidas, com fundamento no art. 21, IX, do RISTF, declaro a perda do objeto das pretensões deduzidas nos habeas corpus 164.493, 165.973, 190.943, 192.045, 193.433, 198.041, 178.596, 184.496, 174.988, 180.985, bem como nas Reclamações 43.806, 45.948, 43.969 e 45.325.

Junte-se cópia desta decisão nos autos dos processos relacionados,
arquivando-os.

Supremo Tribunal Federal

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 054F-78E6-9D0C-C38E e senha F461-6242-A60B-D2B7 HC 193726 ED / PR

Comunique-se a Presidência do Supremo Tribunal Federal, perante a qual tramita o ARE 1.311.925.

Publique-se. Intime-se.

Brasília, 8 de março de 2021.

Ministro EDSON FACHIN
Relator

Documento assinado digitalmente

Pepita Ortega, Paulo Roberto Netto e Fausto Macedo para O Estado de São Paulo, em 08.03.2021. 

(O último parágrafo do texto original foi modificado pelo editor do blog que, tendo em vista facilitar, por força do juridiquês, a melhor compreensão do leitor substituiu as três primeiras palavras. Pela mesma razão, transcreve-se na íntegra a conclusão da Decisão de 46 páginas, em PDF, do Ministro Fachin).

Dia Internacional da Mulher: Como mulheres brasileiras se desdobram na pandemia

Ainda mais sobrecarregadas por afazeres domésticos e cuidados com os filhos do que antes da crise, mulheres de diferentes classes sociais buscam meios de garantir sustento e manter produtividade no trabalho.

Quase 1,5 milhão de famílias já foram auxiliadas pelo projeto Mães da Favela, da Cufa, desde o início da pandemia

Se a realidade de muitas mulheres brasileiras já era de um acúmulo de responsabilidades, com trabalho fora, afazeres domésticos e cuidados com filhos, a pandemia só aumentou essas dificuldades. Com escolas fechadas, mães precisaram também se tornar "professoras", auxiliando no ensino remoto. Devido ao medo de contágio pelo coronavírus, elas contam também que os cuidados com a limpeza e a lavagem de roupas aumentaram. E muitas passaram a ver a subsistência de suas famílias ameaçada.

Moradora da favela de Paraisópolis, em São Paulo, Vanessa Macedo da Silva teve que encontrar uma maneira de complementar a renda familiar nestes tempos de crise. Mãe de duas filhas, uma menina de 13 anos e outra de 11 meses, ela conta que já estava desempregada quando a covid-19 chegou ao Brasil, e agora orgulha-se de dizer que se tornou empreendedora durante a pandemia.

Quando sua filha mais nova nasceu, em abril do ano passado, palavras como lockdown, quarentena, isolamento social e ensino remoto já estavam incorporadas ao vocabulário. Com a crise, seu marido foi afastado do trabalho.

"As coisas começaram a ficar difíceis, a gente passou a se privar de algumas coisas", conta ela. "O pai da minha filha mais velha não podia mais colaborar com a pensão dela, porque também ficou desempregado. Meu marido ia ao mercado e trazia só as coisas mais necessárias."

Moradora de Paraisópolis, Vanessa Macedo da Silva, mãe de duas filhas, teve que se virar para complementar a renda durante a pandemia

Ela passou a contar com a ajuda do projeto Mães da Favela, da Central Única das Favelas (Cufa). E também do colégio onde sua filha adolescente estuda, como bolsista, que começou a destinar a ela uma cesta básica mensal. "A gente dividia tudo com meus pais, já que meu pai, pedreiro, também perdeu o emprego", relata.

Vanessa conta que a correria doméstica ficou cada vez maior. Dividia-se entre os cuidados com a filha recém-nascida, as eventuais ajudas ao estudo da filha de 13 anos e a limpeza de tudo. Um balde com água sanitária passou a ficar na entrada da casa, para desinfetar tudo o que entrasse. E toda a roupa era lavada sempre que alguém vinha da rua — aumentou muito o trabalho. "Também comecei a limpar várias vezes por dia as maçanetas da porta", diz.

No meio disso tudo, ela arrumou um tempinho para assistir a cursos on-line. Decidiu que iria ter um negócio próprio. "Aí comecei a fazer geladinhos", conta. "Passei a vender pelo WhatsApp, fazendo as entregas com todos os cuidados. Com o dinheiro, dá para comprar fraldas, pagar uma continha."

"A mãe da favela se preocupa com o que o filho vai comer"

Com cestas básicas no valor de R$ 120 viabilizadas por meio de doações financeiras, o projeto Mães da Favela já beneficiou quase 1,5 milhão de famílias desde o início da pandemia. Segundo Cláudia Rafael de Oliveira, vice-presidente da Cufa, a perda de renda dos moradores dessas comunidades pobres é decorrente do fato de que a maior parte dessas mulheres trabalha ou trabalhava como empregadas domésticas.

"E esse setor foi muito afetado por conta do isolamento social, fazendo com que muitas delas ficassem sem renda", diz. "Muitas mulheres, mães, também precisaram ficar em casa por conta de seus filhos, que antes eram cuidados e alimentados nas creches, que também fecharam. Com a perda financeira, essas crianças também estão passando necessidade, não têm fralda, não têm alimentação básica."

Cláudia atenta para o fato de que enquanto a preocupação da classe média é com o fato de os filhos estarem vendo muita televisão e exercitando-se menos, "a mãe da favela se preocupa com o que o filho vai comer ou não naquele dia".

"Ter comida na mesa é uma bênção de Deus", diz a ambulante Aparecida Vieira da Silva, mãe de dois filhos

Moradora da favela Jardim Ibirapuera, na zona sul de São Paulo, a ambulante Aparecida Vieira da Silva afirma que "ter comida na mesa é uma bênção de Deus". O marido ficou desempregado por conta da pandemia. Ela tem dificuldade para vender seus produtos.

"A renda caiu muito. Deixamos de comer bem, e minhas contas, de água e de luz, estão todas atrasadas", diz. Mãe de dois filhos — de 8 e 21 anos —, ela conta que o mais novo ficou sem estudar durante metade do ano passado. Para o ensino remoto, Aparecida emprestava o celular ao menino.  "Meu telefone quebrou, e ele ficou o resto do ano sem aulas", conta.

Sobrecarga, estresse e depressão

De acordo com uma pesquisa realizada no ano passado pelas organizações Gênero e Número e Sempreviva Organização Feminista, 50% das entrevistadas disseram que passaram a se responsabilizar pelo cuidado de mais alguém depois do advento da covid-19. Quarenta e um por cento das mulheres afirmaram que o trabalho aumentou, e 40% das entrevistadas disseram que o sustento da casa ficou em risco.

Essa sobrecarga tem impactos na saúde. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), publicada mês passado, as mulheres são as que mais sofreram durante a pandemia — foram entrevistados 3 mil voluntárias. Dentre as participantes do sexo feminino, 40,5% apresentaram sintomas de depressão, 34,9%, de ansiedade e 37,3% de estresse.

Cientistas mulheres e o machismo estrutural

O impacto da covid-19 na sobrecarga de trabalho das mulheres não se restringe às classes sociais mais baixas. Criadora do projeto de pesquisa Parent in Science, a bióloga Fernanda Staniscuaski, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) já vivenciava o fato de que a ascensão acadêmica das mulheres é mais difícil do que dos homens. E a pandemia escancarou essa situação.

"Nossos resultados mostram aquilo que sabemos desde sempre. As mulheres são as encarregadas e sobrecarregadas do cuidado. Seja da casa, dos filhos, dos idosos. Cuidar é tido em nossa sociedade como algo feminino. Na pandemia, o cuidado tomou o centro das nossas vidas. E isso impactou a produtividade das cientistas mulheres muito mais do que a dos homens", diz.

"Com mais demandas em casa, as mulheres estão submetendo menos artigos e conseguindo cumprir menos prazos para pedidos de bolsas, financiamento, etc. Para as docentes, isto terá um impacto negativo muito grande na sua competitividade nos próximos anos", comenta.

"A pandemia impactou a produtividade das cientistas mulheres muito mais do que a dos homens", diz a bióloga Fernanda Staniscuaski, na foto com os filhos.

Pessoalmente, sua rotina também foi muito prejudicada. "Mudou tudo. Temos três filhos, meu marido também é docente pesquisador. Então tivemos que nos reorganizar para dar contas das demandas urgentes de trabalho e as urgentes de casa, como o ensino remoto dos filhos. Eles precisam de assistência em tempo integral", conta.

"Conseguimos trabalhar apenas algumas horas por dia — e de madrugada. Muito complicado. Está tudo atrasado, sempre. Mas temos muito privilégios quando pensamos na situação da população do Brasil como um todo. Então, agora, é fazer o que dá dentro da nossa realidade", afirma.

Professora da Faculdade de Ciências da Saúde do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, a fisioterapeuta Louisiana Carolina Ferreira de Meireles Moraes concorda.

"A pandemia piorou algo que já existia antes, que é o machismo estrutural, com a mulher acabando responsável pelo cuidado dos filhos e da casa. Agora o home office é a minha realidade e a da maioria das minhas colegas professoras e pesquisadoras. Mas além do trabalho acadêmico que já é super pesado, temos que lidar com a carga de trabalho doméstico e criação dos filhos que estão sem escola há um ano. Tem sido muito tenso", conta.

Mãe de uma filha de 1 ano e meio, ela conta que tem feito um revezamento com o marido para os cuidados com a menina. Mesmo assim, não consegue dormir mais do que 5 horas por noite e está com artigos acadêmicos atrasados.

A geógrafa Talita Rondam Herechuk, professora da rede pública de ensino em Porto Alegre, vive sozinha com o filho de 6 anos e também se vê mais sobrecarregada do que nunca. 

"A maternidade é vista como uma ‘opção' individual, e geralmente a sobrecarga de trabalho recai sobre as mulheres, que são majoritariamente as responsáveis pelas atividades de cuidado dos filhos e demais membros da família", diz.

"A pandemia, na minha opinião, veio visibilizar a inexistência de suporte institucional, social, político, econômico na vida acadêmica das mães cientistas e intensificou a sobrecarga de trabalho sobre nós", afirma ela, que é doutoranda na UFRGS.

"[Desde que começou a pandemia] todos os dias eu desisto do doutorado e todos os dias eu volto a insistir", resume ela. "Quantas outras mulheres mães que são pesquisadoras no Brasil estão na mesma condição de sobrecarga, colocando em risco a sua saúde mental e física e a de outros para 'dar conta' de coisas que deveriam estar sendo gerenciadas ou resolvidas pelo poder público neste momento da pandemia?", questiona.

"Sinto como se eu fosse uma equilibrista de pratos. Tipo aquelas que vemos no circo. No entanto, sinto que estou equilibrando a vida, e os pratos são muitos pesados. Não quero perdê-los, mas as estratégias individuais estão escassas e necessitamos com urgência de estratégias coletivas de amparo às mães, não só as que são pesquisadoras, mas todas as mães brasileiras", afirma.

Publicado originalmente pela Deutsche Welle Brasil, em 08.03.2021

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AS HEROÍNAS DO BRASIL

Anita Garibaldi

Chamada de "heroína dos dois mundos", a catarinense Ana Maria de Jesus Ribeiro, mais conhecida como Anita Garibaldi (1824-1849), lutou pelos ideais republicanos ao lado do marido, Giuseppe Garibaldi, tanto no Brasil quanto na Itália, respectivamente, na Guerra dos Farrapos e no movimento pela unificação italiana. Desde 2012, seu nome está inserido no "Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria".

Bárbara de Alencar

O livro no Panteão da Pátria em Brasília também inclui Bárbara de Alencar (1760-1832). A avó do escritor José de Alencar participou da Confederação do Equador, impulsionando o ideal republicano no Ceará no inicio do século 19. Ainda hoje se pode visitar a masmorra em que foi presa e torturada na fortaleza que dá nome à capital alencarina. Ela é considerada a primeira presa política do Brasil.

Ana Néri


Em 2009, a baiana Ana Justina Ferreira Nery (1814-1880) iniciou a lista das Heroínas da Pátria. Depois de viúva, ela partiu com seus três filhos para frente de batalha na Guerra do Paraguai, onde cuidou de feridos, organizou hospitais de campanha e montou uma enfermaria às próprias custas na ocupada capital paraguaia. Ganhou a fama de "Mãe dos Brasileiros" e primeira enfermeira do Brasil.


Jovita Feitosa

Aos 17 anos, a cearense Antônia Alves Feitosa (1848-1867), conhecida como "Jovita", travestiu-se de homem para lutar na Guerra do Paraguai. Mesmo com sua identidade desmascarada, foi aceita no corpo de voluntários e ganhou fama nacional, mas foi impedida de ir ao campo de batalha. Foi incluída no Livro das Heroínas da Pátria em 2017 e hoje dá nome a uma importante avenida da capital do seu estado.

Maria Quitéria

Como "Soldado Medeiros", a baiana Maria Quitéria de Jesus Medeiros (1792-1853) participou ativamente nas lutas pela independência do Brasil em 1822. Sua habilidade com armas e disciplina militar fizeram com que ela permanecesse no exército mesmo depois de sua identidade ter sido revelada. Foi a primeira mulher a entrar em combate pelo Brasil e condecorada pelo próprio imperador Dom Pedro 1°.

Joana Angélica

Se Maria Quitéria foi a guerreira das lutas pela independência na Bahia, a freira Joana Angélica de Jesus (1761 - 1822) é considerada a mártir desse movimento. No ano de sua morte, os saques praticados pelas tropas portuguesas em Salvador também atingiram o Convento da Lapa, no qual era abadessa. Ao tentar impedir que entrassem no convento, Joana Angélica foi esfaqueada por um dos soldados.

Maria Felipa de Oliveira

A luta pela independência na Bahia teve a participação de outra importante personagem: Maria Felipa de Oliveira. A marisqueira e pescadora da ilha de Itaparica liderou um grupo de mulheres e homens de diferentes classes e etnias, combatendo tropas portuguesas e incendiando navios que se preparavam para atacar Salvador. Ela é conhecida como a Heroína Negra da Independência.

Clara Camarão

No século 17, a índia potiguar Clara Camarão participou junto ao marido, Felipe Camarão, também um Herói da Pátria, das lutas de resistência contra as invasões holandesas no Nordeste brasileiro. Para os historiadores, embora pouco se saiba sobre a vida da guerreira potiguar, seu reconhecimento como Heroína da Pátria dá destaque a personagens indígenas pouco prestigiados na história do Brasil.


Zuzu Angel

Zuzu Angel (1921-1976) é a única mulher da recente história brasileira a ser reconhecida como Heroína da Pátria. Segundo a jornalista Hildegard Angel, o nome de sua mãe está junto a todos aqueles que sofreram sob a ditadura. Após a morte de seu filho pelo regime em 1971, a estilista passou a denunciar as arbitrariedades dos militares. Morreu em acidente de carro atribuído aos agentes de repressão.


Heroínas desconhecidas

Em 2019, a Mangueira se tornou campeã do Carnaval carioca com enredo que fala dos heróis e heroínas desconhecidas do Brasil. Uma delas foi Esperança Garcia, reconhecida simbolicamente pela OAB como a primeira advogada do Piauí. Em 1770, ela escreveu uma petição ao presidente da província, denunciando maus- tratos e abusos sofridos por ela e seu filho na fazenda em que eram escravos.

Marias, Mahins, Marielles, malês

Além de Dandara dos Palmares, defensora da liberdade dos negros ao lado do marido, Zumbi, foram lembradas Luísa Mahin, que articulou o levante de escravos na Bahia conhecido como Revolta dos Malês; e Marielle Franco, política e ativista assassinada em 2018 no Rio de Janeiro. "Brasil, chegou a vez de ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês", lembra o samba-enredo da escola vencedora.

Texto e seleção de fotos: Carlos Albuquerque para a Deutsche Welle Brasil, em 08.03.2021. Dia Internacional da Mulher.

Uma transformação muito positiva

Ao diminuir os incentivos a partidos nanicos, a cláusula de barreira é um passo importante para reduzir a atual fragmentação partidária
 
      


O cenário político está tão conturbado que se pode perder de vista uma transformação muito positiva que vem ocorrendo aos poucos. Se de fato for completada, essa mudança pode proporcionar benefícios importantes para a qualidade da representação do regime democrático e para o ambiente de negociação das políticas públicas. Refere-se aqui à diminuição do número de partidos políticos, fruto da cláusula de barreira que começou a ser aplicada em 2019.

Para ter uma ideia da transformação que a cláusula pode gerar, apenas 18 dos 33 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) atingiram o patamar mínimo de 2% dos votos válidos com base nas votações em candidatos a vereador em 2020, segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).

A taxa de 2% de votos válidos é o limite mínimo fixado pela Emenda Constitucional (EC) 97/2017 para que, na legislatura seguinte às eleições de 2020, partidos políticos tenham acesso aos recursos do Fundo Partidário e à propaganda gratuita de rádio e televisão. Caso não aumentem sua representatividade em 2022, legendas como PV, Pros, PCdoB, Novo, Rede e PSTU não terão direito a recursos públicos e a tempo de rádio e televisão.

Ao diminuir os incentivos a partidos nanicos, a cláusula de barreira é um passo importante para reduzir a atual fragmentação partidária. Um sistema político com 33 partidos é uma aberração disfuncional.

A quantidade atual de legendas não gera melhor representação. Há muitas siglas para o eleitor votar, mas não há um aumento de opções políticas viáveis. Para que sejam minimamente efetivas, propostas políticas demandam um mínimo de representatividade.

Além disso, a diminuição do número de partidos pode contribuir para um ambiente de negociação política menos fisiológico. A fragmentação partidária é um convite à transformação da política em balcão de negócios. No regime vigente, mesmo os poucos eleitores que votam em partidos nanicos saem enfraquecidos, uma vez que seus representantes não dispõem de mínima relevância representativa no Legislativo. Há apenas uma ilusão de representação.

Em razão de seus bons frutos, a cláusula de barreira é adotada em muitos países. Por exemplo, Alemanha, Suécia e Noruega têm porcentuais mínimos acima de 4%. No Brasil, há um bom tempo tenta-se implantar algum limite para as legendas. Aprovada em 1995, uma primeira versão da cláusula de barreira foi declarada inconstitucional pelo Supremo em 2006.

Em 2017, o Congresso aprovou a atual cláusula de barreira, a ser implementada gradativamente. Por exemplo, a partir de 2026, os partidos precisarão alcançar 2,5% dos votos válidos ou eleger 13 deputados federais. Além de ser menos restritiva do que a de 1995, a nova cláusula foi aprovada por meio de uma Emenda Constitucional, o que evita eventuais discussões sobre inconstitucionalidades.

É de justiça reconhecer que a diminuição do número de partidos políticos não é mero resultado de disposições legais. O próprio eleitor concentra o seu voto em alguns partidos. Nas últimas eleições, por exemplo, cinco partidos se destacaram pelo número de prefeitos eleitos: MDB (783), Progressistas (687), PSD (654), PSDB (521) e DEM (466). Depois, com números bem menores, ficaram o PT (182) e o PSL (90).

Essa concentração de votos mostra que, mesmo com muitas legendas, o eleitorado encontra sua representação em alguns poucos partidos. Ou seja, é o próprio eleitor que distribui desigualmente os votos entre as legendas.

Além de evidenciar que a cláusula de barreira não diminui a representatividade política, a concentração de votos em alguns partidos mostra que, no conjunto das 33 legendas, existem realidades muito díspares. Há partidos, por exemplo, com enorme capilaridade, capazes de eleger cinco centenas de prefeitos.

Ao fixar limites mínimos de representatividade, a cláusula de barreira ajuda a diferenciar os partidos das meras siglas. Sua aprovação foi uma vitória importante, que não merece ser desfeita. Seus frutos podem gerar um novo cenário político.

Editorial / Notas&Informações, O Estado de São Paulo, em 08 de março de 2021. / Assine o Estadão.

Trumpista venceu licitação para blindagem na PRF

Dias após garantir contrato com corporação subordinada ao governo federal, Daniel Beck foi à marcha que terminou na invasão do Capitólio

A empresa Combat Armor Defense do Brasil, cujo presidente é o americano Daniel Beck, conhecido militante trumpista participante da marcha em Washington que terminou no dia 6 de janeiro na invasão do Capitólio, ganhou em dezembro uma licitação de R$ 11,7 milhões para blindar veículos da Polícia Rodoviária Federal (PRF). A contratação ocorreu por pregão eletrônico, para transformações de viaturas da Superintendência da PFR do Rio. A PRF é subordinada ao Ministério da Justiça.

A Combat Armor Defense também venceu uma segunda licitação, no Ministério da Defesa, em 24 de novembro de 2020 para a compra de uma caminhonete blindada no valor de R$ 273 mil, mas a reportagem não encontrou no Portal da Transparência informações sobre a assinatura desse contrato. A empresa se instalou no Brasil em 2019, em Vinhedo (SP), após a eleição de Jair Bolsonaro. 


Viaturas blindadas pela Combat Armor Defense, empresa presidida por Daniel Beck Foto: COMBATARMORDEFENSE.COM

Beck fez campanha para a reeleição de Donald Trump. Ele é adepto de teorias da conspiração que, sem apresentar provas, alegam que a eleição de Joe Biden foi fraudada. Também afirmava em janeiro que Trump teria um segundo mandato, apesar de ter sido derrotado nas eleições de 2020. Defendia ainda o uso da ivermectina contra a covid-19 e dizia que a maior epidemia do mundo hoje é a de pedofilia e não a causada pelo Sars-Cov-2.

O empresário é filho do fundador da empresa, Doyle Beck. Dan Beck esteve presente em Washington, no Trump International Hotel, no dia 5 de janeiro deste ano (véspera da invasão ao Congresso dos EUA) e postou vídeo em suas redes sociais dizendo que havia se encontrado com Rudolph Giuliani, então advogado de Trump, e com Michael Lindell, CEO da empresa Mypillow, conselheiro de Trump. Lindell mantém contatos com o filho do presidente Bolsonaro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) pelo menos desde 2018. Eduardo estava em Washington naquele dia.

Em seu site, a Combat Armor informa estar presente em 30 países. No Brasil, pretende vender veículos blindados e blindagens para as polícias estaduais e para o Exército. Um de seus principais produtos é uma versão do caveirão, feita por meio da adaptação de um picape. Ela foi testada pelas polícias do Rio, Espírito Santo e Minas. A direção da empresa demonstra ter interesse nos Bolsonaros - entre as 17 pessoas que o perfil dela segue nas redes sociais estão os de toda a família Bolsonaro.

A licitação da PRF que deu origem ao contrato com a empresa dos aliados de Trump foi lançada em dezembro passado e finalizada no mesmo mês. Era na modalidade "Pregão Eletrônico", em que o governo apresenta um preço de referência e sai vencedora a empresa que dá o maior desconto em relação a esse preço. No caso desta compra, não houve desconto.

Segundo dados do Portal da Transparência, a Combat Armor Defense venceu dois itens da disputa (que tinha cinco itens) apresentando o mesmo preço de referência, uma vez que teve adversários. Ela levou o principal item, que consistia na adaptação de 30 Viaturas Blindadas de Operações Táticas (VBOTs), enquanto os demais itens tinham uma viatura cada. Esse lote estava orçado em R$ 11,5 milhões - o outro item incluía a reforma de uma viatura com caçamba por R$ 200 mil.

A outra empresa na disputa - Linkway Importação e Exportação - venceu três itens, num valor total de R$ 610 mil. Até 31 de dezembro, a PRF já havia empenhado R$ 11,1 milhões. Foi a primeira vez que a Combat, criada segundo a Junta Comercial paulista em março de 2019, fez negócios com o governo brasileiro. O Estadão procurou representantes da Combat Armor Defense na sede da empresa. Mas ninguém atendeu. Também procurou ontem a PRF e o Ministério da Defesa.

Bruno Ribeiro e Marcelo Godoy, O Estado de São Paulo, em 08 de março de 2021. / Contribua com a resistência em favor das liberdades democráticas - assine o Estadão.

Para os EUA, descontrole da pandemia no Brasil e variante ameaçam o mundo

Autoridades da saúde e do governo americano estão em estado de alerta e afirmam que nenhum país estará seguro enquanto a disseminação do coronavírus continuar a crescer, pelo risco de surgirem novas variantes, mais transmissíveis e também agressivas

 Uma ameaça para o mundo. É assim que a imprensa americana retrata a atual situação da pandemia de coronavírus no Brasil, ecoando a preocupação de cientistas, autoridades da área de saúde e do governo americano sobre os efeitos do descontrole da propagação de uma nova variante do Sars-CoV-2 no País.

País tem falta de ações nacionais e baixa adesão a medidas restritivas: bloqueio a brasileiros deve se intensificar para barrar variante Foto: Felipe Rau/Estadão

Nos EUA, a população já discute quando a vida poderá voltar ao normal, diante da aceleração do ritmo de vacinação e da indicação de que até o fim de maio o país terá doses de imunizante para todos. Depois de um ano como epicentro da pandemia, os EUA agora veem uma luz no fim do túnel e a ameaça do lado de fora. Mais especificamente no Brasil.

“Há uma sensação de alarme sobre a natureza não controlada da pandemia no Brasil e o ritmo lento da vacinação – especialmente agora que o Brasil é a fonte de uma nova e preocupante variante da covid-19”, afirma Anya Prusia, do Brazil Institute do Centro de Estudos Wilson Center, em Washington. “A atenção aqui está voltada para a disseminação dessa cepa mais contagiosa, a P.1, que se originou em Manaus.” 

Os primeiros dois casos da variante P.1 foram registrados nos EUA em janeiro, horas depois de o presidente Joe Biden revogar uma decisão de Donald Trump e recolocar a restrição de viagens do Brasil aos EUA.

Duas pessoas que estiveram no Brasil foram diagnosticadas com a nova cepa em Minnesota. Até agora, os EUA registraram 13 casos da mutação, em ao menos sete Estados. Mas ainda não há transmissão comunitária, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Mas não foi a chegada nos EUA da cepa de Manaus que alarmou os americanos e sim a recente situação da pandemia no Brasil, que tem batido recorde de mortes. “Enquanto a pandemia continuar a crescer, ninguém estará a salvo”, disse o porta-voz do Departamento de Estado americano, Ned Price, em coletiva de imprensa.

Em pronunciamentos e entrevistas recentes, o principal infectologista do governo americano, Anthony Fauci, tem ressaltado que a cepa P.1 está associada a uma maior transmissibilidade e à preocupação de que a mutação possa interromper a imunidade induzida naturalmente e pela vacina.

Há cerca de um mês, Fauci afirmou que isso preocupa os americanos, que não devem derrubar tão cedo o bloqueio de passageiros que estiveram no Brasil. Nesta semana, ele voltou ao tema. “O Brasil está numa situação muito difícil. A melhor coisa é vacinar o maior número de pessoas o mais rápido possível”, disse Fauci, que chegou a dizer que os EUA poderiam ajudar os brasileiros.

O ritmo de vacinação nacional, porém, não anima. O Washington Post descreveu a vacinação brasileira como um processo de “escassez e atrasos”, enquanto o The New York Times reporta uma vacinação lenta e sem sinalização de melhora.

“O país atingiu o pior momento. Surgiram variantes que parecem mais mortais para pessoas saudáveis, e os cientistas documentaram coinfecção por múltiplas variantes”, escreveu Kevin Ivers, vice-presidente da consultoria americana DCI Group, em relatório. “A preocupação é que a disseminação acelere essas coinfecções no Brasil e leve a uma explosão de novas variantes mais agressivas.”

A situação brasileira foi definida pelo Washington Post, no dia 4, como “terreno fértil” para outras variantes. O risco foi mencionado também por cientistas, como Bill Hanage, epidemiologista da Faculdade de Saúde Pública da Universidade Harvard (leia a entrevista aqui).

Nas redes sociais, o também epidemiologista e economista da área da saúde Eric Feigl-Ding, membro da Federação de Cientistas Americanos, postou que o Brasil precisa da ajuda de líderes estrangeiros. “A epidemia descontrolada do Brasil será uma ameaça ao mundo, mas ainda não é muito tarde”, disse ao Estadão. “Mas é preciso ter sequenciamento genético, controle de fronteiras, quarentenas e testagem em massa.”

Para a epidemiologista brasileira Denise Garrett, vice-presidente do Sabin Vaccine Institute, com base em Washington, se o Brasil não for capaz de controlar a situação, os bloqueios de viajantes devem se intensificar. 

O neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, pesquisador da Universidade Duke, que nos últimos dias ganhou espaço em jornais estrangeiros pedindo uma pressão de outras nações sobre o Brasil, chama a atenção para a “geopolítica da pandemia”. “É a diplomacia do século 21. Já tem países trocando mercadorias por vacinas”, afirmou. “Se o fluxo ficar desimpedido, a doença desse país vai migrar para os outros.”

Falta de liderança

Na imprensa e entre analistas americanos, Jair Bolsonaro é o presidente que propaga desinformação, é cético sobre a vacina e está em choque com governadores. “Como aconteceu com Trump, o vácuo de liderança de Bolsonaro deu ao vírus abertura para se espalhar”, disse o Washington Post. Um dia antes, o The New York Times colocou a preocupação com o Brasil em sua capa.

A crise no País já chamou a atenção no ano passado, com as imagens de cemitérios lotados em Manaus e São Paulo. Desta vez, a preocupação é diferente, porque o que acontece no Brasil, segundo os americanos, pode colocar em xeque os avanços do resto do mundo.

Beatriz Bulla, correspondente d'O Estado de São Paulo em Washington, DC e Giovana Girardi, da redaçao no Brasil. Em 08.03.21.