domingo, 7 de março de 2021

Brasil registra 1.086 mortes em 24 horas

Total de óbitos associados à covid-19 supera 265 mil, segundo números do Conass. São identificados mais de 80 mil novos casos da doença.



Hospital de campanha em Santo André, no estado de São Paulo

O Brasil registrou neste domingo (07/03) 1.086 mortes associadas à covid-19, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).

Foram identificados 80.508 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções contabilizadas no país subiu para 11.019.344, enquanto os óbitos chegam a 265.411.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 9.704.351 pacientes haviam se recuperado até este sábado.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 126,3 no Brasil, a 21ª mais alta do mundo, quando desconsiderados os países nanicos San Marino, Liechtenstein e Andorra.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 28,9 milhões de casos, e da Índia, com 11,2 milhões. Mas é o segundo em número absoluto de mortos, já que mais de 524 mil pessoas morreram nos EUA.

Ao todo, mais de 116,7 milhões de pessoas já contraíram oficialmente o coronavírus no mundo, e mais de 2,59 milhões de pacientes morreram.

Deutsche Welle Brasil, e 07.03.2021

Bolsonaro abre novo confronto com governadores

No auge da pandemia no Brasil, presidente reforça críticas a medidas de isolamento social adotadas por estados e municípios e resiste a que governos locais possam comprar vacinas diretamente.

Bolsonaro cancelou dois pronunciamentos em rede nacional, nos quais atacaria políticas dos estados

O choque entre o presidente Jair Bolsonaro e governadores e prefeitos sobre as medidas de combate à pandemia de covid-19 se acentua enquanto o país bate recordes de mortes diárias e de ocupação de UTIs, com perspectiva de piora nas próximas semanas. Além de discordância sobre normas que restringem a movimentação de pessoas, o embate se dá sobre iniciativas para que os governos locais possam comprar vacinas diretamente dos produtores.

São Paulo, estado mais populoso do país, está na fase vermelha de restrições desde sábado (06/03), que permite apenas o funcionamento de atividades essenciais. Na cidade do Rio de Janeiro, bares e restaurantes devem fechar às 17h desde sexta-feira. Em Santa Catarina, um decreto proibiu serviços não essenciais neste sábado e domingo. Decisões semelhantes foram tomadas em outras regiões do país.

No nível federal, Bolsonaro insiste em uma postura contrária ao isolamento social e negacionista em relação à gravidade da pandemia. Na quinta-feira, um dia após o país bater seu recorde de mortes diárias, com 1.910 óbitos, o presidente disse que fechar o comércio seria "frescura". "Chega de frescura, de mimimi, vamos ficar chorando até quando?", afirmou.

Na sexta-feira, o presidente anunciou que havia pedido a auxiliares que preparassem um projeto de lei para ampliar a lista de atividades essenciais que poderiam seguir abertas durante as restrições aplicadas por municípios e estados. "Atividade essencial é toda aquela necessária para o chefe de família levar o pão para casa", afirmou Bolsonaro.

O presidente também cogita fazer um pronunciamento em rede nacional de rádio e televisão para, entre outros pontos, criticar os prefeitos e governadores que restringiram a circulação de pessoas. O discurso seria transmitido inicialmente na terça-feira, foi postergado para quarta-feira e, depois, adiado novamente por sugestão de seus assessores próximos.

Federalismo de confronto

A estratégia de Bolsonaro de confrontar os prefeitos e governadores é vista como um cálculo político para se isentar da responsabilidade pela gestão da pandemia, e ameaça desestruturar o sistema federativo brasileiro, que deveria se basear na coordenação entre os diferentes níveis de governo.

Já em março de 2020, no início da pandemia, quando o Brasil se preparava para a primeira onda da covid-19 e alguns prefeitos e governadores anunciavam medidas restritivas, Bolsonaro editou uma medida provisória concentrando no governo federal o poder de determinar as regras sobre a movimentação de pessoas.

A iniciativa do presidente não prosperou. Em abril, o Supremo Tribunal Federal derrubou a medida e autorizou governadores e prefeitos a regulamentarem o tema, em decisão recebida de forma indignada por Bolsonaro. Em maio, o presidente editou um decreto incluindo salões de beleza, barbearias e academias no rol de serviços essenciais, mas foi ignorado por parte dos estados e municípios.

O comportamento do governo federal como um todo, porém, tem uma lógica dúbia. Ao mesmo tempo em que Bolsonaro questiona a eficácia dos imunizantes e critica as medidas de restrição, para mobilizar sua base de apoiadores, o Ministério da Saúde faz divulgações pontuais de que vai comprar mais vacinas, como a indiana Covaxin ou a da Pfizer/Biontech. Os anúncios e estimativas da pasta, contudo, costumam ser inflados e os acordos ainda dependem de outros passos para se efetivarem. A Covaxin, por exemplo, ainda não teve aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), e o contrato com a Pfizer ainda não foi fechado.

Reação dos estados e municípios

As críticas do presidente às medidas de isolamento social têm efeito negativo na eficácia das decisões de prefeitos e governadores, pois confundem a população e quebram a unidade necessária para o sucesso das regras de isolamento. Mas os governos locais já estão respaldados pela decisão do Supremo para seguir com essas medidas.

O que preocupa os governadores neste momento é a compra de vacinas, que está centralizada no Ministério da Saúde e tem um fornecimento lento, restrito a poucos fornecedores e inconstante. Na quinta-feira, 14 governadores enviaram uma carta a Bolsonaro pedindo providências para aquisição de mais doses. No texto, eles argumentam estarem "no limite de suas forças e possibilidades" e que "nas próximas semanas, talvez meses, a pandemia seguirá ceifando vidas, ameaçando, desafiando e entristecendo todos nós".

Alguns líderes estaduais se preparam para buscar fontes alternativas. Um deles é o governador de São Paulo, João Doria, que já impôs uma derrota ao presidente ao trazer a Coronavac ao país por meio de uma parceria com o Instituto Butantan. Bolsonaro inicialmente havia dito que não compraria o imunizante, mas depois cedeu e o Ministério da Saúde adquiriu toda a produção da vacina pelo Butantan. Na terça-feira (02/03), em reunião virtual com 617 prefeitos do estado de São Paulo, Doria prometeu ir além da Coronavac e comprar 20 milhões de doses da vacina da Pfizer/Biontech e já aprovada pela Anvisa, e outras 20 milhões de doses do imunizante russo Sputnik V, ainda não liberado pela agência, para serem aplicadas em moradores de São Paulo.

Outros governadores também negociam a compra direta de vacinas. No final de fevereiro, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul aprovou o remanejamento de verbas para comprar vacinas e o governo local negocia a compra de doses da Pfizer e da Sputnik V. Há iniciativas semelhantes no Espírito Santo e em Santa Catarina, entre outros estados.

O Consórcio Nordeste, composto por nove governadores da região, tem um pré-contrato para comprar 50 milhões de doses da Sputnik V, e entrou com ação no Supremo para poder adquirir e aplicar o imunizante sem a necessidade de aprovação da Anvisa, ainda não julgada pela Corte.

Na sexta-feira, governadores do Consórcio da Amazônia, composto por nove estados, reuniram-se com o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Todd Chapman, para pedir ajuda aos norte-americanos para viabilizar a compra de 10 milhões de doses de vacinas para os moradores da região.

Os municípios têm menos capacidade financeira para negociar a aquisição de imunizantes com os laboratórios, mas também entraram no circuito. A Frente Nacional de Prefeitos lidera um consórcio de cidades para comprar vacinas, que já tem mais de 100 municípios participantes. E a Confederação Nacional dos Municípios divulgou nota na quinta-feira na qual defende que, na ausência de liderança do governo federal, estados e municípios passem a comprar vacinas.

Essas iniciativas de compra descentralizada desagradam o governo federal, que não quer repartir a responsabilidade pela aquisição dos imunizantes com os governos locais e perder o protagonismo na vacinação, como ocorreu no episódio com Doria, fotografado ao lado da primeira pessoa vacinada no país. Segundo o jornal Valor, o Ministério da Saúde informou os laboratórios que negociações para a venda de vacinas diretamente aos governadores, individualmente ou em grupo, não seriam bem recebidas pelo governo federal, que tem os recursos para fazer as compras em maior escala.

Compra descentralizada de imunizantes

Apesar da crescente mobilização, o plano de governadores e prefeitos para comprar vacinas diretamente tem alguns obstáculos. O primeiro é a escassez global do insumo em todo o mundo, que não impede a aquisição, mas pode atrasar as entregas.

Além disso, há o gargalo da aprovação pela Anvisa, que até o momento concedeu registro definitivo apenas para a vacina da Pfizer/Biontech e autorização para uso emergencial para a Coronavac e a vacina de Oxford/AstraZeneca, distribuída no país em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Por fim, há dúvidas sobre a legalidade de os governos assinarem contratos com fornecedores que os isentem de responsabilidade por eventuais efeitos colaterais dos imunizantes.

Há soluções para esses entraves sendo construídas em Brasília. Em 23 de fevereiro, o Supremo autorizou estados e municípios a comprarem e distribuírem vacinas se o governo federal não cumprir o Plano Nacional de Imunização contra a covid-19 ou se as doses forem insuficientes. Na mesma decisão, a corte definiu que a Anvisa tem um prazo de 72 horas para avaliar pedidos de registro de vacinas que governos locais queiram comprar. Após esse prazo, a importação seria liberada se o imunizante já tiver sido aprovado por agências reguladoras da Europa, dos Estados Unidos, do Japão ou da China.

Regra semelhante foi introduzida pelo Congresso em uma medida provisória sobre a adesão do Brasil ao consórcio internacional de vacinas Covax Facility. A norma deu cinco dias para a Anvisa aprovar o uso emergencial de vacinas que já tivessem recebido o aval de pelo menos uma de oito autoridades sanitárias estrangeiras. Esse trecho, porém, foi vetado por Bolsonaro na segunda-feira (1º/03), e cabe ao Congresso manter ou derrubar o veto do presidente.

Outro caminho para a descentralização da compra de vacinas está em um projeto de lei aprovado na terça-feira pelo Congresso. O texto autoriza a aquisição das vacinas por estados e municípios, desde que aprovadas pela Anvisa, e permite que União, estados e municípios assumam a responsabilidade de indenizar cidadãos por efeitos colaterais e contratem seguros para eventuais riscos ligados aos imunizantes. O projeto aguarda a sanção ou veto de Bolsonaro.

Deutsche Welle Brasil, em 07.03.2021

Fernando Henrique Cardoso: A epidemia e a política

Como disse o senador Jereissati, é preciso gritar alto um ‘basta’ e dar nome aos bois

Primeiro é bom ressaltar que a “crise” (usa-se tão amiúde o vocábulo que ele acaba por perder o significado) começou a se manifestar antes do maldito vírus ter sido percebido entre nós. Nisso me refiro à “crise econômica”, não à política, que parece ser permanente em nosso caso. Mas o certo é que o mar tranquilo em que navegaram os governos de Lula e, parcialmente, de Dilma perdeu-se no passado, antes da pandemia, apesar dos esforços corretos do governo Temer.

Com isso não quero dizer que o governo Bolsonaro seja “o” responsável pelos descaminhos por que passa a economia brasileira. A questão é mais complicada, depende de vários fatores, alguns internacionais. Tampouco seria correto imaginar que a pandemia seja “a causa” do fraco desempenho da economia. Este a antecedeu.

Mas, convenhamos, é muita má sorte do País ter de enfrentar, além da epidemia, uma economia trôpega, com exceção apenas do setor agrícola. Este já ia bem e assim continua, ao menos quanto às exportações. Pior, aos maus ventos anteriores somou-se o apego popular a um líder que não chega a ser populista, mas parece haver-se sentado numa cadeira na qual não se sente bem, ou não foi preparado para ela, apesar dos anos de Câmara. Os tempos de “baixo clero” fazem custar-lhe a se adaptar a situações novas. Coisas da democracia.

Os mais inquietos só veem uma saída, o impeachment. Eu, que já vi de perto dois, sou cauteloso: é alto o custo político de uma intervenção congressual no que foi popularmente decidido. Às vezes não há outro jeito. Mas tal desiderato depende mais das ações (ou inações) de quem foi eleito do que, como comumente se diz, da “vontade política”. É melhor ir devagar com o andor

Melhor aguentar quem hoje manda – o quanto seja possível – e preparar candidatos para as próximas eleições que possam bem desempenhar a função presidencial. Enquanto isso não ocorre, aproveitemos o tempo para treinar civicamente o eleitorado. Ingenuidade? Talvez. Mas sem certa dose de otimismo corre-se o risco de jogar fora não só a água do banho, mas a criança, a democracia.

Quousque tandem?, perguntava Cícero na antiga Roma. Vale repetir a pergunta: até que ponto os “mimimis” de Bolsonaro serão suportáveis? Ninguém sabe ao certo, e ele pode dar a volta por cima. Em larga medida depende não só da paciência do povo, mas dele próprio, Bolsonaro, manter seus “fiéis” e também conter seus impulsos de franqueza autoritária. Do ponto de vista político, mais que tudo depende de quem vocalize o “outro lado”. Por enquanto o que se vê é uma mídia quase unânime na crítica à falta de condições de quem nos governa para manter um mínimo de coerência na ação. É muito, mas é pouco. Enquanto não aparecer alguém com força para expressar outro caminho viável, o presidente leva vantagem.

A verdade é que os partidos ou não são capazes de se opor, ou quando o fazem não convencem os seguidores de forma a abalar quem está no poder. Será sempre assim? Depende, por exemplo, dos trejeitos do presidente, que costuma jogar a culpa nos outros, ou, em outro exemplo, menosprezar o sofrimento das vítimas da pandemia. Mas depende, sobretudo, do surgimento de quem encarne “o novo”. Como disse o senador Jereissati, é preciso gritar bem alto um “basta” e dar nome aos bois.

Não é novidade que o sistema de partidos, por si, perdeu a capacidade de guiar as escolhas populares. Daí que o que aparece como “personalismo” acaba por ser condição necessária para sair da paralisia em que nos encontramos. E enquanto houver democracia e liberdade de opinião, o verbo conta. As falas, por enquanto não chegam a ser ouvidas pelos eleitores. Há, sim, murmúrios no povo, mas não ainda contra quem governa, e sim contra a difícil situação de vida.

De imediato, o que interessa é a saúde. Logo depois será o emprego. Os dados recentes mostrando um encolhimento de 4,1% do PIB somam-se ao aumento consequente do desemprego, que vinha de antes. Se já havia 12% de desempregados, agora não se trata apenas de serem 13% ou 14%, mas de a economia não dar sinais de vida para absorver cerca de 25 milhões de pessoas, somando-se aos que procuram trabalho, os “inimpregáveis”. É muita gente. Terminada a pandemia (oxalá!), daremos com a insuficiência da economia para abrigar tantos, principalmente os de menor qualificação.

O panorama é desanimador. Para quem governa e para quem está contra os governantes. Só há um jeito: buscar uma trilha de maior prosperidade e alento. Recordo-me dos tempos de JK: ele “inventou” um país. Abriu a economia a capitais de fora, ampliou a produção de automóveis, expandiu a indústria naval, etc. E ainda por cima “inventou” Brasília. Reatou um sonho antigo num horizonte de esperanças. Não me esquecerei jamais da conferência que André Malraux fez na FFCL da USP, na qual mostrava a nós, críticos de tudo, o significado simbólico de transcendência da capital imaginada por Niemeyer e Lúcio Costa.

É disso que precisamos: de alguém que indique um caminho de superação e permita voltarmos a acreditar em nós próprios. E cujas palavras e ação não se percam na retórica chinfrim, mas animem muitos outros mais a dar vida ao que se propõe. Que se reinvente nosso futuro.

Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, foi Presidente da República. Este artigo foi publicado originalmente em O Estado de São Paulo, edição de 07.03.202

sábado, 6 de março de 2021

Brasil registra mais 1.555 mortes por covid-19

Número de óbitos diários em decorrência do coronavírus supera os 1,5 mil pelo quinto dia consecutivo, segundo dados do Conass. Total de mortos passa dos 264 mil. São identificados quase 70 mil novos casos da doença.


O Brasil registrou neste sábado (06/03) 1.555 mortes associadas à covid-19, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass), no quinto dia consecutivo em que a marca fica acima de 1.500 óbitos.

Foram identificados 69.609 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções identificadas no país subiu para 10.938.836, enquanto os óbitos chegam a 264.325.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 9.704.351 pacientes haviam se recuperado até este sábado.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 125,8 no Brasil, a 21ª mais alta do mundo, quando desconsiderados os países nanicos San Marino, Liechtenstein e Andorra.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 28,9 milhões de casos, e da Índia, com 11,1 milhões. Mas é o segundo em número absoluto de mortos, já que mais de 524 mil pessoas morreram nos EUA.

Ao todo, mais de 116,3 milhões de pessoas já contraíram oficialmente o coronavírus no mundo, e 2,58 milhões de pacientes morreram.

Deutsche Welle Brasil, em 06.03.2021

Governo confirma nova redução, de 8 milhões de doses, na previsão de entrega de vacinas em março

Novo cronograma divulgado neste sábado reduziu estimativa para 30 milhões de doses, descartando a distribuição de 8 milhões de doses da Covaxin

Governo divulgou novo cronograma de distribuição de imunizantes Foto: Michael Weber / Agência O Globo

O Ministério da Saúde divulgou neste sábado um novo cronograma de entrega de doses de vacinas e confirmou uma nova redução na expectativa de entrega de imunizantes neste mês de março. A nova previsão é de apenas 30 milhões de doses, descartando a distribuição de 8 milhões de doses da Covaxin, do laboratório indiano Bharat Biotech, que nem sequer pediu ainda autorização para uso emergencial à Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Na quarta-feira, a pasta ainda previa distribuir esse imunizante e já tinha reduzido a estimativa de doses entregues de 46 milhões de doses para 38 milhões.

O governo federal vem sendo pressionado a adquirir mais imunizantes, mas encontra dificuldades para dar ritmo à campanha de vacinação, iniciada em fevereiro. Atrasos na importação de Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), matéria-prima para a confecção de vacinas, já provocou postergação de entrega de doses da Coronavac, desenvolvida pelo instituto Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac, e da Covishield, desenvolvida pela Fiocruz junto com a Universidade de Oxford e o laboratório AstraZeneca. Estas são as únicas vacinas já disponíveis no Brasil até agora.

Reportagem do GLOBO mostrou que o país contratou até agora doses que seriam suficientes para imunizar somente 65% da população e que se o ritmo lento da vacinação persistir somente em abril de 2022 seria atingido o índice de 70% da população vacinada, considerado um limiar mínimo para garantir a imunidade de rebanho contra o vírus.

Covid-19: Estudo sugere que vacina da AstraZeneca pode ser adequada contra variante brasileira

A distribuição das doses previstas para março será iniciada na próxima semana. Segundo nota do Ministério da Saúde, “as previsões de entrega são enviadas à pasta pelos fornecedores dos imunizantes e estão sujeitas a alterações, de acordo com a disponibilidade dos laboratórios e a real quantidade de doses entregues, que pode variar conforme o ritmo de produção dos insumos”.

O governo federal prevê distribuir durante o mês 23,3 milhões de doses do Instituto Butantan, enviadas em remessas semanais. Outras 3,8 milhões da vacina da AstraZeneca/Oxford, previstas para a segunda quinzena do mês, provenientes do primeiro lote produzido no Brasil pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) com matéria-prima importada. Também são esperadas mais 2,9 milhões de doses do mesmo imunizante, adquiridos via consórcio Covax Facility.

A partir de recebidas as doses, o Ministério da Saúde informou que organizará a divisão de forma proporcional e igualitária aos estados e Distrito Federal. Posteriormente, a doses são enviadas aos estados, responsáveis pela distribuição dos imunizantes a todos os municípios brasileiros, que aplicarão as vacinas em 38 mil salas de vacinação.

Imunização: Mais de 1.700 municípios se juntam a consórcio para comprar vacinas cotntra Covid e repudiam fala de Bolsonaro sobre 'idiotas'

A lentidão nas negociações da pasta para a compra de vacinas emperra ainda a aquisição de 161 milhões de doses pelo governo federal. A pasta está em tratativas, mas ainda sem fechar contrato, com quatro laboratórios: União Química, Pfizer, Janssen e Moderna.

Segundo a pasta, das vacinas contratadas, devem ser entegues 112 milhões de doses pela Fiocruz até julho, enquanto o Instituto Butantan forneceria 100 milhões de doses até setembro. Pelo consórcio da Covax Facility, viriam mais 6,1 milhões de doses até maio e a previsão é de 42,5 milhões de unidades no total, até dezembro. Em relação à Covaxin, a estimativa é de entrega de 20 milhões de doses no primeiro semestre.

Carolina Brígido e Eduardo Bresciani, O Globo, em 06/03/2021

Ascânio Saleme: Na casa da tua mãe

A frase foi usada por Bolsonaro, em agenda em Uberlândia (MG), para falar sobre "idiota que pede compra de vacina"

Jair, onde você absorveu tanta arrogância? Onde você iniciou o processo involutivo que o transformou no indivíduo tosco que deixa o Brasil atônito? Foi na casa da tua mãe.

Onde você emburreceu tanto e virou esse indivíduo desconectado do mundo civilizado? Onde você encontrou tanta gente obtusa como você para reunir ao seu redor? Foi na casa da tua mãe.

Onde você teve seu caráter desviado de forma tão radical que alcança até mesmo todos os zeros que você criou? Foi na casa da tua mãe.

Capitão, onde você construiu toda a perversidade que escorre em suas veias e baba da sua boca? Onde você foi encontrar tanto ódio que se percebe claramente no seu olhar e na sua risada sádica? Foi na casa da tua mãe.

Onde foi concebido este espírito antidemocrático que o domina de maneira irrevogável e que ameaça um país inteiro? Foi na casa da tua mãe.

Onde o seu coração de pedra foi lapidado, ou dilapidado? Onde foi que o endureceram de tal forma que a empatia não consegue penetrar? Foi na casa da tua mãe.

Diga, onde talharam e envernizaram esta sua lustrosa cara de pau? Onde você aprendeu a mentir tanto, Jair? Foi na casa da tua mãe.

Onde mesmo foi que te ensinaram que chorar por seus mortos é frescura e mimimi?

Onde foi que você descobriu que os corajosos enfrentam o vírus e saem às ruas? Na casa da tua mãe.

Onde você aprendeu a roubar, a desviar dinheiro público para comer gente? Teria sido no mesmo lugar em que você ensinou seus filhos a fazer rachadinhas? Foi na casa da tua mãe.

Jair, onde você se tornou homofóbico e misógino? Onde começou a entender que mulher é filha da fraqueza e gay deve levar porrada? Foi na casa da tua mãe.

Conte onde foi que você descobriu que o Brasil é um país de maricas? Foi na casa da tua mãe.

E onde você percebeu que há excessos de direitos no Brasil? Foi na casa da tua mãe.

Capitão, onde você se afastou da luz e mergulhou nas trevas? Onde você aprendeu que torturar e matar fazem parte da vida? Foi na casa da tua mãe.

Onde te ensinaram que a ditadura errou por torturar e não matar? Aposto que foi no mesmo lugar onde você ouviu que os porões deveriam ter fuzilado 30 mil corruptos e erraram por não matar Fernando Henrique Cardoso. Foi na casa da tua mãe.

Diga, onde você entendeu que Pinochet, o mais sanguinário ditador latino americano, devia ter matado mais gente? Foi no mesmo lugar em que você passou a idolatrar o torturador Brilhante Ustra? Foi na casa da tua mãe.

Onde foi, Jair, que você descobriu que fazer cocô dia sim, dia não, melhora o meio ambiente? Que comer menos resolve o problema das queimadas? Foi na casa da tua mãe.

Explique, onde você percebeu que trabalho infantil, de meninos e meninas com menos de dez anos de idade, não prejudica em nada as crianças? Foi na casa da tua mãe.

Conte, onde foi mesmo que te disseram que é uma grande mentira falar que tem gente passando fome 

Onde te ensinaram que é correto beneficiar filhos, como os zeros que você tem, quando se exerce cargo público, capitão? Foi na casa da tua mãe.

Finalmente, onde foi mesmo que você virou este monstro que assombra o país e espanta o mundo? Foi na casa da tua mãe.

Nosso Rio 1

Para conseguir fazer algumas poucas restrições na cidade contra o coronavírus, o prefeito Eduardo Paes teve de enfrentar os membros do comitê científico que ele mesmo montou quando tomou posse e do qual participam os ex-ministros da Saúde José Gomes Temporão e José Agenor Álvares da Silva. “O comitê mandou manter tudo do jeito que está”, disse o prefeito um dia antes de anunciar as novas medidas. “Estou enfrentando os cientistas”, explicou Paes, referindo-se ao comitê, no dia em que saíram as medidas.

Nosso Rio 2

De acordo com o prefeito, o comitê só recomendaria medidas se houvesse “alguma tendência de alta” de episódios, o que não era o caso, segundo Paes. O secretário de Saúde, Daniel Soranz, garantiu que 15 dias antes de qualquer medida se saberia que os casos estariam aumentando em razão de eventos de gripe verificados nas UPAs. Disse também que não havia razão para fechar ou reduzir o tempo de funcionamento de estabelecimentos comerciais porque “o Rio é a cidade com a segunda menor taxa de ocupação hospitalar do país, atrás apenas de Aracaju”.

Nosso Rio 3

Aliás, alguém consegue explicar por que bares e restaurantes podem ficar abertos até às 17h? Significa que o cidadão pode se contaminar à vontade de dia, mas de noite não? E as praias, por que ambulantes e quiosqueiros estão proibidos e os bacanas não? Não vale dizer que sem ambulantes vendendo água de coco os bacanas saem logo da areia. Se for essa a explicação, significa que a estes é dada a chance de se infectar por uma ou duas horas, e nada mais?

Nosso Rio 4

O secretário Soranz disse que o número de infectados no Rio não aumentou tanto nos dois primeiros meses do ano, que os registros do Consórcio de Veículos de Imprensa não refletem a realidade. “Os números foram represados na gestão de Marcelo Crivella”, afirmou o secretário. E mais. Ele acrescentou que o ex-prefeito fechou praias e parques, como o Campo de Santana, para economizar com gastos de manutenção.

Ah, Bittar

O senador Márcio Bittar (MDB-AC) lamentou muito não ter conseguido garfar dinheiro de Saúde e Educação no seu texto da PEC Emergencial. Ele foi obrigado a desistir de acabar com as vinculações obrigatórias das duas áreas por falta de apoio da maioria dos senadores. Bittar disse que queria uma PEC “mais robusta, com mais itens”, mas se viu forçado a desidratar a proposta. Sorte do Brasil e dos brasileiros.

Conta outra

Querem criminalizar a política, dizem os que tentam defender deputados e senadores de malfeitos. Estes normalmente ganham as causas nos tribunais superiores quase sempre por tecnicalidades. Não estamos defendendo a corrupção, mas a legalidade. Porque hoje é o parlamentar que está sendo condenado com estes erros processuais, amanhã pode ser você.

Casa do zero

Você conhece alguém que tenha 39 anos, que trabalha há apenas 20 anos com remuneração mensal variando de R$ 15 mil a R$ 28 mil ao longo dos anos, que tem dois filhos em idade escolar e que conseguiu reunir dinheiro suficiente para comprar uma casa de R$ 6 milhões? Pois é. Eu também não.

Faz sentido

O nome do condomínio da nova mansão do Zero das Rachadinhas em Brasília é perfeito. Chama-se “Ouro Branco”, que pode significar tanto riqueza quanto chocolate. Nas duas modalidades o Zerinho abunda.

Custo zero

“Geralmente quando se fala em famílias na política, são famílias enroladas em atos de corrupção. A minha família é limpa na política”. A frase é de Jair Bolsonaro, pronunciada na entrevista que deu na bancada do Jornal Nacional na campanha eleitoral de 2018. A imagem mostra o cara de pau com um ar de seriedade que nunca mais se viu. Lembrar não custa nada.

No crea em brujas

A fabulosa Bia Kicis tem prometido miragens aos deputados. Na tentativa de viabilizar sua candidatura para presidir a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, diz que vai ser democrática e respeitará as diferenças. Tem bobo que acredita. Como se ela fosse de fato capaz de cumprir a promessa, apesar de democracia não ser parte da sua natureza. Há também os aliados de Artur Lira que defendem a candidatura de Kicis para não atrapalhar outros entendimentos partidários. Bobagem. O que se quer é controlar toda a agenda da Casa.

Enquanto isso

E a oposição por onde anda? Por que não vemos mobilização articulada contra o monstro. Na quinta-feira, enquanto Jair Bolsonaro falava em chororô e mimimi, os próceres deputados Paulo Pimenta e Paulo Teixeira, do PT, convocaram a imprensa para uma importante comunicação: denunciaram a Lava Jata e pediram a punição do procurador Deltan Dallagnol.

Lula e FHC

E por que não vemos uma ação coordenada dos ex-presidentes? Tirando Collor, que já se aliou ao capitão, claro, caberia muito bem uma manifestação dos demais em favor da vida e da democracia, sugere o autor e roteirista George Moura. Uma ação conjunta de Sarney, Fernando Henrique, Lula, Dilma e Temer pode não dar em nada, mas mostraria que os ex-líderes do país repudiam esse amontoado de agressões de Bolsonaro.

Intervenção

Os bolsonaristas mais atrasados, Jair em primeiríssimo lugar, que imaginavam que o Brasil sofreria uma ocupação de países ricos em razão das riquezas da Amazônia, podem acabar surpreendidos com uma intervenção global para sanear o país e salvar o mundo.

Ascânio Saleme é colunista de O Globo. Publicado originalmente na edição de 06.03.2021

Paraguaios levam às ruas indignação com gestão da pandemia

Leitos de UTI lotados, sistema de saúde à beira do colapso, falta de remédios e vacinas: crise da covid-19 atinge seu auge no país sul-americano. 

Após protestos, presidente pede que ministros ponham cargos à disposição.

Noite de confrontos entre polícia e manifestantes no Paraguai

A ira dos paraguaios contra o que consideram uma gestão deficitária do governo da pandemia de covid-19 chegou às ruas. Os protestos, que atingiram seu auge nesta sexta-feira com confrontos com a polícia, já levaram à queda do ministro da Saúde. Os manifestantes agora pedem o afastamento do presidente, o conservador Mario Abdo Benítez.

Neste sábado (03/06), Abdo Benítez pediu a renúncia de todos os ministros de seu governo, durante reunião com seus colaboradores mais próximos na residência presidencial de Mburuvicha Roga, para "avaliar as situações de ontem" e preparar um pronunciamento público, como informou o ministro das Tecnologias de Informação e Comunicação, Juan Manuel Brunetti.

"A mensagem concreta é esta: o presidente ouviu os cidadãos, convocou seu gabinete e pediu que eles ponham seus cargos à disposição", disse Brunetti.

O porta-voz insistiu que Abdo Benítez tinha recebido "a mensagem dos cidadãos", apesar de os manifestantes exigirem a saída de todo o Executivo, a começar pelo próprio presidente, e não mudanças de ministros.

Brunetti adiantou ainda que será o chefe de Estado quem vai anunciar as saídas ministeriais no momento em que "tiver fatos concretos para comunicar aos cidadãos".

Com recorde de infecções, leitos de UTI lotados e um sistema de saúde à beira do colapso, o Paraguai, que chegou a ser elogiado por sua gestão da crise, também enfrenta falta de medicamentos para tratar pacientes de covid-19. A vacinação, além disso, avança lentamente: estima-se que apenas 0,1% da população foi imunizada.

Batalha campal em Assunção

Nesta sexta, os protestos começaram de forma pacífica, mas logo transformaram o centro histórico da capital Assunção em um campo de batalha. Pelo menos uma pessoa morreu e outras 18 ficaram feridas.

Policiais agridem manifestante: houve um morto e 18 feridos nos confrontos

As forças de segurança dispararam balas de borracha e gás lacrimogêneo nos arredores do Congresso, enquanto os manifestantes tentavam romper barricadas e jogavam pedras na polícia.

Imagens exibidas pela imprensa local mostraram várias pessoas feridas por balas de borracha disparadas por policiais, e agentes das forças de segurança atingidos por pedras lançadas por alguns manifestantes.

O núcleo dos distúrbios foi uma área que inclui a sede da Polícia Nacional, a sede do Congresso e o Palácio do Governo. Depois do confronto, a multidão se dispersou por várias ruas do centro, gritando palavras de ordem contra o governo de Abdo Benítez.

O ministro do Interior, Arnaldo Giuzzio, disse a jornalistas que os incidentes foram provocados por pessoas que se infiltraram na manifestação para gerar tumulto.

Um grupo de manifestantes, calculado em cerca de 100 pela imprensa paraguaia, pretende fazer uma vigília diante do Congresso para exigir a renúncia de Abdo Benítez.

Escassez de remédios e vacinas

A convocação para o protesto desta sexta foi feita após o sindicato de enfermeiras e familiares de pacientes realizar nesta semana outras manifestações para denunciar a falta de suprimentos e materiais médicos nos hospitais públicos, especialmente entre os mais afetados pelo coronavírus.

"Fora rato assassino": manifestantes querem a renúncia do presidente

Na manhã de sexta, o ministro da Saúde, Julio Mazzoleni, renunciou após se reunir com Abdo Benítez, mas isso não serviu para aplacar a ira dos manifestantes.

"Combinamos em conjunto que eu deixo o cargo do Ministério da Saúde Pública para que possamos gerar a paz necessária para enfrentar este desafio", disse Mazzoleni, em declarações à televisão estatal.

Outra decepção entre os cidadãos do Paraguai é o atraso na chegada das vacinas, que por enquanto estão limitadas às 4 mil doses do imunizante russo Sputnik V que já foram administradas - apenas a profissionais da saúde.

Com uma população de 7 milhões de habitantes, o Paraguai registrou mais de 160 mil casos de covid-19 e 3.200 mortes em decorrência da doença desde o início da pandemia do novo coronavírus.

Filho do braço-direito do ditador Alfredo Stroessner, Abdo Benítez foi eleito presidente em 2018, com uma campanha marcada pela defesa do liberalismo econômico e de valores conservadores. Pesquisas colocam a popularidade do ex-paraquedista das Forças Armadas entre 20% e 35%.

Deutsche Welle Brasil, em 06.03.2021

Juan Arias: As palavras que Bolsonaro nunca pronunciará, porque lhe queimam a língua

Em seu vocabulário não cabem as palavras que constroem pontes de esperança, e sim as que buscam escavar trincheiras de guerra. Odeia falar de democracia e de respeito à natureza. A morte é o seu lema

Jair Bolsonaro participa de cerimônia de lançamento de programa de qualificação do atendimento de agentes comunitários de saúde, o "Saúde com Agente", em dezembro de 2020.MARCELO CAMARGO / AGÊNCIA BRASIL

O vocabulário do presidente Jair Bolsonaro é muito restrito, talvez porque ele nunca tenha lido. Em seu dicionário pessoal só existem insultos, palavras obscenas, ameaças, zombarias. E as pronuncia sempre gritando, irritado, insultando, ameaçando. Seu vocabulário é o das armas, da guerra, do ódio e da morte.

Em seus discursos e arroubos de loucura não existem palavras de vida, de esperança, de alento, de compaixão. Ou ele desconhece essas palavras com as quais se constrói o mundo, ou elas queimam a sua língua.

Suas palavras, sempre burlescas ou ameaçadoras, evocam mais a linguagem atemorizante das armas que a alegria da vida. Não são palavras que convidem a compartilhar com o próximo seu pedaço de pão, e sim a desprezar a dor e a fragilidade.

Para ele, a vida é um direito apenas dos fortes, dos impassíveis perante a dor alheia. Zomba dos que choram e têm medo da morte. Onde pisa, por onde passa, deixa os rastros da indiferença para com os fracos.

Em seu vocabulário não cabem as palavras que constroem pontes de esperança, e sim as que buscam escavar trincheiras de guerra. Odeia falar de democracia e de respeito à natureza. A morte é o seu lema.

Não entende a política do diálogo e do respeito às diferenças, que são os ingredientes com os quais se constrói a paz. Quem, como ele, exalta a tortura e as armas e é incapaz de pronunciar palavras como diálogo, liberdade ou harmonia é porque nunca saboreou o pão quente do encontro, do convívio pacífico, da compaixão com a dor alheia e da alegria compartilhada.

Quem zomba da morte e aboliu do seu dicionário a empatia pelos que sofrem é porque renunciou a saborear o melhor da vida, que é a paz. Para isso, entretanto, é necessário ser um homem de verdade, que não teme a fraqueza e nem os limites impostos pela realidade da vida, e que acredita ser onipotente.

Bolsonaro me lembra aquele militar espanhol, Millán Astray, que em plena guerra civil gritou na Universidade de Salamanca, em 1936: “Morte à inteligência, viva a morte!”.

E, no entanto, as sociedades são construídas com o grito de “viva a vida”. Um grito que surge das profundezas do amor e da esperança, e que por isso Bolsonaro nunca conseguirá entender. Ele se alimenta com as palavras de morte.

Por isso, a esperança para o Brasil que não renunciou às palavras que geram harmonia em vez de ódios é que Bolsonaro acabe apagado do dicionário para voltar ao esquecimento, e que um dia seja recordado apenas como um pesadelo que turvou nossos sonhos.

A esperança é que o parêntese de negacionismo do capitão e seu desprezo pela vida sejam, na expressão do Quixote, apenas “uma noite ruim passada em uma estalagem ruim”.

Depois das tempestades e dos trovões costuma aparecer o sorriso de um arco-íris, essa beleza que é incapaz de agradar ao capitão que, no dia em que o Brasil registrou o maior número de mortes da pandemia, um dia de luto nacional, foi saborear um banquete com direito a leitão, cerveja e gargalhadas.

Pelo amor que tenho a este país, prefiro pensar que os raios e ameaças do militar frustrado sejam apenas um sinal de sua fragilidade, que acabará se desmanchando como uma bolha de sabão. Só então o Brasil voltará a respirar o ar puro de sua natureza, hoje martirizada e desprezada por ele.

Quando cruzo com um brasileiro, prefiro ver no fundo de seus olhos as imagens de suas origens povoadas pelas belezas naturais de suas florestas e o reflexo de seus mares e rios cristalinos.

O Brasil leva o nome de uma árvore da selva, essa que hoje Bolsonaro tenta transformar em um deserto perante o espanto do mundo. Quem rege os destinos deste país parece, mais que um brasileiro, alguém chegado de um planeta de espinhos e pedras.

Juan Arias é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como Madalena, Jesus esse Grande Desconhecido, José Saramago: o Amor Possível, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente. / Artigo publicado originalmente no EL PAÍS, em 06.003.2021.

Em entrevista em inglês à BBC, Doria diz que Bolsonaro é 'um cara louco' e não comenta eleição de 2022

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), afirmou que o presidente Jair Bolsonaro é "um cara louco" durante entrevista em inglês ao BBC World News, canal internacional de notícias da BBC, na noite de quinta-feira (4/3).


Doria falou de um palanque com a hashtag em inglês WeNeedVaccines, ou PrecisamosDeVacinas.

"Ele é um cara louco. Hoje mais cedo, Bolsonaro atacou governadores e prefeitos que foram comprar vacinas e ajudar o país a acabar com essa pandemia. Ele disse que temos de ser fortes, que deveríamos parar de chorar e enfrentar o problema. Como podemos enfrentar o problema vendo pessoas morrerem todos os dias?", disse Doria ao apresentador Lewis Vaughan Jones.

‘Dói demais ver as crianças morrendo sem poder ver os pais’, diz pediatra de UTI de covid-19

Cresceu muito o número de jovens em estado grave, e temos de escolher quem vai pra UTI, diz diretor da Santa Casa de Porto Alegre

"O negacionismo do presidente Jair Bolsonaro contribui para isso", continuou, afirmando que o sistema de saúde brasileiro está à beira do colapso.

De máscara, Doria falou de um palanque com a hashtag em inglês WeNeedVaccines, ou PrecisamosDeVacinas.

"Faltam vacinas, seringas e leitos de UTI. Não há coordenação nacional para combater a pandemia no Brasil. O sr. Bolsonaro continua enfraquecendo os protocolos de saúde, tornando mais difícil acabar com essa pandemia. Na verdade, só está piorando."

Bolsonaro continua tornando mais difícil acabar com pandemia, disse Doria

O governador continuou: "Infelizmente, o Brasil tem de enfrentar dois vírus no momento: o coronavírus e o 'Bolsonarovírus'. Uma tristeza para os brasileiros".

Confrontado com a posição do presidente, verbalizada pelo apresentador, de que as medidas de prevenção contra o coronavírus podem cobrar um preço da economia e da saúde mental da população, Doria respondeu que "antes de salvar a economia, temos que salvar vidas".

O governador se esquivou quando o apresentador perguntou se ele não estaria "jogando o jogo de Bolsonaro" ao fazer da crise algo político, e passou a exaltar as medidas tomadas por seu governo durante a pandemia.

O governador também não respondeu se concorrerá contra Bolsonaro em 2022: "Precisamos salvar vidas, não é hora de discutir eleições no Brasil".

BBC News Brasil, em 06.03.2021

Cartório oculta dados de Flávio Bolsonaro em escritura pública da casa de R$ 6 milhões

 Titular do estabelecimento admite ao ‘Estadão’ ser a primeira vez que esconde informações que deveriam ser públicas; advogada afirma que ato descumpre a lei

 O cartório onde o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) registrou a compra de uma casa de R$ 6 milhões em Brasília escondeu informações da escritura pública do imóvel, documento com os dados do negócio que deveria ser acessível a qualquer pessoa que o solicitar. O ato, do 4.º Ofício de Notas do Distrito Federal, contraria a prática adotada em todo o País e representa tratamento diferenciado ao filho do presidente Jair Bolsonaro, segundo especialistas consultados pelo Estadão. As leis que tratam da atividade cartorial não preveem o sigilo. 

Na cópia da escritura obtida pela reportagem no cartório, que fica em Brazlândia, região administrativa a 45 km de Brasília, há 18 trechos com tarjas na cor preta. Foram omitidas informações como os números dos documentos de identidade, CPF e CNPJ de partes envolvidas, bem como a renda de Flávio e da mulher, a dentista Fernanda Antunes Figueira Bolsonaro. 

Para comprar o imóvel, o filho “01” de Bolsonaro financiou R$ 3,1 milhões no Banco de Brasília (BRB), com parcelas mensais de R$ 18,7 mil. Como revelou o Estadão, as prestações representam 70% do salário líquido de Flávio como senador – R$ 24,7 mil. Outras duas escrituras de imóveis em nome da família Bolsonaro obtidas pela reportagem no mesmo dia, mas em cartórios distintos, foram fornecidas sem qualquer tarja. Uma delas do próprio presidente da República. 

Procurado, o titular do cartório, Allan Guerra Nunes, disse ao Estadão que tomou a medida para preservar dados pessoais do casal. Em um primeiro contato, ele não soube explicar em qual norma embasou sua decisão. Mais tarde, em nota, Nunes afirmou que as informações são protegidas pela Lei 105/2001, que dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras. A regra, porém, não se aplica a cartórios de notas. “Ele (Flávio) não me pediu nada. Quem decidiu colocar a tarja fui eu. Quando eu fui analisar o conteúdo da escritura, acidentalmente tem essa informação da renda”, disse Nunes. 

Presidente da Associação dos Notários e Registradores do Distrito Federal (Anoreg-DF), ele não explicou a razão de também ter omitido números de documentos de identificação pessoal. “Se hoje me pedirem cópia de escritura com financiamento bancário eu vou omitir os dados da pessoa”, afirmou o cartorário, que admitiu nunca ter incluído tarja em escrituras públicas antes. “Não há nenhum tratamento privilegiado, de maneira alguma.” 

Nos 299 artigos da Lei de Registro Público, não há previsão de sigilo de informação, seja pessoal, bancária ou fiscal. A advogada Ana Carolina Osório, especialista em direito imobiliário, vê tratamento privilegiado a Flávio neste caso. “Não existe embasamento para se colocar tarja nessas informações. A publicidade é um dos princípios basilares do direito registral. O cartório tem o objetivo claro de proteger, digamos assim, os dados do Flávio Bolsonaro, porque é um documento público e as informações ali são de interesse de quaisquer interessados”, avaliou. “Diferente seria se estivéssemos divulgando a informação de renda prevista no Imposto de Renda, por exemplo.” 

O tabelião Ivanildo Figueiredo, titular do 8º Tabelionato de Notas do Recife e professor de Direito Notarial na Faculdade de Direito do Recife, disse ao Estadão que a Lei nº 6.015, de 1973, que trata dos registros públicos, prevê a publicidade de todos os atos, como escrituras. "O tabelião  não tem nenhuma função de censura", afirmou Figueiredo ao Estadão.

O senador Flavio Bolsonaro (Republicanos-RJ) Foto: Dida Sampaio/Estadão (24/2/2021)

"Se a parte vai ao cartório e faz um ato público, esse ato é público. Qualquer pessoa pode pedir cópia desse documento. Qualquer pessoa pode ter acesso ao conteúdo desses atos. O dever é entregar a certidão como está no livro, não pode censurar", disse ao Estadão. "O único ato que tem alguma restrição são testamentos", ressalvou. Ainda segundo o tabelião, deixar de prestar as informações integrais pode configurar violação aos deveres funcionais dos notários e dos oficiais de registro. Pela lei, entre as punições para violação ao dever funcional estão a aplicação de multa, suspensão, e até a perda da delegação, nos casos mais graves.

Em outra medida que contraria a norma vigente, o 4.º Ofício de Notas ainda requisitou que o pedido da cópia da escritura fosse formalizado por e-mail com a informação sobre o motivo da solicitação do documento. Pela Lei de Registros Públicos, isso não é necessário. “Qualquer pessoa pode requerer certidão do registro sem informar ao oficial ou ao funcionário o motivo ou interesse do pedido”, diz o trecho da lei. 

Questionado sobre a omissão das informações, a corregedoria do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, a quem cabe fiscalizar a atividade dos cartórios, não se manifestou. Em nota, a Associação dos Notários e Registradores do Brasil afirmou ser “responsabilidade do notário/registrador avaliar no caso concreto os preceitos legais de acesso à informação”. 

Nesta semana, Flávio disse que o negócio foi “transparente” e que usou “recursos próprios” e um financiamento para comprar a casa. 

Breno Pires e Rafael Moraes Moura, O Estado de São Paulo, em 05.03.2021

Miguel Reale Júnior: Presidente de cemitério

O Ministério Público, a Câmara e o Senado precisam cumprir o dever de salvar o País

Em que momento a considerável parcela da população que ainda acorre às aglomerações ilícitas provocadas pelo presidente vai se dar conta de estar, em crença fanática, a louvar um perverso para quem o medo da morte por asfixia é “mimimi”? Até quando o Brasil será conduzido pelo quarto cavaleiro do apocalipse?

Bolsonaro não é presidente para administrar o País, mas tão só para se reeleger em 2022, seu único interesse, mesmo que venha a ser apenas presidente do cemitério. Jamais assumiu a liderança do enfrentamento da covid-19, preocupado só em atribuir a crise econômica e a perda de empregos a governadores e prefeitos, para se livrar dessa responsabilidade e angariar votos.

Bolsonaro, absolutamente indiferente ao crescente número de mortos, muitos sem oxigênio ou nos corredores por falta de leitos em UTIs, passeia pelo País sem máscara, promovendo aglomerações, nunca se compungindo diante da dor ou visitando algum hospital. Somente mandou sequazes invadir hospitais para flagrar ser mentira sua superlotação!

Continuamente conspirou contra a importância da vacina, cuja pressa em obtê-la ridicularizou, proclamando mentirosamente haver efeitos colaterais nocivos, desorientando a população.

Os obstáculos ao combate ao vírus não se limitaram aos maus exemplos. Deixou de adquirir, em julho, vacinas Coronavac e da Pfizer, impôs vetos de verbas e ignorou a cooperação com Estados e municípios na precaução e reação contra a doença, como ressalta estudo realizado pela Universidade de São Paulo, por meio do Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário (Cepedisa) da Faculdade de Saúde Pública, em conjunto com a Conectas Direitos Humanos (Direitos na Pandemia – Mapeamento e Análise das Normas Jurídicas de Resposta à Covid-19 no Brasil, em https://www.conectas.org/publicacoes/download/boletim-direitos-na-pandemia-no-3).

Esse estudo revelou a existência de uma “estratégia institucional de propagação do vírus”, entendendo ser “razoável afirmar que muitas pessoas teriam hoje” a mãe, o pai, irmãos e filhos vivos “caso não houvesse esse projeto institucional”. Conclui-se, então, não haver tão só incompetência e negligência, mas “empenho em prol da ampla disseminação do vírus no território nacional, declaradamente com o objetivo de retomar a atividade econômica o mais rápido possível e a qualquer custo”.

A comprovar tal conclusão, verifica-se que, de R$ 24 bilhões disponíveis no Orçamento para compra de vacinas, apenas R$ 2 bilhões foram gastos em 2020 (Folha de S.Paulo, 1.º/3, pág. A13). Tão grave quanto isso foi o corte de financiamento de leitos de UTI nos Estados para atendimento a pacientes com covid-19, que o STF acaba de mandar seja realizado (Estado, 1.º/3, A12).

Ao pôr a ambição política acima da proteção da saúde de seu povo, Bolsonaro revela egocentrismo incompatível com a permanência como primeiro mandatário, pois brasileiros foram lançados, por sua insensibilidade, na tragédia que a OMS reconhece estar instalada entre nós.

Quatro ex-ministros da Saúde clamam por um governo de salvação nacional ou pela criação de um gabinete de crise que dirija e coordene o enfrentamento da pandemia, sob o risco de afundarmos definitivamente na desgraça. Como fazer?

Há meio breve, justo e correto, já aventado antes por vários juristas. Ao Ministério Público, que tem por missão a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos direitos sociais, entre eles o da saúde, cumpre promover, em face desses fatos, ação penal por crimes contra a saúde pública e contra a paz pública, o primeiro previsto no artigo 268 do Código Penal: “Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”.

Ademais, o estimular a população a se aglomerar, não usar máscara e não se vacinar, o presidente incita-a a praticar o crime acima mencionado, configurando-se, então, o delito do artigo 286 do Código Penal: “Incitar, publicamente, a prática de crime”. Ou seja, compele a se infringir determinação do poder público destinada a impedir a propagação de doença contagiosa.

Há, evidentemente, dois desafios: 1) fazer o procurador Aras sair de seu imobilismo, sendo essencial a pressão da sociedade e de colegas procuradores; e 2) a Câmara dos Deputados, ciente da gravidade do momento, aceitar a denúncia, afastando o presidente, para o vice, em governo de união nacional, atuar em prol da salvação de nossa gente.

Outra forma seria a assunção da condução da área da Saúde pelo Congresso Nacional, via CPI ou promovendo o impeachment do ministro (artigo 14 da Lei n.º 1.079/50), cabendo ao novo titular da pasta atuar em conjugação com secretários de Saúde dos Estados.

A sociedade civil organizada, hoje silente, deve se manifestar por via de suas inúmeras entidades, exigindo que Ministério Público (competente, sim, para processar o presidente, como o fez contra Temer), Câmara dos Deputados e Senado cumpram o dever de salvar o País. Mexa-se, Brasil!

Miguel Reale Júnior é Advogado, Professot Titular Sênior da Faculdade de Direito da ISP, membro da Academia Paulista de Letras. Foi Ministro da Justiça. Publicado originalmente em O Estado de São Paulo, edição de 06.03.2021.

Bolívar Lamounier: Temos um governo genocida?

Bolsonaro não tem estatura para isso. Sinais de insanidade já dá – e não são poucos

Disseminar um vocábulo raramente usado no Brasil, como genocídio, é uma proeza. Jair Bolsonaro conseguiu, hoje tal vocábulo aparece nas redes sociais praticamente todo dia.

É certo que o termo é empregado para xingar o próprio Bolsonaro. Muita gente se vale dele para afirmar que o Brasil tem atualmente um presidente genocida. Dito assim, mesmo reconhecendo que algo há de verdade, devemos convir que se trata de um enorme exagero. Bolsonaro não tem estatura para carregar um peso desses. O que ele tem feito, dia sim e outro também, é sabotar o trabalho dos agentes de saúde no combate à covid-19, atrapalhando ação dos governadores e prefeitos, formando aglomerações e até criticando o uso de máscaras.

Lá atrás, em sua fase mais cômica, aventurou-se na charlatanice médica, receitando remédios que liquidariam o coronavírus num abrir e fechar de olhos. Hoje, parece-me inegável que ele é culpado por uma parcela dos 260 mil óbitos já registrados, mas não tenho, e penso que ninguém tem, como estimar a quanto monta tal parcela. Cabe, portanto, a suposição de que ele tem responsabilidade por certo número de mortes, mas daí a designá-lo como genocida vai uma longa distância.

Onde tem fumaça, tem fogo. A questão é séria e deve ser debatida, mas sem partir de cara para o exagero. Genocídio, como já sugeri, é uma coisa muito maior. Briga de cachorro grande. Se nossa intenção é compreendê-la e chegar a uma avaliação plausível do papel de Jair Bolsonaro, é indispensável começar pelo começo. Pelo conceito e por alguns exemplos históricos.

O termo baseia-se em dois componentes fundamentais. O primeiro, uma matança em larga escala, a intenção de exterminar todo um povo ou toda uma etnia, não necessariamente porque ela tenha feito alguma coisa, mas pelo simples fato de que ela existe, extermínio a ser conduzido com o máximo concebível de atrocidade. Segundo, tal matança compõe-se de ações conscientes, uma ordem premeditada e levada a cabo por um governo, um partido ou um órgão qualquer que tenha poder para tanto.

Historicamente, a ideia (mas não necessariamente o termo) genocídio remonta à Revolução Francesa e, especificamente, à guerra da Vendeia. Católica e monarquista, uma parte dos habitantes daquela província francesa reagiu violentamente à execução do rei Luís XVI, em fevereiro de 1793. No transcurso de dois anos, o confronto evoluiu para a guerra civil, levando os comandantes militares da revolução (o chamado Comitê de Salvação Pública, Robespierre à frente) a recorrer indiscriminadamente ao terror. Esse é o tempo das noyades (afogamentos coletivos, principalmente de mulheres e crianças, no rio Loire). O confisco de alimentos, a fim de sujeitar a população à morte pela fome.

Nesse quadro de absoluta insanidade, o nome que logo vem à mente é o de Jean-Baptiste Carrier, organizador do “trabalho de campo”, o mais demente dos dementes que chegaram ao poder com a revolução. A ideia passou a ser aniquilar toda a população daquela região. Gracchus Babeuf, autor da primeira narrativa circunstanciada dos fatos, deu-lhe o expressivo título de A guerra na Vendeia e o sistema de despopulação.

Stalin provavelmente não conhecia os detalhes do que ocorrera na França, mas levou a cabo com intensidade ainda maior o projeto de “matar por inanição”, vale dizer, de fome, como forma sistemática de terror, imposto à Ucrânia no inverno de 1932-33. Confisco geral de todos os alimentos, levando à morte pelo menos 3 milhões de indivíduos, muitos deles até a prática do canibalismo. Em ucraniano, o termo Homolodor significa exatamente isso, matar por inanição, e é o título de um magnífico filme ucraniano disponível no YouTube. Mas, como sabemos, a insanidade sempre pode aumentar.

A partir de 1942, trens lotados de judeus, ciganos e outras etnias começaram a ser descarregados na estação de Birkenau, na Polônia. Os passageiros (se assim os podemos chamar) passavam por uma triagem, sendo os mais fortes mandados para o trabalho forçado e os fracos, doentes, bem como as mulheres e crianças, para as câmaras de gás e os fornos crematórios. O saldo é bem conhecido: o Holocausto, no qual pereceram cerca de 6 milhões de judeus.

Carreguei bastante nas tintas para sublinhar o que afirmei no início: Bolsonaro é, se tanto, uma partícula minúscula na história dos genocídios. Dá-se, entretanto, que os conceitos precisam ser repensados à medida que as instituições humanas e a História avançam.

No século 18, bastava um salto para se passar de A a Z: de uma relativa normalidade para o terror. No século 21, com o País afundando numa pandemia terrível, um presidente que entretém seus convidados do almoço com gracejos e ataca a imprensa no preciso momento em que ela cumpre o seu dever, informando que chegamos aos 260 mil mortos, por certo não chegou ao Z, mas já saiu do A. Quando coloca seu interesse eleitoral a léguas do interesse público, deu mais alguns passos. Sinais de insanidade já está dando – e não são poucos.

Bolívar Lamounier é sócio-diretor da Augurium Consultoria. Membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências. Publicado originalmente em O Estado de São Paulo, edição de 06.03.2021.

sexta-feira, 5 de março de 2021

PDT pede ao STF a interdição de Bolsonaro


Carlos Lupi, presidente nacional do PDT, e Ciro Gomes, vice-presidente do partido, vão entrar, no STF, com ação judicial de interdição de Bolsonaro | Aílton de Freitas / Foto de arquivo. 

"O documento mostra a incapacidade de Bolsonaro para seguir como presidente. O objetivo da ação judicial é o de impedir as ações negacionistas, que multiplicam as mortes por Covid-19. Temos inúmeras provas  (entre elas, as declarações "chega de frescura, de mimimi , vão ficar chorando até quando?" e "vai procurar vacina na casa da sua mãe"). Eu acho que ele é louco e precisa ser interditado antes que mais brasileiros morram por sua loucura", diz Carlos Lupi.

Para Lupi, o volume de mortes de Covid-19, desde o começo de 2020, foi diretamente potencializado por Bolsonaro. O pedetista destaca ainda, como exemplo, o atraso do plano nacional de imunização.

Ana Cláudia Guimarães / O Globo, em 05.03.2021

Guedes diz que, por 'infelicidade', Bolsonaro não deixou claro problema da saúde e vacinação

Ministro defendeu a vacinação em massa ao falar sobre o agravamento da pandemia e disse que governo não pode 'deixar a economia se desorganizar'

Ao defender a vacinação em massa, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que o presidente da República Jair Bolsonaro por “infelicidade” não deixou claro sua preocupação com "o problema da saúde e vacinação".

“Nós não podemos deixar a economia se desorganizar, é muito importante isso. Essa mensagem que o tempo inteiro o presidente tem tentado passar também que, talvez, por infelicidade, não deixou claro o problema da saúde, da vacinação em massa”, disse Guedes ao dar entrevista sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) emergencial, que autoriza uma nova rodada do auxílio. O texto foi aprovado pelo Senado esta semana e deve ser analisado na semana que vem pela Câmara.


O presidente sempre falou, a economia e a saúde andam juntas', disse Guedes. Foto: Gabriela Biló/Estadão

“Mas a agonia dele com a economia é a seguinte: se você der o auxílio, chegar lá, a prateleira estiver vazia, todo mundo com dinheiro na mão, a inflação, falta de alimentos… Então temos que manter os sinais vitais da economia funcionando, como fizemos no passado”, disse.

Guedes defendeu a imunização contra a covid-19 para evitar nova queda economia, diante da “tragédia que voltou a nos atingir” ao falar sobre o agravamento da pandemia.

Na quinta-feira, 4, Bolsonaro demonstrou irritação com aqueles que cobram em redes sociais que o governo federal compre vacinas contra a covid-19, chamando-os de idiotas e dizendo que só poderia comprar imunizantes "na casa da tua mãe".

“Isso é a coisa mais importante que nós temos agora. O presidente sempre falou, a economia e a saúde andam juntas. Então, é a vacinação em massa, se não a economia não sustenta, ela volta a cair ali na frente”, disse Guedes, após se reunir com o relator da PEC, deputado Daniel Freitas (PSL-SC).

Sobre a PEC, Guedes afirmou que é o Congresso quem dá o direito do governo gastar. “O programa já estava pronto, já sabemos como tínhamos que agir, mas ao mesmo tempo precisávamos dessa licença”, disse. “Como disse o deputado Daniel Freitas, a coisa está relativamente bem encaminhada”, disse. 

Ele não quis entrar em detalhes sobre quais seriam outros próximos passos, mas disse que a PEC restabelece um protocolo de enfrentamento da crise. “Nós enfrentamos a primeira vez, estamos sendo relativamente bem sucedidos”, afirmou citando que a economia brasileira foi uma das que menos caiu durante a pandemia em comparação a outros países. Para ele, é preciso manter os sinais vitais da economia funcionando.

Guedes fez elogios ao Congresso e citou a aprovação do projeto de autonomia do Banco Central. “Foi aprovado o Banco Central independente para impedir que aumento setoriais e transitórios de preço se transformem em alta generalizada e permanente de preços, que é o que a gente chama de inflação”, disse.

“Eu acho que nós precisamos de um espírito construtivo, nós temos que construir juntos, é um compromisso construir o Brasil, eu tenho dito que essa briga política, essa guerra sem fim, não vai nos ajudar a chegar no melhor lugar”, afirmou. 

Camila Turtelli, Idiana Tomazelli e Matheus de Souza para O Estado de São Paulo, em 05 de março de 2021.

Bolsonaro repete tática da chacota para mobilizar radicais e desviar atenção

Presidente testa de novo estratégia que até agora tem sido eficaz para manter sua popularidade em torno de 25%. A seu favor, Planalto tem ainda cúpula do Congresso. No entanto, atraso na gestão da vacina pode cobrar preço econômico e mudar jogo com empresários e investidores

O presidente Jair Bolsonaro durante inauguração de trecho da ferrovia Norte Sul em São Simão (GO).ALAN SANTOS/PR

O presidente Jair Bolsonaro voltou a investir na sua política de confronto e de discursos diversionistas assim que confrontado com situações incômodas. O mandatário brasileiro dobra a aposta chamando de “frescura” e “mimimi” as práticas de distanciamento social quando há um recrudescimento da pandemia com mais de 1.600 mortos ao dia e após aumentarem as cobranças de governadores e prefeitos por uma coordenação nacional no combate à covid-19. O ultradireitista choca e atrai para si os holofotes na semana em que seu primogênito, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), investigado por lavagem de dinheiro, comprou uma mansão de 6 milhões de reais em Brasília. Nem tudo, porém, cabe no script do ultradireitista. Diante da volta dos panelaços nas grandes cidades contra seu Governo, ele desistiu por dois dias seguidos de fazer um pronunciamento em rede nacional de rádio e televisão. E, apesar de ironizar a vacinação, tenta agora recuperar o tempo perdido para a compra dos fármacos sob a pressão de empresários que contam com imunização em massa para fazer a economia escapar de nova retração.

Nesta quinta-feira, Bolsonaro disse que quem defendia medidas restritivas de circulação de pessoas como uma das principais armas para conter o avanço da pandemia estava de “mimimi”. Na prática, retomou o discurso de um ano atrás, quando tentou emplacar a tese de que um isolamento social vertical, no qual apenas os grupos de risco se trancam em casa, seria o mais adequado para a sociedade brasileira. “Nós temos que enfrentar os nossos problemas, chega de frescura e de mimimi. Vão ficar chorando até quando? Temos de enfrentar os problemas. Respeitar, obviamente, os mais idosos, aqueles que têm doenças, comorbidades, mas onde vai parar o Brasil se nós pararmos?”, afirmou o presidente Bolsonaro durante um discurso em Goiás. A chacota contra as recomendações sanitárias ignora o sofrimento dos familiares e amigos de 260.970 pessoas que morreram de covid-19 no Brasil nos últimos doze meses.

Desde meados de fevereiro, diversos Municípios e Estados brasileiros passaram a intensificar políticas de distanciamento social, com o fechamento do comércio e escolas para conter a circulação da população e frear a circulação do coronavírus, já que ainda não há vacinas para todos os brasileiros. Menos de 5% da população foi vacinada no país. Com o discurso contrário, Bolsonaro tenta empurrar para prefeitos e governadores o custo político de medidas impopulares, além de atrapalhar as campanhas de conscientização pelo isolamento social.

Para um conjunto de juristas e segundo uma pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da USP e da Conectas Direitos Humanos, Bolsonaro implementa uma política deliberada para sabotar ações contra a pandemia, e deveria ser punido penal e politicamente por isso. O presidente, porém, segue escudado por uma fisiológica base de apoio no Congresso Nacional ―recentemente reforçada por sua bem-sucedida operação ajudar a eleger a nova cúpula do Parlamento― que dificilmente apoiará um dos 60 processos de impeachment. Também conta, até agora, com um Procuradoria-Geral da República que não enxerga irregularidades em seus atos.

Seja como for, o presidente, contudo, tem tomado alguns cuidados. Ao mesmo tempo em agita sua extremista base de apoio, ele libera os seus subordinados a minimamente agirem contra a pandemia, sob pena de ver a economia naufragar e seus adversários políticos surfarem demais. Depois de o presidente e o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, criticarem por dois meses as exigências feitas pela farmacêutica Pfizer, o Governo Federal decidiu avançar nas tratativas para a compra de 100 milhões de doses do imunizante dela até dezembro deste ano. O primeiro lote seria entregue em maio. Se aceitasse o contrato no passado, o país já teria recebido 70 milhões de doses em dezembro.

A corrida global pela vacina não é simples e o Planalto começa a colher reveses. Nesta quinta, ao conversar com apoiadores em Uberlândia (MG), ele reclamou das cobranças que recebe para adquirir os imunizantes. “Tem idiota nas redes sociais, na imprensa, [que fala] ‘vai comprar vacina’. Só se for na casa da tua mãe! Não tem para vender no mundo!”. É bem distinto da fala feita em 28 de dezembro do ano passado, quando afirmou que eram os vendedores quem deveriam buscar o governo brasileiro, e não o contrário. “O Brasil tem 210 milhões de habitantes, um mercado consumidor de qualquer coisa enorme. Os laboratórios não tinham que estar interessados em vender para a gente? Por que eles não apresentam documentação na Anvisa?”, indagou a um grupo de apoiadores no Palácio da Alvorada. “Pessoal diz que eu tenho que ir atrás. Não, quem quer vender (que tem). Se sou vendedor, eu quero apresentar”, completou.

Jogo até 2022

A fórmula caótica de Bolsonaro tem lhe rendido lucros mínimos. Se ainda não tem ameaças graves no campo político um dos motivos é justamente a sua popularidade, com índices superiores a 25%. Além de ser um patamar considerado alto para que um presidente seja tido como descartável pelo mundo político, isso também quer dizer que, caso a eleição presidencial fosse hoje, muito provavelmente Bolsonaro estaria em um segundo turno. “As variáveis que tornaram possíveis a ascensão do bolsonarismo foram a crise econômica do Governo Dilma Rousseff [PT] combinada com a Operação Lava Jato. Esse movimento não se dissipa de um dia para o outro”, avalia o cientista político Antônio Lavareda, do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (IPESPE), que produz levantamentos frequentes atualmente para a corretora de investimentos XP.

Na visão de Lavareda, no entanto, a disputa eleitoral de 2022 pode mudar a equação porque acabará colocando quatro temas na mesa, todos em que Bolsonaro pouco progrediu: a atuação na pandemia, que tem sido catastrófica; a retomada da economia, ameaçada pela falta de vacinação em massa; o combate à criminalidade violenta; e a redução da corrupção. No mês passado, o levantamento XP-Ipespe mostrou que o presidente patina nos quatro grandes assuntos. Na condução do enfrentamento à pandemia, 53% consideram seu desempenho ruim ou péssimo. Com relação à corrupção, 48% acreditam que há a expectativa de aumentar a prática. Na percepção de 62% a violência e a criminalidade violenta aumentaram. E, para 57%, a economia segue no caminho errado. “A preço de hoje o presidente tem problemas importantes em três desses temas. E perdeu a grande dianteira que tinha no combate à corrupção, por causa de suas alianças atuais, pelo fim da Lava Jato e por causa dos casos mal explicados de seus filhos”, disse Lavareda.

Ao notar esses movimentos, o presidente persiste na radicalização de seu discurso e, como jamais desce do palanque eleitoral, espera confrontar algum adversário do campo da esquerda em um segundo turno. “Ao que parece, o presidente vai precisar ressuscitar os fantasmas de 2018, da corrupção, do descalabro econômico do Governo Dilma e da falsa ameaça comunista”, avaliou o cientista político.

De momento, o custo Bolsonaro não parece incomodar a Câmara dos Deputados, atualmente presidida pelo líder do Centrão e neobolsonarista Arthur Lira (PP-AL). Até agora poucos são os deputados fora do campo da oposição que defendem qualquer tipo de enfrentamento contra o presidente. A nova tentativa de atingir o Governo vem do pedido de criação da CPI do Auxílio Emergencial, que ainda colhe assinaturas para investigar fraudes que atingem o montante de 50 bilhões de reais na concessão do benefício.

Já no Senado, passaram a circular nos últimos dias conversas para que o presidente da Casa, Rodrigo Pachedo (DEM-MG), outro aliado tático de Bolsonaro, autorize a abertura da CPI da Saúde, que tem como objetivo investigar toda a atuação do Governo federal. Pacheco tem buscado argumentos para impedir a abertura desse grupo por entender que a apuração seria contraproducente no momento. Por ora, essa parede ainda protege Bolsonaro.

AFONSO BENITES, de Brasília para o EL PAÍS, em 04.03.2021

Brasil registra mais 1.800 mortes por covid-19

País também registrou mais 75 mil casos da doença - segunda pior marca desde o início da pandemia. Total de mortes passa de 262 mil

O Brasil ultrapassou registrou nesta sexta-feira (05/03) 1.800 mortes associadas à covid-19, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass). É a segunda pior marca diária desde o ínicio da pandemia, ficando apenas atrás do recorde de 1.910 mortes registrado na quarta-feira. Também é o quarto dia consecutivo em que a marca fica acima de 1.500 óbitos.

Também foram identificados  75.495 novos casos da doença - segunda pior marca já registrada desde o início da pandemia, só superada pelo registro de 7 de janeiro, quando foram contabilizados mais de 87 mil casos. Outros dias desta semana já haviam registrados marcas acima de 70 mil novos casos.

Com isso, o total de infecções identificadas no país subiu para 10.869.227, enquanto os óbitos chegam a 262.770.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 9.637.020 pacientes haviam se recuperado até quinta-feira.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 125,0 no Brasil, a 21ª mais alta do mundo, quando desconsiderados os países nanicos San Marino, Liechtenstein e Andorra.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 28,8 milhões de casos, e da Índia, com 11,1 milhões. Mas é o segundo em número absoluto de mortos, já que mais de 522 mil pessoas morreram nos EUA.

Ao todo, mais de 115,9 milhões de pessoas já contraíram oficialmente o coronavírus no mundo, e 2,57 milhões de pacientes morreram.

Deutsche Welle Brasil, em 05.03.2021

Como a pandemia testou as instituições brasileiras

Inércia do governo federal forçou outros pilares da democracia a agirem - e também os colocou à prova como nunca antes. Em livro, especialistas refletem sobre esse legado ainda em construção.


Protesto contra o governo Bolsonaro em Brasília

A postura negacionista e a inação do governo federal no Brasil em relação à covid-19 gerou consequências ímpares na organização do Estado, na burocracia, nas instituições, nas políticas públicas e na comunicação. O Supremo Tribunal Federal (STF) agiu diante da omissão do governo central e mudou jurisprudências sobre o federalismo. Agentes de saúde, médicos e enfermeiros foram forçados a fazer escolhas de maneira autônoma diante de protocolos sanitários distintos e embates entre governadores, prefeitos e um presidente que ignora a ciência. Servidores públicos estão exaustos, com a saúde mental comprometida, e um ano sem férias. A desigualdade social foi escancarada, a disfuncionalidade das instituições reconhecida.

Um ano após o início da pandemia, o Brasil tem o maior número de óbitos por habitantes do mundo, fase aguda de transmissão e risco iminente de colapso da saúde generalizado em todos os estados. Lições desta realidade foram abordadas no livro Legado de uma pandemia: 26 vozes conversam sobre os aprendizados para política, com apoio do Insper (Instituto de Pesquisa e Ensino e da Fundação Brava. Organizado pela economista Laura Muller Machado, professora do Insper, a obra é uma reflexão de pesquisadores do instituto, de Stanford, Harvard e Fundação Getúlio Vargas.

"Havia uma angústia forte e a vontade acadêmica de contribuir", diz Laura Muller à DW Brasil. Segundo ela, o livro, cuja versão digital pode ser acessada gratuitamente no formato e-book, tem como público alvo gestores públicos e políticos.

"Espero que inspire a todos que estão fazendo políticas publicas, nos três Poderes, para que elas funcionem e sejam eficientes", afirma. Muller assina dois capítulos, com o economista Ricardo Paes de Barros, idealizador do Bolsa Família, que refletem sobre os aprendizados com as desigualdades social e intergeracional (investimento público infinitamente superior em idosos do que em crianças).

"A pandemia não acabou, o mundo não resolveu [os desafios] e todos nós estamos sentindo muito por esse número elevado de mortes. Mas tudo o que está escrito ali já serve sim de legado", justifica, ao ser questionada sobre o nome da obra.

Segundo a professora, há aprendizados que se tornaram sólidos, como a obviedade de se ter, no Brasil, um cadastro social ampliado, "com todas as pessoas, nome, endereço, telefone, o que fazem e o que precisam, é difícil que isso não seja um legado". Sessenta e seis milhões de brasileiros se cadastraram para receber o benefício pago a famílias carentes e profissionais informais que ficaram sem renda na pandemia. "É preciso um cadastro para dar luz aos invisíveis."

Os efeitos na burocracia brasileira
Especialistas em gestão pública, os professores Marcelo Marchesini, do Insper, e Gabriela Lotta, da FGV, analisam os efeitos da covid-19 na burocracia brasileira. "A pandemia exacerba problemas estruturais do Brasil que já existiam e estavam escondidos. Neste sentido, não dá para esperar que a pandemia transforme esses processos estruturais. Mas é um legado que  a pandemia conseguiu nos mostrar. Exemplo: nossos profissionais da linha de frente são muito abandonados. Piorou a situação, mas não foi a pandemia que construiu isso", argumenta Lotta, da FGV, em entrevista à DW.

Ao discutirem os efeitos de uma "gestão pública vigilante", Marchesini e Lotta mostram exemplos de como os servidores públicos tomaram decisões solitárias. "A burocracia assume protagonismo diante da disfuncionalidade dos agentes políticos, da falta de capacidade de respostas, da perda de legitimidade do governo no momento em que respostas de políticas públicas se faziam tão necessárias. É um caráter de burocracia vigilante, muitas vezes exercendo a discricionariedade para fazer escolhas que limitam ou contradizem as escolhas formais e oficiais dos agentes políticos", explica Marchesini.

E como saber se a decisão discricionária do servidor é a melhor para a sociedade? De acordo com Gabriela Lotta, é preciso ter os resultados como métrica. Sempre que há esse conflito, "do governante querendo governar, e o burocrata querendo ser autônomo, defendendo as suas próprias ideias", instituições funcionais encontram uma solução, "em democracias mais fortes e estáveis". "Mas quando você tem um governante que não governa com normalidade democrática e com instituições que não funcionam bem, se perde esse equilíbrio. Ou a burocracia se autonomiza excessivamente e perde sua capacidade de controle, ou você tem um governante que muda as instituições a seu bel prazer e não é responsivo, e a burocracia não consegue impor a legalidade", explica a pesquisadora.

Os dois professores sugerem, ainda, que os gestores públicos olhem para a saúde mental dos profissionais que estão na linha de frente de combate à covid-19. Uma das recomendações é que profissionais do setor de saúde mental sejam deslocados para dar suporte terapêutico a médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem.

O papel do Supremo

Outro efeito analisado no livro aborda o papel do Supremo. No capítulo "Covid-19, federalismo e descentralização no STF: reorientação ou ajuste pontual?", os professores de direito do Insper Natalia Pires de Vasconcelos e Diego Werneck Arguelhes pontuam que "a covid-19 provocou uma ampliação do espaço de atuação de estados e municípios", pois o Supremo, ao julgar conflitos federativos, "não seguiu a tendência de centralização e uniformização, característica de sua jurisprudência".

Sem planejamento nacional e de engajamento do governo federal no combate à pandemia, o STF agiu para que decisões de governadores e prefeitos pudessem proteger a população. "O que a pandemia ensina para a gente é que o contexto importa. Embora a Constituição dê esse poder forte nas mãos da União, se trata de um poder-dever. A União pode agir, mas ela tem que agir. O contexto da pandemia foi isso: se você não age, e se você não deixa agir, aí o Supremo vai mexer nessas válvulas e garantir mais espaço para a atuação dos Estados e municípios”, afirma Werneck à DW.

Segundo ele, se Jair Bolsonaro tivesse adotado medidas restritivas, seguindo orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e respeitando protocolos sanitários internacionais, "talvez o STF tivesse reconhecido mais espaço para a União". O Supremo entendeu, na visão de Werneck, que o presidente do Brasil se coloca numa posição radical, "fora da divergência razoável". "A linguagem da ciência, da expertise técnica, vem com muitas força nessas decisões dos ministros do STF."

O Supremo jamais impediu o governo federal de agir, enfatiza ele, mas Bolsonaro se apropria desta narrativa desfavorável à corte. E, nesta guerra de narrativas, o presidente tem muito mais poder do que os ministros do STF. "O presidente diz isso o tempo inteiro, que o Supremo o impediu de agir, mas nós mostramos exatamente o contrário: o Supremo empoderou outros atores por falta de medidas compatíveis com o que o tribunal considerava o mínimo necessário contra a doença", afirma Werneck.

Deutsche Welle Brasil, em 05.03.2021

"Brasil precisa levar pandemia a sério", diz OMS

Organização da Mundial da Saúde - OMS diz que situação  no Brasil é "muito preocupante" e pede que governo tome medidas "agressivas". Do contrário, país vai afetar vizinhos e até nações fora da América Latina.

Praia lotada no Rio de Janeiro. Parte significativa da população não tem seguido medidas de distanciamento - muitas vezes com incentivo do governo federal

O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, afirmou nesta sexta-feira (05/03) que o avanço da pandemia de covid-19 no Brasil é "muito preocupante" e instou o governo federal a tomar medidas "agressivas". "O Brasil deve levar esta luta muito a sério", disse Ghebreyesus, acrescentando que são fundamentais medidas para interromper a transmissão.

"Se o Brasil não agir de forma forte vai afetar todos os vizinhos e além. Não é sobre o Brasil. Medidas de saúde sérias são muito importantes", disse, citando o "aumento contínuo" de casos em fevereiro, mas também do número de mortes. Nesta semana, o Brasil registrou um novo recorde diário de mortes por covid-19 e seguidas marcas de mais de 1.500 óbitos por dia. Também registrou um novo recorde de novos casos da doença nesta sexta-feira. A rede de saúde de vários estados está à beira do colapso.

Na mesma linha de Tedros, Mike Ryan, principal especialista em emergências da OMS, disse que "agora não é hora de o Brasil ou qualquer outro lugar relaxar".

"Achamos que já saímos disto. Não saímos", disse Ryan. "Países regredirão para um terceiro e um quarto surto se não tomarmos cuidado. A chegada da vacina traz esperança, mas não devemos achar que o pior já passou. Isso só faz o vírus se espalhar mais", disse.

Mesmo diante desse quadro, o governo de Jair Bolsonaro tem agido para enfraquecer medidas de isolamento impostas por estados e municipios, alegando que isso prejudica a economia. Nesta semana de recordes de mortes, Bolsonaro afirmou que é preciso parar de "frescura" e "mimimi" em meio à pandemia e perguntou até quando as pessoas "vão ficar chorando?". Ele ainda chamou de "idiotas" as pessoas que vêm pedindo que o governo seja mais ágil na compra de vacinas.

Ao longo da pandemia, Bolsonaro minimizou frequentemente os riscos do coronavírus, além de promover curas sem efiácia e tentar sabotar iniciativas paralelas de vacinação lançadas em resposta à inércia do seu governo na área.

Deutsche Welle Brasil, em 05.03.2021