quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Paulo Delgado: o assador Lira

Quando se formam maiorias predatórias, algo de atentatório à democracia emerge

Se o Executivo quiser humilhar a Câmara por considerar ridículo ter de respeitá-la, a maioria se esfarela. As conveniências venceram, mas como prego mal pregado na parede. Se o presidente não souber lidar com o poder, o humor do Legislativo não vai espelhar o do Executivo. E teremos o parlamentarismo do Centrão.

A concha acústica que seria colocada no ponto mais alto do terreno para projetar o grito de manifestantes para dentro do Congresso jamais foi construída. Mas o espelho d’água para desencorajar a multidão a invadir o prédio, esse, sim, foi aberto.

Senado e Câmara elegeram seus novos presidentes sob a indiferença dos brasileiros. No Senado não foi tanto vitória do governo. Foi o Senado, velho e sem se fazer de caduco, que escolheu um homem jovem, gentil, associativo para enfrentar uma política totalmente sem imaginação. O belo discurso de Simone sobre o mar, barcos e remos se perdeu nas ondas de procuradores imaturos e de um juiz que, se foi duro para perseguir grandes, se viu menor diante de um pequeno. Talvez por isso, a poesia logo foi suplantada pelo discurso de formatura do melhor aluno da turma de 2018.

Um senador sem freios apurou: Simone para lá, Rodrigo para cá, depois morreu. Que gente! Ninguém poderia imaginar que assim contassem votos no Senado da República.

Na Câmara foi diferente. Houve boxe, com socos combinados e frases dirigidas para acalmar a boa consciência de traidores engajados. SUS, rede de proteção social, pauta emergencial, cadeira giratória, todos conheço por nome. Clichês endereçados a aplastados partidos. Uff!

A matemática é inexorável. Dos 211 do bloco de Baleia, 145 votos ele teve. Assolador. Com 247 em seu bloco, Lira obteve 302 votos, revelando que os convencidos eram minoria diante dos dispostos a ser convencidos. Partidos de gente partida.

Não é o apocalipse. Mas há um parentesco natural entre Executivo e Legislativo quando um mesmo apetite adquire peso e a balança do destino coloca a vida perto da necessidade e do medo. Se o Congresso deu outra chance ao presidente, não deve imitar sua deformidade.

A relação com ele é incompatível com a emoção, como bem fez o Senado. Há emoções que ajudam a corrigir e reorganizar o caráter; há outras que o exacerbam. Há inversão de papéis se o Parlamento imagina manipular cordéis do Executivo. Certo que há parlamentares colegas acostumados com a longa prática da hipocrisia que é usufruir o mandato mais do que exercê-lo. Estranho é um número tão grande achar isso natural.

O governo pode ter posto o inimigo em casa. Já o Congresso pode ter armado uma rede em que ele próprio cairá. Se continuar comovido e aceitar suflê, será servido na mesma vasilha do forno sem imaginação do presidente. Em política a distração é cômica.

Todo esse vaudeville é sinal da luta do politeísmo pagão praticado pelos partidos. Alguma coisa lembra George Foreman e sua máquina de grelhar. A iniquidade que a chapa inflige à carne é que permite o triunfo glorioso do churrasco. Mal passado, bem passado ou cru, o assador Lira deve cuidar para produzir pouca fumaça num plenário em que uns nada querem entender, outros nada querem ver e a maioria só vê o que quer. O fácil se torna impossível. E quando se formam maiorias predatórias algo de atentatório à vida democrática emerge.

A tensão é de cabo de guerra. O governo não olha sequer os mortos. Mas a política é um padre mole que une os casais que parentes desaprovam. A hora do divórcio é que interessa em país onde os governos caem de dentro para fora.

Antes do primeiro churrasco Lira homenageia Niemeyer descrevendo a grandeza sutil da arquitetura do plenário. Minutos depois, assentado no trono, queima a carne passada. Anula a votação da Mesa e ataca Maia, inexoravelmente abandonado, sem condições de conter a velocidade da adesão. Fidelidade é guarda-chuva frágil; na tormenta, melhor táxi.

Inacreditável: as 35 propostas prioritárias são um gasto psíquico acreditar. Revelam como a política se desequilibra em desfavor da racionalidade quando os ideais se esgotam. Um amontoado que desvirtua conceitos, privilegia tontices para contornar o custo de enfrentar privilégios. Uma lembra o esquadrão da morte ao defender imunidade para policiais arbitrários. A miscelânea tem gás, água, luz, pedágio, pedofilia, Fräulein, startups, arma, índio e o emergencial é de 2019. Nada sobre os mandarins do Estado, vacina, pobreza, jovem, privilégio militar, desemprego. A incompreensibilidade e o desprezo pela economia fazem o Brasil refratário à evolução humana e a aspirações coletivas.

É uma cegueira fingir não ver que o artificial da economia vai estourar. Manter a estagnação econômica e apostar na pobreza dos não influentes para proteger os influentes da depressão é intelectual e moralmente pouco exigente. A razão da força paradoxal do presidente talvez seja o esforço que faz para manter o estado de crise e evitar que a paz seja um dia longa. Seu jogo parlamentar não se sustenta se metade do dia ele se dedicar à prosperidade de sua reeleição. E na outra metade a impedir a prosperidade da Nação.

Paulo Delgado, o autor deste artigo, é sociólogo. Publicado originalmente em O Estado de São Paulo, edição de 10 de fevereiro de 2021.

Antes de dinheiro, falta espírito público

Desinteresse pela sorte dos brasileiros preside a discussão sobre a volta do auxílio emergencial

É excruciante a demora do governo e do Congresso para encontrar as fontes de financiamento para retomar o auxílio emergencial para os milhões de cidadãos destituídos de renda em razão da pandemia de covid-19. O auxílio acabou em dezembro, mas a pandemia não – e lá se vão dois meses e meio sem que o poder público tenha sido capaz de se entender sobre tão urgente demanda.

Do mesmo modo, causa indignação a notícia de que caiu em 76% o total de leitos hospitalares para tratamento de covid-19 em São Paulo que são financiados pelo governo federal. O motivo é tão prosaico quanto assombroso: terminou em 31 de dezembro a validade da emenda constitucional que criou o chamado “orçamento de guerra”, que previa recursos extraordinários para o enfrentamento da pandemia. Sem a emenda, faltou dinheiro.

Nos dois casos, espanta a incapacidade do governo de Jair Bolsonaro de se antecipar a problemas com data marcada para acontecer. Ante a óbvia escalada da pandemia – em Manaus, por exemplo, já se fala em uma “terceira onda” –, é simples irresponsabilidade deixar de tomar providências tempestivas. A esta altura, nada disso era imprevisível – ao contrário, o recrudescimento da pandemia foi antecipado insistentemente pelos cientistas.

Como o governo é liderado por um presidente inimigo da ciência e indiferente ao sofrimento de seus governados, nada disso deveria espantar. Enquanto o mundo civilizado passou boa parte de 2020 na corrida por uma vacina, Bolsonaro e o intendente que responde pelo Ministério da Saúde dedicaram-se a fazer propaganda de remédios sem eficácia contra a covid-19 e potencialmente perigosos, ao mesmo tempo que o presidente questionava a segurança dos imunizantes. A vacina só se tornou prioritária para o governo quando passou a ser vista por Bolsonaro como um possível ativo eleitoral.

É esse desinteresse pela sorte dos brasileiros que preside a discussão bizantina sobre a volta do auxílio emergencial. “Acho que vai ter uma prorrogação”, disse Bolsonaro, como se fosse um comentarista político, e não o presidente da República. Um presidente não “acha” nada: ordena de acordo com a lei. É para isso que serve o poder que as urnas lhe conferiram em 2018. Se a volta do auxílio emergencial é indispensável – e é –, então cabe ao presidente mandar que aconteça o mais rápido possível, tomando as decisões políticas necessárias.

Mas é precisamente isso o que Bolsonaro não quer fazer, porque tomar decisões políticas acarretam ônus diversos. Quando era deputado do baixo clero, Bolsonaro não tinha esse problema: podia exercer sua irresponsabilidade à vontade. Como presidente, contudo, deve enfrentar o peso de suas escolhas e indicar ao País uma direção clara.

Talvez o maior símbolo atual da falta de direção do governo Bolsonaro seja o incrível atraso da aprovação do Orçamento, que deveria ter sido votado no ano passado. Sem o Orçamento, não há planejamento possível, algo especialmente grave numa pandemia.

O caso da obscena queda do financiamento federal de leitos para tratamento de covid-19, que atinge vários Estados além de São Paulo, é exemplar: “Não houve planejamento. O Orçamento de 2021 é o mesmo de 2019. Simplesmente desconsiderou o Orçamento de 2020, como se a pandemia tivesse terminado em 31 de dezembro”, disse o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, Carlos Lula. Segundo a Secretaria da Saúde paulista, a situação obrigou os gestores locais a gastarem mais de uma hora para outra.

Ao contrário das aparências, nada disso é de improviso. A pandemia serve aos demagogos como argumento para a irresponsabilidade fiscal, que hipoteca o futuro do País, mas rende votos. Como o Estado noticiou, os novos comandantes do Congresso, apadrinhados de Bolsonaro, querem relançar o auxílio emergencial fora do teto de gastos e sem cortar nenhuma outra despesa. Fala-se de novo em reeditar a famigerada CPMF como forma de financiar o auxílio. Seria o coroamento da desfaçatez, mas, a esta altura, já se sabe que o problema não é falta de dinheiro, mas de espírito público.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de São Paulo, em 10 de fevereiro de 2021 


Leite diz que vai ajudar PSDB a ‘construir o melhor caminho’ para 2022

Governador Eduardo Leite. FOTO: EDUARDO BELESKE

Diante de um aumento na pressão interna do PSDB para que seja uma alternativa presidenciável a João Doria, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, disse que é “precipitado definir candidatura, seja de quem for”, mas promete ajudar o partido a buscar o melhor caminho para 2022.

“Ainda é precipitado definir candidatura, seja de quem for. O partido deve primeiro se reunir em torno de ideias, de um propósito. E é papel de quem exerce funções relevantes, como nós governadores, de ajudar na condução dos debates para uma futura tomada de decisão. Mas jamais impor um caminho em função de pretensões pessoais”, disse à Coluna, sem citar nominalmente Doria, que já se coloca como o candidato da sigla para Presidência da República.

Leite se diz focado no que chama de “missão” que recebeu do povo gaúcho: o reequilíbrio das finanças do Rio Grande do Sul. “Ainda tenho muito por fazer aqui e cuidar do RS continua sendo meu foco. Não obstante, naturalmente (e até pela história e tradição do meu Estado) vou buscar ajudar meu partido a construir o melhor caminho para ajudar o Brasil em 2022”.

O nome de Leite é defendido por parte da bancada, que vai almoçar com ele na quinta-feira, 11, para tratar disso. Caciques como FHC e o senador Tasso Jeressati (CE) também citaram, recentemente, seu nome em entrevistas.

O entorno do apresentador Luciano Huck também vê com bons olhos uma chapa que junte os dois. À Coluna, o governador gaúcho disse que conversa com Huck “com alguma regularidade”.

“Desenvolvemos uma amizade cívica. Ele é alguém genuinamente interessado em colaborar num projeto de futuro para o país”, completou.

Marianna Holanda, O Estado de São Paulo, em 10 de fevereiro de 2021 

Promotores da Geórgia investigarão tentativa de Trump de alterar resultado da eleição no Estado

Eles instruíram funcionários estaduais a preservar documentos que podem mostrar esforços do ex-presidente para tentar modificar o resultado da votação que deu vitória a Joe Biden

Os promotores do Condado de Fulton, na Geórgia, abriram uma investigação criminal para apurar  as tentativas de Donald Trump de influenciar os resultados das eleições presidenciais de 2020 no Estado. Um dos alvos da investigação é o telefonema que ele fez para o secretário de Estado da Geórgia, Brad Raffensperger, no qual o pressionou a "encontrar" votos suficientes para ajudá-lo a reverter sua derrota, segundo o jornal americano The New York Times. 

Além do telefonema para Raffensperger, o ex-presidente ligou para o governador Brian Kemp em dezembro e o pressionou a convocar uma sessão legislativa especial para reverter sua derrota eleitoral. 

A recém-eleita promotora do Condado de Fulton, Fani Willis, enviou uma carta aos funcionários estaduais pedindo que preservem documentos relacionados a uma investigação sobre a tentativa de influência nas eleições de 2020 na Geórgia. 

Brad Raffensperger, em entrevista coletiva; republicano, o secretário de Estado foi criticado por membros de seu próprio partido por defender a precisão da contagem de votos na Geórgia Foto: Brynn Anderson/AP

“Este assunto é de alta prioridade e estou confiante de que, como colegas oficiais da lei que juraram defender as Constituições dos Estados Unidos e da Geórgia, nossa aquisição de informações e evidências de crimes em potencial por meio de entrevistas, documentos, vídeos e registros eletrônicos será cooperativa”, disse na carta datada de 10 de fevereiro, de acordo com a agência de notícias Reuters. 

A carta, que não menciona o nome de Trump, foi enviada a Brad Raffensperger e outros governantes republicanos do Estado da Geórgia, entre eles, o governador e o procurador-geral, Chris Carr.

Na segunda-feira, o gabinete de Raffensperger iniciou a própria investigação sobre o telefonema de Trump no dia 2 de janeiro, pressionando-o a derrubar a vitória do democrata Joe Biden no Estado com base em alegações infundadas de fraude eleitoral. 

A investigação na Geórgia ocorre enquanto Trump enfrenta um segundo julgamento de impeachment em Washington, sob a acusação de "incitar a insurreição" que ocorreu no Capitólio em 6 de janeiro. As ligações realizadas por Trump podem infringir três leis estaduais, segundo apuração do New York Times.

Uma é a solicitação criminosa para cometer fraude eleitoral, que pode ser um crime ou contravenção. Como crime, é punível com pelo menos 1 ano de prisão. Há também uma acusação de conspiração, que pode ser processada como contravenção ou crime. Uma terceira lei, um delito de contravenção, proíbe a "interferência intencional" no "desempenho de deveres eleitorais" de outra pessoa./NYT e REUTERS

Redação, O Estado de São Paulo, em 10 de fevereiro de 2021

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Brasil registra 1.350 mortes por covid-19 em 24 horas

Com mais de 51 mil novos casos confirmados em 24 horas, total de infectados passa de 9,59 milhões. Ao todo, 233 mil pessoas morreram no país em decorrência do coronavírus.

Coveiros sentados em meio a túmulos de vítimas de covid-19 em Manaus

O Brasil registrou oficialmente 51.486 casos confirmados de covid-19 e 1.350 mortes ligadas à doença nesta terça-feira (09/02), segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) e pelo Ministério da Saúde.

Com isso, o total de infecções identificadas no país subiu para 9.599.565, enquanto os óbitos chegam a 233.520.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 8.523.462 pacientes já se recuperaram da doença.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 111,1 no Brasil, a 23ª mais alta do mundo, quando desconsiderados os países nanicos San Marino, Liechtenstein e Andorra.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 27,1 milhões de casos, e da Índia, com 10,8 milhões. Mas é o segundo em número absoluto de mortos, já que mais de 466 mil pessoas morreram nos EUA.

Ao todo, mais de 106,4 milhões de pessoas já contraíram o coronavírus no mundo, e 2,3 milhões de pacientes morreram.

Deutsche Welle Brasil, em 09.02.21

Governo brasileiro vive ‘crise de reputação’ no exterior, aponta estudo

Levantamento feito por consultoria mostra que 92% de 1.179 textos publicados em 2020 por veículos estrangeiros apresentaram um viés negativo sobre a administração de Jair Bolsonaro

Apesar do esforço do governo brasileiro em melhorar a avaliação do País no exterior, um estudo feito pela consultoria Curado & Associados, especializada em gestão de imagem, aponta que o País vive uma “crise de reputação”. O levantamento mostra que 92% de 1.179 textos publicados em veículos estrangeiros ao longo de 2020 apresentaram um viés negativo sobre a administração de Jair Bolsonaro.

O Itamaraty tem orientado embaixadas brasileiras ao redor do mundo a ter uma posição mais proativa em relação ao noticiário doméstico, numa tentativa de desfazer a imagem negativa do País e do governo no exterior. A ordem às representações na Europa e na Ásia é de passar um “pente fino” do noticiário sobre o Brasil, que ganhou manchetes no mundo todo após alta nos índices de queimadas no fim de 2019.

A análise das publicações feitas pela consultoria, no entanto, chegou a um índice de imagem – tecnicamente chamado de índice de Valor, Gestão e Relacionamento (iVGR) – de  -3,38, numa escala que vai de -5 a +5. Pela metodologia do índice, criado em parceria com estatísticos da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), as crises de imagem começam quando o indicador está abaixo de -2. O patamar negativo foi mantido nos 12 meses do ano, o que pode ser visto como um indicativo de crise, segundo a fundadora da consultoria, Olga Maria Curado.

O chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, em audiência no Senado  Foto: GABRIELA BILO / ESTADAO

Para chegar ao número, os consultores analisaram textos de sete veículos internacionais de reconhecida relevância: The New York Times e The Washington Post (Estados Unidos), The Guardian e The Economist (Inglaterra), El Pais (Espanha), Le Monde (França) e Der Spiegel (Alemanha). O que foi observado é que a imagem do governo que prevaleceu ao longo do ano foi de “incompetente” e “vulnerável”, qualidades analisadas na gestão. No aspecto ético, o atributo “irresponsável” manteve média de 20% de participação ao longo de 2020.

Às vésperas da chegada do coronavírus no Brasil, em fevereiro, o iVGR do governo apresentou seu momento menos negativo durante o ano. Ainda assim ficou em -2,59, abaixo do patamar considerado de crise. Já entre abril e junho, no auge da primeira onda de covid-19 no País, o índice apresentou o pior momento, voltando a se deteriorar a partir de setembro por causa de outra cobertura desfavorável: a política ambiental do governo federal e os incêndios na Amazônia e no Pantanal.

Das 1.179 matérias publicadas, 1.088 foram negativas (92%) e 91 positivas (8%). Entre as negativas, 52% estavam relacionadas à gestão da pandemia. No tema “outros”, destaque para textos sobre a crise econômica do Brasil fora do contexto da pandemia e a violação a direitos humanos. No grupo do noticiário positivo, estavam abordagens sobre expectativas de retomada da economia e de reformas estruturais. Essas notícias estiveram mais concentradas no primeiro trimestre do ano. Outros temas que geraram visibilidade positiva foram o pagamento de auxílio emergencial e testes com vacinas no Brasil.

Para Anthony Pereira, professor do Brazil Institute e do Department of International Development do King's College de Londres, o retrato negativo do Brasil no exterior já era esperado. “Não é uma surpresa, mas, de modo geral, houve muita cobertura negativa sobre outros países também”, comparou, citando ações do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi durante a pandemia; a postura do ex-presidente americano Donald Trump de não aceitar a derrota de sua reeleição, e a demora do premiê britânico, Boris Johnson, de aderir a medidas de quarentena. “Houve um superávit de cobertura negativa em 2020”, constatou.

Em geral, o professor disse concordar com o resultado do estudo de que o governo brasileiro é visto com a imagem negativa por causa de assuntos como meio ambiente e a pandemia, mas não apenas em função de dados. “Os discursos também contribuem para isso, como o de que as ONGs incentivam a queima da floresta e o de que os dados sobre do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe) são uma mentira. Esse discurso negacionista e o desmantelamento da infraestrutura de combate a incêndios gerou essa imagem. Fora as falas na área de direitos humanos e política externa, como ter sido um dos últimos líderes a parabenizar Joe Biden pela vitória na eleição.”

Pereira relatou ainda que, em seus contatos recentes com o governo britânico, não há qualquer interesse de estreitar relacionamento com o presidente Bolsonaro. “Não conheço um governo da Europa que gostaria de receber uma visita de Estado de Bolsonaro. Como há a pandemia agora, esta é uma situação hipotética, mas, de meus contatos com o governo daqui, ninguém se mostrou ansioso em recebê-lo. É um governo um pouco isolado”, avaliou.

Para Itamaraty, pesquisa não reflete opinião de ‘governos de outros países’

Procurado, o Itamaraty, responsável pela política externa do governo brasileiro, afirmou considerar que o levantamento em veículos de imprensa “não parece refletir a opinião da população ou governos de outros países”. 

“O exercício da atividade diplomática no exterior inclui a comunicação formal, quando o assunto requer, entre o representante diplomático e os órgãos de imprensa, para permitir ao público conhecer também a perspectiva oficial brasileira a respeito de determinado assunto – contexto em que se inscreve o exemplo citado”, afirma, em nota, o Ministério das Relações Exteriores.

Célia Froufe, O Estado de São Paulo, em 09 de fevereiro de 2021 

Juan Arias: o angustiante dilema de Lula ao final de sua vida política

Os grandes estadistas se consagram ou se destroem quando são incapazes de compartilhar a liderança e de decidir, nos momentos mais dramáticos, de mãos dadas com todos os que desejam o bem nacional

Lula tira a máscara para falar durante a votação de 15 de novembro de 2020.AMANDA PEROBELLI / REUTERS

Lula sempre foi e continua sendo um animal político, com seus acertos e desacertos. Poucos como ele carregam a política no próprio sangue. E agora, ao final de seu caminho, vive a maior encruzilhada de sua vida.

É possível que o Supremo lhe ofereça a possibilidade de disputar no ano que vem as eleições contra o nazifascista e genocida Bolsonaro. Não cabe dúvida que seu sonho seria derrotá-lo. É seu último sonho político. Mas sabe também que, no caso de uma derrota, jogaria tristemente por terra seu passado político, que é o oxigênio de sua vida.

Lula, que é um estrategista político indiscutível, talvez já esteja pensando que não lhe convém brincar de roleta-russa, mesmo que o Supremo dê luz verde à sua candidatura.

E talvez por isso já antecipou que, caso não possa ou não queira se arriscar a perder, o candidato dele e do seu partido será Fernando Haddad, e lhe pediu que prepare sua campanha e movimente as ruas.

É uma solução acertada ou se trata de um erro político?

Não que Haddad não seja um bom candidato ―que é―, mas porque já perdeu de Bolsonaro, e porque desta vez Bolsonaro voltará à arena com apoios políticos maiores que da vez anterior, se não for apeado do poder antes disso.

Há anos o presidente que disputa o segundo turno vence as eleições. Foi assim com Fernando Henrique Cardoso, com Lula e com Dilma. Pois nesse caso eles dispõem de toda a máquina do Estado ao seu dispor para a campanha.

Mas tem mais. Essa antecipação em escolher pessoalmente Haddad sem uma ampla consulta ao seu partido só faz enfraquecê-lo. O primeiro alarme foi dado pelo PSOL, onde Guilherme Boulos, que desponta como o líder de uma nova esquerda, já criticou delicadamente que o Brasil vive o perigo de chegar novamente à próxima eleição presidencial com as forças progressistas divididas e ameaçadas de serem derrotadas por Bolsonaro e por aqueles que serão seus novos aliados.

Há muitos anos a esquerda e a social-democracia parecem mais frágeis no tabuleiro político nacional e internacional. E concretamente o PT de Lula não está em seus melhores tempos. Foi derrotado nas últimas eleições municipais e não passou de coadjuvante na disputa pelas presidências da Câmara e do Senado.

Para as forças democráticas, a única chance de derrotar a extrema direita fascista, à qual parece se somar o DEM, é esquecer as brigas domésticas e se apresentarem unidas com um pacto no qual, embora possa haver mais de um candidato para enfrentar Bolsonaro, já cheguem às eleições com um acordo de que na segunda volta se comprometam a apoiar um único candidato, seja ou não do PT.

Por isso acredito que foi um erro que Lula, com sua impulsividade, tenha querido se antecipar em consagrar o seu candidato sem um diálogo prévio não só com seu partido, que já está perdendo força e se encontra dividido, e sim com todos os partidos da chamada frente ampla, esquecendo-se dos cálculos meramente pessoais.

Entende-se que, ao final de seu caminho político, Lula, sempre acostumado a ser obedecido e a decidir imperialmente em seu partido, não queira acabar com a maior derrota da sua história.

Mas Lula sabe muito bem que, diante de problemas graves como os que está vivendo o Brasil, se quiser ganhar as próximas eleições presidenciais terá de estar junto com os outros, e não pensando só em seu partido e em si mesmo.

Os grandes estadistas se consagram ou se destroem quando são incapazes de compartilhar a liderança e de decidir, nos momentos mais dramáticos de um país, de mãos dadas com todos os que desejam o bem nacional, acima de seus interesses pessoais.

O resto é política provinciana e mesquinha, e não a Política com maiúscula, que é aquela à qual pertence Lula, e que poderia acabar perdendo-a melancolicamente.

Juan Arias , o autor deste artigo, é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como Madalena, Jesus esse Grande Desconhecido, José Saramago: o Amor Possível, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente. Publicado por EL PAÍS, em 08.02.2021.

OMS conclui que o coronavírus é de origem animal e indica que não surgiu no mercado de Wuhan

Agência descarta a hipótese de um laboratório como causa do novo coronavírus

Peter Ben Embarek e Marion Koopmans, integrantes da equipe enviada pela OMS a Wuhan, nesta terça-feira.ALY SONG / REUTERS

A OMS considera a passagem do novo coronavírus de animal para ser humano por meio de uma terceira espécie como a hipótese “mais provável” da origem da covid-19 e sugere que não se originou no mercado de Wuhan. Foi o que disseram em uma coletiva de imprensa, no final da sua missão, os especialistas da equipe internacional da OMS que durante quase quatro semanas fizeram investigações na cidade onde foram detectados os primeiros casos da doença para identificar como pode ter surgido.

O chefe dos especialistas internacionais que viajaram a esta cidade do centro da China, Peter Ben Embarek, logo antecipou isso ao iniciar suas declarações à imprensa: embora tenha encontrado novas informações, esta investigação não mudou substancialmente a imagem do que se sabe sobre esta doença que já contagiou mais de cem milhões de pessoas em todo o mundo.

Os profissionais enviados pela OMS trabalharam com quatro hipóteses, conforme explicou Ben Embarek: transmissão direta de um animal, provavelmente um morcego; a via indireta, por meio de uma terceira espécie; o contágio a partir de vírus em superfícies congeladas; e que o vírus tivesse escapado de um laboratório. Apenas esta última, constataram os especialistas, é “extremamente improvável”, razão pela qual está descartada a continuidade dessa linha de investigação.

O ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump havia acusado um laboratório, o Instituto de Virologia de Wuhan, de ter deixado o vírus escapar de suas instalações e de ser a origem da pandemia.

É a única conclusão contundente que eles anteciparam. As demais questões ―qual animal poderia ter sido o intermediário da transmissão, como surgiu em Wuhan, se foi ali que ocorreu o salto para o ser humano ou em outro lugar― permanecem abertas. “Não há evidências suficientes (...) para determinar se o Sars-Cov-2 se espalhou em Wuhan antes de dezembro de 2019”, disse Liang Wannian, da Comissão Nacional Chinesa de Saúde e chefe da delegação de cientistas chineses. De acordo com Ben Embarek, a pesquisa aponta para “um reservatório natural” de morcegos como o animal original, embora seja improvável que o salto tenha ocorrido nessa cidade.

Os especialistas, que apresentaram um resumo preliminar do relatório que entregarão à OMS, indicaram que durante sua estada em Wuhan ―que incluiu duas semanas de quarentena estrita em um hotel, conforme prevê a regulamentação chinesa contra o coronavírus para quem chega do exterior― examinaram prontuários médicos e amostras de sangue coletadas antes da detecção dos primeiros casos, em dezembro, nessa cidade. Eles também analisaram dados de venda e consumo de medicamentos para sintomas semelhantes aos causados pela covid-19, para verificar se houve maior uso nas semanas e meses anteriores. Sua conclusão: não encontraram indícios da presença do vírus em Wuhan antes de dezembro.

Os pesquisadores também examinaram a hipótese que circulou no início da epidemia e que considerava o mercado de frutos do mar de Huanan como uma possível origem da doença. Aproximadamente dois terços dos mais de 40 casos originais tinham vínculos, como vendedores ou clientes, com esse mercado, onde também eram vendidos animais domésticos e silvestres. Mas o terço restante, não.

“Não sabemos o papel exato” do mercado, observou Ben Embarek. “Sabemos que houve casos ali, entre pessoas que lá trabalhavam ou o visitaram, mas não sabemos como o vírus se introduziu ou como se disseminou.” Os cientistas mapearam os casos relacionados ao mercado ―se eram vendedores, onde ficava sua barraca, por exemplo― e possuem as sequências genéticas de alguns deles. Isso lhes permitiu determinar que o mercado era uma fonte de propagação, mas houve outras na cidade.

MACARENA VIDAL LIY,  de Pequim para o EL PAÍS, em  09 FEV 2021

Governo Biden quer fortalecer laços com Brasil, diz porta-voz

Em meio a pedidos de defensores do meio ambiente e dos direitos humanos para que EUA pressionem Bolsonaro, Casa Branca diz que observa tais questões de perto, mas que relação econômica com o Brasil é significativa.

"Não vamos nos abster em áreas em que discordamos", afirmou a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, em relação ao Brasil

O governo do novo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, está acompanhando de perto os acontecimentos no Brasil relacionados aos direitos humanos e à preservação ambiental, mas pretende continuar fortalecendo os laços econômicos e comerciais com o país sul-americano, afirmou a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, nesta segunda-feira (08/02).

Ao ser questionada sobre pedidos de entidades e membros do Partido Democrata para que negociações comerciais com o Brasil fossem suspensas devido a preocupações com os direitos humanos e o meio ambiente, Psaki disse que o governo Biden não vai se abster de levantar preocupações quando houver diferenças com o do presidente Jair Bolsonaro.

"Não vamos nos abster em áreas em que discordarmos, seja quanto ao clima, os direitos humanos ou outra questão", disse Psaki. Ela afirmou, no entanto, que "obviamente há uma relação econômica significativa" entre os dois países e que os EUA seguirão buscando oportunidades de cooperação.

A porta-voz destacou que o governo Biden anunciou, em 5 de fevereiro, uma ajuda adicional, proveniente da Agência para Desenvolvimento Internacional americana, para a resposta emergencial do Brasil à covid-19.

"Somos de longe o maior investidor no Brasil, inclusive em muitas das empresas brasileiras mais inovadoras e focadas no crescimento, e continuaremos a fortalecer nossos laços econômicos e aumentar nosso grande e crescente relacionamento comercial nos próximos meses", afirmou.

O embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Nestor Forster, saudou os comentários de Psaki e disse que o Brasil espera expandir os laços comerciais e está "totalmente a bordo" para abordar preocupações com o desenvolvimento sustentável e as mudanças climáticas.

"O que nós queremos é continuar trabalhando com o Estados Unidos", disse o embaixador numa conferência organizada pela Associação Comercial Internacional de Washington, destacando que o investimento brasileiro teve forte aumento na última década.

Segundo a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), em 2018, último ano para o qual há dados disponíveis, os EUA foram o maior investidor direto no Brasil, com 134,1 bilhões de dólares. Já os investimentos brasileiros nos EUA cresceram 356% entre 2008 e 2017, alcançando 42,8 bilhões de dólares em 2017.

Laços fortalecidos sob Trump

O governo do ex-presidente americano Donald Trump buscou fortalecer os laços com o Brasil, a maior economia da América Latina, e fazer um contrapeso em relação à China, que se tornou o maior parceiro comercial do Brasil.

Em outubro passado, o Brasil e os Estados Unidos assinaram três acordos para garantir boas práticas comerciais e combater a corrupção, além de estabelecer uma meta para a duplicação do comércio bilateral nos próximos cinco anos.

Após apoiar abertamente a reeleição de Trump, repetir alegações sem provas de fraude eleitoral feitas pelo ex-presidente americano e demorar mais de um mês para reconhecer a vitória do democrata, Bolsonaro escreveu a Biden no dia da posse, 20 de janeiro, e disse que esperava que os dois países buscassem um amplo acordo de livre comércio.

Atritos envolvendo Amazônia

Durante a campanha eleitoral, Biden mencionou a destruição da Amazônia e disse que, caso fosse eleito, pretendia organizar um pacote de ajuda de 20 bilhões de dólares (R$ 107 bilhões) para que o Brasil preservasse a floresta. O democrata advertiu que, se os brasileiros persistissem com o desmatamento, o país poderia vir a sofrer "consequências econômicas significativas”.

Bolsonaro reagiu. Mencionando os 20 bilhões de dólares previstos por Biden, o presidente brasileiro afirmou que o Brasil não aceita suborno. "Nossa soberania é inegociável", escreveu no Twitter. Bolsonaro ainda afirmou que seu governo realiza "ações sem precedentes para proteger a Amazônia" e declarou que a "cobiça de alguns países sobre a Amazônia é uma realidade".

Pressão sobre o governo Biden

No ano passado, uma comissão da Câmara dos Representantes dos EUA, controlada pelos democratas, já havia criticado o governo Trump por se aproximar do Brasil. A comissão argumentou, numa carta apresentada em junho, que o governo Bolsonaro havia demonstrado "um completo desrespeito aos direitos humanos básicos" e que a expansão dos laços prejudicaria os esforços de defensores brasileiros dos diretos humanos e do meio ambiente.

Após a posse de Biden, sete ex-negociadores de reuniões do clima e membros de ex-governos republicanos e democratas encaminharam ao novo governo uma lista de recomendações. O chamado Plano de Proteção da Amazônia sugere como os EUA deveriam investir os 20 bilhões de dólares que Biden prometeu mobilizar para conservar a maior floresta tropical do mundo. 

"Entendemos que Bolsonaro não amou imediatamente o plano de Biden. Por isso é preciso trabalhar com a sociedade brasileira, empresas, governadores e políticos que estejam interessados em fazer parcerias com os Estados Unidos", afirmou em entrevista à DW Brasil Nigel Purvis, ex-negociador do clima do governo americano que prestou assessoria para a elaboração do Plano de Proteção da Amazônia.

Na semana passada, a Rede dos Estados Unidos para Democracia no Brasil – apoiada por mais de 150 acadêmicos das principais universidades dos EUA, ONGs e entidades – fez chegar a Biden um dossiê de 31 páginas que pede a suspensão de acordos comerciais e políticos com o governo Bolsonaro.

Entre outras medidas, o documento pleiteia que o novo governo dos EUA encerre o apoio financeiro a atividades relacionadas ao desmatamento da Floresta Amazônica. O objetivo do grupo é pleitear a criação de uma CPI da Amazônia no Congresso dos EUA.

Deustsche Welle Brasil, em 09.02.2021

Livianu: Momento crítico no combate à corrupção

Executivo e Legislativo se lembrem de que o poder deve ser exercido em benefício do povo

Suspeitos, investigados e processados por corrupção e outros crimes de colarinho-branco estão celebrando o anúncio da desativação da força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) na Lava Jato em Curitiba, assim como as declarações reiteradas do líder do governo na Câmara no sentido de se pretender enfraquecer a Lei de Improbidade Administrativa. Desde 2014, na Lava Jato foram 79 fases, R$ 4,3 bilhões recuperados e 278 sentenças, escrevendo uma nova página da História brasileira no enfrentamento da corrupção de grosso calibre, com procuradores da República designados com exclusividade para cuidar de casos extremamente complexos.

Se, hipoteticamente, houvesse compreensão da PGR, e de organismos de controle que se excederam midiaticamente no afã de fazer valer o princípio constitucional da publicidade, de interagir com a sociedade para mobilizá-la, engajá-la e conscientizá-la, como recomenda a ciência política, que recomendassem pedagogicamente o que entendessem de direito. No entanto, no exercício de meu direito de livre manifestação, opinião e crítica, garantido constitucionalmente, penso que para desativar estrutura responsável por trabalho histórico, reconhecido internacionalmente, com patamar de recuperação de ativos da ordem de um terço, recomendável seria prévia ampla e democrática discussão no seio do MPF, envolvendo amplamente seu Conselho Superior, a Associação Nacional dos Procuradores da República e outras instâncias, buscando solução substitutiva que pudesse enfrentar tão relevante demanda da sociedade.

Ao mesmo tempo, o líder do governo na Câmara vem a público reiteradamente declarar que a Lei de Improbidade deve ser desidratada e enfraquecida, somente devendo punir atos que provoquem danos ao patrimônio público. Será que a sociedade concorda?

Essa pregação enaltece o substitutivo Zarattini, apresentado secretamente ao PL 10.887/18, que originalmente pretendia atualizar a Lei de Improbidade. Esse substitutivo, elaborado por advogados pagos com dinheiro público, não obstante disporem todos os parlamentares de assessoria técnica legislativa (o que, em tese, caracteriza ato de improbidade administrativa), propõe a supressão do artigo 11 da lei – não mais se puniriam a “carteirada”, o nepotismo, o não fornecimento de informações nos termos da Lei de Acesso à Informação, o desvio de vacinas e todos os atos sem danos ao patrimônio. Também propõe impor prazo para encerramento de inquérito civil pelo Ministério Público, mesmo que o caso seja complexo e demande mais trabalho. Esses são apenas dois exemplos. É óbvio o objetivo de criar impunidade.

É importante lembrar também que o Brasil, campeão mundial de lavagem de dinheiro, segundo a Kroll, montou comissão para rever a respectiva lei, composta predominantemente por advogados de acusados de lavagem de dinheiro e secretariada pelo juiz Ney Bello Filho, que concedeu prisão domiciliar a Geddel.

As primeiras reuniões sinalizam a intenção de abrandar a Lei 12.682/12, considerada de última geração pelo mundo, que a tem como referência. Isso pode trazer consequências devastadoras para o Brasil, até quanto à dificuldade de aprovação de futuros financiamentos internacionais e ao impedimento de ingresso na OCDE, que pretendemos. Isso no momento em que o índice anual de percepção da corrupção, divulgado pela Transparência Internacional, o principal organismo do mundo dedicado à agenda anticorrupção, acaba de sair e nos mostra com pífios 38 pontos, abaixo da média da América Latina (41), mundial (43), do G-20 (54) e da OCDE (64), apesar de termos a nona economia mundial.

A pandemia tornou a situação ainda mais séria e grave, pois a corrupção se mostrou presente numa enxurrada de casos que levaram à prisão secretários de Saúde e retiraram do cargo governadores de Estado, evidenciando que os dramas humanos não diminuem o afã criminoso dos corruptos. Além de termos sido apontados como os de pior governo, dentre 98 examinados, na gestão da crise da pandemia, pelo australiano Instituto Lowy, a partir de critérios científicos.

Os administradores descumprem seus deveres de prestar contas com transparência e só atingiram patamares decentes após a Transparência Internacional e o Open Knowledge os pressionarem com seus observatórios comparativos. Até hoje o Banco Central não explicou o lançamento da nota de R$ 200, cujo número de cédulas emergenciais não foi emitido, especialmente diante do fato de que o mundo vem retirando de circulação as notas maiores para prevenir crimes de colarinho-branco e outros.

Nosso cotidiano tem sido de ingerências presidenciais na Polícia Federal, na Abin, no GSI, no desmanche da política ambiental, no culto à opacidade, em ataques constantes a jornalistas e à liberdade de expressão. No Congresso não há respostas às demandas pelo fim do foro privilegiado, à prisão após condenação em segunda instância, à criminalização do caixa 2 eleitoral, à reforma político-eleitoral.

Executivo e Legislativo devem se lembrar de sempre que numa democracia o poder, pelos mandatos que se renovam (ou não), deve ser exercido em benefício do povo.

Roberto Livianu, o autor deste artigo, é Procurador de Justiça em São Paulo. Idealizou e preside o Instituto Não Aceito Corrupção. Publicado originalmente por Estado de São Paulo, edição de 09.02.2021.

Patacoada presidencial

Sem entender relação entre imposto e preço, Bolsonaro insiste em mexer na tributação

O mais despreparado e mais incompetente chefe de governo da história brasileira, Jair Bolsonaro, voltou a falar bobagens sobre preços e impostos, depois do novo reajuste para combustíveis anunciado pela Petrobrás. Ele continua misturando impostos e aumentos de preços, como se a alta dos valores cobrados pela gasolina, pelo diesel e pelo gás de cozinha fosse causada pela tributação.

O objetivo evidente é acalmar uma parte de seu eleitorado, especialmente os caminhoneiros por ele apoiados, em 2018, quando bloquearam estradas e prejudicaram milhões de pessoas. Os desinformados, como aqueles do cercadinho, podem até aplaudir a patacoada presidencial, mas nenhuma criança treinada nas quatro operações e habituada a raciocinar engolirá a baboseira.

Complicado para o presidente e seus assemelhados, o assunto, no entanto, é razoavelmente simples. Calculado como porcentagem sobre um valor básico, o tributo estadual – porque disso se trata – simplesmente segue a variação do preço, assim como um passageiro acompanha o sobe e desce de um avião. Enquanto o tributo for calculado sobre um preço base, um dado essencial permanecerá: o imposto indireto seguirá atrelado às oscilações desse valor.

O besteirol nem é novidade, embora o presidente de vez em quando amplie seu repertório. Há muito tempo ele fala em mexer no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o maior tributo estadual. A conversa tem aparecido, de modo geral, quando o encarecimento dos combustíveis causa incômodo mais sensível. Os caminhoneiros têm reclamado e o presidente Bolsonaro se empenha, normalmente, em tratar muito bem esses eleitores.

Desta vez ele propôs, entre outras alterações, a cobrança de um valor fixo, em vez de uma porcentagem sobre o preço base. Outra ideia foi a concentração da cobrança na refinaria, com eliminação do imposto nas fases seguintes da comercialização. O presidente mencionou também uma possível diminuição do PIS/Cofins. Nesse caso, a solução ficaria no âmbito federal.

Todas essas propostas são baseadas numa confusão grosseira. O presidente parece incapaz de perceber alguns fatos básicos sobre o mercado. Os preços de petróleo e derivados, assim como os de outras commodities, como soja, trigo e minério de ferro, são determinados, em primeiro lugar, pelas condições internacionais de oferta e demanda. Quando trazidos ao mercado interno, esses preços ainda são afetados pela taxa de câmbio – basicamente, pela cotação do dólar. Com ou sem impostos, é esse o processo básico.

Como qualquer outra empresa envolvida no mercado de commodities, a Petrobrás deve seguir o jogo internacional e a partir daí fixar seus preços. O presidente Bolsonaro já tentou intervir na política de preços da companhia. Basicamente errada, essa interferência é mais grave quando se trata de uma empresa de capital aberto, com ações negociadas em bolsa. Ele parece haver percebido o erro, mas de forma incompleta. Continua falando sobre preços, demagogicamente, e impondo novos sustos ao mercado.

Sem poder controlar os preços da Petrobrás, o presidente procura mexer na tributação, como se impostos causassem a alta de preços. Podem até causar, quando as alíquotas são aumentadas, mas nada parecido com isso ocorreu no caso dos combustíveis.

Além de grosseira, a ideia de mexer na tributação é perigosa. Estados e poder central dependem de tributos para funcionar. Diminuir um imposto sem cuidar de alguma compensação – aumento de outra receita ou redução de gastos – pode ser desastroso. Mas isso é um tema de administração, assunto estranho às preocupações e à competência do presidente Bolsonaro.

Ele só tem razão quanto a um ponto. O ICMS e outros impostos indiretos são muito altos. Mas para mexer nisso será preciso reformar o sistema e dar maior peso aos tributos diretos, principalmente ao Imposto de Renda. Mas esperar do presidente algum conhecimento dessas questões também é otimismo excessivo. Já seria bom se alguém, no seu entorno, tentasse conter seus impulsos mais perigosos.

Editorial / Notas&Informações, O Estado de São Paulo, em 09 de fevereiro de 2021

Cantanhede: Quem vai botar o pé na porta quando Bolsonaro atacar a democracia e as instituições?

 Arthur Lira, o presidente da Câmara que é líder do Centrão e cheio de problemas no Supremo? DEM, PSDB e MDB, que venderam a alma ao diabo e os votos por verbas, cargos e promessas de ministérios?

DEM, PSDB e MDB desarticularam a oposição e a resistência institucional

Processo rumo ao atraso vive melhor momento com implosão do DEM, decadência do MDB e falta de rumo do PSDB

Em baixa nas pesquisas e na sociedade, mas em alta na política e no Congresso, o presidente Jair Bolsonaro promove alianças tácitas com praticamente todo o leque partidário, desde o PT e o centro até a extrema direita e os aproveitadores de sempre. Resultado: é incrível como tudo parece andar para trás, de marcha à ré.

A Lava Jato e o ex-juiz Sérgio Moro se transformam nos grandes vilões do Brasil. Em simbiose com o Centrão, o bolsonarismo raiz se infiltra em vistosos cargos do Congresso. A pauta conservadora, de armas e excludente de ilicitude, domina o debate nacional. Até as discussões sobre auxílio emergencial deixaram de ser movidas pela tragédia social e a preocupação econômica para atender interesses políticos.

Esse processo rumo ao atraso não é novidade, mas teve grande impulso com as eleições para as presidências da Câmara e do Senado e vive seu melhor momento com a súbita perda de relevância de Rodrigo Maia, a implosão humilhante do DEM, a estridente decadência do MDB e a falta de rumo e de juízo do PSDB, um partido sem líderes.

Bolsonaro tem todos os defeitos que nós sabemos e só não vê quem não quer, mas ele não é fraco, não. O capitão, que subjugou os generais e cooptou os escalões inferiores das Forças Armadas, também desarticulou a oposição política e a resistência institucional. O caminho está livre para tocar o projeto de Jair, Eduardo, Carlos e Flávio Bolsonaro, sob inspiração do tal guru.

Governos, parlamentos e entidades estrangeiras, fundos de investimentos internacionais, ex-ministros, ex-chanceleres, ex-presidentes do Banco Central, centenas de padres católicos e pastores batistas, anglicanos, presbiterianos indignam-se com o que ocorre no Brasil, mas a realidade anda para um lado e a política vai na direção oposta.

Quem vai botar o pé na porta quando Bolsonaro atacar a democracia e as instituições? Arthur Lira, o presidente da Câmara que é líder do Centrão e cheio de problemas no Supremo? DEM, PSDB e MDB, que venderam a alma ao diabo e os votos por verbas, cargos e promessas de ministérios?

E quem vai garantir maioria pró-Lava Jato, já oscilante, no Supremo? O presidente Luiz Fux faz a parte dele, mas até quando um Alexandre de Moraes terá respaldo para segurar as investidas golpistas que vêm do outro lado da Praça dos Três Poderes?

O cenário é preocupante e DEM, PSDB e MDB têm grande responsabilidade nisso. Para além dos ataques estéreis entre Rodrigo Maia e ACM Neto, vamos aos fatos: DEM levou longos anos construindo uma imagem, renovando suas lideranças, equilibrando o liberalismo econômico com foco social e, assim, conquistou força e destaque na política nacional. Na hora decisiva para o País, porém, demoliu tudo num estalar de dedos.

DEM e PSD do ex-prefeito Gilberto Kassab surgiram do racha do PFL, que tantos serviços prestou à redemocratização. Agora, tantos anos depois, eles voltam a se encontrar na mesma raia, que não é pragmática, só oportunista. Se Bolsonaro está forte politicamente e leiloando cargos, estão com ele. Se mais adiante tropeçar e despencar nas pesquisas, pulam fora.

ACM Neto tem pedigree, não é amador e não erraria de forma tão primária. Logo, é um risco calculado que não faz jus, digam o que quiserem, à história do PFL nem ao legado de Jorge Bornhausen, Marco Maciel e Guilherme Palmeira. E o mais triste é que os novos dissidentes não têm saída. PSDB? MDB? É trocar seis por meia dúzia.

Tudo sempre pode mudar, mas, neste momento, o tal candidato de centro é quase uma piada e Bolsonaro dá risadas ao se preparar para enfrentar o PT em 2022. Ou melhor, para enfrentar o próprio Lula. O caminho já poderá ser aplainado, hoje, pela Segunda Turma do Supremo.

Eliane Cantanhede é Jornalista. Este artigo foi publicado originalmente em O Estado de São Paulo, edição de 09.02.2021.

Desmonte do Itamaraty abre brecha para projeção internacional de governadores e prefeitos

Com o chanceler brasileiro priorizando assuntos internos, governadores, prefeitos e deputados estão virando interlocutores-chave de governos, empresas e ONGs no exterior.

Araújo observa entrevista de Bolsonaro ao lado do presidente uruguaio, Lacalle Pou, no Palácio do Planalto.ADRIANO MACHADO / REUTERS

Quando os assessores de Anthony Blinken, secretário de Estado do presidente americano Joe Biden, começaram, recentemente, a discutir o futuro da relação entre os Estados Unidos e o Brasil, surgiu uma pergunta incomum: quem no Governo Bolsonaro seria o principal interlocutor do novo Governo americano? Em tempos normais, seria o chanceler brasileiro, é claro. Na prática, porém, Ernesto Araújo não é uma opção para gerenciar a relação bilateral. Afinal, o novo Governo americano avalia, corretamente, que o papel fundamental de Araújo não é a condução da política externa brasileira, mas, por meio da promoção de teorias conspiratórias, a mobilização permanente da base bolsonarista. Mesmo se Araújo priorizasse a gestão das relações exteriores do Brasil, seus comentários sobre o ataque ao Capitólio em 6 de janeiro (segundo ele, os invasores seriam “cidadãos de bem”) e a respeito das eleições presidenciais americanas (para ele, fraudadas) já seriam suficientes para torná-lo persona non grata em Washington. O cenário em Berlim, Paris, Pequim e Buenos Aires é o mesmo: alguma comunicação oficial e um aperto de mão protocolar até podem envolver Araújo, mas a maioria dos governos já estabeleceu canais alternativos.

Não há vácuo de poder na política, e o mesmo vale para a política externa. Na ausência de um chanceler disposto ou capaz de gerir as relações do Brasil com o resto do mundo, outros políticos brasileiros tornaram-se figuras-chave nos palcos internacionais. Durante o primeiro ano do Governo Bolsonaro, enquanto Araújo cumpria seu papel de cheerleader do presidente Trump, o vice-presidente Mourão e a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, se empenhavam no âmbito diplomático. Em viagem a Pequim, por exemplo, os dois souberam desfazer o estrago feito pelo presidente brasileiro na relação bilateral. Coube a eles acalmar os ânimos dos chineses porque Araújo, com seu histórico de ataques verbais à China, tinha perdido credibilidade em Pequim. Para diplomatas chineses, ficou claro que, se for preciso resolver alguma questão com o Governo brasileiro, Mourão e Tereza Cristina serão interlocutores bem mais úteis do que o chanceler brasileiro. O cenário repetiu-se quando o ministro foi excluído das negociações com Pequim para a compra de vacinas contra a covid-19 e quando o governador de São Paulo, João Doria, e o então presidente do Congresso, Rodrigo Maia, tornaram-se interlocutores-chave para o Governo chinês e empresas farmacêuticas chinesas.

Nada disso é por acaso. Afinal, a marginalização do Ministério de Relações Exteriores (MRE) é um objetivo-chave da gestão atual, em uma tentativa de combater o que o bolsonarismo chama de deep state, estrutura composta por tecnocratas que supostamente sabotam as ideias do Governo. Como Eduardo Bolsonaro declarou depois da vitória de seu pai nas eleições presidenciais, o Itamaraty era “um dos ministérios onde mais está arraigada essa ideologia marxista e onde haveria uma maior repulsa ao presidente Jair Bolsonaro”. Ao permitir que outras figuras no Governo se ocupem de temas internacionais, Araújo está cumprindo sua missão de diminuir o controle do Itamaraty sobre a articulação da política externa. Mesmo no período pós-Bolsonaro, o MRE demorará para reconquistar o espaço perdido, um processo que dependerá muito da capacidade de futuros e futuras chanceleres.

A estratégia bolsonarista, porém, representa um risco político para o próprio presidente. Afinal, não são apenas ministros e familiares a preencher o vácuo que a atuação de Araújo está criando. Opositores de Bolsonaro, como o governador João Doria, também estão conseguindo se destacar no exterior com muito mais facilidade e são vistos por entidades públicas, privadas e da sociedade civil fora do país como interlocutores fundamentais para tratar de temas da relação bilateral. Em vez de chamar o chanceler brasileiro para participar de reuniões sobre o Brasil, cada vez mais, organizadores de eventos internacionais convidam governadores ou prefeitos capazes de articular uma visão mais pragmática. Na hora de avançar a pauta ambiental com o Brasil, governos estrangeiros mantêm laços fortes com governadores e prefeitos da Região Norte, cientes de que é mais fácil trabalhar com eles do que com Ernesto Araújo ou Ricardo Salles, o controverso ministro do Meio Ambiente. Governadores e até prefeitos, como Eduardo Paes, têm hoje uma interlocução comparável ou até melhor do que a do chanceler com tomadores de decisão no exterior, uma situação sem precedentes na história do Itamaraty.

Esse novo cenário da multiplicação dos atores envolvidos na política externa brasileira ―um processo descrito por especialistas como pluralização ou fragmentação― pode ajudar a mitigar, em parte, o impacto nefasto da atuação internacional bolsonarista. O protagonismo de vários governadores no contexto do combate à pandemia e a obtenção de vacinas do exterior é apenas um dos vários exemplos disso. No futuro, porém, a perda de influência do Itamaraty complicará tentativas de governos pós-Bolsonaro de articularem e implementarem um projeto coeso de política externa. Quanto mais Araújo permanecer no cargo, mais árdua será a tarefa de seus sucessores de reerguer o Itamaraty.

É claro que governos estrangeiros, como a nova administração de Joe Biden nos Estados Unidos, não podem lidar apenas com entidades subnacionais brasileiras. Resta saber, no entanto, com quem no Governo Bolsonaro o novo Governo americano, por exemplo, buscará estabelecer um diálogo produtivo. Desta vez, o vice-presidente Mourão dificilmente poderá desempenhar o papel de interlocutor racional e “adulto na sala” porque tem sido visto como isolado em Brasília. O mesmo vale para Paulo Guedes, cuja palavra já não tem tanto peso no exterior. O mais provável é que os EUA e outros países com relações delicadas com o Brasil identifiquem seus interlocutores caso a caso, seja Tereza Cristina, da Agricultura, seja Roberto Campos Neto, do Banco Central, seja Mourão.

O uso do Itamaraty para animar a base bolsonarista traz vantagens inegáveis para o presidente, e o combate contra o “globalismo” e o “comunismo” são populares nos grupos de WhatsApp pró-Bolsonaro. Ao mesmo tempo, fica cada vez mais claro que o presidente também acaba entregando, de bandeja, a oportunidade ímpar aos seus adversários de se tornarem atores-chave na política externa brasileira e dar visibilidade às consequências desastrosas da estratégia internacional de seu Governo.

Oliver Stuenkel, o autor deste artigo, é professor adjunto de Relações Internacionais na FGV em São Paulo. É o autor de O Mundo Pós-Ocidental (Zahar) e BRICS e o Futuro da Ordem Global (Paz e Terra). Publicado  originalmente por EL PAÍS, em 08.02.2021.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Depois de nomear seis mulheres para Conselho Econômico, Papa Francisco escolhe mais duas para postos-chave no Vaticano

Francesa é agora subscretária do Sínodo dos Bispos e será a primeira mulher com voto em uma das mais importantes assembleias eclesiásticas da Igreja; Já italiana é a primeira procuradora na Corte de Apelação do Vaticano


No Vaticano, o Papa Francisco dá sua benção. Logo antes, ele fez a oração do Angelus na biblioteca do palácio apostólico e, em sua mensagem aos fiéis, alertou para o risco de violência contra a mulher durante o período de isolamento social para conter o novo coronavírus Foto: VATICAN MEDIA / AFP

O Papa Francisco nomeou duas mulheres para funções no Vaticano que até então só tinham sido exercidas por homens.

Nathalie Becquart - francesa que é membro das Irmãs Missionárias Xavier, uma congregação religiosa fundada na França em em homenagem a São Francisco Xavier - é agora subsecretária para o Sínodo dos Bispos, o departamento que prepara as mais importantes reuniões eclesiásticas, realizadas com intervalos de anos, para discutir assuntos específicos da Igreja, entre elas questões doutrinais, litúrgicas e canônicas.

Francisco já convocou o próximo Sínodo dos Bispos, que está marcado para outubro de 2022, e terá como tema "Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão".

A função de Becquart, de 52 anos, dará a ela direito de voto nas assembleias que, até hoje, eram compostas apenas por homens, uma demanda de mulheres e de alguns bispos.

O Papa também nomeou a magistrada italiana Catia Summaria a primeira mulher promotora de Justiça da Corte de Apelações do Vaticano.

As mulheres têm participado como observadoras e consultoras nos sínodos, mas apenas homens, incluindo bispos e representantes eleitos ou nomeados especialmente, tinham direito a voto sobre os documentos finais elaborados nessas reuniões e mais tarde enviados ao Papa.

No sínodo de 2019, mais de 10 mil pessoas assinaram uma petição pedindo que mulheres pudessem votar.

"Uma porta foi aberta. Veremos que outros passos poderão ser dados no futuro", afirmou o cardeal Mario Grech, secretário-geral do Sínodo, à imprensa oficial do Vaticano.

O Papa Francisco mantém a proibição de mulheres sacerdotisas na Igreja Católica. criou comissões para estudar a história de mulheres diáconas nos primeiros séculos da Igreja, atendendo ao pedido de mulheres que querem exercer a mesma função hoje.

Em 2020, em uma mesma canetada, ele nomeou seis mulheres para o Conselho Econômico, que fiscaliza as finanças do Vaticano. Francisco também escolheu mulheres para os cargos de vice-ministra do exterior, diretora dos Museus do Vaticano e vice-chefe da Impresa do Vaticano.

O GLOBO on line, em 08.02.2021

Brasil registra 636 mortes por covid-19 em 24 horas

Com mais de 23 mil novos casos confirmados em 24 horas, total de infectados passa de 9,5 milhões. Ao todo, 232 mil pessoas morreram no país em decorrência do coronavírus.    

Paciente em maca é levada por enfermeiros para dentro de hospital

O Brasil registrou oficialmente 23.439 casos confirmados de covid-19 e 636 mortes ligadas à doença nesta segunda-feira (08/02), segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).

Com isso, o total de infecções identificadas no país subiu para 9.548.079, enquanto os óbitos chegam a 232.170.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 8.397.187 pacientes haviam se recuperado até domingo.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 110,5 no Brasil, a 22ª mais alta do mundo, quando desconsiderados os países nanicos San Marino, Liechtenstein e Andorra.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 27 milhões de casos, e da Índia, com 10,8 milhões. Mas é o segundo em número absoluto de mortos, já que mais de 464 mil pessoas morreram nos EUA.

Ao todo, mais de 106,4 milhões de pessoas já contraíram o coronavírus no mundo, e 2,3 milhões de pacientes morreram.

Deutsche Welle Brasil, em 08.02.2021

A agenda do Brasil

Há muito trabalho a fazer. O tempo vai dizer se Arthur Lira e Rodrigo Pacheco estão à altura do desafio. Jair Bolsonaro, como se sabe, não está.

O País só terá a ganhar com a coordenação de esforços entre os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado para fazer avançar projetos do mais alto interesse público. Tanto melhor seria se a Presidência da República ajudasse. Passada a eleição para as Mesas Diretoras das duas Casas legislativas, é hora de baixar armas, arrefecer tensões políticas e levar adiante a agenda de reformas estruturantes de que tanto o Brasil precisa, e para já.

Os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), mostraram disposição inicial de levar adiante essa agenda vital para o País. No dia 3 passado, eles assinaram uma nota conjunta em que selaram o compromisso das duas Casas legislativas com projetos de universalização das vacinas contra a covid-19, de reativação da atividade econômica e de retomada do auxílio emergencial dentro das “possibilidades fiscais” do País. A ver se o presidente Jair Bolsonaro fará sua parte nessa coalizão. Espera-se que, uma vez superada a alegada hostilidade da antiga direção do Congresso, sobretudo da Câmara, à agenda do Planalto, Bolsonaro, enfim, tome gosto pelo trabalho.

Na nota conjunta, Lira e Pacheco afirmaram que farão avançar projetos para agilizar a compra de vacinas, incluindo possíveis alterações no processo de licenciamento. Ambos também se comprometeram a assegurar que os recursos necessários para aquisição dos imunizantes estarão à disposição do Executivo. É mais do que sabido que só uma campanha de vacinação massiva terá o condão de, além de salvar milhares de vidas, destravar a atividade econômica. O SUS tem capacidade e experiência para empreender uma campanha desta envergadura. Resta ao governo adquirir doses na quantidade necessária para um país como o Brasil.

Em pronunciamento após a assinatura do compromisso, o presidente do Congresso afirmou que “as duas Casas estão alinhadas em priorizar as reformas tributária e administrativa, bem como a votação das Propostas de Emenda à Constituição (PECs) Emergencial, do Pacto Federativo e a que trata dos Fundos Públicos”. É bom saber que os projetos que compõem uma agenda vital para o Brasil estejam no radar da nova cúpula do Legislativo.

O esforço imediato tanto da Câmara como do Senado, de fato, deve estar voltado para a garantia da universalização das vacinas e a análise de viabilidade da extensão do auxílio emergencial. Mas isto não significa que o Congresso possa descuidar das demais reformas, sem as quais não apenas o País permanecerá em estado de crise humanitária, como seus efeitos se agravarão no tempo.

Urge destravar as reformas tributária e administrativa, como bem salientou Rodrigo Pacheco. E uma reforma administrativa que, de fato, reorganize a estrutura do Estado e gere mais eficiência, reduzindo o custo da chamada máquina pública. O que o Executivo propôs no ano passado foi um simulacro de reforma, incapaz de gerar a economia necessária para investimentos públicos em áreas essenciais, como saúde e educação. Responsabilidade fiscal e atenção social, não é demais lembrar, podem e devem andar juntas.

A agenda da educação também não pode ser negligenciada pelo Legislativo. A aprovação do Novo Fundeb foi importantíssima, mas, a rigor, apenas se evitou que a área ficasse sem recursos a partir do início deste ano, o que seria um desastre. É preciso mais do que isso. Bolsonaro, vale lembrar, realizou a façanha de apequenar não só o Ministério da Saúde em meio à pandemia, mas também o da Educação. Impressiona a facilidade com que esse desmonte foi feito sem a devida fiscalização dos demais Poderes.

O Congresso também não poderá se furtar de tratar de projetos voltados à proteção do meio ambiente.

Há muito trabalho a fazer. O tempo vai dizer se Arthur Lira e Rodrigo Pacheco estão à altura do desafio. Jair Bolsonaro, como se sabe, não está.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de São Paulo, em 08 de fevereiro de 2021 

domingo, 7 de fevereiro de 2021

Como as democracias adoecem

Segundo índice da ‘The Economist’, pandemia acentuou deterioração democrática em 2020

A deterioração global da democracia precede a pandemia, mas foi acentuada por ela. É o diagnóstico do Índice da Democracia anual da Economist Intelligence Unit, com base em indicadores como processo eleitoral, funcionamento do governo, participação política, cultura política e liberdades civis. A média global atingiu de longe a pior marca na série iniciada em 2006. “A pandemia resultou numa supressão das liberdades civis em escala massiva e abasteceu uma tendência existente de intolerância e censura das opiniões dissidentes.”

Segundo o Índice, metade da população mundial vive em algum tipo de democracia: 41% em democracias “falhas” e só 8,4% em democracias “plenas”. Mais de 1 em 3 pessoas (35%) vive em regimes “autoritários” – boa parte na China – e 15%, em regimes “híbridos”. Em 2020, uma ampla maioria de países, 116 de 167 (quase 70%), registrou algum declínio, especialmente acentuado em regimes autoritários (e particularmente nos países islâmicos do Oriente Médio e África subsaariana).

Nos regimes democráticos, a maioria das pessoas corroborou restrições temporárias às liberdades como indispensáveis para conter o vírus. Mas isso não justifica as tentativas abusivas de censurar os céticos. As agressões à liberdade de expressão e fracassos da transparência democrática explicam os declínios generalizados em indicadores como Liberdades civis e Funcionamento do governo.

Emblemática é a erosão da democracia nos EUA – hoje considerada “falha” –, que antecedia ao governo Trump, piorou com ele e mais ainda na pandemia. No entanto, há sinais de vitalidade: o engajamento político dos americanos vinha crescendo e cresceu mais com a politização da pandemia; movimentos contra a violência policial e racial; e um comparecimento recorde às urnas. Mas as tendências negativas – como os baixos níveis de confiança nas instituições e partidos, disfunções governamentais, ameaças à liberdade de expressão e um grau alarmante de polarização – superam as positivas. Nada simboliza mais essa degradação que o assalto ao Capitólio.

Na análise regional, o Índice sugere que a pandemia acelerou uma mudança no equilíbrio de poder do Ocidente ao Oriente. Em 2020, enquanto a Europa ocidental perdeu duas democracias “plenas” (França e Portugal) – por falta de transparência dos governos e de restrições abusivas da liberdade de movimentação –, a Ásia ganhou três (Japão, Coreia do Sul e Taiwan). Em geral, os países asiáticos enfrentaram a crise melhor do que quaisquer outros, com baixas taxas de infecção e mortalidade e, consequentemente, com melhor desempenho econômico. A experiência da Sars contou muito para a resposta eficiente das autoridades e da população. No Ocidente, em contraste, as autoridades foram lentas e confusas, alguns sistemas de saúde quase colapsaram e a confiança nos governos declinou.

Tal contraste foi rapidamente explorado pela propaganda chinesa. Mas significativamente o “grande vencedor” da pesquisa foi Taiwan – que, após Hong Kong, é o próximo alvo na linha de tiro do imperialismo chinês.

Similarmente à Europa oriental, a América Latina – com apenas três democracias plenas (Uruguai, Chile e Costa Rica) – regrediu pelo quinto ano consecutivo. “A emergência de saúde pública serviu para escamotear alguns abusos de poder familiares nos últimos anos”, como uma cultura política frágil, dificuldades em criar instituições de salvaguarda do Estado de Direito e uma corrupção endêmica. O desempenho do Brasil (na 49.ª posição) é excelente em termos de Processo eleitoral e pluralismo (9,58 pontos em 10); razoável em Liberdades civis (7,94); medíocre em Participação política (6,11); e pobre em Funcionamento de governo (5,71) e Cultura política (5,63).

A pandemia exerceu formidável pressão sobre a vida das nações. “A pandemia precipitou a maior contração nas liberdades individuais jamais implementada pelos governos em períodos de paz (e talvez mesmo em períodos de guerra)”. É impossível prever se a democracia do século 21 será resistente a esse tipo de choque ou se ele deixará deformidades permanentes. Tudo depende do vigor dos democratas desta geração.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de São Paulo, em 07 de fevereiro de 2021 


Os problemas jurídicos do cidadão Donald Trump

Investigações criminais, ações judiciais e casos bloqueados pela imunidade presidencial aguardam quem na próxima semana se tornará ex-presidente


O então Presidente Trump na Casa Branca, em uma imagem de arquivo. EVAN VUCCI / AP

Donald Trump não perdeu apenas a eleição de 3 de novembro. Ele também perdeu imunidade. A Constituição dos Estados Unidos, que detalha como o Congresso pode destituir um presidente "por crimes e contravenções graves" por meio do processo de impeachment, não diz se ele pode ser submetido a processo criminal no tribunal. Mas, durante décadas, o Departamento de Justiça seguiu a doutrina, expressa em dois memorandos vinculativos de 1973 e 2000, de que um presidente em exercício não pode ser processado. Casa Branca abandonada, a proteção desaparece. Processar um ex-presidente seria um passo sem precedentes nos Estados Unidos. Mas julgamento no Senado por incitamento à insurreição, depois que a Câmara dos Deputados aprovou nesta semana o impeachmentdo presidente, é apenas um dos problemas jurídicos que aguardam o cidadão Donald Trump. Estes são os principais casos e investigações abertas sobre quem se tornará ex-presidente nesta semana:

Fraude fiscal no estado de Nova York. A principal nuvem no horizonte judicial de Donald Trump é colocada por Cyrus Vance, o promotor público de Manhattan. As investigações que vem conduzindo há dois anos constituem a única investigação criminal aberta hoje sobre Donald Trump. Como o procurador é um órgão estadual eleito, e não federal, o caso não depende da vontade política do próximo governo nem seria afetado por eventual autoperdão presidencial. A investigação está paralisada desde setembro passado, quando o presidente entrou com uma ação para bloquear a exigência de sua declaração de impostos e outros documentos, disputa sobre a qual o Supremo Tribunal Federal deve se pronunciar em breve. Pouco se sabe sobre as investigações do Ministério Público,eles são protegidos pelo sigilo do procedimento do grande júri. Mas, ao documentar a batalha para obter as declarações de impostos de Trump, a equipe de Vance falou de "conduta criminosa extensa e prolongada na Organização Trump" e sugeriu que investigasse uma variedade de crimes financeiros em potencial, de fraude de seguro a evasão fiscal, passando por fraude bancária .

Incitamento à insurreição. Depois que hordas de seus seguidores invadiram o Capitólio dos Estados Unidos em 6 de janeiro, a Câmara dos Representantes aprovou esta semana o segundo impeachment de Donald Trump,para "incitamento à insurreição". O julgamento será realizado em breve no Senado. Embora seja muito provável que aconteça quando Biden estiver na Casa Branca, um veredicto de condenação, exigindo uma votação de dois terços a favor, poderia levar a uma segunda votação (desta vez seria válida com maioria simples) para proibi-lo Trump vai concorrer a um cargo eleito federal no futuro. Independentemente do processo no Congresso, incitar a insurreição é crime federal. Mas o Departamento de Justiça deve abrir um caso separado para persegui-lo.

Obstrução de justiça. O promotor especial Robert Mueller, após dois anos de investigações sobre o complô russo concluído em março de 2019, não encontrou evidências de uma conspiração de Donald Trump com a Rússia, mas evitou exonerá-lo do crime de obstrução à justiça. Ele detalhou vários episódios que, de acordo com um promotor de sua equipe, constituem "evidência suficiente" de que Trump obstruiu a justiça. Mas o impeachment de Trump "não era uma opção", explicou Mueller, uma vez que não se pode imputar um presidente enquanto ele estiver no cargo. Uma vez fora da Casa Branca, o Departamento de Justiça pode decidir ressuscitar a investigação e processar Trump, desencadeando um verdadeiro terremoto político.

Financiamento ilegal de campanha. Durante a primeira campanha presidencial de Trump, abalado por gravações do candidato se gabando de agarrar mulheres pelos órgãos genitais sem seu consentimento, seu ex-advogado e empresário Michael Cohen organizou um complô para desviar dinheiro da campanha e comprar o dinheiro com ele. Silêncio de um filme pornô atriz e modelo da Playboy que afirmou ter tido relações sexuais com a candidata. Cohen foi condenado em 2018 a mais de três anos de prisão por financiamento ilegal de campanha e disse que foi o presidente que está deixando o cargo quem ordenou os pagamentos. O Ministério Público não indiciou Trump, provavelmente em cumprimento à mencionada doutrina do Ministério da Justiça, mas poderá fazê-lo quando ele deixar a presidência. Um dos fatores que fragilizam a acusação é a credibilidade menos questionável da testemunha principal,

Fraude fiscal federal. Quase escondido hoje sob a sucessão de eventos históricos que marcaram a política dos EUA nos últimos meses, o The New York Times lançou uma verdadeira bomba de informações em 27 de setembro sobre a campanha: Donald Trump pagou apenas US $ 750 em imposto de renda em 2016,ano em que foi eleito presidente, e não pagou nada em 10 dos últimos 15 anos. Entre a torrente de informações reveladas pelo jornal, após acessar registros fiscais de duas décadas, há deduções gritantes, como US $ 70 mil para suas próprias despesas de cabeleireiro em seu programa de televisão ou milionários e pagamentos duvidosos de consultoria, alguns dos quais foram para seu filha Ivanka. Se os promotores acreditarem que ele deliberadamente tentou defraudar o estado, eles poderiam mover uma acusação contra Trump, e a autoridade fiscal também poderia reivindicar valores que acredita que ele deveria ter pago e não pagou.

Fraude imobiliária. Há outra investigação aberta, na Procuradoria Geral do Estado de Nova York, liderada por Letitia James, sobre se a empresa da família de Trump mentiu sobre a avaliação de seus imóveis para garantir empréstimos ou benefícios fiscais. A investigação, no momento, é de natureza civil, mas James pode transformá-la em criminal a qualquer momento se detectar evidências de conduta criminosa.

Violação da cláusula sobre emolumentos. Há três ações movidas contra Trump, duas de parlamentares e procuradores-gerais democratas e uma de grupo independente, por suposta violação da chamada cláusula de emolumentos da Constituição. Isso proíbe o presidente de receber presentes de governos estrangeiros, algo que eles acreditam que o presidente fez ao aceitar o dinheiro que autoridades da Arábia Saudita e de outros países gastaram em reservas no hotel Trump em Washington, que se tornou um centro de poder desde seu chegada à capital. Mas esses são processos que visavam principalmente a destituição do presidente de seus negócios privados e, uma vez fora do cargo, provavelmente serão demitidos.

Ação por fraude movida por sua sobrinha. A psicóloga Mary Trump, filha do falecido irmão mais velho do presidente, foi uma crítica feroz de seu tio, que ela define como "o homem mais perigoso do mundo" em seu best-seller Always Too Much and Never Enough (Uranus), que retrata a família Toxic da qual emergiu o 45º presidente. A autora processou seu tio em setembro por conspirar com seus irmãos para enganá-la, usando documentos falsos e outros truques para esconder milhões de dólares dos bens do pai do presidente. Ele afirma que Mary Trump violou uma cláusula de confidencialidade que ela assinou quando aceitou o acordo sobre o testamento.

Ação por difamação contra Jean Carroll. Escritora e colunista popular, Carroll contou em uma prévia de um livro publicado na revista New York em junho de 2019 como o atual presidente supostamente a estuprou em uma loja de departamentos em Manhattan em meados da década de 1990. Trump respondeu que Carroll estava mentindo, que ele nem mesmo a conhecia e que ela não era seu "tipo". Carroll então o processou por difamação. O Departamento de Estado tentou neutralizar a ação, alegando que seus comentários faziam parte de seu trabalho como presidente e, portanto, propondo que o governo substituísse Trump como réu.O que levaria ao indeferimento da reclamação, uma vez que o Governo não pode ser acusado de difamação. Um juiz federal deve decidir sobre a proposta de substituição em breve.

Ação de difamação de Summer Zervos. Concorrente do programa de televisão de Trump, The Apprentice, Zervos afirmou, pouco antes das eleições de 2016, que o presidente cessante a beijou e apalpou quando ela foi pedir-lhe conselhos sobre sua carreira em 2007. Trump negou a acusação e chamou Zervos de mentiroso, o que levou eta para processá-lo por difamação em 2017.

PABLO GUIMON, de Washington, DC, para o EL PAÍS, em 17 DE JANEIRO DE 2021

Apoio ao impeachment reforça racha na direita e deve afetar alianças em 2022

Com novo comando na Câmara, saída de Bolsonaro fica mais difícil; adesão de ex-apoiadores ao movimento sela o fim da frente que o elegeu

Em meio à queda de popularidade e ao aumento da pressão pelo impeachment, com a mobilização de adversários nas redes sociais e a multiplicação de carreatas e panelaços, o presidente Jair Bolsonaro conquistou algumas casas preciosas no xadrez político do País.

Com a vitória dos candidatos do Palácio do Planalto às presidências do Senado e da Câmara dos Deputados, cujo ocupante tem a atribuição de aceitar – ou não – um pedido de impeachment, o afastamento de Bolsonaro parece ter ficado mais distante do que muitos de seus opositores gostariam.

Movimento Vem Pra Rua, que apoiou Bolsonaro em 2018, participa de carreta pelo impeachment em São Paulo. Foto: TABA BENEDICTO/ESTADÃO

“Nós estamos num momento de pandemia, de crise social, de crise econômica. Não precisamos abrir uma crise política”, afirmou o deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), novo comandante da Câmara, ao responder a uma pergunta sobre o tema um dia antes de ser eleito para o cargo, em entrevista ao programa Em Foco, da GloboNews.

Líder do Centrão – que avalizou a sua candidatura na Câmara e a de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) no Senado –, Lira disse que não via motivos para levar o processo de impeachment adiante. “Se o atual presidente (da Câmara), Rodrigo Maia (DEM-RJ), com muita prudência e muito equilíbrio, não pautou nenhum dos 59 pedidos de impeachment que ele tem na gaveta, é porque sabe que não há nada lá que tipifique uma ruptura política desta gravidade.”

“Tempestade perfeita”

Embora alguns líderes, influenciadores e apoiadores do movimento pelo impeachment afirmem que a mobilização deverá continuar no mesmo diapasão e até crescer nos próximos meses, a postura de Lira poderá esfriar as pretensões do grupo – ao menos enquanto durar a lua de mel de Bolsonaro com o Centrão.

“Acredito que não vai ter mais impeachment, não”, diz Fernando Schuler, cientista político e professor do Insper, escola de economia, engenharia e direito de São Paulo. “Para a gente chegar numa tempestade perfeita de impeachment, que ainda está bem longe, tem de haver uma queda mais forte de popularidade do presidente”, afirma o cientista político Lucas de Aragão, da Arko Advice, uma consultoria de Brasília. “Essa queda de popularidade terá de ser barulhenta, gerar protestos, grandes manifestações.”

Com o recrudescimento da pandemia e as restrições impostas a grandes aglomerações, também parece improvável que as manifestações pelo impeachment alcancem as dimensões necessárias para ampliar o apoio político à medida no Congresso. A não ser que Bolsonaro continue a jogar contra si mesmo, cometendo erros em série e atiçando os adversários com vara curta – o que está longe de ser uma possibilidade remota, considerando o seu retrospecto nos primeiros dois anos de governo.

Entrega de cargos

“O grande adversário do Bolsonaro é ele próprio”, afirma o agrônomo Xico Graziano, ex-secretário da Agricultura e do Meio Ambiente de São Paulo, que deixou o PSDB para apoiar Bolsonaro em 2018 e se “desencantou” com ele, embora não esteja apoiando o impeachment. “A capacidade do Bolsonaro de fazer besteira é muito grande.”

Os analistas apontam ainda que a fidelidade do Centrão, conhecido pelos interesses fisiológicos que costumam pautar as ações de seus integrantes, vai depender muito do cumprimento das promessas feitas por Bolsonaro e da entrega de cargos e emendas aos integrantes do grupo. Dependendo do que acontecer neste quesito, a percepção dos parlamentares do bloco em relação ao impeachment pode mudar subitamente. Até agora, porém, os sinais indicam que Bolsonaro, aparentemente, obteve uma sobrevida no posto.

“Esse grupo não tem lealdade ao presidente, mas a ele mesmo. Se o presidente não andar na linha e cumprir o que prometeu, eles vão começar a mandar recados”, diz Aragão. “O Centrão é aquele namorado, aquela namorada, desconfiado. É um relacionamento naturalmente tenso.”

“Nova esquerda”

Agora, desde já, independentemente dos desdobramentos que o impeachment terá nas ruas, nas redes e no Congresso, o movimento pelo afastamento de Bolsonaro, aliado à sua aproximação com o Centrão, gerou efeitos colaterais que deverão ter uma repercussão considerável no atual cenário político e nas eleições de 2022.

Com a adesão de grupos e personalidades de direita e centro-direita que apoiaram Bolsonaro em 2018 à mobilização pelo impeachment, o racha na frente que viabilizou a sua eleição ganhou contornos de um divórcio litigioso. A turma, chamada de “direita limpinha”, “nova esquerda” ou simplesmente de “traidora” pelas brigadas bolsonaristas, já vinha se afastando do presidente por uma razão ou por outra, mais cedo ou mais tarde, nos dois primeiros anos de governo. Mas, ao abraçar a bandeira do impeachment, até agora defendida apenas pela esquerda, levou as divergências na direita a um novo patamar.

A lista de ex-apoiadores de Bolsonaro que encamparam o impeachment inclui grupos como o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Vem Pra Rua (VPR), que lideraram as manifestações pelo afastamento da ex-presidente Dilma Rousseff, além de dos lavajatista e muitos liberais, que perderam espaço no governo. Inclui também figuras como o apresentador e comediante Danilo Gentili, que passou a chamar Bolsonaro de “Minto”, em vez de “Mito”, os cantores e compositores Lobão e Raimundo Fagner, o cineasta José Padilha, o músico e youtuber Nando Moura, o ator Carlos Vereza e intelectuais como Denis Rosenfield, Francisco Razzo, Martím Vasques e o professor de filosofia pernambucano Rodrigo Jungmann, que disse fazer parte da “direita com superego”, ao se distanciar do presidente.

Da atuação desastrada na pandemia à quebra da promessa de não disputar a reeleição, da paralisia da privatização e das reformas à aliança com o Centrão e à saída do ex-ministro Sérgio Moro do governo, os motivos que levaram ex-apoiadores de Bolsonaro a se bandear para a oposição e a se juntar ao coro pelo impeachment se contam às dezenas e viraram temas de memes nas redes sociais.

“O caldo bolsonarista foi se juntando com o que há de pior na vida pública brasileira”, afirma Lobão, um dos primeiros a defender o impeachment de Bolsonaro entre seus ex-apoiadores. “O malefício que Bolsonaro está fazendo ao País se tornou indiscutível e insuportável. Ele prometeu combater a corrupção e desarmou as estruturas anticorrupção que levaram anos para ser conquistadas”, diz o empresário Rogerio Chequer, um dos fundadores do VPR e ex-candidato ao governo de São Paulo pelo Novo. “Bolsonaro prometeu acabar com a mamata, com o ‘toma lá, dá cá’, mas se uniu com o Centrão”, afirma o deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP), um dos líderes do MBL. “Dizia que era contra a reeleição e agora só pensa em 2022.” 

José Fucs, O Estado de S.Paulo, em 07.02.2021

Crime e castigo

A má conduta de Bolsonaro é amplamente documentada. Não é exagero considerar que várias de suas ações podem constituir crime de responsabilidade.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) abriu investigação preliminar para verificar se há indícios de que o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, cometeram “práticas delitivas” na atuação do governo federal no combate à pandemia de covid-19. No mesmo dia, um grupo de senadores entregou um pedido de abertura de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) também para investigar a atuação do governo. A comissão já é chamada de CPI da Covid.

Como se sabe, Bolsonaro passou os últimos meses dedicando-se a construir uma blindagem tanto na PGR como no Congresso, razão pela qual não são pequenas as chances de que ambas as iniciativas deem em nada.

No primeiro caso, o procurador-geral da República, Augusto Aras, indicado para o cargo por Bolsonaro, informou que a abertura da investigação é apenas praxe, isto é, não significa, por ora, que haja indícios de que Bolsonaro e Pazuello cometeram algum dos crimes apontados no pedido, feito por deputados do PCdoB.

Os parlamentares acusam o presidente e o ministro da Saúde de prevaricação e de colocar em perigo a vida e a saúde dos brasileiros. O foco é o drama dos moradores do Amazonas e do Pará, onde dezenas de doentes de covid-19 morreram asfixiados por falta de oxigênio nos hospitais, sem que isso despertasse especial mobilização do governo federal. “O descompromisso de Bolsonaro e Pazuello com o enfrentamento à Covid-19 deixou gestores locais à deriva, tendo que administrar por conta própria fluxos e demandas que, via de regra, dependem de uma lógica conjunta – a mesma que orienta o Sistema Único de Saúde (SUS), que opera de forma tripartite, envolvendo União, Estados e municípios”, informa a ação.

No segundo caso, a instalação da CPI da Covid depende da autorização do novo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, eleito há alguns dias com o apoio entusiasmado de Bolsonaro. “Com o recrudescimento da covid-19 em dezembro de 2020 e janeiro de 2021, as omissões e ações erráticas do governo federal não podem mais passar incólumes ao devido controle do Poder Legislativo”, diz o requerimento da CPI.

Ainda que nenhuma das duas iniciativas prospere, há um crescente movimento para obrigar Bolsonaro e seu ministro da Saúde, o intendente Pazuello, a responder por seus atos, mais cedo ou mais tarde – mais cedo será melhor para o País, já que mais de mil brasileiros morrem por dia de covid-19. Parte desses óbitos poderia ser evitada se houvesse uma firme liderança do Ministério da Saúde na coordenação dos esforços contra a pandemia – o que dificilmente ocorrerá enquanto Pazuello estiver no Ministério, e Bolsonaro, na Presidência.

A má conduta de Bolsonaro é amplamente documentada. Não é exagero considerar que várias de suas ações podem constituir crimes de responsabilidade. O descalabro da saúde em meio à pandemia deveria bastar para que o presidente fosse pelo menos chamado a se explicar.

Se isso vai acontecer ou não, vai depender das condições políticas. Bolsonaro parece confortável com o arranjo que costurou na PGR e no Congresso. Mas, ao não demitir o ministro da Saúde, que já está sob investigação em inquérito no Supremo Tribunal Federal, Bolsonaro deixa claro que seu subordinado não agiu senão em razão de orientação superior – afinal, como o próprio intendente declarou outro dia, “um manda e o outro obedece”.

Convém lembrar que Pazuello é o terceiro ministro da Saúde de Bolsonaro – os outros dois perderam o emprego por discordarem da insistência do presidente com o chamado “tratamento precoce”, isto é, o emprego de medicamentos sem eficácia comprovada. O próprio fabricante de um deles, a ivermectina, informou que não há base científica para receitar o remédio contra a covid-19 e, pior, ressaltou que há “preocupante falta de dados de segurança”. Ou seja, Bolsonaro é garoto-propaganda de um elixir que pode causar mal, sem a menor possibilidade de causar bem.

Mas Bolsonaro é irremediável. Segundo ele, seu elixir não faz mal nenhum e não se arrepende de receitá-lo. “Pelo menos eu não matei ninguém”, disse o presidente, exercendo sua especialidade: livrar-se de responsabilidade. Mas o País começa a reagir.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de São Paulo, em06 de fevereiro de 2021