segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Governo libera R$ 1,9 bilhão para deputados em meio a disputa pela Presidência da Câmara


Rodrigo Maia em sessão da Câmara em 17 de dezembro

CRÉDITO,MARYANNA OLIVEIRA/CÂMARA DOS DEPUTADOS

Novo e PSOL dizem que dinheiro 'extra' é para garantir apoio à candidatura de Arthur Lira (PP-AL) à presidência da Câmara; relator do texto nega

O governo aproveitou a última sessão de votações do Congresso em 2020 para liberar R$ 1,9 bilhão para indicações de parlamentares.

Congressistas de esquerda e de direita dizem que o objetivo da liberação de dinheiro é conquistar apoios para o candidato do Palácio do Planalto à Presidência da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), no começo de fevereiro. O relator da medida, porém, nega.

O dinheiro poderá ser usado em sete ações orçamentárias de quatro ministérios: Agricultura e Pecuária; Desenvolvimento Regional; Educação, e Turismo.

As ações escolhidas permitem que o dinheiro seja aplicado em coisas que parlamentares costumam fazer para agradar seus eleitores: melhorias urbanas, como o calçamento de uma rua; investimentos em escolas públicas; e até a compra de máquinas agrícolas, como tratores.

Embora não se trate de emendas parlamentares formais ao Orçamento, os ministérios costumam receber - e muitas vezes acolher - indicações dos congressistas sobre onde aplicar o dinheiro.

A liberação do dinheiro foi feita por meio da votação de um projeto, o Projeto de Lei do Congresso nº 29 de 2020.

Enviado em setembro, o projeto trazia, de início, remanejamentos de verbas de apenas R$ 48 milhões - nos ministérios da Agricultura, Desenvolvimento Regional, e Turismo.

No dia 15 de dezembro, porém, o Executivo mandou uma "mensagem modificativa" ao Congresso, alterando o projeto e aumentando o valor total para R$ 3,3 bilhões.

De início, o objetivo era quitar parte das dívidas do Brasil com a Organização das Nações Unidas (ONU) e outros organismos internacionais.

No caso da ONU, a dívida acumulada do Brasil com o orçamento regular da entidade tinha chegado a US$ 391 milhões, o equivalente a cerca de R$ 1,98 bilhão.


                                       Medida estava em projeto sobre dívidas da ONU
               

                      Deliberação durante voto do PLN29 na Câmara no dia 17 de dezembro

CRÉDITO,MARYANNA OLIVEIRA/CÂMARA DOS DEPUTADO

O valor é mais de duas vezes a contribuição anual do país ao organismo internacional. Isto significa que, se o Brasil não quitar ao menos uma parte do débito até o fim de 2020, corre o risco de perder o voto na Assembleia Geral da entidade, algo que nunca aconteceu antes.

Acusações de 'toma lá, dá cá'

O relatório de Domingos Neto destina R$ 616,1 milhões para a ONU - o que afasta, por ora, o risco do Brasil ser punido na entidade. O projeto ainda precisa da sanção do presidente Jair Bolsonaro.

"Esse projeto não poderia ter sido votado, na nossa opinião. Primeiro, porque tem um prazo, de 48h, entre a apresentação do relatório e a votação, que não foi cumprido. E depois, o relator (Domingos Neto, do PSD do Ceará) não poderia ter incluído linhas orçamentárias novas, que não estavam previstas no texto original", disse o deputado Paulo Ganime (Novo-RJ), líder da bancada do partido na Câmara.

"E ainda tem a questão do mérito. Uma parte desse dinheiro pode vir a ser usada para atender a interesses políticos de deputados ligados ao governo, para apoiar a candidatura de Arthur Lira", diz Ganime.

A bancada do Novo votou contra o PLN - e partidos de esquerda como PT, PSB, PDT, PSOL, Rede e PCdoB tentaram obstruir a votação.

"Ele (Domingos Neto) criou, no relatório, a categoria de 'emendas de relator', que não são as emendas comuns, aquelas que os parlamentares têm direito, que estão previstas na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias). Essa emenda de relator é onde vão ser destinados esses recursos", diz a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), líder do partido na Câmara.

"E claro, tem a ver com a eleição do Arthur Lira, sem dúvida (...). E nós fomos ao Supremo (Tribunal Federal), também. Porque além da gravidade das emendas em si, do PLN 29, a votação passou por cima do Regimento (interno da Câmara) e da Constituição, que garantem que tenha que votar a derrubada dos vetos (presidenciais, na Sessão do Congresso) antes de qualquer pauta. Ou seja, não poderia votar o PLN antes de apreciar os vetos. Então nós fomos ao Supremo para que a sessão seja cancelada", disse a líder do PSOL à BBC News Brasil.

A reportagem da BBC News Brasil questionou o Ministério das Relações Exteriores (MRE) e a Secretaria de Comunicação do Palácio Planalto (Secom) sobre o assunto - mas não obteve respostas.

O relator do PLN 29, Domingos Neto, também foi procurado pela reportagem por meio de ligações e mensagens de texto, mas não quis falar.

Ao jornal Valor Econômico, Domingos Neto negou que os créditos extras estejam ligados à eleição para o comando da Câmara, que acontece no dia 1º de fevereiro. "A eleição na Câmara está contaminando todas as votações. Infelizmente", disse ele.

Deputado Domingos Neto (PSD-CE) em sessão da Câmara em 17 de dezembro

CRÉDITO,MARYANNA OLIVEIRA/CÂMARA DOS DEPUTADOS

Deputado Domingos Neto (PSD-CE) foi relator da proposta

De onde veio o dinheiro - e para onde vai

Remanejamentos de verbas acontecem com frequência na administração pública: é a solução encontrada pelo Executivo para retirar recursos de uma área e colocar em outra conforme as necessidades, com a concordância do Congresso.

No caso do PLN 29, o R$ 1,9 bilhão que agora irrigará obras nas bases eleitorais de congressistas estava previsto, inicialmente, para o pagamento de dívidas do governo com outros organismos internacionais menores, que não a ONU.

O Ministério da Economia também pediu aos parlamentares que usassem o valor para pagar cotas de capital devidas ao Novo Banco de Desenvolvimento, mais conhecido como Banco dos Brics.

"(O texto do governo trazia uma) última ação orçamentária, que estava com R$ 1,9 bilhão, quase R$ 2 bilhões, que eram para organismos menores. Que não estava detalhado qual era o organismo, e que poderia ser para qualquer um que não estivesse lá dentro daquela lista exaustiva", diz um técnico especializado em Orçamento da Câmara.

"Primeiro, ele (Domingos Neto) retirou R$ 1,2 bilhão desses R$ 1,9 bilhão, e fez a alocação para os ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento Regional, da Educação e do Turismo", explica ele.

Congresso recebe projeções de imagens sobre os 60 anos de Brasília em dezembro de 2020

CRÉDITO,NAJARA ARAUJO/CÂMARA DOS DEPUTADOS

Dinheiro poderá ser usado em sete ações orçamentárias de quatro ministérios: Agricultura e Pecuária; Desenvolvimento Regional; Educação, e Turismo

Finalmente, na sessão desta quarta-feira (16), o relator negociou liberações adicionais a partidos de centro-direita como DEM e MDB, que passaram a apoiar o texto e votaram a favor do PLN 29.

Para tanto, Domingos Neto "fez a limpa na ação (orçamentária) de R$ 1,9 bilhão. E colocou mais dinheiro na Agricultura, no Desenvolvimento Regional, no Turismo e na Educação", diz o técnico.

No texto final aprovado pela Câmara e pelo Senado, o ministério com mais recursos passou a ser o Desenvolvimento Regional, comandado pelo ex-deputado tucano Rogério Marinho, com R$ 830 milhões.

No ministério, o dinheiro está vinculado a ações como o "Apoio à Política Nacional de Desenvolvimento Urbano" e o "Apoio a Projetos de Desenvolvimento Sustentável Local Integrado".

O resultado também representa uma derrota para o ministro da Economia, Paulo Guedes, que já discutiu publicamente com Marinho algumas vezes.

No Ministério do Turismo são R$ 443,1 milhões para "apoio a projetos de infraestrutura turística", enquanto o Ministério da Agricultura contará com R$ 437 milhões para "fomento ao setor agropecuário".

Por fim, a pasta da Educação recebeu R$ 100 milhões para o "apoio à expansão da rede federal de educação profissional".

André Shalders - @andreshalders da BBC News em Brasília / 18 dezembro 2020

Bolsonaro e Trump uniram conservadores, populistas e esotéricos new age, diz autor de livro sobre Bannon e Olavo


Em foto de março, Bolsonaro assina livro de visitas da Casa Branca, com Trump sorrindo atrás

CRÉDITO, ALAN SANTOS/PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

A ascensão de Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto em 2018 marca, nas palavras do professor de relações internacionais Benjamin Teitelbaum, uma "estranha coincidência": a chegada ao centro do poder no Brasil e nos Estados Unidos do tradicionalismo, uma filosofia religiosa marginal, que empresta conceitos do hinduísmo, do judaísmo, da cabala e do islamismo, embora não pertença a nenhuma dessas religiões nem seus seguidores se restrinjam a elas.

O tradicionalismo defende que o auge da humanidade é uma sociedade baseada em conceitos espirituais — e não materiais — e que conte com uma hierarquia social bem definida e fronteiras físicas e políticas para as relações entre as diferentes comunidades.

Ainda segundo essa vertente de pensamento, estaríamos hoje no extremo oposto ao desejável, em uma era das trevas em que o liberalismo econômico, a massificação das populações e a globalização apagam por completo a virtude de uma sociedade humana.

Relegado a seitas pequenas e à periferia da filosofia religiosa, a última vez em que o tradicionalismo ocupou posição de relevo em uma democracia ocidental foi durante a Segunda Guerra Mundial, nos anos 1930, quando adotou uma roupagem que incluía a noção de superioridade da raça branca para dar estofo intelectual ao fascismo, na Itália.

Recentemente, no entanto, o tradicionalismo ganhou tração novamente ao ser incorporado — e ajudar a moldar — candidaturas políticas vencedoras do novo populismo de direita. Segundo Teitelbaum, é como se houvesse um campo político em comum entre o eleitor populista típico — homem, com baixa escolaridade e vida rural — e os esotéricos consumidores de livros metafísicos "new age".

É para explicar a junção entre esses mundos tão distantes que Teitelbaum, professor da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, faz um mergulho na corrente de pensamento que inspirou tanto Steve Bannon, ex-conselheiro de Donald Trump e artífice de sua eleição à Casa Branca em 2016, quanto Olavo de Carvalho, o guru do bolsonarismo radicado no Estado da Virgínia, nos EUA.

Ele acrescenta ainda na análise o russo Alexandr Dugin, ideólogo que gravita o círculo de poder de Vladimir Putin. Teitelbaum defende que, em comum, todos eles têm a fonte filosófica tradicionalista para nortear sua atuação política. Além de se debruçar sobre os escritos dos autores, o pesquisador conduziu uma série de entrevistas com eles. O resultado é a obra Guerra pela Eternidade, recém-lançada no Brasil pela Editora Unicamp.

Os conceitos tradicionalistas ajudam a explicar posicionamentos políticos em diferentes frentes. O que têm em comum a recusa em aceitar o resultado da eleição, os ataques sucessivos à imprensa profissional e a promoção de soluções anticientíficas para lidar com a pandemia de coronavírus? Todas essas ações foram tomadas no governo Trump. E todas são ancoradas no tradicionalismo.

"Os tradicionalistas lançam mão de um conceito do hinduísmo chamado de inversão. Eles dizem que, nesta era das trevas atual, a maioria dos principais agentes de serviços de interesse público vai desempenhar a função oposta daquela que deveria desempenhar", explica Teitelbaum, para exemplificar na sequência:

"A comissão eleitoral, cujo objetivo primordial é registrar a opinião da população, provavelmente dará o resultado oposto ao que o povo decidiu. Um cientista vai espalhar ignorância sobre o mundo natural e um médico vai prejudicar seus pacientes, ao passo que o jornalista vai, na verdade, desinformar. O tradicionalismo empresta profundidade teórica e cor ao discurso populista."

Em entrevista à BBC News Brasil, ele explica como o tradicionalismo parece ter ascendido, a influência dele sobre Olavo de Carvalho e o chanceler Ernesto Araújo, sua relação com o coronavírus, o que deve acontecer com a saída de Donald Trump do poder nos EUA e a relação com a China. Veja a seguir os principais trechos da entrevista.


Benjamin Teitelbaum / CRÉDITO,ARQUIVO PESSOAL

Para o professor Benjamin Teitelbaum, Bolsonaro e Trump uniram conservadores e esotéricos


BBC News Brasil - O que é o tradicionalismo e como ele conseguiu chegar ao centro do poder em países como o Brasil e os Estados Unidos?

Benjamin Teitelbaum - Até recentemente, o tradicionalismo não era uma filosofia política. Em vez disso, podia ser definido como uma vertente de pensamento religiosa e espiritual. Alguns de seus escritores tiveram uma pequena representação no mainstream — a relevância política veio com o fascismo na Segunda Guerra Mundial — mas depois disso e na maior parte de sua história social, o tradicionalismo se limitou a seitas.

O tradicionalismo é o modo pelo qual as pessoas olham para o mundo hoje e identificam a globalização e o liberalismo social como sendo produtos de uma crescente ausência de fronteiras no mundo e na vida política e social.

Os tradicionalistas veem a falta de fronteiras e a secularização tanto como sintomas, quanto prova de uma profecia de que vivemos agora na idade das trevas. E eventualmente, de alguma forma, o mundo como conhecemos entrará em colapso e veremos em seu lugar um mundo mais virtuoso, que tem fronteiras de todos os tipos. Um mundo espiritualmente organizado, que não é definido por realizações financeiras ou pelo que chamam de "globalismo". Esse mundo já teria existido, mas a humanidade o perdeu, e os seguidores do tradicionalismo são aqueles que conseguem ter lampejos do que seria esse mundo ideal.

BBC News Brasil - E como esse conjunto de ideias, que esteve na maior parte do tempo restrito a pequenas seitas, chega ao centro do poder em países como Brasil e Estados Unidos? Há uma organização por trás disso ou é algo que acontece de modo fortuito em diferentes partes do mundo?

Teitelbaum - À primeira vista, é apenas uma coincidência muito estranha. A coincidência é que essa pseudoteoria política que desde a Segunda Guerra Mundial não tinha representação na política democrática ocidental de forma alguma, de repente, entre 2018 e 2019, especialmente com a ascensão de Bolsonaro, se incorpora ou passa a gravitar uma série de regimes populistas ao redor do mundo.

Não parece haver uma organização, em todos os casos, esses indivíduos (Steve Bannon, Olavo de Carvalho) chegaram ao tradicionalismo por canais próprios e independentes. Então é fortuito. Por outro lado, no entanto, é preciso olhar para o zeitgeist ("espírito do tempo", em alemão). Se pensarmos no tempo em que vivemos, nos damos conta de que é uma era de turbulência, de revolução em alguns aspectos, de transformação radical, mudanças dramáticas para frente e para trás.

E isso acontece simultaneamente em toda a Europa, América do Norte, Sul da Ásia, América Latina. Nós vemos uma insatisfação generalizada das populações com o status quo. Se esse é o espírito de nossa época, então também não me parece estranho que os intelectuais, os gurus, os pensadores procurem pelas alternativas mais dramáticas que possam encontrar para oferecer uma saída. Então essa é a questão: o tradicionalismo é a alternativa teórica mais profundamente oposta ao liberalismo que alguém poderia propor.

BBC News Brasil - Qual é a diferença do tradicionalismo para o conservadorismo que conhecemos?

Teitelbaum - As diferenças são mais nítidas quando se pensa em termos de motivação e objetivo final. O tradicionalista médio e o homem branco do campo dos Estados Unidos, ou o pequeno agricultor do sul do Brasil, podem ter valores aparentemente parecidos. Eles podem ansiar por uma volta ao passado, ou daquilo que gostavam no passado, como os papéis sociais mais definidos, ou a sensação de ter um maior controle sobre sua existência. Ou até mesmo porque sentem que lá atrás entendiam melhor a política e a economia.

Mas para o conservador, a motivação em celebrar todas essas coisas não está necessariamente em uma teoria religiosa, numa profecia que deve se cumprir sobre o mundo.

Um conservador nos EUA, por exemplo, provavelmente pensa que as coisas costumavam ser melhores e alimenta o desejo de transformar a sociedade para que se pareça mais com o que costumava ser. Um tradicionalista, especialmente nas formas mais ortodoxas — e Olavo de Carvalho não é exatamente um deles nesse sentido particular —, pensaria que o declínio atual é profetizado e necessário, porque precisamos passar por um período de turbulência a fim de voltar para onde as coisas costumavam ser boas.

Então, os tradicionalistas anseiam pela destruição. Eles podem até de uma forma masoquista ou melancólica, desejar que as coisas sejam ruins agora.

Há tradicionalistas que apoiam o liberalismo e tudo o que eles alegam odiar porque pensam que ele precisa prosperar para depois entrar em colapso. Não faz parte do conservadorismo esse apelo apocalíptico, mas faz parte do tradicionalismo esse desejo de destruição e a crença de que as coisas têm que ser destruídas para haver um renascimento em virtude.

BBC News Brasil - O tradicionalismo, de acordo com seus estudos, obteve muitas vitórias ao enfraquecer órgãos multilaterais de relações entre os países, ao levar governos a tomar decisões que contrariassem a ciência. A pandemia de coronavírus foi um golpe para o tradicionalismo?

Teitelbaum - Depende com quem você fala. Uma coisa que devemos ter em mente é que, por não ser uma filosofia política, o tradicionalismo é muito vago em alguns pontos. E assim as pessoas podem tirar significados diferentes deles. O coronavírus é um ótimo exemplo.

Dois dos tradicionalistas que acompanhei mais de perto em meu livro, Steve Bannon e Alexander Dugin, colocaram isso de maneiras diferentes, mas ambos viam o vírus como um elemento de fortalecimento de sua visão de mundo.

Para Dugin, o vírus era uma punição para o globalismo, um veneno injetado em nosso caótico movimento cosmopolita, uma resposta ao nosso desprezo pelas fronteiras e nossa incapacidade de controlar os movimentos das pessoas neste mundo. Nessa lógica, o novo coronavírus introduz no mundo um novo sistema de punição e recompensa, que favorece tanto as ilhas geográficas quanto as ilhas políticas.

Bannon, em termos diferentes, disse que achava que poderia ver com a pandemia o fortalecimento da comunidade local novamente e um alargamento das escalas geográficas.

Já para Olavo e para o chanceler Ernesto Araújo, quem considero um tradicionalista, o coronavírus foi apenas mais um exemplo de como o globalismo estava se perpetuando. Para eles, foi a China quem orquestrou este novo vírus e esta nova pandemia para unificar o mundo em torno de si.

As duas perspectivas são inteligíveis dentro da lógica do tradicionalismo.

BBC News Brasil - As pessoas certamente podem acomodar suas visões de mundo a certas filosofias, mas quando te perguntei sobre a pandemia como um fator negativo para os tradicionalistas, me referia por exemplo à perda da eleição por Trump.

É possível que uma parte dos eleitores tenha punido Trump nas urnas por sua resposta ao vírus, que parece bastante inspirada no tradicionalismo: o fechamento de fronteiras, primordialmente, mas uma certa negação da ciência em relação a máscaras e a defesa de tratamentos sem comprovação científica, como a hidroxicloroquina, ou a retirada de organismos multilaterais, como a Organização Mundial da Saúde. O que deve acontecer com esse pensamento agora que ele perdeu?

Acompanhado de Trump, Bolsonaro cumprimenta integrantes do governo americano

CRÉDITO,ALAN SANTOS / PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

Bolsonaro já afirmou 'amar' Trump, mas não foi retribuído pelo americano

Teitelbaum - Para te dar uma resposta mais completa sobre isso, eu precisaria ter visto mais apoiadores de Trump refletindo sobre a derrota dele. Mas, eles não estão fazendo isso e seguem dizendo que ele não perdeu, que há outra explicação nisso, e a explicação é a corrupção da burocracia moderna. Para os eleitores de Trump, não é uma conversa sobre o coronavírus, mas sobre como não se pode confiar nas instituições, na máquina burocrática moderna. A eleição representa isso.

Eu acrescentaria mais um aspecto. É verdade que os tradicionalistas na política subiram muitos degraus, estão mais visíveis. Mas eles continuam sendo poucos e não se pode dizer que suas ideias estejam ficando mais populares.

Por fim, a maneira como alguém como Steve Bannon interpreta a política não depende de Trump. Quero dizer, Trump era apenas uma ferramenta, na melhor das hipóteses, em sua ideologia, mas ele chegou a me confidenciar que estava muito animado com uma pré-candidata democrata à Presidência, (a líder espiritual e escritora) Marianne Williamson. Ela não adotava nenhuma das políticas de Bannon, mas falava sobre uma espécie de conflito cósmico entre o bem e o mal na sociedade.

Ela foi ridicularizada por ser o tipo de candidata esotérica na primária democrática. Mas se alguém assim passasse no crivo do processo, Bannon teria sentido que mudou algo com aquela campanha mais profunda de reposicionar os EUA como uma comunidade espiritual e lutar contra a política que se concentrava apenas em liberdade econômica ou em justiça econômica. Bannon adoraria ver debates entre sacerdotes. Portanto, seu movimento político pode ser mais profundo e não tão ligado a Trump quanto pode parecer.

BBC News Brasil - O que estamos vendo nos EUA agora, de acusações infundadas de fraude eleitoral e a recusa em aceitar o resultado, tem algo a ver com o tradicionalismo? O presidente Bolsonaro também afirmou, sem provas, que em 2018 houve fraude eleitoral no Brasil.

Teitelbaum - Isso ilustra o cruzamento de conceitos entre populismo e tradicionalismo, em uma espécie de congregação na esfera ideológica de direita. O questionamento da legitimidade da eleição é um lugar onde essas duas filosofias e suas maneiras de ver o mundo se cruzam.

O populismo dirá, genericamente, que o sistema é corrupto e os membros do establishment mandam no governo. E o sistema, ou o establishment, são os burocratas, funcionários públicos, cientistas, jornalistas, universidades, professores. O tradicionalismo diz a mesma coisa. Mas acrescenta que isso faz parte de um plano cósmico amplo e que estamos fadados a isso.

Os tradicionalistas lançam mão de um conceito do hinduísmo chamado de 'inversão'. Eles dizem que nesta era das trevas em que estamos vivendo, a maioria dos principais agentes de serviços de interesse públicos vai desempenhar a função oposta daquela que deveria desempenhar.

É realmente um passo simples para um tradicionalista se alinhar a um populista para dizer que a comissão eleitoral ou a eleição em si, cujo objetivo primordial é registrar a opinião da população, nessa era de declínio provavelmente dará o resultado oposto ao que o povo decidiu. Ou que um cientista vai espalhar ignorância sobre o mundo natural e um médico vai prejudicar seus pacientes, ao passo que o jornalista vai, na verdade, desinformar. O tradicionalismo empresta profundidade teórica e cor ao discurso populista.

BBC News Brasil - Segundo o seu argumento, parece que o tradicionalismo caiu como uma luva para o populismo e, ao mesmo tempo, viu nele uma possibilidade de chegar ao poder em países como o Brasil. Por que essa simbiose funcionou tão bem agora?

Teitelbaum - Essa é uma pergunta excelente e eu não tenho certeza se eu realmente sei a resposta. Se nós olharmos ao longo da maior parte da história, essa simbiose não funcionaria.

Se falarmos em termos sociológicos e não ideológicos, parte do que estamos vendo é que o eleitor populista médio, homem, de menor escolaridade, muitas vezes de vida rural, todos esses marcadores demográficos que conhecemos que aumentam o apoio aos partidos nacionalistas na Europa e a Trump e Bolsonaro, esse eleitor tem agora um espaço onde ele pode juntar forças com espiritualistas e esotéricos do "new age", aquelas pessoas que vão à seção de metafísica das livrarias e que normalmente são de um espaço social muito diferente do eleitor populista.

O que eles compartilham é essa insatisfação geral com o status quo, isso é o que está acontecendo aqui. Estamos vendo essa mudança mais profunda de opinião na sociedade, mas qual vai ser a funcionalidade e a profundidade dessa ligação, eu não saberia dizer.

Benjamin Teitelbaum

CRÉDITO,ARQUIVO PESSOAL

Benjamin Teitelbaum estudou o pensamento político de Steve Bannon

BBC News Brasil - Como o sr. avalia a influência de Olavo de Carvalho no governo brasileiro? Ao mesmo tempo em que ideologicamente ele parece ter ditado as cartas durante um período, as posturas de Olavo são detonadoras de crises frequentes, e parece que em busca de estabilidade, o presidente Bolsonaro faz um jogo de aproximação e afastamento com ele. Faz sentido?

Teitelbaum - Olavo deliberadamente não aceitou uma posição formal no governo, que lhe foi oferecida. E isso é indicativo da personalidade mais ampla de Olavo, que é de não se associar a nada além de si mesmo. Tendo dito isso, qualquer observador do Brasil saberá que na medida em que um comentário público em uma rede social tem um papel a desempenhar na política e mudar posições governamentais, essa é a extensão do poder e da influência de Olavo. E o governo Bolsonaro está cheio de políticos que levam em consideração a rede social em sua atuação, o que torna o governo ainda mais suscetível a Olavo.

E há também um discurso sobre a influência do Olavo. Eduardo, o filho de Bolsonaro, já disse mais de uma vez que seu pai deve a eleição a Olavo. Mas, honestamente, é muito difícil dizer que isso é verdade, seria muito difícil quantificar isso, dizer que a formação dessa base eleitoral veio daí.

Mas esse é o discurso que existe em torno de Bolsonaro, e ele angariou poder político informal com essa percepção. Quanto à funcionalidade dessa figura para o governo, não acho que devamos atribuir intencionalidade, cálculo político ou mesmo lógica a tudo o que Olavo faz, mas na medida em que queremos entendê-lo, a estabilidade certamente não é um valor que ele irá perseguir. E a falta de interesse dele em estabilidade e o anseio por ruptura, destruição e demolição andam lado a lado.

E podem ser explicados pelo seu envolvimento anterior com o tradicionalismo. Olavo não atribui muito valor ao sistema político e a uma administração que funcione bem. Essas não são coisas que vão entusiasmá-lo. O que o anima é a destruição e a demolição.

BBC News Brasil - O sr. conhece bem o chanceler brasileiro Ernesto Araújo. Como ele poderá liderar um relacionamento entre o Brasil e os Estados Unidos sob administração de Joe Biden?

Teitelbaum - Essa é uma questão que devia ser colocada para todo o governo Bolsonaro, não só para o Araújo. Bolsonaro e Araújo apostaram na existência de uma espécie de Internacional Populista (em analogia à Internacional Comunista, fundada por Vladimir Lênin, em 1919, para congregar as forças comunistas de diferentes países ao redor do mundo) capaz de compensar a perda da China (como aliado principal), como uma força orientadora do Brasil no mundo. E nunca houve uma Internacional Populista, o mais próximo que se chegou foi a algo com a Polônia e a Hungria, e só. Então acho que é um grande erro geopolítico.

É um erro geopolítico, claro, mas se você quisesse buscar uma justificativa para isso, você teria que notar que essas pessoas, Ernesto Araújo, Olavo de Carvalho, e suas outras contrapartes, estão no governo porque não se importam muito em manter o funcionamento do sistema.

Steve Bannon e Olavo de Carvalho

CRÉDITO,REUTER / Steve Bannon (à esq.) conversa com o professor e guru conservador Olavo de Carvalho, em foto de arquivo

Eles não querem ser a parte responsável de um governo. E eles não querem ver uma rede geopolítica global robusta que seria capaz de hospedar o Brasil como membro. Ainda assim, acho que foi um erro de cálculo porque eles estavam fazendo quase tudo que podiam para se alinhar com Trump e os Estados Unidos quando deveriam saber o tempo todo que estavam colocando os pés em uma canoa muito instável.

BBC News Brasil - Steve Bannon, o ideólogo de Trump a quem o senhor seguiu de perto, foi recentemente preso em um processo no qual é acusado de ter se apropriado de doações que apoiadores de Trump fizeram para construir um muro na fronteira com o México. Esse episódio mudou sua forma de vê-lo?

Teitelbaum - Não, não mudou minha visão. Eu o respeito como um pensador sério, cujo pensamento seja digno de atenção e análise. E acho que conceder isso a ele não significa que ele não possa ser um corrupto ou alguém que corrompa, ou que tenha feito ou faça outras coisas ruins. Temo que chamar alguém de interessante ou mesmo chamar alguém de inteligente à sua maneira seja visto como um elogio abrangente demais, quando não é. Ele elegeu Trump, ele fez uma série de coisas relevantes, e é interessante tentar entender a lógica dele, o porquê ele as fez.

No caso do processo, temos uma situação um tanto estranha. Ele foi preso acusado de lavagem de dinheiro para sua organização na questão do muro. O que muitas pessoas não se deram conta é que ele foi preso em um iate de um filantropo chinês. E ele estava ali por alguma razão, e a polícia rebocou o iate, para fazer buscas ali.

Eu não sou advogado, mas estudiosos do direito que olharam para o papel específico de Bannon nesse processo têm dito que os outros presos envolvidos estão em apuros, mas há boas chances de Bannon se safar das acusações de lavagem de dinheiro. Então a ação no iate poderia estar relacionada às atividades de Bannon na China. E isso é muito factível porque ele teve tantos negócios, ele movimentou tanto dinheiro, tem tantas associações envolvidas em tantos projetos, muitas das quais faliram, aliás, que não seria difícil que algo ilegal tenha acontecido em algum ponto dessas transações.

BBC News Brasil - O que explica a oposição desses ideólogos à China?

Teitelbaum - A China surge como o grande contrapeso para os Estados Unidos, quer você goste disso ou não, e Bannon e Olavo claramente não gostam. Suas razões para não gostar disso são o materialismo e o secularismo que a China representa, além de os chineses operarem uma forma de globalização na qual os Estados Unidos não estão. Mas não se trata só de uma oposição política nacionalista, há um tipo mais profundo de oposição espiritual à China. A China funciona como o avatar da falta de fronteiras do capitalismo, materialismo e secularismo que eles rejeitam.

BBC News Brasil - Em uma entrevista à BBC News Brasil em meados deste ano, Olavo de Carvalho criticou duramente seu livro quando foi publicado e negou que seja tradicionalista. Por que ele fez isso?

Teitelbaum - Bem, ele reage dessa forma a muitas pessoas que escrevem sobre ele. Então eu esperava isso um pouco, mas ainda assim fiquei surpreso. Parece-me bastante óbvio que o material sobre a tariqa (organização esotérica da qual Olavo fez parte) realmente o incomodou. Eu fiquei surpreso porque na entrevista que ele deu a você, ele diz alguns insultos a mim para depois basicamente repetir toda a história conforme contei. Há apenas algumas exceções que contradizem coisas que ele mesmo me disse em entrevistas. E ele sabe disso.

Notavelmente, ele não estava na tariqa porque estava interessado na filosofia persa. Ele estava lá porque ele estudava tradicionalismo e queria praticar. Ele não queria que fosse apenas um estudo teórico, queria viver a prática do tradicionalismo.

Outra coisa é que ele compara sua experiência na tariqa como se fosse equivalente à passagem dele pelo Partido Comunista. Isso não é real. Ele jamais traduziu as obras de Karl Marx e as distribuiu. E quando ensinou sobre comunismo aos seus alunos, ele o fez sem qualquer caráter elogioso, enquanto com o tradicionalismo, ele se debruçou em traduzir obras do judaísmo referentes a ele e continua a ensinar o tradicionalismo para gerações de estudantes.

Alguns de seus ex-alunos descrevem suas experiências em aulas como tendo sido compelidos a celebrar René Guénon (um dos mais importantes autores do tradicionalismo) como uma espécie de divindade. Então essa história está aí e não sou o primeiro a falar sobre ela, mas vê-la exposta dessa forma parece realmente ter incomodado um tanto quanto o Olavo.

Mariana Sanches - @mariana_sanches, da BBC News Brasil em Washington, em 19 dezembro 2020

Imunidade e responsabilidade do presidente

A imunidade do presidente da República é muito ampla, mas não é total. Tudo o que se faz no cargo é plenamente passível de responsabilização

Ao tratar das responsabilidades do chefe do Executivo, a Constituição dispõe: “O presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções” (art. 86, § 4.º). Excepcionalíssima, essa imunidade é atribuída exclusivamente ao presidente da República. Seu objetivo é assegurar condições para o exercício do cargo, impedindo a responsabilização de qualquer ato, por mais grave que seja, não relacionado às funções presidenciais.

A Constituição fez, assim, clara opção. Considera que é preferível atrasar a investigação de eventuais atos ilegais do presidente da República que não estejam relacionados à sua função presidencial do que submeter o ocupante do Palácio do Planalto a pressões judiciais que poderiam trazer graves prejuízos ao País. Mais do que preservar a pessoa do presidente da República, essa imunidade constitucional vem proteger o exercício da função presidencial. Seu objetivo é assegurar que o chefe do Executivo federal possa, de fato e de direito, exercer o poder que lhe foi conferido pelo voto popular.

Muitas vezes, essa imunidade foi criticada, como se fosse instrumento de impunidade. A autoridade que, de certa forma, concentra mais poder no País teria um regime privilegiado. Concorde-se ou não com a crítica, é preciso reconhecer que a imunidade do presidente da República é de fato muito ampla. Ele não pode ser responsabilizado por nenhum ato estranho ao exercício de suas funções.

Esse quadro de ampla e excepcionalíssima imunidade pode, de fato, conduzir a uma equivocada impressão: a de que o presidente da República seria, na vigência do mandato, irresponsável por seus atos. Trata-se de não pequeno engano. A despeito da imunidade constitucional relativa a todos os atos estranhos ao exercício de suas funções, o presidente da República – precisamente por ter um cargo com amplos poderes, envolvendo áreas muito amplas – tem uma imensa responsabilidade, também jurídica, sobre seus ombros.

Ao contrário do que possa parecer, não é nada difícil que o chefe do Executivo pratique, no exercício do mandato, uma atividade ilegal. Levando o raciocínio ao extremo, para que haja um ato ilícito não é necessário que o presidente da República integre uma organização criminosa ou utilize o cargo para desviar recursos públicos para contas bancárias de familiares. Em 2016, por exemplo, o País acompanhou o julgamento das ilegais pedaladas fiscais da presidente Dilma Rousseff.

Mas não são apenas atos de natureza fiscal que podem trazer problemas jurídicos ao ocupante do Palácio do Planalto. A título de exemplo, basta que um presidente da República não respeite zelosamente os limites e finalidades dos órgãos públicos que servem ao Executivo federal para que seus atos facilmente tangenciem os campos da ilegalidade. A lei tem parâmetros precisos. Por exemplo, a presença do diretor-presidente da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e do chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) em reunião para tratar da defesa jurídica de um filho do presidente da República é claro indício de uso indevido do aparato público em benefício particular, o que constitui crime de responsabilidade. O que dizer se a agência ainda produz relatórios informais para os advogados do primogênito? 

Além disso, há muitas luzes sobre o exercício da Presidência da República. Dificilmente um ato presidencial fora dos limites legais não é notado, por exemplo, pela Procuradoria-Geral da República.

A imunidade do presidente da República é muito ampla, mas não é total. Tudo o que se faz no cargo é plenamente passível de responsabilização. Nesse sentido, as disposições constitucionais não são uma autorização para que se faça o que quiser no cargo e com o cargo – ainda que algum incauto possa assim pensar. Na verdade, toda a Constituição está orientada precisamente para o exercício responsável do poder. Por isso, comete grave engano, com sérias consequências jurídicas, quem acha que a imunidade do art. 86 é um alvará para fazer o que bem entender na Presidência da República.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 21 de dezembro de 2020 

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Brasil registra 811 mortes por coronavírus nas últimas 24 horas

País já contabilizou 185.687 óbitos e 7.163.912 casos de Covid-19 desde o início da pandemia.

O consórcio de veículos de imprensa divulgou novo levantamento da situação da pandemia de coronavírus no Brasil a partir de dados das secretarias estaduais de Saúde, consolidados às 20h desta sexta-feira (18).

O país registrou 811 mortes pela Covid-19 nas últimas 24 horas, chegando ao total de 185.687 óbitos desde o começo da pandemia. Com isso, a média móvel de mortes no Brasil nos últimos 7 dias foi de 748. A variação foi de +29% em comparação à média de 14 dias atrás, indicando tendência de alta nos óbitos pela doença.

Em casos confirmados, desde o começo da pandemia 7.163.912 brasileiros já tiveram ou têm o novo coronavírus, com 52.385 desses confirmados no último dia. A média móvel nos últimos 7 dias foi de 46.800 novos diagnósticos por dia. Isso representa uma variação de +14% em relação aos casos registrados em duas semanas, o que indica tendência de estabilidade nos diagnósticos.

17 estados e o DF apresentaram alta na média móvel de mortes: PR, RS, SC, MG, RJ, SP, DF, GO, MS, MT, PA, RO, AL, BA, CE, PB, RN e SE

Brasil, 18 de dezembro

Total de mortes: 185.687

Registro de mortes em 24 horas: 811

Média de novas mortes nos últimos 7 dias: 748 (variação em 14 dias: +29x%)

Total de casos confirmados: 7.163.912

Registro de casos confirmados em 24 horas: 52.385

Média de novos casos nos últimos 7 dias: 46.800 por dia (variação em 14 dias: +14%)

(Antes do balanço das 20h, o consórcio divulgou um boletim parcial às 13h, com 184.992 mortes e 7.120.103 casos confirmados.)

Estados

Subindo (17 estados + o DF): PR, RS, SC, MG, RJ, SP, DF, GO, MS, MT, PA, RO, AL, BA, CE, PB, RN e SE

Em estabilidade, ou seja, o número de mortes não caiu nem subiu significativamente (7 estados): ES, AC, AM, RR, TO, PE, PI

Em queda (1 estado): MA

Não divulgou (1 estado): AP

Por G1 / 18/12/2020 13h00  Atualizado há 2 minutos






O que Jairzinho não aprendeu, Jair jamais aprenderá

Agora até o Fagner resolveu reclamar das "besteiras" ditas pelo presidente. Mas esperavam o quê, afinal? E essas "loucuras" nem são o pior, mas a crescente corrupção e impunidade no governo Bolsonaro.


Jair Bolsonaro

Por Philipp Lichterbeck

O cantor Fagner concedeu entrevista ao jornal O Globo, na qual diz que se arrepende de ter votado em Jair Bolsonaro em 2018. "Votei para que tocasse o Brasil, não para falar besteira", diz ele, a certa altura. Numa outra: "A atuação do Bolsonaro é ridícula. Ninguém está precisando ouvir as loucuras que ele fala. (...) Quero que governe!"

É uma reclamação que se ouve com mais frequência de eleitores de Bolsonaro arrependidos, como o colega cantor de Fagner, Lobão, ou o deputado Alexandre Frota. Isso me surpreende por três motivos.

Em primeiro lugar, Jair Bolsonaro construiu toda sua carreira de 30 anos como político dizendo "loucuras" e "besteiras". O que Fagner e os demais esperavam? Que ele entenda aos 65 o que não entendia aos 45? Na Alemanha existe um belo ditado, que traduzido diz mais ou menos assim: "O que Hansinho não aprendeu, Hans jamais aprenderá". Pode-se dizer também que um adulto que deseja publicamente a morte de 30 mil brasileiros ("Se ​​vai morrer alguns inocentes, tudo bem. Em tudo quanto é guerra morre inocente") não se torna um Gandhi só porque ganhou uma faixa listrada de amarelo e verde para pendurar no corpo.

Em segundo lugar, surpreende o apelo de Fagner para que Bolsonaro governe. Aparentemente, Fagner espera que ele seja competente na solução dos numerosos problemas do Brasil. Gostaria que os eleitores do presidente me dissessem quando Bolsonaro alguma vez demonstrou competência para algo em sua carreira, fora ser reeleito a cada quatro anos ou colocar seus filhos na lucrativa política brasileira. Na pandemia do coronavírus fica agora evidente de forma exemplar como o desprezo pelo ser humano e a incompetência do presidente e de seu ministro da Saúde colocaram o país numa situação catastrófica.

Em terceiro lugar, e o que mais me assombra, é que Fagner critica o presidente pelo lado completamente errado. Não são as "loucuras" que mais incomodam, mas a crescente corrupção sob o governo de Bolsonaro, com a qual o Brasil vai se acostumando. Supostamente, este governo queria restaurar a lei e a ordem e combater a corrupção.

Impunidade

Em vez disso, criminosos são apoiados, como os grileiros na Bacia Amazônica. Eles estão ocupando ilegalmente terras públicas – terras que são de todos os brasileiros, inclusive de vocês, caros leitores – e destruindo a flora e a fauna. Mas esse governo recompensa os criminosos por meio da impunidade e da isenção de multas. Não é à toa que o próprio ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tem seus problemas com a Justiça. Em 2018, ele foi condenado em São Paulo por improbidade administrativa. Este ano, é investigado e teve o sigilo bancário quebrado pelo Ministério Público de SP. Existe suspeita de crimes de sonegação e lavagem de dinheiro. O MP divulgou que o ministro teria enriquecido R$ 7,4 milhões em cinco anos atuando no governo do estado.

Outro exemplo é o recentemente demitido ministro do Turismo, Marcelo Álvaro. A PF já o indiciara em 2019 como chefe do esquema de laranjas do PSL. A PF pediu que ele fosse condenado por três crimes. Mas ele continuou no governo até este dezembro. Foi demitido por uma briga interna no gabinete e não por corrupção. Mesmo assim, o presidente e seus seguidores repetem incansavelmente que não existe corrupção neste governo. Não existe para quem não quer ver.

Família se apodera do Estado

Basta olhar para a própria família do presidente. Parece que está tentando privatizar o Estado brasileiro para colocá-lo aos seus interesses. Nisso não é muito diferente da sempre tão criticada Venezuela, onde uma pequena elite corrupta sequestrou o Estado e o está usando para seus interesses. O caso do filho Renan Bolsonaro, o 04, que utilizou gratuitamente, em benefício da sua empresa, uma produtora que presta serviços ao governo federal, também poderia ter acontecido por lá. É coisa de republiqueta de bananas.

Assim como o caso Flávio Bolsonaro, que segundo o Ministério Público por anos roubou dinheiro público e também tinha uma proximidade surpreendente com a máfia do Rio. Para ser bem claro: Flávio Bolsonaro, filho do presidente, é acusado de ter roubado o dinheiro dos seus impostos, caros leitores! Mas o aparato estatal do Brasil (também financiado com seus impostos) agora o ajuda a se defender dessa investigação: para esse fim, foi usado o serviço secreto, a Abin. A Abin serve, segundo sua própria descrição, "para garantir a segurança da sociedade e do Estado brasileiro". Não deve resolver problemas pessoais dos filhos do presidente.

Em países normais, tudo isso daria origem a uma crise de Estado. Mas no Brasil as coisas anormais viram normais. As pessoas já se habituaram aos roubos de terras públicas e aos enormes incêndios que a cada ano destroem um pouco mais da maravilhosa natureza do Brasil. Ministros "um pouco corruptos" são considerados normais. E, obviamente, o presidente acredita que ele e sua família estão acima da lei.

Que ele toda hora fale "besteiras" é até o menor dos males.

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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, ele colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais na Alemanha, Suíça e Austria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.

O presidente que calculava

Só cálculo político explica a atitude “conciliatória” de Jair Bolsonaro sobre vacinação, quando pesquisa mostrou queda de sua aprovação

 O presidente Jair Bolsonaro não é muito bom em fazer contas – não sabe dizer exatamente, por exemplo, quanto dinheiro o amigão Fabrício Queiroz depositou na conta da primeira-dama –, mas é craque em cálculo político. E foi por puro cálculo que Bolsonaro mandou seu ajudante de ordens Eduardo Pazuello, o intendente que nominalmente é ministro da Saúde, garatujar um assim chamado “plano” de vacinação contra a covid-19, apresentado com fingida pompa na quarta-feira, dia 16, no Palácio do Planalto – evento em que a única coisa autêntica era o Zé Gotinha.

Na encenação em que pretendia desempenhar o papel de chefe de Estado ciente de suas responsabilidades, Bolsonaro nem parecia o inconsequente que passou os últimos dias a desestimular os brasileiros de tomar vacina.

“É um momento muito feliz para todos nós, brasileiros”, discursou Bolsonaro a propósito do lançamento do tal “plano”. Seria mesmo, se se tratasse de algo que se assemelhasse a um planejamento concreto, mas o que foi apresentado é um amontoado de contradições e lacunas, que mais confundem que esclarecem.

É óbvio que a intenção de Bolsonaro nunca foi a de preparar o País para uma campanha de vacinação que ele sabota com denodo há muito tempo, para enfrentar uma pandemia que ele minimizou desde sempre. É preciso uma dose cavalar de polianismo para crer que o presidente tenha se tornado “conciliador” e subitamente mudado de ideia a respeito do que, até horas antes, demonstrava plena convicção.

Só o puro cálculo político explica sua atitude: no dia do anúncio do plano de vacinação, saiu uma nova pesquisa de opinião sobre Bolsonaro, e o resultado não poderia ser pior para o presidente. Sua aprovação caiu de 40%, em setembro, para 35%, agora, obviamente como resultado direto de sua péssima condução da crise.

Além disso, mas não menos importante, o anúncio do plano de vacinação foi feito na véspera do pagamento da derradeira parcela do auxílio emergencial. Destinado a socorrer os cidadãos que ficaram sem renda em razão da pandemia, foi justamente esse auxílio que havia dado algum impulso à popularidade de Bolsonaro; sem ele, milhões de brasileiros afundarão na pobreza.

Está claro que Bolsonaro, incapaz de ter empatia com qualquer um que não seja de sua família, não se preocupa nem com a saúde nem com a renda de seus compatriotas, a não ser na exata medida de seus objetivos eleitorais. O plano de vacinação, evidentemente improvisado, serve somente para dar aos brasileiros desarvorados alguma esperança de “volta à normalidade” no momento em que já não poderão contar com a ajuda federal.

Serve também para que Bolsonaro tente anular os eventuais ganhos políticos de seu principal desafeto, o governador paulista, João Doria, que mostrou mais agilidade na corrida pela vacina. Não à toa, no lançamento do tal plano de vacinação, ao qual Doria não compareceu, o presidente fez questão de destacar essa ausência logo no início de seu discurso e de dizer que os demais governadores ali presentes indicavam a “união para buscar a solução de algo que nos aflige há meses”.

Nesse seu tour de force de dissimulação, Bolsonaro ensaiou até um mea-culpa sobre seus “exageros”, mas disse que os cometeu, vejam só, “no afã de buscar solução”. E então emendou dizendo que “nós todos, irmanados, estamos na iminência de apresentar uma alternativa concreta para nos livrarmos desse mal” – contra o qual, até o dia anterior, Bolsonaro receitava cloroquina, seu elixir milagroso.

Mas a apoteose desse espetáculo burlesco coube ao ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. “Eu não vejo nada de errado no que está acontecendo (na condução do governo durante a pandemia) e, se tivesse visto, já teria corrigido”, disse o personagem. Para completar, citando a capacidade do Brasil de organizar programas de imunização, questionou: “Para que essa ansiedade, essa angústia?”.

De fato, se os mais de 180 mil mortos, os milhões de doentes e a economia em frangalhos não são motivos suficientes para angustiar os brasileiros, a perspectiva de mais dois anos desse inacreditável governo certamente é.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de São Paulo, em 18 de dezembro de 2020 

Guedes defende vacinação em massa e diz que retomada sustentada da economia depende de retorno seguro ao trabalho

Ministro da Economia participou de entrevista coletiva de fim de ano com jornalistas, no qual fez balanço de 2020 e divulgou projeções.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu nesta sexta-feira (18) a vacinação em massa da população brasileira para que a retomada da economia possa ocorrer de forma sustentada, ou seja, sem interrupções.

Segundo ele, a vacinação em massa é o "capítulo mais importante" na luta contra a Covid-19. As declarações foram dadas em entrevista coletiva de balanço de fim de ano.

O ministro afirmou só ser possível sustentar a recuperação econômica, baseada no consumo e em investimentos, após a imunização da população.

"Isso só será possível na medida em que nós tenhamos esse retorno seguro ao trabalho, e esse retorno seguro ao trabalho exige a vacinação em massa da população brasileira", declarou.

O ministro lembrou que o governo liberou R$ 20 bilhões para a compra de vacinas e disse ser preciso disponibilizar o imunizante de forma gratuita e voluntária. "Qualquer brasileiro pode escolher a vacina que ele quer tomar, não paga pela vacina, escolhe a vacina se quiser tomar", disse.

Segundo o ministro da Economia, o governo não pode usar a pandemia para eliminar a responsabilidade fiscal, ou seja, o controle das contas públicas. Ele avaliou que, até o momento, ainda não há indicação clara de que o país esteja em uma segunda onda de contaminações pela Covid-19.

"Se houver um revigoramento da pandemia, e uma segunda onda claramente indicada do ponto de vista da saúde, que é quem indica isso. Havendo isso, temos de ter uma ação tão fulminante e decisiva como houve antes", disse.

Guedes acrescentou, porém, que o "plano A" é retomar um ritmo mais forte para a economia, e encerrar o estado de calamidade pública no fim deste ano.

"Se não for essa a realidade, vamos ver o que fazemos. Aprendemos bastante. Vamos fazer o que deu certo. A grande esperança é a vacinação em massa, para permitir um retorno seguro ao trabalho, e a economia pode sustentar o voo que estava antes", afirmou.

Atraso na vacinação

Nesta quinta-feira (17), o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, avaliou que um eventual atraso na vacinação dos brasileiros poderá impactar o ritmo de retomada da economia.

Ele citou que o governo liberou R$ 20 bilhões para compra de vacinas e que nada indica que haverá um atraso no plano de vacinação.

"Se houver uma atraso de vacinação que implique em uma mobilidade menor, vai ter impacto na atividade econômica e nas variáveis de tomada de decisão. Hoje em dia, nada indica que isso vai acontecer. O governo acabou de anunciar uma MP [Medida Provisória] de R$ 20 bilhões [para vacinação da população]", disse Campos Neto.

Por Alexandro Martello e Guilherme Mazui, do G1 — Brasília

Mais 2 milhões de doses da vacina CoronaVac chegam a São Paulo

Governo de São Paulo recebeu nesta sexta-feira (18) novos lotes da vacina pronta. Produzida na China em parceria com o Instituto Butantan, a vacina está em fase final de testes e aguarda aprovação da Anvisa.


Avião com mais 2 milhões de doses da vacina CoronaVac pousa em São Paulo

O governo de São Paulo recebeu mais dois milhões de doses da vacina CoronaVac na manhã desta sexta-feira (18).

A vacina é produzida pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com o Instituto Butantan. O avião que transportava o imunizante pousou no Aeroporto Internacional de Guarulhos por volta das 6h26.

A CoronaVac está na terceira fase de testes e sua eficácia precisa ser comprovada antes da liberação pela Anvisa.


Lote com mais 2 milhões de doses da vacina CoronaVac chegam a SP — Foto: Reprodução/TV Globo

Essa é a terceira remessa de encomendas, a segunda de material pronto. No começo do mês, o governo paulista recebeu 600 litros de matéria-prima, carga de insumos para produzir até 1 milhão de doses da vacina.

O governador João Doria (PSDB) esteve no local para acompanhar a chegada do lote, ao lado do diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, e do secretário estadual da Saúde, Jean Gorinchteyn.

“Agora com a chegada desses 2 milhões, temos 3 milhões e 120 mil doses já em solo brasileiro sendo processada pelo Instituto Butantan”, disse Doria nesta manhã.


Novo lote de vacinas prontas chega a SP nesta sexta (18) — Foto: Reprodução/TV Globo

“Até 15 de janeiro teremos 9 milhões de doses prontas para uso. Então é a primeira vacina em solo nacional, a primeira vacina que está sendo produzida no Brasil e na América latina. E essa é a nossa função: trazer as vacinas para que elas possam ser usadas o mais rapidamente possível”, afirmou o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas.

Registro emergencial

Nesta quinta-feira (17), o governo de São Paulo disse que mudou novamente de estratégia para conseguir a aprovação da CoronaVac e que também vai solicitar o registro para uso emergencial à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Na segunda-feira (14), o governador João Doria (PSDB) havia dito que o instituto pretendia solicitar apenas o registro definitivo da vacina, e não o emergencial.

De acordo o diretor do Butantan, Dimas Covas, uma nova correspondência do Ministério da Saúde recebida pelo governo estadual mostra que a pasta tem interesse na vacina autorizada pela Anvisa, e não apenas na vacina com registro definitivo.

Ainda segundo o governo, o pedido na Anvisa deve ser feito simultaneamente à apresentação do estudo conclusivo.

A solicitação será levada também à NMPA (National Medical Products Administration), instituição chinesa responsável pela regulação de medicamentos.

Número de infectados

O governo afirma que a fase 3 dos testes no Brasil registra 170 voluntários contaminados. O estudo conclusivo vai medir a taxa de eficácia do imunizante comparando quantos receberam placebo e quantos tomaram a vacina. A taxa mínima recomendada pela própria Anvisa é de 50% como parâmetro de proteção.

"A decisão de concluir o estudo ocorre após os cientistas terem sinalizado que o número mínimo necessário de 151 voluntários infectados já foi ultrapassado. Hoje a fase três da vacina do Butantan já tem 170 voluntários infectados, incluindo os grupos vacinados e placebo", afirmou o governador João Doria (PSDB) em coletiva de imprensa nesta semana.

Envase

Na última quarta-feira (10), o instituto começou o processo de envase da vacina a partir da matéria-prima importada da China.

Segundo o governo paulista, o processo de envase começou a ser realizado no dia 9 de dezembro, na fábrica do Butantan, que tem 1.880 metros quadrados, e contará com o reforço de 120 novos profissionais, além dos 245 que normalmente atuam no instituto. Além disso, o Butantan passa a funcionar 24 horas por dia.

Por G1 SP — São Paulo, em  18/12/2020 06h33  Atualizado há 2 horas

Vacina deve ser do povo, diz secretário-geral da ONU

Na Alemanha, António Guterres faz duro discurso, condena "vírus da desinformação" e diz que populismo ignora a ciência e desorienta as pessoas. Ele defende que imunizante deve ser tratado como bem público.


Secretário-geral da ONU, António Guterres discursa no Bundestag junto a chanceler Angela Merkel e autoridades

O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, lançou nesta sexta-feira (18/12) um apelo aos países ricos para que apoiem os mais pobres na aquisição de vacinas e no combate à pandemia de covid-19.

Em pronunciamento ao Parlamento alemão na ocasião dos 75 anos da fundação da ONU, Guterres enfatizou que o mundo precisa assegurar que a imunização contra o coronavírus esteja disponível "para todos, em toda parte" e que as vacinas sejam tratadas como um bem público

Em Berlim, o português exaltou o papel da Alemanha na luta contra a doença e os pesquisadores da empresa alemã de biotecnologia Biontech, que, em parceria com a farmacêutica americana Pfizer, disponibilizou no mercado a primeira vacina contra a doença.

Combate ao "vírus da desinformação”

"Nosso objetivo agora é assegurar que as vacinas seja tratadas como um bem público, acessível e pagável para todos”, destacou. "Uma vacina do povo.”

Guterres disse que a ONU está comprometida a fornecer informações e aconselhamento confiável, "orientada pela ciência, baseada em fatos", de modo a aumentar a confiança nas vacinas e combater o que chamou de "vírus da desinformação”.

"Em todo o mundo, vimos como o populismo ignora a ciência e desorienta as pessoas. Desinformação, mitos e teorias selvagens da conspiração estão sendo propagadas", alertou.

Guterres destacou que a iniciativa Covax Facility, criada para garantir o acesso dos países mais pobres às vacinas e apoiado pela ONU, necessita de 5 bilhões de dólares até ao final de janeiro de 2021. No total, o programa, ao qual também o Brasil já formalizou sua adesão, precisará de pelo menos de 20 bilhões de dólares para cumprir seus objetivos, lembrou o secretário-geral da ONU.

"Ao mesmo tempo, vejo países que compraram vacinas em volume várias vezes superior às respetivas populações, ou pelo menos fizeram ofertas nesse sentido", observou Guterres, exortando os governos a doarem as doses em excesso à iniciativa Covax.

A Covax é o principal sistema global para garantir que os países de renda baixa e média tenham acesso às vacinas. O programa pretende distribuir pelo menos 2 bilhões de doses até ao final de 2021 de forma a imunizar 20% das pessoas mais vulneráveis em 91 países pobres, principalmente na África, Ásia e América Latina.

Alemanha como "força para a paz”

Guterres enalteceu o governo da chanceler federal Angela Merkel. Ele afirmou que seu "racionalismo, firmeza, compaixão e sabedoria" guiaram a Alemanha através da pandemia: "Louvo seus passos imediatos e decisivos orientados pela ciência, com dados e ações locais  que suprimiram a transmissão do vírus e salvaram vidas.”

Ele afirmou que os alemães têm motivos para estar "muito orgulhosos de suas conquistas" e enalteceu o país como uma "força para a paz” e um "pilar do multilateralismo”.

"Como secretário-geral, testemunho diariamente o modo como a Alemanha, com sua profunda consciência histórica e responsabilidade, desempenha papel de liderança no mundo", afirmou, discursando em alemão. "Vejo como a Alemanha enfrenta os desafios de nosso tempo”, observou.

Após a visita ao Bundestag, Guterres manteve reuniões com Merkel e o presidente alemão, Frank-Walter Steimeier.

Deutsche Welle, em 18.12.2020

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Governo não tem nenhuma previsão para ter vacinas, exceto a CoronaVac

Ministério da Saúde não tem dados

Poder360 enviou lista de perguntas

Não se sabe quando haverá vacina

Ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e o presidente Jair Bolsonaro durante a apresentação do plano nacional vacinação contra a covid-19, no Palácio do PlanaltoSérgio Lima/Poder360 - 16.dez.2020

Essa reportagem foi atualizada em 17.dez.2020 às 14h42 com o cronograma informado pela Fiocruz e depois às 15h50 com declarações do ministro da Saúde e do Instituto Butantan.

O Ministério da Saúde não tem nenhuma informação clara sobre quais e quantas doses de vacinas o Brasil terá nos meses de janeiro e fevereiro de 2021. Considerando as doses já adquiridas em contrato, a data mais próxima estipulada pelo governo é até o início do 2º semestre de 2021 (sem especificar o mês exato).

Mesmo no caso da CoronaVac (desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac e produzida pelo Instituto Butantan, em São Paulo), não há informações específicas sobre data em que as doses estarão disponíveis para o Ministério da Saúde.

O mais provável é que o governo federal só comece a ter vacinas de outros fabricantes em quantidade mais elevada em algum momento no final do 1º trimestre de 2021, na melhor hipótese –mas mesmo isso é incerto. Só a CoronaVac tem maior probabilidade de ser colocada à disposição do Ministério da Saúde ainda em janeiro –embora tampouco se saiba em que volume.

No memorando de entendimento com a Pfizer, que antecede a assinatura do contrato, estão estipuladas 2 milhões de doses até março –o Brasil tem 212 milhões de habitantes. A quantidade é insuficiente até para completar a 1ª etapa de vacinação dos grupos prioritários, quando cerca de 14 milhões de pessoas serão imunizadas.

A pasta argumenta que o cronograma só poderá ser detalhado depois que um dos imunizantes for aprovado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Nenhum desenvolvedor ainda pediu o registro formal junto à agência nem autorização para uso emergencial.

Em  outros países, os contratos de compra foram firmados antes de as vacinas estarem prontas. A capacidade de fabricação da indústria farmacêutica está toda comprometida por vendas já acertadas com Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e outras nações.

Apesar de não ter data exata para receber os imunizantes desenvolvidos pelas farmacêuticas, o ministro Eduardo Pazuello (Saúde) declarou na 4ª feira (16.dez.2020) que o governo espera ter “as vacinas em meados de fevereiro” para começar a vacinação. Foi uma frase solta, sem dar detalhes a respeito.

“Se mantido o que o Instituto Butantan e a Fiocruz previam, ou seja, se a fase 3 dos estudos e toda a documentação das fases 1 e 2 forem apresentadas e os registros das vacinas forem solicitados à Anvisa ainda em dezembro, nós, possivelmente, teremos as vacinas em meados de fevereiro para dar início ao plano [de imunização]”, afirmou o ministro da Saúde no lançamento do Plano Nacional de Operacionalização da Vacina contra a covid-19.

O Poder360 questionou a possibilidade de estabelecer um cronograma de entregas a partir da data de aprovação das vacinas, estipulando a estimativa de doses a serem entregues pelos desenvolvedores mês a mês. O Ministério informou que “não tem essa informação para divulgar”.

ACORDOS FECHADOS

O governo federal só tem 2 contratos formalizados até o momento: com a farmacêutica AstraZeneca (que desenvolveu a vacina em parceria com a universidade de Oxford) e com o Covax, um tipo de consórcio internacional de aquisição de vacinas sob a alçada da OMS (Organização Mundial de Saúde).

O governo fechou uma encomenda tecnológica com a AstraZeneca em setembro (arquivo do contrato de 9,8 MB). A Fundação Fiocruz irá produzir 100,4 milhões de doses com insumos importados da AstraZeneca, e depois fabricará mais 110 milhões de doses de forma independente.

De acordo com o Ministério da Saúde, as primeiras 100,4 milhões de doses poderão ser entregues até julho de 2021.

Ou seja, o prazo da AstraZeneca é mais amplo que o estipulado pelo Ministério da Saúde para vacinar os grupos prioritários (junho de 2021). Pior ainda: a empresa teve problemas no desenvolvimento de sua vacina e não há um prazo certo para que possa ter o registro e de fato começar a produzir as doses.

A AstraZeneca sofreu atrasos na fase de testes por causa de um erro metodológico. Aplicou, por engano, meia dose da vacina em parte dos voluntários e depois uma dose completa. A pesquisa estipulava a aplicação de duas doses inteiras.

Depois da divulgação desta reportagem, a Fiocruz entrou em contato com o Poder360 e apresentou mais detalhes sobre o cronograma de entregas. Disse que deve disponibilizar 30 milhões de doses em fevereiro. De março a julho, serão entregues cerca de 15 milhões de doses por mês, até completar as 100,4 milhões de doses previstas na 1ª etapa.

As outras 110 milhões de doses serão entregues entre agosto e dezembro de 2021. Ainda não foi detalhado um cronograma mensal para essas doses.

No caso da Covax, foram adquiridas 42,5 milhões de doses. Mas ainda não está definido sequer qual será o desenvolvedor desse lote de imunizantes. De acordo com o próprio governo, também não há cronograma para a entrega das doses.

EM NEGOCIAÇÃO

O Ministério da Saúde assinou memorando de entendimento com o Instituto Butantan, Bharat Biotech, Moderna, Gamaleya (desenvolvedora da Sputnik V), Pfizer/BioNTech e Janssen. É uma etapa das negociações.

Para esses casos, a Saúde informou que não pode divulgar estimativas de doses, custos e cronograma de entregas. Disse que as informações são “sigilosas” e só poderão ser divulgadas quando os contratos forem assinados. Não há uma explicação sobre por que uma informação de tanto interesse público teria de ser mantida em sigilo.

Contudo, a pasta chegou a divulgar uma estimativa de doses para acordos com a Pfizer e Janssen. Questionada sobre a prazos mais específicos, não detalhou.

O QUE DIZ O MINISTÉRIO DA SAÚDE

O Poder360 perguntou por prazos específicos de compra e de distribuição das vacinas. O Ministério da Saúde respondeu com um trecho do plano de vacinação (10 MB) divulgado nesta 4ª feira (16.dez).

Eis as perguntas encaminhadas pelo Poder360 aos assessores do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello:

Exceto a CoronaVac, com qual vacina o país pode contar para comprar até final de fevereiro?

Se há outros contratos firmados para compra de vacinas (após certificação pela Anvisa), quais são essas vacinas, quais quantidades foram pré-contratadas e quando se espera a chegada desses lotes ao Brasil?

O Poder360 pode ter acesso aos contratos ou pré-contratos que foram assinados com fabricantes de vacinas para fornecimento ao governo federal?

Eis a íntegra da resposta (grifos do Poder360):

“Encomenda tecnológica – Fiocruz/AstraZeneca – 100,4 milhões de doses, até julho/2021 e em torno de 110 milhões de doses (produção nacional) entre agosto e dezembro/2021;

Covax Facility – 42,5 milhões de doses (laboratórios ainda estão negociando com a Covax Facility o cronograma de entrega);

Memorandos de entendimento – são não vinculantes e expõem a intenção de acordo, podendo sofrer alterações de cronograma e quantitativos a serem disponibilizados, com: Pfizer/BioNTech, Janssen, Instituto Butantan, Bharat Biotech, Moderna, Gamaleya;

Instituto Butantan e farmacêuticas Bharat Biotech, Moderna, Gamaleya e Janssen – solicitadas informações de preços, estimativa e cronograma de disponibilização de doses, dados científicos dos estudos de fase I, II e III;

Pfizer/BioNTech – 70 milhões de doses, sendo 8,5 milhões de doses até junho de 2021. Dessas, 2 milhões de doses previstas para o 1ª trimestre, 6,5 milhões no 2º trimestre. Outras 2 milhões no 3º trimestre e 29,5 milhões no 4º trimestre,

Janssen – 38 milhões de doses – 3 milhões de doses no 2º trimestre de 2021, 8 milhões no terceiro trimestre de 2021, 27 milhões no quarto trimestre de 2021.”

PAZUELLO DIVULGA PRAZOS

O Ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, participou de audiência com senadores nesta 5ª feira (17.dez.2020). Horas depois da publicação desta reportagem, ele deu informações que, de acordo com seus assessores, não estavam disponíveis no dia anterior.

De acordo com o ministro, são esperadas 24,7 milhões de doses em janeiro. Mas, ao detalhar as quantidades, só citou 24,5 milhões, dos seguintes fornecedores:

15 milhões de doses da vacina da AstraZeneca;

9 milhões doses da CoronaVac, produzida pelo Instituto Butantan;

500 mil doses da vacina da Pfizer.

O cronograma disponibilizado pela FioCruz –responsável pela entrega das vacinas da AstraZeneca, como explicado acima– não estipula entregas até fevereiro.

Reprodução/Fiocruz

Além disso, de acordo com o próprio governo, as negociações com o Instituto Butantan e a Pfizer ainda estão em aberto e que o número de doses e datas de entrega podem variar. Declarações de Pazuello e de responsáveis pelo Butantan nesta 5ª feira indicam que o governo federal está próximo de fechar um acordo de compra para a CoronaVac.

Segundo Dimas Covas, diretor do instituto, a expectativa é que, em 15 de janeiro, o Butantan tenha 9 milhões de doses e no começo de fevereiro, 22 milhões de doses. Além de mais 15 milhões de doses no início de março.

“Esse foi o cronograma que foi solicitado pelo Ministério da Saúde nesta semana. Nós recebemos uma nova correspondência, reforçando o pedido que foi feito em setembro e, na sequência, uma manifestação do Ministério de que há interesse na aquisição destas vacinas desde que autorizadas pela Anvisa”, afirmou.

De acordo com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), o ministro da Saúde se comprometeu a comprar 45 milhões de doses da CoronaVac.

Publicado originalmente pelo PODER360, em 17.dez.2020 (quinta-feira) - 6h00 / atualizado: 17.dez.2020 (quinta-feira) - 15h51.

STF dá aval para Estados e municípios imporem restrições a quem não se vacinar contra covid

A medida, contudo, não significa vacinação à força, sem o consentimento do paciente. Estados e municípios poderão impor restrições para quem se recusar a ser vacinado

O ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso. Foto: Dida Sampaio / Estadão

Em um revés para o Palácio do Planalto, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira a favor da vacinação obrigatória contra o novo coronavírus. Por 10 a 1, o tribunal entendeu que Estados e municípios podem decidir sobre a obrigatoriedade da imunização e até mesmo impor restrições para quem se recusar a ser vacinado. A medida, contudo, não significa vacinação à força, sem o consentimento do indivíduo.

Na prática, o STF deu a Estados e municípios de todo o País o poder de definir as sanções contra os indivíduos que não queiram ser vacinados, desde que sejam medidas razoáveis – e amparadas em leis. A carteira de vacinação em dia já é exigida, por exemplo, para matrícula em escolas, concursos públicos e pagamento de benefícios sociais.

Integrantes da Corte ouvidos pela reportagem comparam a controvérsia com a questão do voto: ele é obrigatório no Brasil, mas o eleitor não é forçado a comparecer à seção eleitoral. No entanto, se o eleitor não vota e não justifica a ausência, está sujeito a sanções. A lógica em torno do imunizante contra o novo coronavírus seria semelhante: impor restrições a quem se recusa a se vacinar.

O julgamento foi concluído em um momento em que o presidente Jair Bolsonaro trava uma disputa política com governadores pelo protagonismo envolvendo a imunização da população. Mais uma vez, o STF tem atuado como poder moderador de conflitos para fazer frente à inércia do governo federal no enfrentamento da pandemia – e às posições do chefe do Executivo, que menospreza o imunizante e já se colocou contra a vacinação obrigatória.

“O Estado pode, em situações excepcionais, proteger as pessoas mesmo contra a sua vontade. A vacinação é importante para a proteção de toda a sociedade, não sendo legítimas escolhas individuais que afetem gravemente direitos de terceiros. É legítimo impor o caráter compulsório de vacinas que tenha registro em órgão de vigilância sanitária e em relação à qual exista consenso médico-científico”, disse o ministro Luís Roberto Barroso, o segundo a votar no julgamento, iniciado na última quarta-feira.

Barroso ressaltou que a expressão vacinação obrigatória não significa que alguém poderá ser imunizado à força, com recurso a algum tipo de coação ou violência física pelos agentes de saúde.

“O que decorre desse caráter compulsório é a possibilidade de a exigência da vacinação constituir condição para a prática de certos atos (como a matrícula em escola) ou para a percepção de benefícios (como recebimento de Bolsa Família), ou que sejam aplicadas penalidades em caso de descumprimento da obrigação. Qualquer condição ou sanção, para ser válida, deverá observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, estando sempre sujeita ao crivo judicial”, frisou.

Em evento em Porto Seguro, na Bahia, Bolsonaro  atribuiu a vacinação obrigatória a ditaduras. “Não podemos obrigar. Aqui nós vivemos numa democracia, pô”, disse o presidente em discurso. “Se o cara não quer ser tratado, que não seja. Eu não quero fazer uma quimioterapia e vou morrer, o problema é meu. Aqui não é Venezuela, aqui não é Cuba. E não temos ditadura aqui, como a imprensa cansa de alardear. Não persegui gays, não persegui mulheres, não persegui nordestinos, não persegui negros, liberdade total.”

Números.

Ao concordar com a vacinação compulsória contra a covid-19, o ministro Alexandre de Moraes destacou os efeitos da pandemia no Brasil, onde mais de 7 milhões de brasileiros já foram infectados.

“A preservação da vida, da saúde, seja individual, seja pública, em país como Brasil com quase 200 mil mortos pela Covid-19, não permite ao tratarmos desse tema, e por isso a importância dessa corte defini-lo, não permite demagogia, hipocrisia,  ideologias, obscurantismo, disputas político eleitoreiras e principalmente não permite ignorância”, afirmou Moraes.

O ministro também criticou discursos radicais e obscurantistas contra os imunizantes. 

“São as mesmas pessoas – e por isso é importante afastar a hipocrisia da discussão que ao defender que o indivíduo possa fazer o que bem entender contra a saúde pública -, que não se importam em correr pra tomar vacina de febre amarela, se submeter sem qualquer reclamação a revistas pessoais ou scanners em aeroportos e viajar ao exterior e ir a paraísos exóticos”, apontou.

Para a ministra Cármen Lúcia, o “egoísmo não é compatível com a democracia”. “A Constituição não garante liberdade a uma pessoa para ela ser soberanamente egoísta. É dever do Estado, mediante políticas públicas, reduzir riscos de doenças e outros agravos, adotando as medidas necessárias para proteger a todos da contaminação de um vírus perigoso”, disse a ministra. Marco Aurélio Mello concordou. “Vacinar-se é um ato solidário”, disse.

Indicado ao STF pelo presidente Jair Bolsonaro, o ministro Nunes Marques concordou com os colegas no sentido de que Estados e municípios podem instituir a obrigatoriedade da vacina, mas colocou uma série de requisitos para a medida entrar em vigor.

Nunes Marques exigiu que o Ministério da Saúde fosse ouvido e frisou que a vacinação compulsória deveria ser a “última medida de combate” contra o novo coronavírus,  após campanha de vacinação e “esgotamento de todas as formas menos gravosas de intervenção sanitária”. O ministro acabou isolado nesses pontos.

Derrotas.

Ao longo dos últimos meses, o Supremo tem imposto uma série de derrotas ao governo federal em questões referentes à pandemia. O STF já contrariou Bolsonaro ao garantir a Estados e municípios o direito de decretar medidas de isolamento social para combater à disseminação da covid-19. O tribunal também obrigou o Ministério da Saúde a divulgar, integralmente, os números de mortos e infectados pela doença.

Nesta quinta-feira, em uma decisão individual, o ministro Ricardo Lewandowski autorizou governadores e prefeitos de todo o País a adquirir vacinas registradas por autoridades sanitárias estrangeiras, caso a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não dê aval ao imunizante estrangeiro dentro de um prazo de 72 horas. A medida pode ser tomada em caso de descumprimento do plano nacional de vacinação por parte do governo federal.

A Anvisa alega que a lei prevê o prazo de 72 horas para que dê aval ou não ao uso no País de imunizantes para a covid-19 registrados pelas autoridades sanitárias dos Estados Unidos, Europa, China ou Japão. O aval automático para a entrada dos produtos só será dado se a agência não se manifestar nesse prazo, segundo a Anvisa.

O órgão não estipula o mesmo prazo no caso em que estas vacinas obtenham apenas a autorização emergencial para uso naqueles países. O imunizante da Pfizer, por exemplo, obteve apenas este aval emergencial nos EUA e no Reino Unido, onde já começou a ser utilizado. O pedido à Anvisa para importar e distribuir uma vacina já registrada em outro país só pode ser feito pelas fabricantes. Ou seja, um governador não pode tomar essa iniciativa.

Rafael Moraes Moura, de Brasília para O Estado de São Paulo. Colaboraram Mateus Vargas e Emilly Behnke

O demolidor da República e seus cúmplices

Na sua empreitada para arruinar a República, Bolsonaro conta com comerciantes da Ceagesp, policiais, militares e o Centrão
 
Desde sua posse, mas especialmente em meio à pandemia de covid-19, o presidente Jair Bolsonaro não se comportou em nenhum momento como se soubesse o que fazer com o poder que os eleitores lamentavelmente lhe conferiram em 2018. Bolsonaro não preside a República; depreda-a – e nisso é coadjuvado não somente pelos fanáticos camisas pardas bolsonaristas, mas por muitos brasileiros comuns que, por ignorância do que vem a ser uma República, respaldam a vandalização da Presidência e, por extensão, da própria democracia.

Já não é mais possível saber qual dos atentados de Bolsonaro foi o mais grave nos dois anos de seu tenebroso governo, mas a terça-feira passada é forte candidata a entrar para a história como o dia em que o presidente declarou guerra a seus governados. Jamais houve nada parecido com isso em tempos democráticos.

Bolsonaro deu declarações em que explicitamente desencorajou seus compatriotas de tomar a vacina contra a covid-19, fazendo terrorismo acerca de eventuais efeitos colaterais. No dia anterior, Bolsonaro havia informado que, diante das ressalvas dos laboratórios, exigirá de quem queira tomar a vacina a assinatura de um “termo de responsabilidade”. Ele mesmo anunciou que não tomará a vacina, “e ponto final”.

Desde o início da pandemia, a única preocupação de Bolsonaro é livrar-se de qualquer responsabilidade, seja sobre as mortes, seja sobre os problemas econômicos. Mas atribuir aos próprios cidadãos uma responsabilidade que é inteiramente do Estado constitui desfaçatez inaudita até para este governo. Para ser aplicada, qualquer vacina precisa ser autorizada pelos órgãos sanitários competentes, que nesse ato reconhecem sua responsabilidade. Assim, não há nenhuma base jurídica para exigir dos cidadãos um termo de consentimento diante dos supostos riscos.

Mas Bolsonaro nunca esteve preocupado com bases jurídicas ou quaisquer outros pormenores republicanos. Perdeu-se a conta de quantas medidas provisórias, decretos e projetos de lei produzidos por ordem de Bolsonaro foram ignorados, suspensos ou rejeitados pelo Congresso e pelo Supremo Tribunal Federal por não atenderem aos requisitos mínimos de legalidade e interesse público.

O desdém de Bolsonaro pela República que lhe coube presidir é tamanho que, para ele, nem mesmo sua assinatura vale o papel em que foi escrita. Seu nome chancela o Decreto 10.045, de 4 de outubro de 2019, que determina a inclusão da Ceagesp no Programa Nacional de Desestatização. Contudo, esse mesmo signatário, em tom de comício, subiu num palanque na Ceagesp, na terça-feira passada, para garantir que “nenhum rato” privatizará a companhia. Referia-se, obviamente, ao governador paulista e principal desafeto, João Doria.

Tampouco o princípio republicano da impessoalidade resistiu à ofensiva bolsonarista para aparelhar o Estado com apaniguados a serviço do presidente e de seus filhos. A Procuradoria-Geral da República, a Polícia Federal e a Agência Brasileira de Inteligência são hoje comandadas por leais servidores de Bolsonaro, que parecem empenhados em tranquilizar o chefe e sua prole enrolada na Justiça.

Assim, na sua empreitada para arruinar a República, Bolsonaro conta com vários outros cúmplices – como os comerciantes que se aglomeraram sem máscara e urraram de excitação com o discurso virulento de Bolsonaro na Ceagesp, os policiais e os militares que o tratam como “mito” em eventos País afora e os políticos do Centrão que lhe dão guarida parlamentar em troca de acesso ao butim do Estado. 

Confortável, Bolsonaro abandonou de vez a fantasia reformista que inventou para se eleger e anunciou que retomará sua agenda deletéria, a começar pela nova tentativa de ampliar a excludente de ilicitude para policiais, um projeto já rejeitado pela Câmara por constituir evidente licença para matar. 

Defender que policiais fiquem fora do alcance da lei para que possam matar à vontade, bem como sabotar os esforços para vacinar a população contra a covid-19, são atitudes típicas de um presidente que, hostil aos princípios republicanos, trata todos os cidadãos da República – com exceção dos que levam seu sobrenome – como inimigos em potencial.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
17 de dezembro de 2020 

Com só 1/3 da população em isolamento, Brasil volta a registrar mil mortes pela covid em um dia

Alta de óbitos pela doença tem sido puxada por Estados do Sul e do Sudeste; números vão na contramão da fala do presidente Jair Bolsonaro, que disse ver a pandemia no 'finalzinho'

O Brasil voltou a registrar nesta quinta-feira, 17, um total de 1.054 mortes pela covid-19 em apenas 24 horas - o País não superava o patamar dos mil registros diários desde setembro. O avanço de infectados, de internações e óbitos pelo novo coronavírus ocorre no momento em que se multiplicam as cenas de ruas, lojas e praias lotadas e só 1/3 da população mantém o isolamento social. Especialistas esperam ainda uma 'explosão' de casos após as festas de fim de ano.

Pesou no balanço de mortes desta quinta o represamento de dados de São Paulo ocorrido na quarta, 16, em que o Estado não computou dados na plataforma do Ministério da Saúde – e registrou 399 óbitos de uma só vez nesta quinta. Mas, nos dois dias anteriores, o total de registros em um dia já havia ficado acima de 900, segundo o consórcio de Estadão, G1, O Globo, Extra, Folha e UOL, que coleta dados das secretarias de saúde.


Comércio de rua na cidade de São Paulo. Foto: Werther Santana/Estadão

A alta tem sido puxada por regiões do Sul, como Paraná e Santa Catarina, e do Sudeste, como o Rio, onde gestores veem os hospitais com UTIs perto do limite. A tendência crescente de vítimas vai na contramão do discurso do presidente Jair Bolsonaro, que chegou a citar semana passada que estávamos no “finalzinho” da pandemia.

Já os indicadores de isolamento são verificados diariamente pelo Monitor Estadão/Inloco. Desde o início da pandemia, a maior taxa média de isolamento foi registrada em 22 de março, quando foram adotadas as medidas mais rígidas por governadores e prefeitos: 62,2% dos brasileiros estavam recolhidos em suas casas. Nove meses depois, são 35,8% –metade dos 70% apontados por especialistas como necessários para frear a transmissão do vírus.

Nesta quinta-feira, 17, o Observatório Covid-19 BR, que reúne pesquisadores, publicou nota afirmando que “há uma clara e forte tendência de crescimento de casos, internações e óbitos por covid-19 em quase todo o País, especialmente nos Estados do Sul e Sudeste”.  Maria Rita Donalísio, médica epidemiologista da Unicamp e membro do grupo, defende recuar o quanto antes as medidas de flexibilização da quarentena. 

“O aumento no número de leitos é muito importante, mas não é suficiente porque não interfere na incidência da doença e no número de casos. É o caso de já pensarmos no fechamento desses locais onde a disseminação é maior, como festas, bares, shows, aglomerações nas praias, viagens etc.”, observa.  A pesquisadora aponta que Estados e municípios também precisam de uma ação coordenada para aumentar as testagem. “Não podemos esperar muito do governo federal”, observa. 

Dante Senra, cardiologista e intensivista da USP, partilha da mesma ideia. “Toda essa situação é impulsionada por um discurso negacionista de quem deveria liderar a nação”, critica.  Senra aponta ainda que, com a chegada do verão, Natal e réveillon, o Brasil caminha para repetir em meados de janeiro o mesmo fenômeno que ocorreu nos Estados Unidos após as celebrações de Ação de Graças, em 26 de novembro.

Ainda na quarta-feira, 16, o País bateu o recorde diário com mais de 240 mil casos e 3,5 mil mortes em apenas 24 horas. “As pessoas, a meu ver, se cansaram da pandemia e têm uma ideia de ‘se não pegou até agora, não pega mais’. O problema é que nos EUA eles já começam a vacinar nas próximas semanas e nós não temos perspectivas disso ainda.”

O grupo Infogripe, da Fiocruz, monitora casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) no País. De todos os casos de SRAG registrados este ano, 97,8% foram covid. Há tendência de alta de SRAG em ao menos uma macrorregião de Saúde de 21 Estados, diz Marcelo Gomes, coordenador do Infogripe. 

Rio tem vaga por UTI

Especialistas também alertam para o risco de subnotificação. “Quando analisamos apenas casos hospitalizados, isso depende de quanto você já ocupou da oferta. Não significa necessariamente que a transmissão caiu, mas que não há mais leitos para ocupar. A internação depende do total de vagas”, diz Ana Freitas, sanitarista do Hospital Emílio Ribas. 

No Rio de Janeiro, por exemplo, pacientes têm relatado problemas para conseguir vaga em UTI nas últimas semanas. No Rio, a ocupação de leitos de UTI do SUS para covid – leitos municipais, estaduais e federais – era de 92% nesta quinta e 195 pessoas esperavam vaga na cidade e na Baixada Fluminense. 

Ana Freitas, do Emílio Ribas, destaca a urgência em abrir novos leitos, mas diz que isso não irá resolver o problema da alta de casos e mortes. “Essa medida de ampliação dos leitos tem que ser rápida, porque quando aumenta os casos graves na ponta é porque a transmissão está muito intensa. Mas isso só se reverte se aumentar o distanciamento social, não tem outra balança.” 

João Ker e Marcio Dolzan, de O Estado de São Paulo, em 17.12.2020


Um Trump cada vez mais só disputa o pulso sobre o poder republicano: "As pessoas estão com raiva!"

O presidente ataca o líder da maioria no Senado, Mitch McConnell, depois de reconhecer a vitória de Joe Biden. 

á abandonado pela cúpula de seu partido e esmagado suas fantasias pelo avanço implacável do processo democrático, o presidente Trump está cada vez mais sozinho em sua tentativa de se apegar ao poder que foi tirado dele pelas urnas em 3 de novembro. "O Partido Republicano deve de uma vez por todas aprender a lutar. As pessoas estão com raiva!", seguiu o poderoso senador Mitch McConnell, depois de finalmente reconhecer a vitória de Biden. Com o confronto entre os dois titãs republicanos abrindo, apenas 20 dias após a decisão da maioria do Senado na Geórgia, a inevitável batalha pelo controle de um partido transformado em Trump.

A ofensiva incomum para tentar reverter a vitória do democrata Joe Biden na eleição de 3 de novembro é agonizante. Meia centena de processos fracassados. Nem o Departamento de Justiça, nem a própria Suprema Corte, encontraram qualquer base para perseguir a fraude quimrica em massa alegada pelos perdedores. O Colégio Eleitoral confirmou Biden como presidente eleito na segunda-feira. Os pesos pesados do Partido Republicano começaram a parabenizar Biden por sua vitória. Na terça-feira, o próprio Mitch McConnell, líder da maioria no Senado, o republicano mais poderoso do Capitólio, disparou o tiro de graça ao reconhecer, pela primeira vez, a vitória do democrata. Ele pediu aos outros senadores republicanos que não apoiassem tentativas de rebelião, nem adicionassem manobras ilusórias de objeção à ratificação dos resultados em 6 de janeiro no Congresso. Mas na Casa Branca, cada vez mais sozinho, sem perterite, o presidente Trump ainda está em seus treze anos.

"Mitch, 75.000.000 votos, um recorde para um presidente em exercício (de longe). Muito cedo para desistir. O Partido Republicano deve de uma vez por todas aprender a lutar. As pessoas estão com raiva!" O presidente especulou em um tweet no início da manhã para McConnell, 14 horas depois que o senador disse de seu cargo que "o país oficialmente tem um presidente eleito e um vice-presidente eleito", em referência a Joe Biden e Kamala Harris, democratas com os quais ele compartilha a Câmara há anos.

A mensagem para McConnell esconde um aviso. O presidente vem atacando há semanas contra governadores estaduais e legisladores que não queriam entrar na carruagem bable e perigosa de sua cruzada, que se recusaram a subverter o processo eleitoral. Mas o ataque direto ao senador republicano mais poderoso, com menção expressa do apoio maciço que o presidente recebeu na eleição, que não foi suficiente para ele permanecer na Casa Branca, mas se tornou o segundo candidato mais votado da história (depois de Biden), tem um subtexto. Uma mensagem implícita para o segundo turno das eleições da Geórgia para as duas cadeiras do Senado, que são realizadas em 5 de janeiro e decidirão a maioria na câmara alta e, portanto, o próprio cargo de McConnell. Sem o apoio do presidente, e é por isso que McConnell seguiu o jogo até que sua dignidade política lhe permitiu, as batalhas apertadas da Geórgia poderiam chegar às árduas para os republicanos.

A realidade paralela das eleições roubadas, nas quais o presidente ainda está instalado e um círculo crescente de bajuladores, ainda não desapareceu. Seus rabos de cavalo podiam ser notados na quarta-feira no próprio Capitólio. O país foi alvo de um ataque cibernético estrangeiro maciço que a inteligência americana atribui a Moscou. Várias agências federais, incluindo o Departamento de Estado, a Segurança Interna e o Pentágono, foram comprometidas. Mas o Comitê de Segurança Nacional do Senado dedicou toda a manhã a uma sessão intitulada "Examinando as irregularidades das eleições de 2020". "O verdadeiro objetivo desta audiência é ajudar um candidato presidencial derrotado em seu esforço desesperado para se manter no poder", criticou o senador democrata Gary Peters.

Ele apareceu na audiência por Christopher Krebs, que era diretor da Agência de Cibersegurança até Trump demiti-lo há um mês por rejeitar suas acusações de fraude em massa. Krebs, como outras autoridades eleitorais do país, disse que estas foram "a eleição mais segura da história americana". Ele agora entrou com uma ação judicial acusando o presidente, seus advogados e a rede de televisão ultraconservador Newsmax de uma "conspiração calculada e perniciosa" para difamar ele e outros membros do GOP que se levantaram contra suas alegações infundadas de fraude eleitoral.

Os republicanos, portanto, mergulham nos prólegais de uma inevitável batalha pelo controle de um partido que foi transformado por Donald Trump. Os dois lados, liderados pelas duas principais figuras do partido, Trump de um lado e McConnell do outro, já estão em posições difíceis de conciliar. Apenas o lugar inevitável que, na antessala das eleições para senadores da Geórgia, McConnell queria evitar.

EL PAÍS, 18.12.2020