quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Os jovens da América Latina erguem sua voz

De Santiago a Bogotá, movimentos estudantis mudam a agenda de seus países. Há duas semanas, uma nova geração de peruanos desencadeou a queda do presidente Manuel Merino

Um grupo de jovens durante um dos protestos do começo de novembro nas ruas de Lima. Lima.MUSUK NOLTE

Até pouco mais de duas semanas atrás, a estudante de jornalismo Alba Ñaupas, 21 anos, moradora de El Agustino, um bairro de classe média-baixa da zona leste de Lima, nunca tinha participado de uma manifestação. Mas na noite do último 9 de novembro, quando soube que o Congresso havia destituído o presidente Martín Vizcarra, não hesitou nem um segundo. Indignada com o que via como políticos aproveitando o sistema em benefício próprio, em meio à profunda crise sanitária e econômica que o país atravessa, ela entrou em um grupo do WhatsApp que mantém com seus colegas da faculdade e escreveu: “Galera, vamos marchar”. Hoje, ela é parte da chamada Geração do Bicentenário, o movimento de jovens peruanos ao qual se atribui a queda do presidente Manuel Merino, que substituiu Vizcarra de forma provisória durante apenas cinco dias.

“Meu pai não queria que eu fosse, mas afinal me disse que, se eu quisesse, não ia me impedir. Minha mãe me disse que pensasse nas minhas irmãs e na minha vovozinha. Durante a pandemia quase nunca saí, nem para fazer compras, mas eu dizia: ‘Sinto muito, pai; sinto muito, mãe, não posso ficar de braços cruzados. Não agora. Se não fizermos algo, quem vai fazer?’”, recorda. Como muitos dos jovens que aderiram às gigantescas manifestações que culminaram com a renúncia de Merino, Ñaupas não defendia Vizcarra, mas rejeitava uma jogada política que, no seu entender, expunha as falhas do sistema. “Estava cansada de tudo o que estava acontecendo. É impossível que estas pessoas que estão aqui [os congressistas] em vez de tomarem decisões pensando no bem-estar da população, ajam pensando nos seus próprios bolsos, em lucrar”, critica a jovem. Embora estude em uma boa universidade privada graças a uma bolsa, saiu para protestar pensando na educação de suas três irmãs mais novas, pois teme que, se as coisas não mudarem, poderão acabar nas universidades que os estudantes de baixa renda costumam frequentar, endividando-se em troca de uma má formação que não lhes garante um trabalho.


A estudante de jornalismo Alba Ñaupas posa em frente a um muro com os slogans das manifestações em Lima.MUSUK NOLTE

O Peru é o mais recente país latino-americano onde os jovens promoveram uma luta contra um sistema que consideram injusto. No último ano e meio, houve protestos no Chile, Colômbia e Equador, onde os cidadãos de 18 a 30 anos tiveram um papel importante em obter mudanças profundas nas suas democracias. As reivindicações são muito variadas e respondem às urgências de cada país. Às vezes respaldam a pauta de outros grupos, como a dos povos indígenas no Equador. Entretanto, há um denominador comum: o fator geracional, acompanhado das ferramentas e códigos de comunicação habituais entre os jovens. Por exemplo, o uso das redes sociais.

Os manifestantes recorrem a elas para se congregarem, se organizarem, ajudarem os feridos e procurarem os desaparecidos durante as manifestações. Também para lançar suas reivindicações e documentar as marchas através de canais criados por eles mesmos em plataformas como Instagram, Facebook e TikTok, onde desafiam a narrativa da mídia tradicional quando consideram que esta não reflete seu ponto de vista. “Ao logo do tempo, as juventudes sempre foram um ator muito importante para a mudança social, e agora acontece o mesmo. Há uma semelhança, mas as ferramentas que têm ao seu lado para poder defender uma democracia são diferentes e fazem que se encurte o espaço e o tempo para a organização, a convocação, a viralização, o ao vivo, e conseguem que tudo se arme muito rapidamente”, diz a socióloga peruana Noelia Chávez, que cunhou o termo Geração do Bicentenário para se referir ao grupo que esteve à frente dos protestos no Peru, uma nação que em 2021 comemora dois séculos de independência.

Segundo uma pesquisa do Instituto de Estudos Peruanos, mais de metade dos jovens de 18 a 24 anos participou dos protestos. Se a destituição de Vizcarra atirou milhares deles à rua de maneira espontânea, a repressão policial a essas manifestações pacíficas, que deixou dois mortos e dezenas de feridos graves e foi transmitida através das suas próprias redes sociais, massificou a mobilização. “A praça San Martín [em Lima] estava tomada e havia uma ideia de que se meteram com a geração errada”, afirma Chávez. “Este é o espírito que a Geração do Bicentenário deve ter: cidadãos reivindicando seu direito a uma democracia e a ter representantes melhores. Lutam por isso. Não é como uma categoria sociológica, mas sim como uma narrativa política para podermos nos pensar como país de uma forma menos passiva, menos apática e muito mais ativa na mudança.”

A geração que cresceu sem medo

As causas que os peruanos levaram às ruas eram tão variadas como as múltiplas razões pelas quais se sentem traídos por sua classe política e suas instituições, mas há duas exigências que acabaram se erguendo como prioritárias entre muitos manifestantes: uma reforma policial, reivindicação surgida em reação à violência das forças de segurança contra os manifestantes, e mudanças na Constituição vigente, aprovada durante o Governo de Alberto Fujimori. Essas duas reivindicações são semelhantes às das mobilizações que começaram em 18 de outubro do ano passado no Chile, e que também tiveram os jovens como protagonistas. A chamada eclosão social chilena começou como uma ação de secundaristas em Santiago que decidiram pular as catracas do metrô em protesto contra o aumento da tarifa, numa revolta que em poucos dias se espalhou por todo o país, com dezenas de milhares de pessoas exigindo mudanças profundas de um sistema econômico que deixou uma forte disparidade.

“Havia a sensação de que o sistema sempre nos prejudica”, diz Nelson Duque, um universitário de 22 anos que desde o primeiro dia dos protestos participou ativamente nas assembleias montadas por moradores de bairros como o seu, a comuna La Florida, na zona sudeste de Santiago. “Já estou endividado por sete ou oito anos por causa de uma educação que não sei se vale essa grana”, lamenta o jovem. Neste país que se vendia como um oásis de estabilidade e crescimento econômico na América Latina, ele, como muitos outros jovens, vivia dia a dia as fissuras de um modelo que considera beneficiar apenas as elites. Para Duque, os sintomas da desigualdade eram ver como seu pai, comerciante, sofria para sustentar a família com três empregos em dois anos, ou como alguns de seus parentes idosos precisam continuar trabalhando porque suas aposentadorias são insuficientes para mantê-los.

“Minha geração já não entende por que as coisas são preservadas do jeito que estão. Por que tanto empenho em proteger um sistema que claramente está quebrado, algo que claramente não funciona”, opina Mariana Contreras, uma estudante de Direito de 20 anos. No ano passado, quando os protestos estouraram, a estudante montou com alguns colegas da Universidade do Chile um plantão jurídico para auxiliar manifestantes vítimas de violência, detenções ou abusos policiais. Para reprimir as passeatas, eventualmente violentas, o Governo de Sebastián Piñera decretou um polêmico estado de emergência que lhe permitiu pôr o Exército nas ruas e instaurar um toque de recolher em várias cidades. A repressão deixou 34 mortos e milhares de feridos, entre eles numerosas pessoas com lesões oculares graves, e as denúncias de brutalidade policial se multiplicaram.

A estudante de Direito da Universidade do Chile Mariana Contreras participou dos protestos no ano passado e se juntou a um piquete legal para ajudar as vítimas da repressão.SOFÍA YANJARI

Contreras recorda que para sua mãe, que na juventude se opôs ao regime de Augusto Pinochet (1973-1990), a atuação policial ordenada por Piñera despertou fantasmas do passado. “Minha mãe lutou para que a ditadura acabasse de maneira ativa. No dia que impuseram o toque de recolher, ela me ligou e disse: ‘Volta voando. Não dá para você ficar na rua’. Essa geração conviveu com o medo”, afirma. A jovem acredita que, em parte, a mobilização do ano passado ocorreu porque “não houve uma cura da sociedade depois da ditadura: não houve justiça, não houve reparação, ficou tudo muito aberto como se nada tivesse acontecido, e em algum ponto isso explode também na cara da sociedade, das elites que tentaram continuar como se estivesse tudo bem”, acrescenta.

Juan Sandoval, acadêmico da Universidade de Valparaíso que codirigiu uma pesquisa sobre os protestos estudantis chilenos de 2006 e 2011, batizada de Uma Geração Sem Medo, concorda com a análise de Contreras ao falar sobre uma “substituição geracional” neste grupo de jovens que “já não estão mais tão marcado pelas ditaduras militares” em comparação aos seus pais, “para quem uma participação muito ativa na política era pôr um pouco em jogo o próprio corpo, com a possibilidade de ser desaparecido ou exterminado”. “Não é que esta geração não sinta medo ao ver os carabineros [polícia militarizada], mas a sensação de medo que qualquer ser humano sente perante qualquer ato repressivo é vivida a partir de uma ambivalência emocional que vai da euforia à raiva e a sensação de indignação com o que o Estado faz”, aponta.

Embora as pesquisas publicadas no começo do movimento chileno revelassem uma geração com baixo índice de participação política e elevada rejeição a partidos e líderes tradicionais, com sua mobilização ela demonstrou que deseja desempenhar um papel na configuração da sociedade, mas de uma maneira diferente. De fato, pesquisas preliminares apontam que os jovens foram maciçamente às urnas no mês passado para votar no plebiscito ― em que quase 80% dos chilenos aprovaram que a Constituição da época de Pinochet seja substituída ―, uma consulta que é considerada justamente uma conquista dos manifestantes. “Poderia ser hipoteticamente plausível pensar que quando os jovens percebem que algo substancial está em jogo na eleição convencional eles participam”, aponta Sandoval.

Grupo de mulheres se reúne em frente ao Estádio Nacional de Santiago do Chile para exigir a libertação dos prisioneiros dos protestos.SOFIA YANJARI

“É realmente uma geração muito política, mas política em outro sentido”, observa sua colega Manuela Badilla, socióloga da Universidade do Valparaíso que pesquisa as transformações geracionais na forma de criar a memória no Chile ― um trabalho que a levou a fazer numerosas entrevistas com jovens de 18 a 28 anos na periferia de Santiago. Para ela, a incógnita dos próximos anos é ver se esta geração está disposta a canalizar esse ativismo mais horizontal e sem líderes para a política institucional. “É preciso ver como a Constituição afinal será formulada e redigida, e se esse aumento de participação no plebiscito, que foi muito significativo, vai se traduzir em uma votação em abril, quando os constituintes serão eleitos”, afirma. “A dificuldade reside em entender quem são os atores hoje em dia e saber ler essa nova forma de fazer política, que não corresponde àquela com a qual a gente cresceu”.

Para Mariana Contreras, a aluna de Direito, o plebiscito representou sua primeira chance de ir às urnas. “É supersimbólico mudar tudo na primeira vez que a gente vota”, diz. “Foi emocionante, um momento de felicidade que a gente podia sentir também nas ruas. As pessoas ficaram buzinando, gritando.” Para ela, o desafio agora será poder eleger os integrantes da Convenção Constitucional e obter consensos “para que a Constituição possa evoluir com a sociedade e não ficar cheia de cadeados”.

Esse sentimento de responsabilidade depois dos protestos é compartilhado por Alba Ñaupas, a estudante de jornalismo peruana que aderiu aos protestos do seu país no começo do mês. “Muitos dizem que a memória do povo peruano é frágil, que o povo peruano esquece rápido, e eu dizia às minhas amigas: ‘Pode ser verdade. Vimos que votaram no Fujimori, votaram no Alan García, mas pelo menos nós já não somos mais o futuro, somos o presente do país e cabe a nós não esquecermos isto, não deixarmos que isto se repita e nos informarmos antes de dar um voto”.

Intérpretes da sociedade

A memória foi justamente um dos elementos que uniram dezenas de milhares de estudantes nas manifestações contra o Governo de Iván Duque na Colômbia. Nesses protestos, que alcançaram seu apogeu em novembro de 2019 e neste ano refluíram devido à pandemia do coronavírus, as demandas das novas gerações se somaram às reivindicações dos sindicatos. Os jovens, entretanto, se tornaram os principais intérpretes das aspirações de vastos setores da sociedade em um país que acaba de sair de um conflito armado de mais do meio século e que ainda está longe de resolver o problema da violência. O clima de mudança já era sentido há um ano, sob o fio condutor da paz, do rechaço aos constantes assassinatos de líderes sociais e da reação ao caso do estudante Dilan Cruz, morto por policiais no Parque dos Hippies, em Bogotá, a praça símbolo das concentrações. Um ambiente no qual o fim da guerra abriu a porta a uma transição profunda para a Colômbia.

As mobilizações estudantis foram, já no final de 2018, a primeira frente do Executivo de Duque, que se opôs aos acordos de paz com as FARC e governa com um projeto econômico eminentemente neoliberal. Ganharam algumas disputas, conseguiram mais investimento em educação. Mas suas metas são estruturais. Alejandro Palacio tem 22 anos e estudou Ciência Política no campus de Medellín da Universidade Nacional, principal instituição pública de ensino superior no país. Foi representante no Conselho Superior Universitário e acaba de ingressar com uma bolsa em um mestrado em Economia em Bogotá. “Entrei na universidade em 2016 e já no segundo semestre ocorreram as mobilizações pela paz. Essa é a pauta de futuro e de mudança”, afirma Palácio, que cresceu em uma família de classe média e é um firme defensor do ensino público. “A educação pode ser um instrumento para eliminar desigualdades, mas se não for inclusiva pode ser um instrumento para potencializá-las”, prossegue.

Essas desigualdades são uma das premissas das convulsões que agitam o país. A disparidade social da Colômbia é uma das maiores do mundo, segundo a OCDE. “Não é possível que uma família leve 12 gerações para sair da pobreza”, lamenta esse estudante. Palacio defende que esta é “a geração que mais quer reafirmar seus direitos” e rejeita as acusações de alguns setores políticos de “ser uma geração patrocinada”. “Esse imaginário é muito nocivo. Esta não é uma geração patrocinada, não é medíocre, não quer tudo de presente”, afirma. Também sua aposta é ficar na Colômbia em vez de buscar oportunidades no exterior: “Os jovens precisam ficar na Colômbia tratando de impulsionar nosso país, participando da vida pública”. Definitivamente, quer um futuro melhor para seu país. No ano passado, nas mobilizações, ouviam-se slogans como “Quero estudar para mudar a sociedade”. E disso se trata, de mudança integral, que vai além de uma agenda nacional.


Alejandro Palacios, cientista político da Universidade Nacional da Colômbia, posa em frente a um mural em Bogotá.IVÁN VALENCIA

“A plataforma e a pauta dos movimentos estudantis é mais ampla hoje do que no passado”, afirma a cientista política Sandra Borda. Da defesa do meio ambiente ao feminismo, “isso lhes dá a possibilidade de aglutinar muito mais gente”, argumenta. A variedade das reivindicações dos alunos de universidades públicas e privadas também torna o movimento mais transversal, ao lhe retirar o componente de classe, aponta Borda, que registrou aqueles dias no livro Parar para Avanzar. Também especialista em relações internacionais, ela observa que “estes movimentos estudantis são muito mais globalizados que no passado”, ou seja, não se apegam exclusivamente à agenda de políticas públicas de seus próprios países. Um exemplo: uma das ações mais simbólicas dos protestos em Bogotá foi a marcha até o aeroporto El Dorado. “Essa ideia de tomar o aeroporto foi herdada dos movimentos estudantis de Hong Kong”, diz ela.

A cientista política ressalta a capacidade de conexão dos jovens com a classe média colombiana, tradicionalmente disposta a se mobilizar. “Entenderam aquilo de que os movimentos sociais têm que ser amplos e se comunicar com o resto da sociedade”, diz. Entretanto, tem dúvidas sobre o caminho. “O que não tenho tão claro é em que vão futuramente transformar seu ativismo estudantil. No meio do confinamento, a conversa política se torna muito difícil. Isto dificulta muito o protesto e o acionamento dos movimentos sociais. Mas o ano que vem é um ano eleitoral na Colômbia e uma oportunidade enorme para eles. As mudanças que os movimentos sociais pedem normalmente não ocorrem nos Governos da vez, e sim nos seguintes.”

Uma pesquisa feita pela Universidade del Rosario e pela empresa de opinião pública Cifras y Conceptos antes da adoção das medidas de confinamento por causa da covid-19, ou seja, antes que houvesse um refluxo nas ruas, apontava que os jovens colombianos estavam indignados sobretudo com a apatia e o conformismo, o machismo, a corrupção e a desigualdade. A isso se somam as preocupações próprias da conjuntura da emergência sanitária. “Os jovens são vítimas da pandemia, estamos na encruzilhada econômica da pandemia. Na crise global de 2008 e 2009, e agora em 2020, os jovens são os mais afetados”, prossegue Palacio, para quem Iván Duque, o presidente mais jovem da história recente da Colômbia ― tem 44 anos ―, deu as costas às novas gerações, enquanto outros líderes políticos, como a prefeita de Bogotá, Claudia López, do Partido Vede, encarnam a mudança.

“Seria bom que o setor político e o setor privado percebessem isso, que os jovens não são apenas consumidores, não estão só no TikTok”, afirma Sergio Guzmán, analista político e diretor da consultoria Colombia Risk Analysis. “Os jovens flexionando seus músculos e estes protestos demonstram que eles têm duas coisas: poder de convocatória e flexibilidade. Existe a sensação de que o sistema não está construído para eles, que eles alimentam o sistema e este não está estruturado para lhes dar poder. O Peru é o primeiro país onde veremos seu peso nas eleições do ano que vem”, acrescenta.

Em 2021 haverá eleições também no Equador, onde vários coletivos estudantis aderiram no ano passado às mobilizações promovidas pelos povos indígenas contra o Governo de Lenín Moreno, em protesto contra a retirada dos subsídios ao combustível. Nesta semana muitos exigiram na rua a destituição da María Paula Romo, a ministra com mais visibilidade do Executivo, finalmente aprovada pela Assembleia Legislativa. Entretanto, as especificidades do país são diversas, e seu protagonismo não alcançou os mesmos resultados do movimento peruano, por exemplo. Na Bolívia, os jovens também estiveram presentes na chamada “revolta dos pititas”, em referência às cordas com que organizações de moradores interrompiam vias públicas, sobretudo no departamento da Santa Cruz. Essa onda de protestos contra Evo Morales aconteceu em novembro de 2019, mas sua derrubada afinal foi provocada por um movimento interno do Exército, que lhe retirou a confiança e o obrigou a renunciar. E as novas gerações são ainda, apesar da emigração maciça, a coluna vertebral das mobilizações que há anos procuram forçar uma renúncia de Nicolás Maduro na Venezuela. O Peru, enquanto isso, será o primeiro campo de provas do real envolvimento político desta geração e da sua capacidade de impulsionar uma mudança através das urnas.

LORENA ARROYO e FRANCESCO MANETTO. Publicado originalmente por EL PAÍS. / 05.12.20.

Você que lute!

O negacionista governo Bolsonaro nega a existência do racismo, do desmatamento, das queimadas, das mudanças climáticas e a gravidade do coronavírus. Ele quer que você enfrente a realidade sozinho.

Por Thomas Milz, da Deutsche Welle

"É só uma gripezinha", "Todos nós vamos morrer um dia" e "Acabou a mamata". Estas são frases de um presidente que tem uma equipe médica 24 horas por dia a seu serviço. E cuja família vive, há décadas, das mamatas dos políticos brasileiros. Ainda por cima tem o foro privilegiado e os serviços de inteligência do governo a seu serviço, para proteger sua família e seus amigos. Além de si mesmo.

Em troca, Jair Bolsonaro se esquiva de qualquer responsabilidade – para começar, em relação a uma vacina contra a covid-19. "Se tiver um efeito colateral ou problema qualquer, já sabem que não vão cobrar de mim", disse o presidente na semana passada. Portanto, você já sabe: é sua decisão se vacinar ou não. Segundo Bolsonaro, há outras opções para quem prefere não se arriscar: "Quem é de direita toma cloroquina. Quem é de esquerda toma Tubaína." Pronto.

Ele tirou dois médicos do cargo de ministro da Saúde e colocou no lugar um general especialista em logística. Agora que as vacinas contra a covid-19 estão chegando e que são necessários também contêineres de refrigeração e centenas de milhões de seringas, vamos ver se a aposta no homem da logística foi acertada. Senão haverá uma nova revolta da vacina, mas com motivações opostas às da ocorrida em 1904, no Rio de Janeiro. Agora, corre-se o risco de uma guerra para conseguir tomar a vacina.

O presidente, que supostamente já possui anticorpos suficientes, aparentemente fará de tudo para sabotar o início da vacinação em São Paulo, prometido para o dia 25 de janeiro. Não quer que João Doria lucre com a Coronavac. Para isso, a Anvisa pode atrasar a liberação da vacina chinesa em 60 dias.

Assim, a vacina de Oxford e da AstraZeneca, aposta do governo federal, ganha um tempo extra para conseguir o feito de ser a primeira aplicada. Mas só no fim de março ou começo de abril. Com isso, a inveja presidencial pode custar milhares de mortes adicionais ao país. Haverá uma responsabilização do presidente por causa dessa jogada política tão mortal?

E não são apenas as mortes adicionais. O ministro da Educação, cujo nome ninguém conhece, não apresentou um plano sobre como reabrir as escolas de forma segura. Em muitos países, as escolas foram mantidas abertas durante a pandemia. Pois principalmente as crianças menores sofrem demais com a falta da convivência social e com as longas horas em frente ao computador, durante as aulas on-line. Pergunto-me por que não há soluções inteligentes, como uma carga horária reduzida e aulas on-line curtas e com menos alunos?

Países asiáticos conseguiram, através de invenções inteligentes, da disciplina da população ou de métodos autoritários, controlar o vírus. Mas eu não queria viver num país autoritário, é claro. Prefiro um país onde haja liberdade. Mas isso não quer dizer que o governo deva se ausentar da sua responsabilidade de proteger a população. Por uma opção de ser negacionista e por causa de uma jogada política. Ou, quem sabe, pelo puro prazer sádico.

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Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como o Bayerischer Rundfunk, a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.

'Superfungo' em alerta no Brasil preocupa, mas não é ameaça como covid-19, diz infectologista


A Candida auris foi descrita pela primeira vez em 2009 e já infectou pessoas em mais de 30 países / CRÉDITO,SCIENCE PHOTO LIBRARY

Um homem hospitalizado na Bahia com covid-19 possivelmente foi infectado também por um fungo, tornando-se o provável primeiro caso de adoecimento por Candida auris no Brasil.

Ao emitir um alerta na segunda-feira (7/12) sobre a possível chegada da Candida auris ao Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirmou que trata-se de um "fungo emergente que representa uma séria ameaça à saúde pública". Descoberto em 2009, o fungo já se alastrou por mais de 30 países e causa preocupação por ser "multirresistente" a medicamentos e fatal em cerca de 39% dos casos.

Possivelmente vítima de duas novas doenças, uma causada por um vírus e outra por um fungo, o paciente baiano representa um futuro em que estaremos mais vulneráveis a patógenos que evoluem para nos infectar com maior eficácia e que ultrapassam todas as fronteiras, explica o médico infectologista Alessandro Comarú Pasqualotto, professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).

Em 2019, ele escreveu um texto, junto com a médica Teresa Cristina Sukiennik, da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, e com Jacques F. Meis, pesquisador na Holanda que vem se dedicando ao estudo do novo fungo, dizendo no título que a chegada do fungo ao país era só uma questão de tempo: "O Brasil está até agora livre da Candida auris, ou estamos perdendo algo?" (no original em inglês: "Brazil is so far free from Candida auris. Are we missing something?").

Ainda que haja muitas semelhanças entre as duas novas doenças, Pasqualotto, que fez doutorado sobre fungos do gênero Candida, explica como devemos encarar as notícias sobre a Candida auris em plena pandemia de coronavírus.

"Embora ela seja muito resistente e preocupante, não sei se a Candida auris vai chegar ao ponto de infectar muita gente", explica o médico, à frente dos laboratórios de biologia molecular e micologia da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre e membro da Confederação Europeia de Micologia Médica (FECMM, na sigla em inglês).

"Em termos globais, ainda são poucos os casos. Não é porque temos a suspeita de um caso no Brasil que temos que fechar as fronteiras. Mas, dada a sua resistência, existe sim um alerta, porque (o fungo) pode causar surtos em pequenos núcleos, como no ambiente hospitalar."

De acordo com estimativas publicadas por pesquisadores chineses na revista científica BMC Infectious Diseases em novembro, há ao menos 4,7 mil casos de infecção pela Candida auris já registrados em 33 países, com taxa de mortalidade média em 39%.

Entre as várias armas que as doenças infecciosas podem ter, como a capacidade de se alastrar com facilidade, de matar ou de driblar medicamentos, é esta última que mais preocupa no caso do novo fungo — embora os outros "poderes" também existam.

"O grande perigo dele é sua resistência. Como outras espécies de Candida, ele pode ser facilmente transmitido — mas a grande preocupação, especialmente em ambiente hospitalar, é com o fato de ser multirresistente, porque as opções de tratamento ficam muito estreitas", explica.

Segundo o comunicado da Anvisa divulgado na segunda-feira, a Candida auris "apresenta resistência a vários medicamentos antifúngicos comumente utilizados para tratar infecções por Candida".

"Algumas cepas de C. auris são resistentes a todas as três principais classes de fármacos antifúngicos (polienos, azóis e equinocandinas)", diz o documento.

Pasqualotto fala ao microfone, em pé, em conferência — com painel do evento ao fundo / CRÉDITO,ARQUIVO PESSOAL

'Cada vez a gente tem menos antibióticos para usar e cada vez mais patógenos resistentes', alerta o infectologista Alessandro Comarú Pasqualotto

A resistência microbiana, que envolve fungos e também bactérias, é considerada uma das maiores ameaças à saúde global pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Ela acontece pois os microrganismos têm evoluído e se tornado mais fortes e hábeis em driblar medicamentos como antibióticos e antifúngicos, fazendo com que várias doenças já tenham poucas ou nenhuma opção de tratamento disponível.

"Casos como o da Candida auris são como um evento adverso do progresso da humanidade: à medida que a gente progride, produz mais antibióticos, que as pessoas são mais invadidas por procedimentos médicos e sobrevivem mais, passam a surgir novos patógenos que antes não causavam doenças. E, devido à pressão dos remédios, eles surgem resistentes", explica Pasqualotto.

"Então, a Candida auris é só a bola da vez. Assim como já foi o Staphylococcus aureus, que desenvolveu resistência à penicilina após a Segunda Guerra Mundial; depois o Enterococo resistente à vancomicina e tantos, tantos outros. Cada vez a gente tem menos antibióticos para usar e cada vez mais patógenos resistentes."

'Colonização' no hospital

O médico explica que aproximadamente 20 a 30 espécies do gênero Candida causam doenças em humanos, algumas delas conhecidas por "frequentar" o ambiente hospitalar — "colonizando" cateteres e outros dispositivos médicos.

O caso da Bahia em investigação começou justamente com a identificação de traços do fungo na ponta de um cateter inserido no paciente com covid-19, internado em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um hospital estadual.

É através de procedimentos mais invasivos, como cirurgias, e também diante de pessoas com imunidade enfraquecida ou com intenso uso de antibióticos que os fungos, seres "oportunistas", aproveitam para se proliferar.

Conseguindo chegar ao sangue, fungos como a Candida auris levam aos quadros mais graves, com alto risco de óbito — segundo o estudo publicado no BMC Infectious Diseases, no grupo de pacientes em que a infecção chegou ao sangue, a mortalidade subiu para 45%.

Em seu alerta, a Anvisa apontou que, além da multirresistência e do risco de "ser fatal, principalmente em pacientes com comorbidades", a Candida auris apresenta ainda o obstáculo de "permanecer viável por longos períodos no ambiente (semanas ou meses)" e apresentar "resistência a diversos desinfetantes" usados nos hospitais.

Possibilidade de subnotificação

Dos muitos desafios trazidos pelo novo fungo, outro é a dificuldade de identificá-lo por meio de exames — então, "muito provavelmente" houve subnotificação de casos anteriores, respondeu Pasqualotto à BBC News Brasil por telefone.

Foi com este mote que ele e colegas escreveram um editorial na revista científica Brazilian Journal of Infectious Diseases indicando que o aparecimento da Candida auris no país era uma questão de tempo.

"O reconhecimento dessa espécie é difícil e requer métodos que a maioria dos hospitais não têm. Então, pode ser que ela se dissemine com facilidade porque ninguém a perceberá", diz o médico.

Após a suspeita de infecção pelo fungo e seguindo protocolos definidos pela Anvisa, o hospital estadual da Bahia encaminhou amostras do paciente ao Laboratório Central de Saúde Pública Profº Gonçalo Moniz (LACEN/BA), que confirmou a presença da Candida auris e remeteu o material para uma prova confirmatória no Laboratório da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), que também sinalizou positivo e notificou a Anvisa na segunda-feira (7/12).

Cartelas de comprimidos em fundo branco / CRÉDITO,GETTY IMAGES

A resistência aos antibióticos é uma das maiores ameaças à saúde, segurança alimentar e desenvolvimento global, segundo a Organização Mundial da Saúde

Agora, serão realizados novos exames — as chamadas análises fenotípicas e o sequenciamento genético do microrganismo — para confirmar a presença Candida auris nas amostras do homem internado inicialmente com covid-19.

Nos laboratórios públicos pelos quais o material passou até aqui, foi usada uma técnica sofisticada, e segundo Pasqualotto cara, chamada Maldi-Tof (Matrix-Assisted Laser Desorption Ionization Time-of-Light).

O método é necessário porque "a C. auris pode ser facilmente confundida com outras espécies de leveduras, tais como Candida haemulonii e Saccharomyces cerevisiae", explica o documento da Anvisa divulgado na segunda-feira.

Mariana Alvim - @marianaalvim, da BBC News Brasil em São Paulo / 09.12.2020

Mortes de negros pela polícia ultrapassam 60% em 5 Estados do País

Observatório da Segurança mostra que na Bahia, 97% dos 650 óbitos eram de negros e em Pernambuco, 93%

Em São Paulo, por sua vez, 64% dos mortos pela polícia no ano passado eram negros Foto: ALEX SILVA/ESTADAO

Um estudo divulgado nesta quarta-feira, 9, pela Rede de Observatórios da Segurança comprova que a letalidade policial é muito maior entre os negros. Dados levantados em cinco Estados - São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Ceará e Pernambuco - apontam que a população negra é a que mais morre pela polícia, seja em números absolutos ou proporcionalmente. Chamou a atenção dos pesquisadores a diferença gritante em alguns casos, o que para eles deixa claro que há racismo institucionalizado.

O número que mais impressionou foi o da Bahia, onde 97% dos 650 mortos pela polícia no ano passado eram negros. Em Pernambuco, esse dado também foi alarmante, chegando a 93%. "Hoje não dá mais para dizer que tem viés racial. A gente tem que dizer o nome exato que isso tem. Tem que dizer que existe racismo por parte do Estado", afirma Silvia Ramos, coordenadora da Rede de Observatórios da Segurança e do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania.


Em São Paulo, por sua vez, 64% dos mortos pela polícia no ano passado eram negros Foto: ALEX SILVA/ESTADAO

A pesquisadora ressalta que os números dizem respeito apenas a mortes ocorridas em intervenções da polícia. "Esse tipo de problema de violência é muito específico. Não estamos falando de crimes contra patrimônio, de homicídios ocorridos em brigas de facções. Estamos falando de um agente da lei que produziu uma morte, sem considerar se depois foi julgado como legítima defesa ou não", pontua Silvia. "Estamos olhando a cor dessas mortes, patrocinadas pelo Estado, seja contra um criminoso ou uma vítima inocente."

No Rio de Janeiro, apesar de 51% da população ser negra, os mortos por policiais nesse grupo de pessoas chegou a 86% em 2019 - em números gerais, o total de mortes em intervenções da polícia foi o maior em três décadas. Em São Paulo, por sua vez, 64% dos mortos pela polícia no ano passado eram negros.

Outro dado que alarmou os pesquisadores foi encontrado no Ceará: segundo a pesquisa, em 77% dos casos as vítimas não tiveram sequer sua cor notificada. Entre as que tiveram, 87% eram negras.

"Quando um agente público não preenche um dado, como sexo da vítima, idade ou grau de escolaridade, por exemplo, você até entende que isso pode demandar algum tipo de trabalho, de levantamento. Mas não informar a cor da vítima? É uma combinação de indiferença, de desleixo e, muito mais grave, de racismo por parte de agentes do Estado", afirma Silvia.

Todos os dados que embasaram a pesquisa foram obtidos através da Lei de Acesso à Informação, e comparados com o censo do IBGE. Sobre isso, a Rede de Observatórios da Segurança lamenta a dificuldade em conseguir os números oficiais.

"É quase que uma batalha que temos que travar com cada secretaria de Segurança. Apesar de a gente ter Lei da Transparência, as Leis de Acesso à Informação, está mais dificil agora do que há dois ou três anos. É muito mais fácil conseguir dados de outros crimes do que os da violência policial. Parece que há uma orientação para não divulgarem", comenta Silvia Ramos.

O governo do Rio disse à reportagem que a política de segurança é baseada em inteligência e tecnologia das polícias. "A atuação das polícias tem sempre, como princípio, a preservação das vidas. Os números do Instituto de Segurança Pública (ISP) comprovam isso: de janeiro a outubro de 2020 houve uma queda de 30,8% nas mortes por intervenção de agentes do estado em relação ao mesmo período de 2019", informou o governo, que acrescentou que todas as mortes praticadas ou não por agentes do Estadão são apuradas com rigor. 

A Secretaria da Segurança de São Paulo disse não conhecer a metodologia da pesquisa e esclareceu que o compromisso das forças de segurança do Estado é "com a vida, razão pela qual medidas para a redução de mortes são permanentemente estudadas e implementadas pela pasta". "A quantidade de pessoas mortas em confronto com policiais militares em serviço vem caindo de maneira consistente no Estado de São Paulo", acrescentou a pasta, que detalhou que outubro foi o quinto mês de queda consecutiva do indicador. As mortes cometidas por policiais são "rigorosamente investigadas", apontou a secretaria. 

O Estadão também entrou em contato com as secretarias de Segurança dos Estados de Ceará, Bahia e Pernambuco, e pediu um posicionamento sobre os dados de cada um deles, mas ainda não obteve retorno. 

Marcio Dolzan, de O Estado de São Paulo. Publicado originalmente em 09.02.2020

A Lei de Responsabilidade Social

A LRS tenta reduzir a desigualdade socioeconômica no País, que tem impacto no desenvolvimento

O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) apresentou um projeto que cria a Lei de Responsabilidade Social (LRS). A importante iniciativa estabelece como metas a redução da pobreza e da miséria, que antes da pandemia já atingiam respectivamente 12,3% e 6,4% da população, para 10% e 2% em três anos. Além disso, prevê o acionamento de gatilhos no caso de frustração das metas.

A LRS responde à urgência imediata provocada pela pandemia, mas vai além, ao tentar reduzir a crônica desigualdade socioeconômica no País, que tem impacto no desenvolvimento e fomenta a demagogia.

Em todo o mundo a pandemia avivou o debate sobre o papel do Estado na proteção aos vulneráveis e no fomento à sua emancipação. Ao mesmo tempo, a crise sanitária e econômica se sobrepôs a uma crise de representatividade, que reflete a desconfiança da sociedade ante elites políticas incapazes de responder às suas angústias canalizando seus impostos em políticas públicas efetivas, e cujo lado sombrio se caracteriza pela ascensão dos populismos.

No Brasil, o quadro é agravado por estruturas que perpetuam a imobilidade social, mal tocada por programas de transferência de renda que só se prestaram a criar currais eleitorais para seus padrinhos.

O projeto apresentado no Senado aparentemente vai numa direção diferente, a começar pelas condições para sua consecução, a saber, os dois alicerces da lei: o estrito respeito às regras do processo legislativo, orçamentário, financeiro e fiscal e uma arquitetura que diferencia, integra e racionaliza ações de transferência de renda; mitigação e flutuação de renda; estímulo à emancipação econômica; e promoção da igualdade de oportunidades. Somente combinados esses fundamentos podem promover a expansão sustentável da rede de proteção.

Programas assistenciais improvisados, sem o controle da dívida pública, acabariam por gerar o efeito reverso: baixo crescimento econômico e inflação, afetando, sobretudo, os mais pobres. Ao mesmo tempo, é indispensável diagnosticar as formas de vulnerabilidade e seus remédios.

A situação das famílias em pobreza extrema e estrutural, necessitadas de transferências regulares de renda que garantam sua subsistência e dignidade, é diversa da daquelas famílias que em condições normais geram renda e se mantêm acima da linha da pobreza, mas que em momentos de choque precisam de uma espécie de seguro que suplemente suas perdas. Entre os dois polos, há o contingente de informais com capacidade de gerar renda, mas sujeitos à volatilidade de seus rendimentos sem as tradicionais proteções aos assalariados.

Assim, a LRS prevê três benefícios para substituir o Bolsa Família: o Benefício de Renda Mínima, para os extremamente pobres; o Programa Poupança Seguro Família, para os trabalhadores de baixa renda, incluindo os informais; e a poupança Mais Educação, para os jovens que se formam para integrar o mercado de trabalho.

Muito além dos méritos sociais da proposta, ela é um sinal salutar de protagonismo da sociedade civil e de revigoramento das forças políticas. O projeto foi elaborado pelo senador Tasso Jereissati com base numa proposta do Centro de Debates de Políticas Públicas.

O senador e seus colaboradores representam o Congresso que funciona, o mesmo que aprovou a reforma da Previdência e o Marco do Saneamento (que, por sinal, contou com atuação decisiva de Jereissati), operando à margem da inépcia do governo e contra suas manobras populistas. Dos R$ 46 bilhões previstos para o custeio do programa, cerca de R$ 35 bilhões viriam do Bolsa Família e o restante seria gerado pelo remanejamento de emendas parlamentares, ou seja, por meio de negociações políticas, de modo a mantê-lo dentro do teto de gastos.

Assim, às vésperas de um 2021 turbulento, a LRS se apresenta não só como um mecanismo eficiente para responder às mazelas sociais crônicas agravadas pela pandemia, mas como uma expressão da conciliação entre a genuína cidadania e a boa política, aquela construída a partir de negociações entre os representantes eleitos em resposta aos apelos da sociedade civil.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de São Paulo, 08.12.2020

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Brasil tem 177.006 óbitos registrados e 6.605.245 diagnósticos de Covid-19 desde o começo da pandemia.

Casos e mortes por coronavírus no Brasil em 7 de dezembro, segundo consórcio de veículos de imprensa (atualização das 13h)

O Brasil tem 177.006 mortes por coronavírus confirmadas até as 13h desta segunda-feira (7), segundo levantamento do consórcio de veículos de imprensa a partir de dados das secretarias estaduais de Saúde.

Desde o balanço das 20h de domingo (6), seis estados atualizaram seus dados: CE, GO, MG, MS, PE e TO.

Veja os números consolidados:

177.006 mortes confirmadas

6.605.245 casos confirmados

No domingo, às 20h, o balanço indicou: 176.962 mortes por Covid-19 desde o começo da pandemia, 321 nas últimas 24 horas. Com isso, a média móvel de mortes no Brasil nos últimos 7 dias foi de 588, a mais alta registrada desde 11 de outubro -- nesse dia, a média foi de 590. A variação foi de +18% em comparação à média de 14 dias atrás, indicando tendência de alta nos óbitos pela doença.

Sobre os infectados, eram 6.602.942 brasileiros com o novo coronavírus, 26.243 desses confirmados no último dia. A média móvel nos últimos 7 dias foi de 41.327 novos diagnósticos por dia. Isso representa uma variação de +37% em relação aos casos registrados em duas semanas, o que indica tendência de alta também nos diagnósticos.

Progressão até 6 de dezembro

Total de mortes: 176.962

Registro de mortes em 24 horas: 321

Média de novas mortes nos últimos 7 dias: 588 (variação em 14 dias: +18%)

Total de casos confirmados: 6.602.942

Registro de casos confirmados em 24 horas: 26.243

Média de novos casos nos últimos 7 dias: 41.327 por dia (variação em 14 dias: +37%)

(Antes do balanço das 20h, o consórcio divulgou um boletim parcial às 13h, com 176.721 mortes e 6.582.606 casos confirmados.)

Por G1

Há 190 anos, o primeiro Código Penal do Brasil fixava punições distintas para livres e escravos

Apesar da falta de igualdade de todos perante a lei, o Código Criminal do Império foi considerado tão vanguardista que serviria de molde até para nações europeias, como a Espanha e Portugal.

Enforcamento do escravo Lucas da Feira, em 1849, em Feira de Santana; ele foi condenado por homicídio.ARQUIVO NACIONAL / AGÊNCIA SENADO

O primeiro código penal do Brasil independente, elaborado em 1830, época de D. Pedro I, fazia distinção entre os escravizados negros e os cidadãos livres na hora de ditar parte das punições, ainda que os crimes cometidos fossem os mesmos. Não havia a plena isonomia, isto é, a igualdade de todos perante a lei.

No próximo dia 16, a criação do Código Criminal do Império completará 190 anos. Ao longo das seis décadas seguintes, até a Proclamação da República, foi essa lei que buscou moldar o comportamento dos brasileiros na vida em sociedade.

O Código Criminal permitia que os juízes sentenciassem os cidadãos livres a uma dezena de penas diferentes, a depender do crime: morte na forca, galés (trabalhos públicos forçados, com os indivíduos acorrentados uns aos outros), prisão com ou sem trabalho, banimento (expulsão definitiva do Brasil), degredo (mudança para cidade determinada na sentença), desterro (expulsão da cidade onde se deu o crime), suspensão ou demissão de emprego público e pagamento de multa. A prisão podia ser perpétua ou temporária, assim como as galés, o degredo e o desterro.

Dessa extensa lista de penas aplicáveis aos cidadãos livres, sobre os escravizados só recaíam as duas mais terríveis: morte e galés. Caso recebessem do tribunal uma sentença mais branda, como prisão ou multa, o Código Criminal de 1830 ordenava a sua conversão automática em açoites —pena proibida para os livres. Assim, havia apenas três castigos legais possíveis para os escravizados.

A punição não podia exceder 50 chicotadas diárias. Caso o juiz fixasse um total de 200 açoites, por exemplo, a pena teria que ser fracionada em pelo menos quatro dias. Uma vez castigados pelas autoridades, os escravizados de origem africana eram devolvidos aos seus senhores e ainda tinham que passar uma temporada acorrentados.

Escravizados e livres condenados pela Justiça do Império.BIBLIOTECA NACIONAL/BRASILIANA FOTOGRÁFICA / AGÊNCIA SENADO

As chibatas eram aplicadas pelo poder público apesar de a Constituição do Império ditar expressamente que no território nacional estavam “abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente e todas as mais penas cruéis”.

Antes de ser assinado por D. Pedro I e entrar em vigor, o Código Criminal foi discutido, modificado e aprovado pelo Parlamento. Documentos da época guardados hoje nos Arquivos do Senado e da Câmara, em Brasília, mostram que a existência da escravidão no Brasil foi um ponto insistentemente lembrado pelos parlamentares, em especial quando debateram a necessidade de o Brasil ter ou não a pena de morte.

O deputado Francisco de Paula Sousa (SP) discursou a favor da forca:

— O sistema de escravidão no Brasil é certamente péssimo. Porém, havendo entre nós muitos escravos, são precisas leis fortes, terríveis, para conter essa gente bárbara. Quem duvida que, tendo o Brasil 3 milhões de gente livre, incluídos ambos os sexos e todas as idades, esse número não chegue para arrostar [enfrentar] 2 milhões de escravos, todos ou quase todos capazes de pegar em armas? O que, senão o terror da morte, fará conter essa gente imoral nos seus limites?

Para Sousa, a mera prisão não seria uma punição pesada o suficiente para os escravizados:

— Excluindo-se do código a pena de morte e as galés, resta a prisão. Ora, o escravo que vive vergado sob o peso dos trabalhos terá porventura horror a encerrar-se em uma prisão, onde poderá entregar-se à ociosidade e à embriaguez, paixões favoritas dos escravos? Ele julgará antes um prêmio que o incitará ao crime. Citarei um exemplo mui frisante. Na Filadélfia no tempo do inverno, a gente desarranjada cometia pequenos crimes para ser recolhida à casa de correção. Foi necessário tornar a prisão mais incômoda, acrescentando-lhe trabalhos pesados.

Contrário à pena capital, o deputado Antônio Pereira Rebouças (BA) — pai do futuro abolicionista André Rebouças — discordou do colega. Para ele, a morte não aterrorizava os escravizados:

— Os escravos não podem assaz prezar a vida, porque assaz não a gozam. Se para alguém a morte é menos repressiva, é para eles, que sem nenhuma boa esperança se insurgem e morrem brutalmente. Os suicídios mais frequentes são os deles, que creem na transmigração, creem que morrendo passarão desta para a sua terra. Faça-se para os escravos uma ordenança separada. E, por eles, não façamos tamanho mal aos cidadãos, aos homens livres.

Quando o Código Criminal foi assinado por D. Pedro I, fazia apenas oito anos que o Brasil havia se tornado um Estado independente. Era o período de sepultar as instituições coloniais e construir as nacionais. A Constituição havia nascido em 1824. O Senado e a Câmara, em 1826. O Supremo Tribunal de Justiça, em 1828. Faltava um código legal que balizasse a conduta dos súditos e, assim, garantisse a ordem e a segurança dentro da nova nação.

Desde que foram abertos, o Senado e a Câmara se preocuparam com a falta dessa lei. O deputado Silva Maia (MG) chegou a propor um prêmio ao jurista que levasse ao Parlamento a melhor sugestão. Não se chegou a organizar o tal concurso. O Código Criminal foi construído a partir das bases fixadas em 1827 por dois projetos de lei apresentados na Câmara, um do deputado José Clemente Pereira (RJ) e o outro do deputado Bernardo Pereira de Vasconcellos (MG).

Não é que o Brasil do Primeiro Reinado fosse uma terra sem lei ou estivesse mergulhada no caos social antes da criação do Código Criminal. Apesar da ruptura com Portugal, uma série de leis lusitanas baixadas na época da Colônia (1500-1815) e do Reino Unido (1815-1822) continuaram valendo. Uma delas eram as Ordenações Filipinas, de 1603, que tinham uma parte dedicada exclusivamente às questões criminais.

Trecho do projeto de lei do deputado Bernardo Pereira de Vasconcellos.BIBLIOTECA NACIONAL DIGITAL E SÉBASTIEN AUGUSTE SISSON / AGÊNCIA SENADO

A lei do século 17, porém, já estava em larga medida claramente ultrapassada no século 19. Crimes e penas da época do absolutismo monárquico não faziam sentido na era do liberalismo político. Entre as punições, figuravam falar mal do rei e praticar feitiçaria. Entre as penas, a amputação de membros e a marcação da pele com ferro em brasa. A pena de morte era prevista a torto e a direito.

“Nós não temos Código Criminal, não merecendo esse nome o acervo de leis desconexas, ditadas em tempos remotos, sem o conhecimento dos verdadeiros princípios e influídas pela superstição e por grosseiros prejuízos [preconceitos], igualando-se às de Draco em barbaridade e excedendo-as na qualificação absurda dos crimes, irrogando [aplicando] penas a fatos a que a razão nega existência e a outros que estão fora dos limites do poder social”, avaliou uma comissão de senadores e deputados encarregada de dar forma ao Código Criminal.

Outro problema era que, estando boa parte das Ordenações Filipinas em desuso, muitos juízes se sentiam liberados para julgar os processos ao seu bel-prazer, aplicando a velha lei quando lhes convinha, por vezes atendendo a interesses escusos. Não havia o que hoje se chama segurança jurídica.

— Os cidadãos ainda são vítimas do arbítrio dos juízes. E quando terão as garantias, quando cessará essa arbitrariedade? Quando houver o Código Criminal que a Constituição tanto recomenda —afirmou o senador José Ignácio Borges (PE), pedindo urgência na votação.

Os debates no Parlamento em torno da conveniência da pena de morte ultrapassaram a questão da escravidão. Os defensores dessa punição extrema argumentaram que, enquanto os brasileiros livres pobres permanecessem “atrasados”, somente o terror da forca seria capaz de refrear-lhes os instintos criminosos.

“A comissão desejou suprimir a pena de morte, cuja utilidade raríssimas vezes compensa o horror causado na sua aplicação, principalmente no meio de um povo de costumes doces, qual o brasileiro”, continuou o parecer da comissão de senadores e deputados. “Porém, o estado atual da nossa população, em que a educação primária não pode ser geral, deixa ver hipóteses em que seria indispensável.”

O deputado Luís Francisco Paula Cavalcanti (PE) concordou com a avaliação e aproveitou para fazer um alerta:

— A nossa pátria ainda não se acha em um grau de civilização tal que se possam admitir teorias escritas por homens filantrópicos e aplicadas a povos cuja civilização se acha no seu auge. Poderemos extinguir a pena de morte no Brasil com costumes ainda bárbaros? No interior, há assassinos de profissão. Em algumas províncias, temos crimes, e não tão poucos como se quer inculcar. Os inimigos desta Câmara dirão: “Os [deputados] exaltados proibiram a pena de morte. Pode-se matar e roubar a salvo!”. Isso há de produzir algum efeito contra nós.


Relatório do Ministério da Justiça lista condenações feitas pela Justiça em 1840.ARQUIVO NACIONAL / AGÊNCIA SENADO

Para os adversários da pena capital, por sua vez, matar criminosos ia contra a religião.

— Não tirarás a vida do teu próximo — discursou o deputado Lino Coutinho (BA), citando o quinto dos dez mandamentos bíblicos. — É um crime contra as leis de Deus, que na verdade não são senão as leis da natureza, o de mandar matar os seus semelhantes. Porém, os déspotas e os tiranos não conhecem Deus nem a natureza e por isso enviam tantos desgraçados ao patíbulo.

— Nós sabemos, segundo o Evangelho, que Jesus Cristo não queria a morte, mas só a conversão do pecador. Entendo que, se a nossa Constituição consagrou como religião do Estado a religião católica apostólica romana, a terrível pena capital ficou aniquilada, banida entre nós — avaliou o deputado Rebouças. — Além disso, a pena de morte produz péssimo exemplo. Por muito frequente na França nos nefandos tempos da anarquia e da desordem pública, induzia os meninos à imitação, guilhotinando gatos, frangões e outros semelhantes animais. Além de desnecessária e ineficaz, a pena de morte é nociva e depravadora. Não deve manchar o nosso Código Criminal.

O deputado Carneiro da Cunha (PB) chamou a atenção para o fato de que, no Brasil, ninguém desejava o posto de carrasco, pessoa incumbida de conduzir o condenado à forca, colocar a corda ao redor de seu pescoço e, se necessário, saltar sobre seus ombros para encurtar o sofrimento e apressar a morte.

— O carrasco é constrangido a ser cruel sacrificador e tingir as mãos no sangue da vítima, de quem não recebeu ofensa particular, muitas vezes para satisfazer às vinganças de um governo injusto e arbitrário. Isso, para mim, é o supra sumo da violência e o grau mais subido a que podem chegar o sofrimento do homem e o abatimento de sua dignidade.

Os açougueiros, que costumavam ser os mais procurados para esse papel, fugiam quando alguma execução se avizinhava. Os partícipes da Confederação do Equador, rebelião separatista e republicana deflagrada em 1824 em Pernambuco e províncias vizinhas, tiveram que ser fuzilados por falta de carrasco.

O deputado Bernardo Pereira de Vasconcellos, autor de um dos projetos originais, se impacientou com as tentativas de derrubar a pena de morte.

— Logo o Código Penal passará a ser Código Civil! — ironizou. — Parece-me que todos os senhores que falaram sobre esta matéria deveriam ilustrar à comissão sobre as penas que devem substituir a de morte. Devem também lembrar-se de que este código compreende os escravos. Examinem os ilustres deputados que nós não temos prisões [suficientes] para receber os que cometerem grandes crimes, uma vez que este código vai ser executado desde já.

Após intensos debates no Parlamento, o Código Criminal entrou em vigor prevendo, sim, a pena de morte. Ela, entretanto, ficava limitada a três casos: homicídio com certos agravantes (como utilizar veneno ou incêndio, fazer emboscada ou matar em troca de pagamento), latrocínio (roubo seguido de homicídio) e liderança de insurreição escrava. Nas três situações, a lei não fazia distinção entre escravizados negros e cidadãos livres. Qualquer pessoa poderia perder a vida pendurado na forca.

Ao longo de 313 artigos, o novo código buscava coibir crimes tão diversos quanto a tentativa de derrubar o imperador, a compra de voto (nas eleições para senador, deputado, juiz de paz etc.), o abuso de autoridade, a falsificação de moeda, o estelionato, a pirataria marítima, o vandalismo, o aborto, o estupro, o adultério, o casamento não autorizado pelos pais, a mendicância e até a vadiagem —no Império, o pobre que não trabalhava era enquadrado no artigo 295.

As punições eram dosadas conforme a existência de elementos agravantes e atenuantes no crime. As penas ficavam mais pesadas quando o condenado reincidia, não dava chance de defesa à vítima ou cometia o delito à noite ou em lugar deserto, por exemplo. E ficavam mais brandas quando ele agia em legítima defesa, após ser provocado pela vítima ou então bêbado.

A maioridade penal era de 14 anos. Mesmo assim, crianças e pré-adolescentes iam para o banco dos réus e até para a cadeia quando os tribunais entendiam que eles “obraram com discernimento”. Nesse caso, tinham que ser libertados assim que completassem 17 anos de idade.

O Código Criminal refletiu não apenas o momento social do Brasil de 1830, mas também o momento político. O conteúdo da lei representou uma derrota para D. Pedro I e uma vitória para seus muitos adversários no Parlamento. Ao contrário do que o imperador provavelmente desejava, a lei não previu a pena de morte para nenhum crime político.

Pintura retrata escravos sendo perseguidos pelas autoridades.AUGUSTUS EARLE / AGÊNCIA SENADO

Com as Ordenações Filipinas enfim revogadas em território brasileiro, D. Pedro I não poderia mais mandar executar nenhum inimigo político, tal qual havia feito em 1825 com o frei Caneca, o padre Mororó e outros rebeldes da Confederação do Equador.

Os próprios parlamentares conseguiram se blindar contra a pena de morte para o caso de, no futuro, se lançarem em alguma ação mais dura contra o imperador e acabarem sendo processados.

D. Pedro I estava tão combalido politicamente, em especial por causa de seus arroubos autoritários (como a dissolução da Assembleia Constituinte e a outorga da Constituição), que em abril de 1831, apenas quatro meses depois de assinar o Código Criminal, ele abdicaria da Coroa brasileira e abandonaria o país para nunca mais voltar.

De acordo com a historiadora Vivian Costa, autora de uma dissertação de mestrado na Universidade de São Paulo (USP) sobre a criação do Código Criminal, essa foi uma das leis mais modernas do mundo naquele momento, mesmo prevendo distinções entre os réus livres e os escravizados. Ela lembra que as Ordenações Filipinas faziam uma separação gritante entre pobres e ricos. Em certos crimes, a lei era duríssima quando cometidos por um camponês e não previa punição nenhuma quando se tratava de um nobre.

— É claro que, pela diferença no tratamento dispensado aos escravizados, o Código Criminal de 1830 não seria adequado aos olhos de hoje, mas ele representou uma evolução grande na sua época. A pena de morte e as galés, na letra da lei, passaram a recair de forma igual sobre todos. Não deixa de ser um início significativo de isonomia.

Outra mudança notável do Código Criminal, segundo Costa, foi o estabelecimento da prisão com trabalho:

— Nas antigas legislações, as penas em geral tinham como objetivo castigar o criminoso, fazê-lo sentir na pele pelo delito praticado, quase como uma vingança do Estado. Os códigos modernos, como o do Brasil, trouxeram o entendimento de que as penas deveriam tanto afastar o criminoso da sociedade, para protegê-la, quanto tentar reabilitá-lo para a futura volta ao convívio social. O trabalho dentro das casas de correção tinha esse objetivo. Foi nesse momento que as prisões começaram a se espalhar pelo Brasil.

De tão vanguardista, o Código Criminal do Império serviria de molde até para nações europeias, como a Espanha e Portugal. O Brasil, por sua vez, se inspirou nos raros países que, pouco tempo antes, haviam enterrado suas velhas e violentas normas penais, como a Prússia e a França revolucionária.

A historiadora avalia que a existência da pena capital não tirava a modernidade do código brasileiro. Primeiro, porque a morte estava prescrita para pouquíssimos casos. Depois, porque países com códigos igualmente avançados também continham essa pena, que era aplicada a muitas situações mais, inclusive crimes políticos.

— O Código Criminal ajuda a tirar esse complexo de que nós, brasileiros, somos piores e estamos sempre atrasados em relação ao restante do mundo. Na verdade, podemos estar bastante atualizados e até servir de modelo. Essa lei criou no país uma tradição de direito penal moderno que se mantém até hoje. No entanto, uma lei moderna não é necessariamente sinônimo de sociedade justa ou igualitária. Além disso, entre o que a lei prevê e a sua aplicação, pode haver uma distância grande. O que vemos é que, na prática, persistem no Brasil de hoje muitos resquícios dissimulados daquela distinção escancarada que a Justiça fazia entre a população mais abastada, os livres pobres e os escravos.

Em 1835, uma nova lei ampliou o leque de situações em que os escravizados poderiam ser condenados à pena de morte. Em 1886, às vésperas da Lei Áurea e sob pressão dos abolicionistas, os parlamentares retiraram do Código Criminal a pena de açoites.

A República entregou um Código Penal novo aos brasileiros em 1890. Desde então, a pena de morte ficou restrita à legislação militar para os tempos de guerra. O Código Penal atualmente em vigor é de 1940, com inúmeras atualizações feitas ao longo destas oito décadas.

RICARDO WESTIN, da AGÊNCIA SENADO. Publicado por EL PAÍS, em 07.12. 2020. 

A seção Arquivo S, resultado de uma parceria entre a Agência Senado e o Arquivo do Senado, é publicada na primeira sexta-feira do mês no Portal Senado Notícias. Reportagem e edição: Ricardo Westin/ Pesquisa histórica: Arquivo do Senado/ Edição de multimídia: Bernardo Ururahy /Infográfico: Diego Jimenez/ Arte: Aguinaldo Abreu/ Edição de fotografia: Pillar Pedreira

Trump funda uma ‘nova religião’ para 2024

Presidente dos EUA alimenta a ideia de outra corrida presidencial vinculada à farsa da fraude eleitoral, decidido a se manter no centro das atenções enquanto o Partido Republicano prende a respiração


Donald Trump, após um comício no Arizona, em 28 de outubro passado.ISAAC BREKKEN / GETTY IMAGES

Quando ainda estudava se candidatar às eleições presidenciais de 2012, Donald Trump deu seus primeiros passos na política apoiando-se na teoria de que Barack Obama não havia nascido nos Estados Unidos, mas no Quênia —e, portanto, era um presidente ilegítimo. A notícia falsa, fomentada sobretudo por membros do movimento conservador Tea Party contra o primeiro presidente negro da história do país, encontrou no magnata nova-iorquino seu melhor embaixador. Trump passeou por todos os canais de TV incentivando essas especulações, oferecendo inclusive doações milionárias se alguém lhe desse uma prova do nascimento de Obama em solo americano.

A mentira circulou e se agigantou como uma bola de neve, até que, em abril de 2011, o democrata se viu obrigado a mostrar publicamente sua certidão de nascimento: 4 de agosto de 1961 em Honolulu (Havaí). Ainda assim, Trump continuou espalhando dúvidas e questionando a veracidade dos documentos. O birtherismo (do inglês “nascimento”), como é conhecida essa teoria da conspiração, sobreviveu durante anos, transformada quase em ideologia, apelando de forma tácita ao racismo. Trump só se retificou em setembro de 2016 (e creditou o embuste a Hillary Clinton, outra falsidade). Na época, 21% dos norte-americanos (33% no caso dos eleitores republicanos) acreditavam que o presidente democrata havia nascido fora dos EUA e 21% diziam ignorá-lo.

Agora, com a ideia de que eleições fraudulentas estão a ponto de colocar na Casa Branca um presidente ilegítimo, Trump encontrou um novo apelo, uma nova religião com a qual pretende manter suas bases unidas e ativas. O republicano não perdeu contra Joe Biden; roubaram-lhe a vitória através de múltiplas manobras em todos os Estados importantes. Esse relato, que mais da metade de seus eleitores consideram fidedigno (segundo as diversas pesquisas realizadas desde o dia da eleição, 3 de novembro), prepara o caminho de sua nova cruzada. Uma cruzada pela democracia e, como ele disse numa festa semana passada, um objetivo final: vencer as eleições presidenciais novamente em 2024.

Somente Grover Cleveland, o primeiro presidente democrata eleito após a Guerra Civil (1885-1889), conseguiu ao longo da história dos EUA voltar à Casa Branca para um segundo mandato (1893-1897) quatro anos depois de ter perdido nas urnas. Outros, como Ulysses Grant e Theodore Roosevelt, tentaram e fracassaram. “Depois que os presidentes perdem, embora hoje seja difícil de imaginar, o interesse público por sua figura cai notavelmente, e é difícil reconstruir esse apoio para uma nova campanha eleitoral. Além disso, o fato de que um presidente perca uma eleição indica fraqueza, e os partidos políticos relutam em investir seus recursos e seu futuro em alguém que possa não lhes conseguir de novo a Casa Branca”, explica Julian Zelizer, historiador e professor de Políticas Públicas da Universidade de Princeton.

Ninguém hoje sabe ao certo em Washington se Trump está falando sério —e o que ele pretende ao deixar claro que aspira a uma nova presidência. Mas é evidente seu interesse em que todos falem disso. O republicano espalhou a ideia de voltar a se candidatar em 2024 entre seu entorno desde as eleições. E na última terça-feira, durante uma festa com republicanos na Casa Branca, voltou a afirmar isso com suas próprias palavras ante um público numeroso. “Foram quatro anos fabulosos. Estamos tentando ter outros quatro. Se não der, eu os verei daqui a quatro anos”, declarou, num discurso gravado por assistentes e difundido pelos jornais. Trump terá 78 anos, os mesmos que Biden tem agora. Algumas fontes do círculo do presidente, sob condição de anonimato, chegaram a dizer que ele anunciará formalmente sua candidatura antes do fim do ano —ou no mesmo dia da posse de Biden, 20 de janeiro, para tirar o protagonismo do novo mandatário.

A diferença entre Trump e Grover Cleveland, o único presidente da história que recuperou a Casa Branca após perdê-la, é que Cleveland ganhou as duas eleições também com maioria de votos populares. Trump foi presidente obtendo quase três milhões de votos individuais a menos que Clinton em 2016 —e, desta vez, perdeu para Biden por uma diferença de seis milhões. Ainda assim, os republicanos observam sua capacidade de agitar as massas e os 74 milhões de votos que ele amealhou (11 milhões a mais que em 2016) como um termômetro e guardam silêncio apesar do desvario em que se transformou sua cruzada judicial contra o pleito.

A equipe jurídica de Trump perdeu cada uma das dezenas de ações impetradas. Na última sexta-feira, num período de três horas, entre demandas e recursos, os tribunais rechaçaram cinco de suas últimas iniciativas, em Minnesota, Michigan, Arizona, Wisconsin e Nevada. As autoridades republicanas e democratas desses Estados respaldaram as garantias do sistema. Mas, como ocorreu com a certidão de nascimento de Obama, nada disso é suficiente. E é muito provável que, dentro de alguns anos, milhões de norte-americanos continuem respondendo nas pesquisas que em novembro de 2020 houve uma grande fraude eleitoral e Biden ganhou de forma suja.

Desde o dia das eleições, agitando os fantasmas da fraude, a campanha de Trump já arrecadou 200 milhões de dólares (cerca de 1,03 bilhão de reais) em doações. A maior parte dos recursos se destina a um Comitê de Ação Política cujo objetivo é financiar suas empreitadas políticas pós-presidenciais, sob o nome de Salve a América. Segundo uma pesquisa da empresa Morning Consult e do site Politico publicada semana passada, 53% dos eleitores republicanos apoiariam Trump em eleições primárias para 2024. Bem atrás dele vêm outros nomes que poderiam ser futuros candidatos: o vice-presidente Mike Pence (12%), o senador Tom Cotton e a ex-embaixadora na ONU Nikki Haley (ambos com menos de 5%).

Trump volta a marcar o ritmo de um Partido Republicano, que, como ocorreu com o Partido Democrata após a derrota de 2016, deve agora abrir seu processo de reflexão e seleção de um líder para recuperar o Governo. “A ideia de que [Trump] seja candidato em 2024 me parece absurda, mas todo o tempo que ele passar ameaçando fazer isso, ou considerando, ou mesmo fazendo, será prejudicial para o Partido Republicano, porque os novos candidatos ficarão congelados. Não serão capazes de captar financiamento, de recrutar voluntários. Devem esperar que ele deixe o palco”, afirma o estrategista republicano Rick Tyler. “Também não vejo nenhum dos possíveis substitutos com uma capacidade de liderança e uma visão alternativa que levem os seguidores de Trump a abandoná-lo. Assim, ele dominará o campo republicano todo o tempo que quiser, mas não voltará a ser presidente.”

Enquanto isso, Trump ganha dinheiro: boa parte de sua atividade política serviu para engrossar a receita de seus negócios, com estadas em seus luxuosos estabelecimentos, e isso pode continuar. Por exemplo, os possíveis ganhos ilegais cobrados por seu hotel da cidade de Washington por ocasião da posse presidencial, em janeiro de 2017, estão agora nos tribunais.

Fora da Casa Branca, o mandatário deverá demonstrar sua capacidade de se manter no centro das atenções e pautar a agenda republicana; de ganhar o jogo contra o tempo e o precedente da história. Mas também o esperam outros desafios mais prosaicos que podem frustrar qualquer dessas aspirações atuais: os mais de 400 milhões de dólares (2,06 bilhões de reais) de dívida que pesam sobre seu grupo empresarial e o risco de até uma dúzia de possíveis crimes federais, pelos quais não podia ser processado enquanto exercia a presidência: de obstrução da Justiça a fraude fiscal, passando por difamação e financiamento ilegal de campanha

Os republicanos prendem a respiração enquanto isso. Em 5 de janeiro, o Partido disputa na Geórgia o segundo turno da eleição para duas cadeiras do Senado que podem decidir sua maioria na Casa e, com ela, a possibilidade de deixar a Administração de Biden de mãos atadas. Desautorizar Trump pode tirar votos. Corroborar as acusações de fraude pode desmobilizar os eleitores e gerar atritos com as autoridades locais, também republicanas. Por enquanto, o silêncio impera: o The Washington Post consultou semana passada os 249 membros republicanos do Senado e da Câmara de Representantes (deputados) em Washington, e 221 se negaram a apontar Biden como ganhador. O ainda presidente deve comparecer este sábado à Geórgia, receber um banho de massas e, provavelmente, promover a teoria do roubo eleitoral. O agente do caos continua no palco.

AMANDA MARS, de Washington, DC, para EL PAÍS, em  07 DEC 2020

UE rejeita como ilegal vitória do chavismo em eleição

Bloco europeu diz que eleição legislativa que deu vitória à coligação de Nicolas Maduro na Venezuela viola regras internacionais e democráticas.

O chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, afirmou nesta segunda-feira (07/12) que a União Europeia (UE) não reconhece os resultados das eleições venezuelanas de domingo. Segundo ele, o pleito, que deu vitória à coligação do presidente Nicolás Maduro, viola as regras internacionais e democráticas. 

 "As eleições venezuelanas para a Assembleia Nacional decorreram, lamentavelmente, sem um acordo nacional sobre as condições eleitorais e não cumpriram as normas internacionais mínimas para um processo credível e para mobilizar o povo venezuelano a participar", critica o alto representante da UE para a política externa em comunicado.

No domingo, com abstenção próxima a 70%, a aliança de partidos que apoiam o governo Nicolás Maduro venceu as eleições legislativas, com mais de 67% dos votos, segundo o Conselho Nacional Eleitoral (CNE).

Uma aliança liderada pelos partidos tradicionais Ação Democrática (AD) e o Comitê de Organização Política Eleitoral Independente (Copei) ficou em segundo lugar, com 17,95%.

Tanto o AD como o Copei sofreram intervenção do Supremo Tribunal de Justiça (STJ). A corte impôs como líderes de ambos os partidos antigos militantes que haviam sido expulsos das legendas, sob acusação de corrupção por seus correligionários.

Para Josep Borrell, "esta falta de respeito pelo pluralismo político e a desqualificação e perseguição dos líderes da oposição não permitem à UE reconhecer este processo eleitoral como credível, inclusivo ou transparente, e os seus resultados como representativos da vontade do povo venezuelano".

O chefe da diplomacia europeia insiste, por isso, que "a Venezuela necessita urgentemente de uma solução política para pôr fim ao atual impasse e permitir a prestação da assistência humanitária urgentemente necessária ao seu povo".

"A UE apela às autoridades e líderes venezuelanos a darem prioridade aos interesses do povo venezuelano e a unirem-se urgentemente para iniciar um processo de transição liderado pela Venezuela, a fim de encontrar uma solução pacífica, inclusiva e sustentável para a crise política, através de eleições presidenciais e legislativas credíveis, inclusivas e transparentes", afirma Josep Borrell.

Em terceiro lugar no pleito ficou outra aliança liderada pelo Vontade Popular (VP), o partido de Leopoldo López e Juan Guaidó, que também sofreu a ingerência do STJ, e que inclui ainda o Venezuela Unida (VU) e o Primeiro Venezuela (PV). Esta aliança obteve 4,19%.

A taxa de participação, de 31%, segundo o CNE, é ligeiramente superior à de 2005, quando a oposição tradicional também não participou, e o 'chavismo' conquistou a maioria absoluta das cadeiras por um período de cinco anos.

Com o resultado, o chavismo retomou o controle do Legislativo, órgão que serviu aos opositores para lançar sua ofensiva contra o governo de Maduro, que governa o país desde 2013.

O chavismo controla 19 dos 23 estados, comanda 305 das 335 prefeituras, tem 227 dos 251 deputados das assembleias legislativas regionais. Além disso, quase nove em cada dez vereadores respondem às diretrizes do chavismo.

No entanto, à medida que ganha poder, o chavismo perde legitimidade dentro do país e no exterior, algo que vem acontecendo desde 2017, quando a Assembleia Nacional Constituinte foi instaurada – uma entidade que não é reconhecida pela oposição e por parte da comunidade internacional.

O líder da oposição Juan Guaidó reiterou que não reconhece as eleições, que qualificou como fraudulentas, e alertou que as divergências políticas entre o chavismo e a oposição vão se aprofundar após as eleições.

Guaidó proclamou um governo interino no final de janeiro de 2019, com base na sua interpretação de vários artigos da Constituição e protegeu, em sua posição de chefe do Parlamento, o único corpo que era controlado pela oposição. Ele foi imediatamente reconhecido como presidente da Venezuela por cerca de 50 países, incluindo os EUA, Brasil e vários países da América Latina e da Europa.

Mas o boicote às eleições parlamentares deste domingo e a consequente derrota nas urnas significam que Guaidó perderá o status de chefe do Legislativo a partir do dia 5 de janeiro, quando os novos parlamentares serão empossados.

Deutsche Welle, em 07;12.2020

Alexandre de Moraes: Bolsonaro não pode deixar de prestar depoimento

Em despacho da AGU, o presidente da República havia declinado de prestar informações presencialmente. Ministro do STF, relator do caso, decide que Bolsonaro pode permanecer em silêncio, mas não pode recusar oitiva

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, decidiu que caberá ao plenário da Corte definir sobre a forma em que o presidente da República, Jair Bolsonaro, será intimado no âmbito do inquérito que investiga suposta interferência política do chefe do Executivo na Polícia Federal para fins pessoais. A apuração teve início após acusação do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro.

Moraes é o relator do caso, que antes estava com o ministro Celso de Mello, aposentado desde outubro. Ele determinou que o presidente do Supremo, Luiz Fux, seja comunicado da decisão e pediu urgência na inclusão do assunto em pauta.

A Advocacia-Geral da União (AGU) havia enviado um despacho ao Supremo no último dia 26, dizendo que o presidente declinava “do meio de defesa que lhe foi oportunizado unicamente por meio presencial” e pedia o “pronto encaminhamento dos autos à Polícia Federal para elaboração de relatório final”.

Moraes, então, pediu uma manifestação da Procuradoria-Geral da República (PGR), que se posicionou afirmando que “inexiste razão para se opor à opção do presidente de não ser interrogado”. “Na qualidade de investigado, ele está exercendo, legitimamente, o direito de permanecer calado”, pontuou.

Oitiva

O ministro, entretanto, avalia que o presidente tem direito de permanecer em silêncio, mas não de não comparecer à oitiva. “Em momento algum, a imprescindibilidade do absoluto respeito ao direito ao silêncio e ao privilégio da não autoincriminação constitui obstáculo intransponível à obrigatoriedade de participação dos investigados nos legítimos atos de persecução penal estatal ou mesmo uma autorização para que possam ditar a realização de atos procedimentais ou o encerramento da investigação”, pontuou.

Conforme Moraes, a “Constituição Federal consagra o direito ao silêncio e o privilégio contra a autoincriminação, mas não o ‘direito de recusa prévia e genérica à observância de determinações legais’ ao investigado ou réu. “Ou seja, não lhes é permitido recusar prévia e genericamente a participar de atos procedimentais ou processuais futuros, que poderá ser estabelecidos legalmente dentro do devido processo legal, mas ainda não definidos ou agendados, como na presente hipótese”, afirmou.

O ministro, ao decidir que a forma do interrogatório seja definida pelo plenário, determinou que apenas após esta decisão a autoridade policial decida o dia, local e horário, ou envie por escrito as perguntas (se a Corte entender que ele poderá prestar depoimento por escrito). Moraes ainda indeferiu o pedido de encaminhamento dos autos à PF para elaboração do relatório final.

Sarah Teófilo, do Correio Braziliense, em 07.12.2020

STF confirma que recondução na Câmara e no Senado é inconstitucional

A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal decidiu, no final da noite deste domingo (6/12), barrar a possibilidade de reeleição dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado.

Os três últimos votos foram proferidos pelos ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Luiz Fux, que foram contra a possibilidade de reeleição para presidência das casas legislativas.

O placar ficou em 6 a 5 contra a reeleição de Davi Alcolumbre (DEM-AP), no Senado, e 7 a 4 contra a de Rodrigo Maia (DEM-RJ), na Câmara.

Relator do caso, o ministro Gilmar Mendes defendeu que o Congresso pudesse alterar a regra internamente por uma mudança regimental, questão de ordem ou "qualquer outro meio de fixação de entendimento próprio à atividade parlamentar", e não necessariamente pela aprovação de uma PEC (proposta de emenda à Constituição).

Maia está no seu terceiro mandato consecutivo à frente da Câmara. Ele assumiu a cadeira pela primeira vez em setembro de 2016, em um mandado tampão, após a renúncia do mandato do ex-presidente da Casa Eduardo Cunha (MDB-RJ), e não largou mais.

Depois disso, na mesma legislatura, conseguiu parecer técnico favorável a que participasse de nova disputa, em 2017. No início de 2019, em uma nova legislatura, o que é permitido pela Constituição, disputou novamente e venceu.

No julgamento do Supremo, que ocorreu no Plenário virtual, Kassio Nunes foi o único a sustentar que a regra não deveria valer para quem já foi reeleito, o que impediria Maia de buscar mais um mandato no comando da Câmara.

A decisão foi provocada pela Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.524, ajuizada pelo PTB. Segundo a legenda, o regimento interno da Câmara não considera recondução a eleição para o mesmo cargo em legislaturas diferentes, ainda que sucessivas. Cada legislatura tem quatro anos.

O partido pedia que o Supremo dê interpretação conforme a Constituição ao artigo 5º, parágrafo 1º, do regimento da Câmara e ao artigo 59 do regimento do Senado, a fim de estabelecer que a vedação constitucional à reeleição ou recondução às mesas das duas casas se aplica às eleições que ocorram na mesma legislatura ou em legislaturas diferentes.

O julgamento da ADI 6.524 movimentou o mundos jurídico e político. Semana passada, o jurista Ives Gandra Martins publicou artigo na ConJur defendendo a literalidade do dispositivo constitucional. No texto, ele explicou que o artigo 57 da Constituição da República é de uma clareza solar e que "dois anos não são quatro, vedação não é permissão e mesmo cargo não é outro cargo".

Gandra defende que o único caminho para mudança nas regras é uma emenda constitucional, com 60% dos votos em duas votações nas duas casas, autorizando a reeleição. Esse entendimento prevaleceu no Plenário do STF.

Por Rafa Santos e Emerson Voltare, do Consultor Jurídico, em 07.12.2020

'Passei a cozinhar com carvão': como a inflação deve afetar os mais pobres em 2021

Anely ao lado do seu fogareiro de carvão.

A máscara esconde o sorriso, mas a simpatia está toda lá. E é com ela que Anely Rodrigues dos Santos, de 48 anos e moradora do Guará I, cidade-satélite de Brasília (DF), apresenta para a câmera do celular o cardápio do dia.

"Minha dobradinha está pronta aqui, feita no fogão à lenha. Meu arroz também está prontinho. E a salada: brócolis, tomate e batata com tomatinho cereja", diz Santos no vídeo, postado em um grupo de moradores do Guará no Facebook.

A alegria no registro esconde a história de dificuldades que levou a ex-doméstica a passar a cozinhar marmitas para fora, como forma de conseguir alguma renda, após perder o emprego na pandemia.

"Antes, eu trabalhava numa casa de família, como mensalista. Mas, sem escola e creche, e sem nenhum lugar que eu pudesse pagar, meu filho não tinha onde ficar, então tive que sair", conta Santos.

"Você está acostumada a receber todo mês seu salário, aí fica sem dinheiro, você fica apavorada. Aí comecei a fazer as marmitas de fim de semana", diz a cozinheira, que contou ainda com a renda do auxílio emergencial, agora reduzido a R$ 300.

"Faço dobradinha, feijoada, sarapatel, essas comidas assim grosseironas. Fiz um fogareiro e estou cozinhando no carvão, que é mais rápido e mais barato do que o gás."

Com o fogareiro a carvão, a moradora do Distrito Federal dribla o desemprego e a alta de preços do gás.

Mas a perspectiva para 2021 é de que os preços controlados pelo governo, que foram um fator de alívio para a inflação na maior parte deste ano, voltem a pesar no bolso dos brasileiros, num momento em que a alta de preços dos alimentos deve perder força.

Rodada de reajustes

Na última quinta-feira (3/12), a Petrobras anunciou mais um reajuste de 5% do botijão de gás às distribuidoras.

No ano, o combustível de maior peso na renda das famílias mais pobres já acumula alta de 21,9% no atacado, acompanhando o aumento da cotação internacional e a variação do dólar.

Ainda nesse fim de ano, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) surpreendeu a todos, ao antecipar para dezembro a reativação da bandeira vermelha nas contas de luz, gerando uma cobrança adicional de R$ 6,24 para cada 100 KWh (quilowatt-hora) consumidos.

Antes disso, a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) determinou que o reajustes de planos de saúde adiados em 2020 sejam aplicados a partir de janeiro de 2021, de forma diluída, em 12 parcelas. Esse é um aumento de preços que pesa mais para a classe média.

E, a partir de janeiro, são esperados ainda os reajustes do transporte público e as correções anuais das contas de luz, que devem tornar a energia ainda mais cara, para além do acionamento da bandeira tarifária. A gasolina e o diesel também devem subir no próximo ano.

moeda de um real

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Inflação atinge os mais pobres com mais força


'Bondade hoje pode ser maldade amanhã'

"A natureza dos preços monitorados é que eles dependem de decisões governamentais. Esse ano, por conta da pandemia, existiram decisões espraiadas por todo o Brasil de atrasar reajustes, reduzi-los, mitigá-los ou até mesmo anulá-los", diz Fabio Romão, analista de inflação da LCA Consultores.

"Isso foi feito para preservar principalmente a renda das famílias menos abastadas. Dois grandes exemplos disso são a energia elétrica e a taxa de água e esgoto", cita o economista. "A bondade de hoje pode ser a maldade de amanhã, chega uma hora que será preciso reajustar esses preços e talvez até ter compensações ao alívio gerado em 2020."

A estimativa da LCA é de uma alta de 2,42% para os preços administrados em 2020 e de 3,70% em 2021. Antes, a projeção era de altas em torno de 1% e 4,5% respectivamente, mas o reajuste foi antecipado pela decisão da Aneel de acionar a bandeira vermelha já em dezembro.

arroz e feijão

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Aumento do preço dos alimentos atinge com maior força os mais pobres

Inflação dos mais pobres

"Esse ano, a inflação dos mais pobres ficou bem mais alta do que a geral, por conta de alimentos", observa Maria Andreia Lameiras, economista e pesquisadora do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

Segundo o Indicador Ipea de Inflação por Faixa de Renda, a inflação da população de renda muito baixa chegou a 5,33% no acumulado de 12 meses até outubro, comparada a alta de 3,92% do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), indicador oficial de inflação do país, no mesmo período.

Na sexta-feira (4/12), o IPC-C1 (Índice de Preços ao Consumidor - Classe 1) da FGV (Fundação Getúlio Vargas), que mede a inflação para famílias com renda mensal entre 1 e 2,5 salários mínimos, mostrou quadro semelhante, com uma alta acumulada em 12 meses de 5,82% até novembro, puxada por avanço de 17,06% dos alimentos no período.

"Sabemos que, no ano que vem, teremos um alívio nos preços dos alimentos. Ainda vai haver aumentos em 2021, mas em proporção muito menor", diz Lameiras, citando o crescimento de safras e menor desvalorização cambial como fatores para essa mudança.

"Mas, em compensação, energia elétrica e transportes, que vão fechar 2020 com uma variação muito baixa, no ano que vem, vão trazer uma variação mais alta."

A economista lembra que esse efeito no transporte público é comum, com reajustes menores em anos de eleições municipais e correções maiores nos primeiros anos de mandato. Em 2021, esse efeito deve ser agravado pelo prejuízo bilionário e perda de passageiros do setor de transportes devido à pandemia, que poderão ser compensados na próxima rodada de ajustes.

Aumento dos combustíveis afeta do preço de produtos ao transporte público

Outro peso importante no orçamento dos mais pobres, o aluguel sofre a pressão de um IGP-M (Índice Geral de Preços - Mercado) em alta de 24,52% em 12 meses até novembro. Por outro lado, diz Lameiras, o elevado número de imóveis ociosos reduz um pouco dessa pressão, com muitos proprietários aceitando reajustes mais baixos, apesar do indexador disparado em alta.

Preços em alta, renda em baixa

A pesquisadora do Ipea destaca que um problema dos itens que vão pressionar a inflação no próximo ano é que eles dificilmente podem ser substituídos.

"No caso do gás de botijão, na pior das hipóteses, as pessoas vão para fogareiro nas comunidades mais pobres. Já na energia elétrica e no transporte público, não existe essa substituição. Assim como com o arroz, feijão e leite, com a energia elétrica, a pessoa pode até diminuir um pouco o consumo, mas precisa de um mínimo para garantir sua subsistência."

Esse aumento de itens cujo consumo é pouco elástico vai se dar num momento em que a renda dos mais pobres estará desafiada pelo fim do auxílio emergencial.

"O que esperamos é que, com a melhora da atividade econômica em 2021, essas pessoas consigam voltar ao mercado de trabalho, recuperando sua renda", diz Lameiras. "Mas isso está muito condicionado ao que vai acontecer com a economia brasileira em 2021."

Desequilíbrio fiscal é risco

Para a economista, será importante no próximo ano que as reformas estruturais planejadas pelo governo avancem, sinalizando ao mercado que há um plano de controle das contas públicas e que a dívida pública não vai explodir.

Outro fator de incerteza, destaca a pesquisadora, é como a pandemia vai evoluir nos próximos meses.

"Geralmente, as famílias mais pobres têm baixa qualificação e estão muito ligadas aos setores de comércio e serviços. E são esses setores os mais penalizados quando há um quadro de pandemia se agravando."

André Braz, coordenador de índices de preço do Ibre-FGV, prevê que os preços monitorados devem ter alta de cerca de 1,5% a 2% esse ano, contra uma inflação que deve fechar o ano acima de 4%.

Já em 2021, Braz espera uma alta acima de 5% para os administrados e avanço maior do que 4% para o IPCA como um todo, superando a meta de inflação do próximo ano, que é de 3,75%.

Para o economista, o principal risco para uma piora da inflação no ano que vem é se houver um descontrole maior das contas públicas.

"Temos um déficit público que já está praticamente do tamanho do PIB e isso representa um risco de o país não ter recursos para arcar com as suas contas, o que pode criar um desequilíbrio na inflação, tanto por desvalorização cambial, quanto por emissão de moeda, caso isso aconteça", afirma, defendendo a necessidade de o governo voltar à política de contenção de gastos no próximo ano, retomando a agenda de reformas.

Thais Carrança, da BBC News Brasil em São Paulo, em 07.12.2020.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Um governo cruel

O governo federal é a expressão viva da indiferença e da falta da sensibilidade que marca a triste passagem de Jair Bolsonaro pela Presidência

Comandado por um presidente que tem evidente dificuldade para demonstrar empatia autêntica por qualquer um que não leve seu sobrenome, o governo federal é a expressão viva da indiferença que marca a triste passagem de Jair Bolsonaro pelo poder. A ministros sem currículo e sem o mínimo cabedal para as nobres tarefas que lhes foram concedidas pela irresponsabilidade bolsonarista, só resta empenhar-se em agradar ao chefe – e o fazem emulando fielmente a truculência tão característica de Bolsonaro.

Tome-se o exemplo do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. Como se fosse titular do Ministério da Doença, o sr. Pazuello, inspirado no presidente, parece trabalhar em favor do coronavírus, facilitando-lhe a dispersão entre os brasileiros e agravando a pandemia. Na quarta-feira passada, contra todas as evidências, o ministro disse que a recém-encerrada campanha eleitoral, com suas aglomerações, “não trouxe nenhum tipo de incremento ou aumento de contaminação”, razão pela qual “não podemos mais falar em lockdown nem nada”.

Ora, o que aconteceu, segundo as informações disponíveis, foi o exato oposto. Tanto é assim que vários governos decidiram reforçar algumas das restrições que haviam sido abrandadas. Ao desestimular o isolamento social e fazer crer que as contaminações estão diminuindo, o ministro semeia confusão e colabora para desmoralizar os esforços de quem demonstra preocupação com o vírus. 

Enquanto isso, o secretário executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, a propósito das recomendações para os brasileiros nas festas de fim de ano, menosprezou o isolamento social, pois segundo ele “não tem eficácia”, malgrado seja preconizado pela comunidade científica mundial para reduzir a pandemia. Já em caso de suspeita de contaminação, Élcio Franco defendeu o “tratamento precoce”, que não existe senão no discurso dos xamãs bolsonaristas.

Sabe-se lá quantos brasileiros mais ficarão doentes, correndo risco de morte, como resultado do conflito de mensagens estimulado pelo governo. Para os propósitos de Bolsonaro, como se sabe, isso não tem a menor importância, já que, em suas inolvidáveis palavras, “todos vamos morrer um dia”. A única coisa que importa é livrar-se da responsabilidade pelas consequências da pandemia.

Assim, não surpreende que o governo tenha demorado tanto para formular um plano de vacinação e, também, que esse plano, afinal apresentado na terça-feira passada, seja tão aquém do necessário. A vacinação não somente se estenderá por um ano ou talvez até mais, como será destinada a uma parcela muito pequena da população. 

Sem jamais ter sido prioridade do governo – ao contrário, o próprio presidente disse e repetiu em voz alta que a vacinação não seria obrigatória, como se a vacina fosse uma aspirina que se escolhe tomar ou não –, a imunização dos brasileiros contra o coronavírus entrará para a já extensa e variada lista das obrigações que Bolsonaro, como presidente da República, está deixando de cumprir. E neste caso colocando em risco a saúde de todos.

À inépcia junta-se o autoritarismo explícito, única promessa de campanha que Bolsonaro cumpre à risca. Uma portaria do Ministério da Educação publicada na quarta-feira determinava o retorno às aulas presenciais nas universidades federais e nas faculdades particulares a partir de janeiro. De uma tacada só, a ordem violava a autonomia universitária e, sem qualquer consulta aos gestores universitários, atropelava os esforços para reduzir o contágio entre estudantes e professores.

O ministro da Educação, Milton Ribeiro, expressou surpresa com a repercussão negativa. Ou seja, foi simplesmente incapaz de perceber a violência da medida, evidente por si mesma. É, portanto, muito pior do que a simples incompetência: trata-se de um governo sem qualquer sensibilidade, movido exclusivamente pelos delírios bolsonaristas de poder, nos quais o presidente e alguns de seus principais ministros não demonstram compaixão pelos pobres e os doentes.

Com um presidente que é fã declarado de torturadores, quem haverá de se dizer surpreso, afinal?

Editorial / Notas & Informações, O Estado de São Paulo / 04 de dezembro de 2020 

Ex-ministro, Nelson Jobim se diz 'perplexo' com discussão sobre reeleição de Maia e Alcolumbre

Contrário às reconduções, Jobim cita que a Constituição, que ajudou a elaborar, é clara ao abordar a questão

 Deputado constituinte e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim afirmou ter ficado "perplexo" com a discussão na Corte sobre a possibilidade de os presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), se reelegerem nos cargos. Contrário à recondução, ele citou que a Carta Magna de 1988, que ajudou a elaborar, é clara ao abordar a questão.

“Não é assunto para se estar discutindo porque tem uma regra expressa na Constituição”, afirmou Jobim em entrevista ao Estadão, de sua casa em São Paulo, onde se recupera após contrair covid-19. Aos 74 anos e parte do grupo de risco da doença, ele disse estar bem, apenas com sintomas leves, como cansaço.

O ex-ministro da Justiça e do STF Nelson Jobim, em evento na capital paulista nesta quarta-feira, 13 Foto: Tita Fotografia/Insper

O julgamento de uma ação do PTB que trata sobre o tema foi iniciado pela Corte na madrugada desta sexta-feira no plenário virtual. Os ministros têm até o dia 14 para declarar seus votos. Hoje pela manhã, no entanto, 5 dos 11 integrantes da Corte já disseram ser a favor da possibilidade de reeleição no Congresso. Apenas um, Kássio Nunes Marques, fez a ressalva de que no caso de Maia, que já foi reeleito duas vezes no cargo, não há a possibilidade de mais uma recondução.

Na conversa com o Estadão, Jobim afirmou que a possibilidade de reeleição no Congresso não deveria nem ser considerada pelo Supremo.  "Tem regra expressa na Constituição (contra reeleição)", repetiu o ex-presidente da Corte, que ocupou a cadeira que hoje é de Luiz Fux entre 2004 e 2006. No ano seguinte, Jobim assumiu o Ministério da Defesa, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, cargo que também ocupou no início da gestão de Dilma Rousseff. Antes, já havia sido ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso.

Um dos poucos políticos no País com passagens destacadas pelos três Poderes - Executivo, Judiciário e Legislativo -, Jobim argumentou que admitir a reeleição no Congresso “é desconsiderar a Constituição Federal". Ele se refere ao § 4º do artigo 57 da Constituição, que diz:  “Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de dois anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”.

O então deputado esteve ao lado de Ulysses Guimarães, que presidiu a Assembleia Nacional Constituinte, entre 1987 e 1988, e conheceu o “espírito do legislador”  ao cunhar a regra sobre a reeleição no Legislativo. Segundo Jobim, o veto foi uma “decisão pessoal” de Ulysses, chamado até hoje de "pai da Constituição" que garantiu ao País seu mais longo período democrático.

“Eu me lembro das razões”, contou Jobim. “A decisão do 'Doutor Ulysses' era para evitar a perpetuação de presidentes." O ex-presidente do STF afirmou ainda que, na época, foi citado como um dos objetivos da regra se evitar a repetição de precedentes, como a chamada "emenda Flávio Marcílio", apresentada em 1979, ainda durante a ditadura militar, que permitia a reeleição no comando das duas casas do Legislativo. O então deputado Flávio Marcílio, da Arena, partido ligado aos militares, ocupou por três vezes a presidência da Câmara.

“Está tudo muito claro”, reforçou Jobim, que participou do processo de elaboração do Regimento da Assembleia Nacional Constituinte e foi sub-relator da Comissão de Sistematização.

Em seu voto a favor da possibilidade de reeleição de Maia e Alcolumbre, o relator da ação, ministro Gilmar Mendes, considerou que a proibição à reeleição no Legislativo surgiu no regime militar. Ele argumentou que a emenda constitucional que liberou a recondução do presidente da República, em 1997, permitiu um "redimensionamento" de toda a Constituição.

Até o início da tarde, outros três ministros haviam concordado com esse entendimento. São eles: Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski. Na prática, os votos abrem caminho para que Maia e Alcolumbre concorram à reeleição em fevereiro de 2021, quando está marcada a disputa pela cúpula do Congresso. Maia nega ser candidato a mais dois anos à frente da Casa.

Tânia Monteiro, O Estado de SãoPaulo / 04 de dezembro de 2020 | 14h01

País tem 175.432 óbitos e 6.496.050 diagnósticos de Covid-19

Veja os números consolidados:

175.432 mortes confirmadas

6.496.050 casos confirmados

Na quinta-feira, às 20h, o balanço indicou: 175.307 mortes confirmadas, 776 em 24 horas. Com isso, a média móvel de mortes no Brasil nos últimos 7 dias foi de 544. A variação foi de 0% em comparação à média de 14 dias atrás, indicando tendência de estabilidade nas mortes por Covid, quando não há aumento ou queda significativos.

Em casos confirmados, desde o começo da pandemia 6.487.516 brasileiros já tiveram ou têm o novo coronavírus, com 50.883 desses confirmados no último dia. A média móvel nos últimos 7 dias foi de 40.421 novos diagnósticos por dia, a maior desde 31 de agosto --quando chegou a 40.526. Isso representa uma variação de +37% em relação aos casos registrados em duas semanas, o que indica tendência de alta nos diagnósticos.

Brasil, 3 de dezembro

Treze estados apresentaram alta na média móvel de mortes: PR, RS, SC, ES, MS, AC, AP, RO, CE, PB, PE, RN e SE.

Também vale ressaltar que há estados em que o baixo número médio de óbitos pode levar a grandes variações percentuais. Os dados de médias móveis são, em geral, em números decimais e arredondados para facilitar a apresentação dos dados.

Estados

Subindo (13 estados): PR, RS, SC, ES, MS, AC, AP, RO, CE, PB, PE, RN e SE

Em estabilidade, ou seja, o número de mortes não caiu nem subiu significativamente (10 estados + o DF): MG, SP, DF, MT, AM, PA, RR, TO, BA, MA e PI

Em queda (3 estados): RJ, GO e AL

G1 / 03.12.2020.