sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Estaremos todos grávidos de ódio?

Ao se multiplicar pelas chamadas redes sociais, a mentira se fantasia de ‘verdade’. Tema de Flávio Tavares no seu artigo publicado hoje pelo O Estado de S. Paulo.

O caso da menina de 10 anos que o tio engravidou tem uma perversidade tão profunda e intensa que temos de entender o horror para analisar a tragédia. Todos os crimes ali estão e reúnem as consequências funestas da propagação diária de violência, que desafia a condição humana e faz da vida mero estímulo mecânico que subjuga a inocência infantil.

Não se trata de ato isolado. De fato, é uma amostra da insanidade maior que nos rodeia há muito e se agravou nos últimos tempos. De vento forte virou tempestade. Tudo tem ares violentos. Desde o “mata-mata” virtual dos “games” eletrônicos infantis até a facilidade com que a polícia mata de verdade nas periferias urbanas, ou que disparem em nós para levar o carro. Nas séries da TV, tiros e bombas se somam ao tum-tum-tum violento da falsa música, num processo que estimula o crime, seja qual for. Já não nos assombramos. A única reação é interpretar o delito como parte da “normalidade”, tal qual a chuva.

Grávidos de violência e incompreensão, parimos o crime. Ou, no mínimo, somos os parteiros. O pior é que tudo se transmite por contágio, como a covid-19, sem que sequer haja máscara de proteção.

Na campanha presidencial de 2018, o eleito por ampla maioria pregou a violência para extinguir a violência, como se (num plano maior) a bomba atômica deixasse de ser catastrófica ao surgir a bomba de hidrogênio… Com os braços e os dedos, o então candidato imitava metralhadora ou revólver, como se disparar significasse desenvolver o País.

Eleito, sua condição de autoridade maior, por si só, estimulou o crime, mesmo sem pregá-lo diretamente. A aberração contagiou até os jornais, num deles houve quem (no paroxismo do absurdo) desejasse “a morte de Bolsonaro” quando contraiu a covid-19. Como no refrão, “o feitiço virou-se contra o feiticeiro”...

Nem os sacrifícios pela pandemia atenuaram a violência. Joga-se futebol sem público, mas em São Paulo dois torcedores foram mortos pelos adeptos da equipe adversária, mesmo com o estádio vazio, na disputa Santos x Palmeiras. Ambos os lados se esqueceram de que, no desporto, sem “um outro” não há disputa.

Além da violência explícita e visível, surge outra, difundida pelas chamadas “redes sociais”. O tal de QAnon, “O Anônimo”, é a sigla do novo terror inventado por adeptos de Trump nos EUA e que, no Brasil, desponta guiada por admiradores do presidente Bolsonaro.

Ali tudo se inventa e, ao se multiplicar pela rede, a mentira se fantasia de “verdade”. O caráter terrorista está em atribuir atos diabólicos a quem pense diferente.

O caso da menininha de 10 anos reúne todos os crimes e se tornou emblemático por tocar num tabu: a perversão confundida com amor.

Nada é mais profundo do que o erotismo amoroso, fusão de duas almas, como se um único corpo corresse pelas entranhas em mútua troca. Nada, porém, é mais brutal do que tornar o erotismo uma perversão que mata a beleza e vira apenas odiento jogo contra o mais débil. O tio da menininha do Estado do Espírito Santos agiu assim durante quatro anos, estraçalhando a inocência infantil.

Todas as visões de amor e ética desabam aqui e, ao se desdobrarem, estimulam o ódio. A notória ativista de direita apelidada de Sara Winter divulgou o nome da menina nas “redes sociais”, como se a vítima – só por existir – fosse culpada pelo crime.

Omitiu porém, o nome do criminoso, algo que até protegeria a sociedade. Julgando-se poderosa por ser partidária do presidente Bolsonaro, convocou baderneiros para protestarem diante do hospital que procedeu à interrupção da gravidez.

Estamos grávidos de ódio, sem espaço para o amor ou, sequer, para compreender a dor? Ou o encanto de viver se extinguiu numa sociedade que virou mero aglomerado de gente, perdeu a essência e ama o ódio?

O terrível é nos habituarmos à degradação, como se o horror fosse a imperdível telenovela da noite.

O crime mancha até atos de solidariedade. Na correta ajuda brasileira ao Líbano, o ex-presidente Michel Temer, chefe da missão oficial, teve de obter licença da Justiça para se ausentar do Brasil, onde está processado por corrupção…

Nada, porém, é tão brutal e violento quanto o desleixo com o meio ambiente, fonte da vida no planeta. Primitivos métodos de garimpagem com mercúrio devastam rios e terras da Amazônia, onde as queimadas florestais aumentam. No Pantanal, incêndios secam a cada dia esse bioma úmido, sem evitarmos as causas.

Tanto desdém fez até os três grandes bancos privados do País adotarem medidas de salvação ambiental, restringindo ou negando crédito aos poluidores. Ou, como resumiu Cândido Bracher, presidente do Itaú, “temos de proteger a Amazônia porque somos habitantes do Brasil e do planeta”, não porque nos pressionem de fora. E sugeriu estimular “quem mantenha as florestas em pé”, algo concreto que a gravidez do ódio desconheceu.

Flávio Tavares, o autor deste artigo, é Jornalista e Escritor. Prêmio Jaboti de Literatura 200 e 205. Prêmio APCA 2004. Professor aposentado da Universidade de Brasília. 

Brasil soma 124.922 mortes pela Covid-19 e 4.054.474 infectados

País tem 124.922 mortes por coronavírus confirmadas até as 13h desta sexta-feira (4), segundo levantamento do consórcio de veículos de imprensa a partir de dados das secretarias estaduais de Saúde.

Veja os números consolidados:

124.922 mortes confirmadas

4.054.474 casos confirmados

Às 8h, o consórcio publicou a primeira atualização do dia com 124.746 mortes e 4.047.790 casos.

Na quinta-feira, às 20h, o balanço indicou: 124.729 mortes confirmadas, 830 em 24 horas. Com isso, a média móvel de novas mortes no Brasil nos últimos 7 dias foi de 858 óbitos, uma variação de -13% em relação aos dados registrados em 14 dias.

Em casos confirmados, eram 4.046.150 brasileiros com o novo coronavírus desde o começo da pandemia, 44.728 desses confirmados no último dia. A média móvel de casos foi de 40.237 por dia, uma variação de +9% em relação aos casos registrados em 14 dias.

No total, 2 estados apresentaram alta de mortes: AM e TO. É a primeira vez que apenas 2 estados apresentam tendência de alta no país desde o início do acompanhamento de tendências pelo consórcio, em 9 de julho.

Em relação a quarta (2), RJ, PE estavam em estabilidade e, hoje, estão em queda. AP e RO estavam em alta e, hoje, estão em estabilidade.

A Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas, responsável pelo balanço no estado, lembra que os números do AM têm sido impactados por óbitos de meses anteriores que foram reclassificados pela Secretaria Municipal de Saúde de Manaus como óbitos por Covid-19. Em PE, houve revisão de dados que resultou na retirada de 299 casos graves e 65 mortes por Covid-19 dos totais acumulados. A revisão foi referente a pacientes e vítimas de fora do estado que estavam sendo contabilizados.

Veja como estão os estados:

Subindo: AM e TO.

Em estabilidade, ou seja, o número de mortes não caiu nem subiu significativamente: PR, RS, SP, GO, MS, MT, AP, PA, RO, RR, CE, MA.

Em queda: SC, ES, MG, RJ, DF, AC, AL, BA, PB, PE, PI, RN e SE.

Essa comparação leva em conta a média de mortes nos últimos 7 dias até a publicação deste balanço em relação à média registrada duas semanas atrás (entenda os critérios usados pelo G1 para analisar as tendências da pandemia).

Por G1




quinta-feira, 3 de setembro de 2020

O perigo da ignorância

Ao ensejar campanha contra uma vacina que ainda não existe, o presidente Jair Bolsonaro alargou os limites do seu descaso pela saúde pública, já bastante elásticos.

O presidente Jair Bolsonaro alargou os limites do seu descaso pela saúde pública, já bastante elásticos, ao ensejar uma campanha contra uma vacina que ainda não existe. Diante de um grupo de apoiadores que o aguardavam na entrada do Palácio da Alvorada na noite de segunda-feira passada, Bolsonaro disse que “ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”. Esta foi a resposta do presidente a uma senhora que lhe pedira para “não deixar fazer esse negócio de vacina, não”, pois “isso é perigoso”. O “perigo”, no caso, é a vacina contra o novo coronavírus, a última esperança de bilhões de pessoas no mundo inteiro para acabar com uma pandemia que já matou 850 mil pessoas nos cinco continentes, mais de 122 mil no Brasil.

É um descalabro.

Primeiro, a resposta de Jair Bolsonaro deveria ter sido outra, haja vista que sim, o Estado tem o poder de obrigar os cidadãos a serem vacinados. Um programa de imunização é, antes de tudo, uma questão de saúde pública, de proteção coletiva contra patógenos, muitos deles mortais, e não uma questão de escolha individual. É algo tão elementar que nem sequer deveria ser escrito. Mas reafirmar obviedades é típico desses tempos estranhos.

A Constituição determina que “a saúde é direito de todos e dever do Estado”. O Estatuto da Criança e do Adolescente diz que “é obrigatória a vacinação de crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”. O Código Penal define como crime “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”. Por fim, a Lei 13.979/2020, sancionada pelo próprio presidente Bolsonaro em fevereiro, estabelece a vacinação como uma das medidas compulsórias à disposição do Estado para o enfrentamento da pandemia de covid-19.

Mas como o presidente ignorou esse arcabouço jurídico, ao menos o absurdo deveria ter ficado circunscrito ao cercadinho do Alvorada, onde se reúne a sua claque, e não ter ganhado a projeção que ganhou após a infeliz frase de Bolsonaro ter ido parar em uma imoral campanha institucional da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) no Twitter.

Talvez para adular o presidente, a Secom tomou sua frase e a publicou em letras maiúsculas, afirmando que “o governo do Brasil investiu bilhões de reais para salvar vidas e preservar empregos. Estabeleceu parceria e investirá na produção de vacina. Recursos para Estados e municípios, saúde, economia, tudo será feito, mas impor obrigações definitivamente não está nos planos”. Termina a peça de propaganda dizendo que “o governo do Brasil preza pelas (sic) liberdades dos brasileiros”.

Tudo nesse disparatado tuíte da Secom está errado. E antes o erro de regência fosse o mais grave. A peça é moralmente condenável, pois a palavra do presidente da República tem peso. Quantos cidadãos podem, de fato, achar que vacinas são perigosas ao ouvir Bolsonaro dizer que “ninguém será obrigado” a tomá-las? Que tipo de mensagem Bolsonaro transmite à Nação? Vacinar-se, quando possível, será decisão individual? Não será. Há leis que assim o determinam.

A declaração do presidente também é incoerente com os “bilhões de reais investidos para salvar vidas e preservar empregos”, além das parcerias firmadas com laboratórios nacionais e estrangeiros para a produção da vacina, quando, enfim, um imunizante for desenvolvido com segurança e eficácia. Isso tudo para, ao fim e ao cabo, um grupo de cidadãos irresponsáveis ou, no mínimo, desinformados se achar no direito de não ser vacinado e colocar em risco, além de suas próprias vidas, as de familiares e concidadãos.

A frase transformada em propaganda oficial é um desrespeito à ciência. É um desrespeito ao Programa Nacional de Imunizações do Brasil, o maior programa público de vacinação do mundo, reconhecido internacionalmente. É um desrespeito à vida. A humanidade está prestes a ver o resultado de um esforço coletivo jamais empreendido na área de saúde, em tão curto espaço de tempo. Algo a celebrar, não a relativizar pela obtusa visão do presidente acerca de escolhas pessoais.
   
Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
03 de setembro de 2020 | 03h00


quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Corte Especial do STJ já tem os 10 votos necessários para afastar Witzel do cargo

No início da sessão, ministros rejeitaram pedido da defesa de Witzel para julgamento não ser transmitido ao vivo pelo YouTube

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já tem 12 votos para manter o afastamento de Wilson Witzel (PSC) do governo do Rio, número superior aos dez votos necessários. O julgamento ainda não acabou, mas foi atingido o quórum qualificado de 2/3 dos votos para manter o entendimento do relator do caso, Benedito Gonçalves.

Desde que foi criado, em 1988, o STJ já mandou governadores para a cadeia durante o exercício do mandato – como José Roberto Arruda e Luiz Fernando Pezão -, mas esta foi a primeira vez que um chefe do Executivo local foi afastado do cargo sem ser preso.

Até a publicação deste texto, Benedito Gonçalves e os ministros Francisco Falcão, Nancy Andrighi, Laurita Vaz, Maria Thereza Assis de Moura, Og Fernandes, Luís Felipe Salomão, Mauro Campbell, Raul Araújo, Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi defenderam o afastamento do governador. Até agora, apenas Napoleão Nunes votou a favor de Witzel.

Ainda faltam os votos de dois magistrados.

A determinação de Benedito Gonçalves é para que Witzel fique afastado do afastamento por 180 dias. Raul Araújo propôs que, ao final do julgamento, seja discutido o período de afastamento de Witzel.

Eleito em 2018 tendo como um dos pilares de sua campanha o discurso contra a corrupção, Witzel – um ex-juiz federal que fazia sua estreia na política – foi acusado de obter vantagens indevidas em compras fraudadas na área de saúde durante a pandemia do novo coronavírus. A defesa do governador afastado alega que o afastamento foi determinado sem que o ex-juiz federal prestasse depoimento às autoridades.

“Entendi que a prisão preventiva era mais gravosa, entendi por optar por medida menos gravosa, que era afastamento”, disse o relator do caso, ministro Benedito Gonçalves, em uma rápida leitura do voto no início do julgamento.

“Os fatos são graves, merecem uma apuração e no momento em que vivemos, numa pandemia, onde já tivemos mais de 120 mil vítimas, é impossível que alguém que esteja sendo acusado e investigado possa continuar exercer o cargo tão importante de maior dirigente do Estado do Rio de Janeiro”, disse o ministro Francisco Falcão. “Diante da gravidade dos fatos, não vejo como não referendar a decisão proferida pelo ministro Benedito Gonçalves.”

Para a ministra Nancy Andrighi, a “ordem pública não está só em risco, mas em grave lesão”. “Realmente a ordem pública está não só em risco, como em atual, intensa e grave lesão, a situação de enfrentamento à pandemia tem sido aproveitada para dar continuidade à prática de atos criminosos”, afirmou a ministra.

Quarta a votar, a ministra Laurita Vaz concordou com os colegas. “Da decisão do ministro relator, extrai-se elementos que demonstram que a ordem publica estava vulnerada de modo a justificar medidas enérgicas para sustar as atividades supostamente criminosas”, disse.

Críticas

Mesmo acompanhando o entendimento dos colegas, a ministra Maria Thereza de Assis Moura criticou o fato de Witzel ter sido afastado do cargo por uma decisão monocrática (individual).

“Na minha modesta opinião, essa decisão não deveria ter sido monocrática, mas submetida ao órgão colegiado desde logo. Trata-se aqui de governador de Estado, eleito com mais de 4,6 milhões de votos”, ressaltou. “Acredito eu, que em se tratando do afastamento de autoridade com prerrogativa de foro, eleita pelo voto popular, a submissão dessa matéria à Corte Especial constitui a meu ver uma medida de prudência, que me parece, ostenta maior compatibilidade com o princípio democrático.”

Mauro Campbell também questionou o afastamento de Witzel por uma decisão individual, mas acabou votando para que o ex-juiz seguisse afastado das atividades no Palácio Guanabara.  “Os fatos falam por si só. As medidas cautelares estão baseadas em elementos concretos, havendo, portanto, ameaça à ordem pública.”

Para o ministro Og Fernandes, o afastamento de Witzel foi uma “avaliação adequada” tomada pelo relator do caso.

“Não há nenhuma decisão que se tome sobre esse caso indolor. Sei disso pela experiência já longa da profissão. E às vezes nós apanhamos da caneta ou do computador para firmar uma decisão que nós não gostaríamos como pessoas de ter que tomar. E é exatamente porque nós não somos eleitos pelo voto popular que a nossa legitimidade como poder do Estado se estabelece exatamente pela possibilidade de decidirmos matérias sem sofrermos o ônus de uma consequência popular ou popularista. E é por isso que há juízes no Brasil.”

Até agora, o único voto a favor de Witzel veio do ministro Napoleão Nunes. “O pouco amor que se tem tido ultimamente pelo justo processo jurídico e o desapreço que se tem tido pelas liberdade individuais tem conduzido alguns autores imprudentes a relacionar o garantismo com a impunidade”, disse Napoleão. “Será que podemos falar em ampla defesa num julgamento que não comporta fala de advogado?”

Defesa

No início da sessão, o pedido da defesa de Witzel para a sessão não ser transmitida pelo YouTube foi rejeitado. “Se estivéssemos sem YouTube, na chamada normalidade, como seria esse julgamento? Público. O instrumento hoje tecnológico de publicidade é YouTube, eu voto pela publicização pelo YouTube”, disse Benedito Gonçalves.

A defesa de Witzel contesta o afastamento, alegando que a medida extrema foi tomada sem que o governador prestasse depoimento às autoridades. “O afastamento cautelar verificou-se no incurso do inquérito e lá no inquérito, o governador em momento algum foi ouvido. Sequer escreveu uma linha. Sequer a sua defesa fora intimada para isso ou aquilo”, disse Nilson Naves, um dos advogados de Witzel.

A Corte Especial é formada por 15 dos 33 ministros mais antigos do tribunal. No julgamento, os ministros entenderam que são necessários um mínimo de 10 votos (quórum qualificado de 2/3) para que Witzel continue afastado do cargo de governador.

Os ministros Felix Fischer, João Otávio de Noronha, Jorge Mussi e Herman Benjamin se afastaram do caso, alegando suspeição ou impedimento. O presidente do STJ, Humberto Martins, convocou então quatro ministros substitutos para participar da sessão: Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Villas Bôas Cueva e Marco Buzzi. Um dos ministros substitutos teve de ser trocado – Paulo de Tarso Vieira Sanseverino avisou aos colegas que não poderia acompanhar a sessão. Como Cueva não compareceu, foi necessário convocar outro substituto: Sergio Kukina.
       
Rafael Moraes Moura, O Estado de S. Paulo / BRASÍLIA

Afastamento de Wilson Witzel: entenda

Por determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), governador do Rio foi afastado do cargo por suspeita de participação em esquema de corrupção. Primeira-dama também é alvo das investigações.
Por G1 Rio

Veja como funcionava o esquema de corrupção na saúde do Rio

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou, na ultima sexta-feira (28), o afastamento imediato do governador Wilson Witzel (PSC) do cargo por suspeitas de corrupção. Também determinou buscas contra a primeira-dama, a advogada Helena Witzel, que tem contratos com empresas envolvidas no esquema de desvio de recursos.

Nesta quarta-feira (2), o STJ julga se mantém Witzel afastado do cargo de governador do RJ. Quinze ministros analisam a decisão individual (monocrática) que tirou Witzel do cargo.

Além do afastamento do governador, o STJ expediu 17 mandados de prisão, sendo 6 preventivas e 11 temporárias, e 83 de busca e apreensão. A Procuradoria-Geral da República denunciou nove pessoas.

Denunciados:

Wilson Witzel

Helena Witzel

Lucas Tristão

Mário Peixoto

Alessandro Duarte

Cassiano Luiz

Juan Elias Neves de Paula

João Marcos Borges Mattos

Gothardo Lopes Netto

Para cumprir os mandatos, foi deflagrada uma operação batizada de Tris in Idem, uma referência ao fato de se tratar do terceiro governador do estado que se utiliza de esquemas ilícitos semelhantes para obter vantagens indevidas – os outros dois foram Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão.

O que é investigado?

Governador Wilson Witzel (PSC) e a mulher, Helena Witzel, são investigados por corrupção em contratos do governo do estado — Foto: Reprodução/TV Globo

Governador Wilson Witzel (PSC) e a mulher, Helena Witzel, são investigados por corrupção em contratos do governo do estado — Foto: Reprodução/TV Globo

A ordem de afastamento e os mandados de prisão e de busca e apreensão são decorrência das investigações da Operação Favorito e da Operação Placebo -- ambas realizadas em maio, e da delação premiada de Edmar Santos, ex-secretário de Saúde.

O ministro do STJ Benedito Gonçalves, que determinou o afastamento de Witzel do cargo, apontou em sua decisão que o Ministério Público Federal (MPF) descobriu uma “sofisticada organização criminosa, composta por pelo menos três grupos de poder, encabeçada pelo governador Wilson Witzel”.

A suspeita é de que o governador tenha recebido, por intermédio do escritório de advocacia de sua mulher, Helena Witzel, pelo menos R$ 554,2 mil em propina. O MPF descobriu transferência de R$ 74 mil de Helena Witzel para a conta pessoal do governador

Por conta dessa suspeita, a Procuradoria-Geral da República (PGR) pede reparação aos cofres públicos no valor de R$ 1,1 milhão do governador do Rio de Janeiro.

A descoberta do esquema criminoso teve início com a apuração de irregularidades na contratação dos hospitais de campanha, respiradores e medicamentos para o enfrentamento da pandemia do coronavírus.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) afirma que o governo do RJ estabeleceu um esquema de propina para a contratação emergencial e para liberação de pagamentos a organizações sociais (OSs) que prestam serviços ao governo, especialmente nas áreas de Saúde e Educação.

Além disso, os procuradores apontam que a primeira-dama possui “vínculo bastante estreito e suspeito” com as empresas do empresário Mário Peixoto, que fornece mão de obra para o governo do Rio de Janeiro desde a gestão de Sérgio Cabral.

As investigações revelaram que Peixoto era o verdadeiro dono de várias empresas, que têm contratos milionários com o governo do estado, e que tinham à frente vários “laranjas" para tentar ocultar a verdadeira propriedade delas.

Quais as suspeitas sobre o governador?

A denúncia apresentada pela PGR ao STJ aponta que Wilson Witzel teria recebido pelo menos R$ 554,2 mil em propinas, por intermédio do escritório de advocacia de sua mulher, Helena Witzel.

Segundo os procuradores, o governador tem "participação ativa no conhecimento e comando das contratações com as empresas investigadas". Troca de emails comprovariam as suspeitas.

De acordo com a denúncia apresentada pela PGR ao STJ, Wilson Witzel "aceitou promessa e recebeu vantagem indevida no valor de R$ 274.236,50 (duzentos e setenta e quatro mil, duzentos e trinta e seis reais e cinquenta centavos), ofertada e paga pelo empresário Mário Peixoto".

A outra parte da propina recebida por Witzel são R$ 280 mil pagos pelo Hospital Jardim Amália (Hinja), de Volta Redonda, no Sul Fluminense, que pertence à família de Gothardo Lopes Netto, ex-prefeito da cidade.

Segundo o STJ, a quebra do sigilo telemático de Wilson Witzel permitiu identificar dois e-mails que ele enviou para a mulher, Helena Witzel, com o contrato de prestação de serviços do escritório de advocacia dela com o hospital. O documento aponta que ela receberia R$ 30 mil por mês do hospital. Os investigadores descobriram que ela recebeu R$ 280 mil deste contrato.

Conforme consta na acusação encaminhada ao STJ, a contratação do escritório de advocacia consistiu em artifício para permitir a transferência indireta de valores de Mário Peixoto e Gothardo Lopes Netto para Wilson Witzel.

Quais as suspeitas sobre a primeira-dama?

Helena Witzel sempre teve um papel importante nas decisões do governo

Segundo os procuradores, o escritório de advocacia de Helena Witzel possui “vínculo bastante estreito e suspeito” com empresas envolvidas em esquemas de corrupção no governo do estado.

Ela tem contratos com as empresas investigadas, que são de propriedade do empresário Mário Peixoto, preso pela operação Lava-Jato diante dos esquemas de corrupção comandados pelo ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral.

As investigações apontaram que a contratação do escritório da primeira-dama serviu para facilitar a transferência indireta de valores desviados dos contratos do governo do estado com as empresas investigadas. A quebra de sigilo mostrou que Witzel enviou e-mails para Helena Witzel com a minuta de um contrato de prestação de serviço de advocacia relativo ao escritório dela.

O caminho do dinheiro de Witzel, segundo a delação — Foto: Editoria de Arte/G1

O caminho do dinheiro de Witzel, segundo a delação — Foto: Editoria de Arte/G1

Ao determinar buscas contra Helena Wiztel, o ministro do STJ, Benedito Gonçalves, enfatizou que, segundo o MPF, “o escritório de advocacia da primeira-dama, reativado sem qualquer outro advogado além da primeira dama e sem qualquer funcionário, bem ainda sem a realização de qualquer serviço (...), foi utilizado para escamotear o pagamento de vantagens indevidas ao governador”.

Segundo a investigação, o escritório recebeu cerca de R$ 554,2 mil em dez meses, entre agosto de 2019 e maio de 2020. Desse montante, R$ 280 foram pagos pelo Hospital Jardim Amália, R$ 112,6 mil pela DPAD Serviços Diagnósticos, R$ 59,3 mil pela Cootrab Cooperativa Central de Trabalho e R$ 102,2 mil pela Quali Clínicas Gestão e Serviços de Saúde.

O estreito elo de Helena Witzel com a atuação política do marido também foi evidenciada pela ligação dela com o Partido Social Cristão (PSC), do qual Witzel é filiado. Reportagem do Jornal O Globo publicada em maio revelou que a primeira-dama era contratada pelo partido, com salário de R$ 22 mil.
Ex-secretário de Saúde detalhou em delação premiada como se dava o loteamento de cargos no governo Witzel — Foto: Arte/G1

Ex-secretário de Saúde detalhou em delação premiada como se dava o loteamento de cargos no governo Witzel — Foto: Arte/G1

Os núcleos da propina no governo Witzel — Foto: Editoria de Arte/G1
Os núcleos da propina no governo Witzel — Foto: Editoria de Arte/G1


Quem mais é investigado?
Pastor Everaldo - um dos alvos da operação. — Foto: Alexandre Durão/G1

Pastor Everaldo - um dos alvos da operação. — Foto: Alexandre Durão/G1


No total, são 17 mandados de prisão, sendo 6 preventivas e 11 temporárias, e 83 de busca e apreensão.

Mandados de prisão cumpridos:

Pastor Everaldo, presidente do PSC;

Lucas Tristão, ex-secretário de Desenvolvimento Econômico;

Gothardo Lopes Netto, médico e ex-prefeito de Volta Redonda;

Filipe de Almeida Pereira, filho do pastor Everaldo

Laercio Pereira, filho do pastor Everaldo;

Alessandro Duarte, empresário;

Cassiano Luiz, empresário.

Os alvos de mandados de busca foram a primeira-dama, Helena Witzel, o vice-governador, Cláudio Castro, o presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), André Ceciliano (PT) e o desembargador do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro (TRT-RJ) Marcos Pinto da Cruz.

Quem assume o governo?

Diante do afastamento do cargo de governador determinado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), quem assumiu o lugar de Witzel foi o vice-governador Cláudio Castro, que também é investigado, mas não teve o afastamento determinado pela Justiça até então.

Caso Castro seja afastado, o segundo na linha sucessória do cargo é o presidente da Assembleia Legislativa do Estado (Alerj), deputado André Ceciliano, que também é investigado no mesmo esquema de corrupção

Se os três – governador, vice-governador, e presidente da Alerj – forem afastados do cargo, quem assume o governo é o presidente do Tribunal de Justiça do Rio, atualmente comandado pelo desembargador Claudio de Mello Tavares.

Se o governador e vice forem afastados definitivamente do cargo, será realizada nova eleição. A legislação estabelece que se a vacância do cargo ocorrer nos dois últimos anos do mandato, a eleição para ambos os cargos deve ser feita pela Assembleia Legislativa.

O que dizem os envolvidos?

Wilson Witzel: O governador afastado declarou, em um pronunciamento no Palácio Laranjeiras, que está "indignado".

Witzel se disse perseguido pelo governo federal e fez ataques ao ex-secretário Edmar Santos.

"Mais uma vez quero manifestar a minha indignação e uma busca e apreensão e, mais uma vez, é uma busca e decepção. Não encontrou um real, uma joia, simplesmente mais um circo sendo realizado", disse Witzel. "Você não pode afastar um governador com a suposição de que ele vai fazer algo."

"Edmar nos enganou a todos. Um tenente-coronel da Polícia Militar, professor da Uerj, ex-diretor do Pedro Ernesto. Esse vagabundo entra na saúde do Rio de Janeiro quando eu avisei que não toleraria corrupção e não tolero corrupção. Tentou ludibriar a todos nós."




Helena Witzel: O advogado José Carlos Tórtima que não "nada há nos autos da investigação, nos quais foi decretada a referida medida, de objetivo e concreto, que de alguma forma leve a crer que a Doutora Helena Witzel tenha, de qualquer forma, concorrido para os atos ilícitos cogitados pelo Ministério Público Federal requerente da cautelar."

E acrescenta:

"O contrato de serviços advocatícios, apontado, sem idôneo fundamento, como suspeito, no mencionado requerimento, nada tem de irregular, visto que a Dra. Helena Witzel efetivamente prestou os serviços para os quais foi contratada, como contrapartida dos honorários por ela recebidos. Não se pode criminalizar a advocacia.

De resto, o mencionado contrato apresenta-se como o único argumento manejado pelo órgão do Ministério Público Federal, como motivo de suspeita em relação à suposta participação da Dra. Helena Witzel nos alegados atos ilícitos. Em todas as contratações sempre foi exigido que o cliente declarasse não ter relações com o Estado do Rio de Janeiro.

A Defesa tem convicção de que a ação penal não prosperará."

Pastor Everaldo: Em nota, a defesa do Pastor Everaldo afirmou que ele sempre esteve à disposição de todas as autoridades e reitera a sua confiança na Justiça.

Também por meio de nota, o PSC informou que confia na Justiça e no amplo direito à defesa de todos os cidadãos e que o pastor, assim como o governador Wilson Witzel, sempre estiveram à disposição das autoridades.

Cláudio Castro: o advogado Carlo Lucchione informou que não tem ainda como dar algum tipo de posicionamento porque ainda não teve acesso ainda ao processo e que ainda não esteve com o governador interino.

André Ceciliano: Em nota, a defesa do presidente da Alerj afirmou desconhecer as razões da busca e apreensão em seus gabinetes no prédio da Rua da Alfândega e no anexo, "mas ele está tranquilo em relação à medida e se pôs à disposição dos agentes da PF seu gabinete no Palácio Tiradentes, que não estava incluído no mandado".

"Ceciliano reitera a sua confiança na Justiça e afirma que está pronto a colaborar com as autoridades e a contribuir com a superação desse grave momento que, mais uma vez, o Rio de Janeiro atravessa. Ele também colocou seus sigilos bancário, fiscal e telefônico à disposição das autoridades."

Gothardo Lopes Netto: A defesa afirmou desconhecer as razões e fundamentos legais que motivaram a decisão da decretação da medida prisional. "Por isso, a defesa não possui neste momento meios para apresentar maiores esclarecimentos".

Em nota, o Tribunal Regional do Trabalho disse que tentou falar com o desembargador Marcos Pinto da Cruz, sem sucesso, e que o TRT está à disposição para colaborar e tem total interesse no esclarecimento dos fatos.

Alessandro Duarte e Cassiano Luiz: os advogados Ricardo Braga e Patrick Berriel afirmaram que "a prisão dos empresários é absolutamente desnecessária e desproporcional, especialmente quando se demonstrou possível a imposição de medidas cautelares alternativas à prisão ao governador. A ausência de qualquer ato ilegal praticado pelos empresários será provada na ação penal que tramita no Superior Tribunal de Justiça".

Mário Peixoto: “Mário Peixoto não tem qualquer tipo de vínculo societário com as empresas que contrataram o escritório de advocacia da primeira-dama Helena Witzel. Trata-se de mais uma ilação do MPF, o que será demonstrado pela defesa ao longo do processo. A defesa se insurge mais uma vez contra o prejulgamento que se tem feito nesta causa, onde a regra tem sido prender para depois investigar, em claro desprestígio ao constitucional princípio da presunção de inocência", afirmaram os advogados Alexandre Lopes e Afonso Destri.

"Infelizmente, contrariando o princípio da presunção de inocência, a prisão foi ilegalmente decretada. O caso será levado ao Supremo Tribunal Federal, que se encarregará do restabelecimento da legalidade.”André Moura: A assessoria jurídica afirmou que o secretário recebeu com surpresa a ação de busca e apreensão, "já que o seu nome nem sequer é mencionado na decisão".

Laércio Pereira e Filipe de Almeida Pereira: “A prisão temporária que recai sobre os filhos do Pastor Everaldo é extremamente injusta e desnecessária. A ordem se deu apenas para serem ouvidos, mas poderiam ter sido intimados que atenderiam à intimação e prestariam todos os esclarecimentos", diz a nota do advogado Marcos Crissiuma, que defende os dois filhos do pastor Everaldo.

André Moura: A assessoria jurídica afirmou que o secretário recebeu com surpresa a ação de busca e apreensão, "já que o seu nome nem sequer é mencionado na decisão".

"Os agentes da Polícia Federal saíram de mãos vazias da residência do secretário, e o auto circunstanciado de busca e apreensão da operação conclui que 'Nada de Interesse para a investigação foi encontrado'".

O G1 ainda não conseguiu contato com a defesa de Lucas Tristão.

PF pede prorrogação de inquérito sobre suposta interferência de Bolsonaro

Abertura do inquérito foi autorizada pelo ministro Celso de Mello, do STF, após denúncia de interferência na PF feita pelo ex-ministro da Justiça Sérgio Moro.

A Polícia Federal pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma nova prorrogação, por 30 dias, das investigações que estão sendo feitas dentro do inquérito que apura a suposta interferência do presidente Jair Bolsonaro na PF.

A abertura do inquérito foi autorizada no final de abril pelo ministro Celso de Mello, do STF, e tem como base a denúncia feita pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro, que pediu demissão alegando suposta tentativa do de Bolsonaro de interferir na Polícia Federal para proteger familiares e aliados.

O pedido para abertura do inquérito partiu da Procuradoria Geral da República (PGR). Bolsonaro nega ter interferido na Polícia Federal.

A prorrogação deve ser decidida pelo ministro Celso de Mello, mas ele continua de licença da Corte por motivos de saúde. O término da licença está previsto para o dia 11 de setembro.

Uma das medidas pendentes é o depoimento do presidente.

Em junho, o procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu Bolsonaro seja questionado sobre como prefere prestar depoimento.

Por Isabela Camargo e Rosanne D'Agostino, GloboNews e G1 — Brasília

Despedida de Deltan reforça discurso político e dá pistas sobre atuação

Tom dado pelo procurador à sua despedida, mesclando a emotividade de pai ao engajamento de militante, dá boas pistas de para onde o desfecho deve caminhar

Depois de uma longa trajetória como coordenador formal da Operação Lava Jato, acusações de abuso de poder e conluio com o magistrado – todas deixadas de lado pela prescrição resultante da procrastinação repetida da análise de seu caso pelo Conselho Nacional do Ministério Público –, Deltan Dallagnol deixa a operação.

As razões apresentadas dizem respeito a questões familiares – a saúde de sua filha pequena. Porém, a despedida teve o mesmo tom impresso pelo Procurador da República à sua atuação no cargo: um discurso político voltado a cativar o apoio popular à operação, apresentada por ele como se fosse uma instituição do Estado em si mesma e não um instrumento a serviço de uma tal instituição, o Ministério Público.

Deltan sinaliza que como procurador e – mais importante – como cidadão, seguirá em sua luta contra a corrupção. É mais importante este segundo papel porque nele Dallagnol poderá fazer de política de forma ainda mais desabrida. Quem sabe, como Sergio Moro, deixando sua posição no sistema de Justiça e entrando de vez na política partidária.

É um desfecho ainda em aberto. Mas o tom dado pelo procurador à sua despedida, mesclando a emotividade de pai ao engajamento de militante, dá boas pistas de para onde deve caminhar.

Ainda faltam dois anos para as eleições de 2022. Nelas, Moro tende a figurar como estrela de primeira grandeza. Que papel terá Dallagnol, seu escudeiro na escalada para a popularidade?

     
Cláudio Couto, o autor desta análise, é cientista político e coordenador do mestrado profissional em gestão e políticas públicas da Fundação Getúlio vargas - SP. Publicado originalmente pelo O Estado de S.Paulo, edição de  02 de setembro de 2020.

A subversão da realidade

As campanhas de desinformação põem em risco a liberdade de cada cidadão

Em um trecho de seu mais recente livro, Os Engenheiros do Caos, o cientista político e jornalista franco-italiano Giuliano Da Empoli defende que há uma razão bastante lógica e nada irracional, como alguns podem supor, para que as notícias falsas tenham tamanho apelo entre os apoiadores de governantes populistas: elas constituem um “formidável vetor de coesão”. Na obra, Da Empoli cita o postulado de um blogueiro da direita alternativa americana para ilustrar seu ponto. “Qualquer um pode crer na verdade, enquanto acreditar no absurdo é uma real demonstração de lealdade – e que possui um uniforme, e um exército.”

Não por acaso, agências de checagem de fatos surgiram em profusão mundo afora. Seu trabalho se tornou fundamental nos últimos anos em virtude da massificação do acesso às redes sociais e aos aplicativos de mensagens instantâneas, como o WhatsApp, uma revolução nas formas de comunicação pela qual a política não passou incólume. São esses os meios mais propícios para a disseminação de notícias falsas e distorções da verdade pela falta de mediação que lhes é característica e, principalmente, pelo total descompromisso de muitos de seus usuários com a ética e a lei, ao contrário dos jornalistas profissionais.

Em que pese o valoroso trabalho dos fact-checkers, os cidadãos que escolhem acreditar no que desejam, e não necessariamente no que é verdadeiro do ponto de vista factual, dão pouca ou nenhuma importância para o que é real, alçando as notícias falsas à categoria de “verdade alternativa”, de um olhar “possível” para certas questões quando o que o mundo real expõe não lhes convém. Diante disso, como evitar fissuras nos pilares democráticos causados pela subversão da realidade?

O Estado, em parceria com a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps), promoveu um webinar para discutir as consequências da falsificação do debate público, tema que se tornou mais premente desde a ascensão do neopopulismo digital. Participaram do evento o já citado Giuliano Da Empoli; Mônica Sodré, diretora executiva da Raps; Daniel Bramatti, editor do Estadão Dados; Monica Steffen, gerente de Políticas Públicas do Facebook no Brasil; o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), autor do Projeto de Lei (PL) 2.630/20 – a chamada Lei das Fake News –; e Demi Getschko, diretor-presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.BR) e colunista do Estado. O evento foi conduzido por Alberto Bombig, editor da Coluna do Estadão.

As redes sociais não inventaram as notícias falsas, mas deram velocidade e alcance inauditos à desinformação. A possibilidade de um número cada vez maior de cidadãos ser bombardeado por mentiras é enorme. Mônica Sodré, da Raps, defende, entre outras medidas, o que chamou de “alfabetização midiática” como meio de formar cidadãos mais capacitados para avaliar o conteúdo que recebem. É um ponto vital, pois, de fato, não há melhor solução para a desinformação do que uma robusta política educacional. Mas isso leva tempo e a falsificação do debate público ameaça a democracia hoje. Impõe-se algum grau de regulação das empresas de tecnologia que criaram as plataformas por meio das quais trafegam as notícias falsas. O grande desafio é encontrar o ponto de equilíbrio entre essa regulação e a existência de um ambiente propício à livre troca de informações. A liberdade está na origem da internet tal como a conhecemos, bem lembrou Demi Getschko.

O senador Alessandro Vieira observou que o PL 2.630/2020 não prevê “censura prévia”. De fato. Mas alguns pontos do texto merecem debate mais aprofundado. Já Monica Steffen afirmou que o Facebook não é contrário à regulação, desde que ela não “silencie o cidadão e iniba a inovação”.

É muito positivo que debates como esse ocorram entre jornalistas, especialistas, empresas e sociedade. Daí virão as soluções para um problema gravíssimo que ameaça o mais valioso bem da democracia: a liberdade de cada cidadão.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
02 de setembro de 2020 | 03h00

terça-feira, 1 de setembro de 2020

Coronavírus hoje: 121.560 mortes e 3.911.463 casos

Desde o último balanço, Goiás e Roraima tiveram atualizações. Na segunda, média móvel de óbitos foi a menor desde 20 de maio.

0 Brasil tem 121.560 mortes por coronavírus confirmadas até as 8h desta terça-feira (1º), segundo levantamento do consórcio de veículos de imprensa a partir de dados das secretarias estaduais de Saúde. Desde o último balanço, os estados de Goiás e Roraima tiveram atualizações.

Veja os números consolidados:

121.560 mortes
3.911.463 casos

Na segunda-feira (31) às 20h, o balanço indicou 619 mortes pela Covid-19 confirmadas en 24 horas, chegando ao total de 121.515 óbitos. E o país tinha 3.910.901 infectados com o novo coronavírus desde o começo da pandemia, sendo 48.785 confirmados em 24 horas.

O número de casos foi impactado pela inclusão, em um só dia, de mais de 30 mil casos de Santa Catarina que ainda não haviam sido contabilizados devido a uma falha no sistema estadual.

Média móvel, 31 de agosto
Na segunda, a média móvel de novas mortes em 7 dias foi de 866 óbitos, uma variação de -12% em relação aos dados registrados 14 dias antes. Essa foi a média mais baixa desde o dia 20 de maio, quando a média móvel foi de 804 novas mortes confirmadas por dia.

Na segunda, a média móvel de novas mortes em 7 dias foi de 866 óbitos, uma variação de -12% em relação aos dados registrados num intervalo de 14 dias.

Em relação a domingo (30), RO estava em estabilidade e passou a estar com a média de mortes subindo. MG e PI estavam em estabilidade e passaram a uma média em queda. Veja abaixo os dados detalhados do último balanço:

Total de mortes: 121.515

Registro de mortes em 24 horas: 619

Média de novas mortes nos últimos 7 dias: 866 por dia (variação em 14 dias: -12%)

Total de casos confirmados: 3.910.901

Registro de casos confirmados em 24 horas: 48.785

Média de novos casos nos últimos 7 dias: 40.526 por dia (variação em 14 dias: -5%)

Estados


Estados com a média de mortes subindo — Foto: Arte G1
Subindo: RJ, AP, RO e TO.
Estados com a média de mortes em estabilidade — Foto: Arte G1

Em estabilidade, ou seja, o número de mortes não caiu nem subiu significativamente: RS, SP, GO, MS, MT, PA, BA, MA e PI.
Estados com a média de mortes em queda — Foto: Arte G1

Em queda: PR, SC, ES, MG, DF, AC, AM, RR, AL, CE, PB, PE, RN e SE.

Essa comparação leva em conta a média de mortes nos últimos 7 dias até a publicação deste balanço em relação à média registrada duas semanas atrás (entenda os critérios usados pelo G1 para analisar as tendências da pandemia).

Por G1
01/09/2020 08h00  Atualizado há 4 horas


Entre o vírus e a reeleição

Os problemas das contas públicas tornam fundamental a retomada da consolidação fiscal, mas Jair Bolsonaro parece estar concentrado na reeleição

Com um buraco de R$ 505,38 bilhões até julho, o governo central já contabilizou quatro vezes o déficit primário inicialmente previsto para o ano, de R$ 124,10 bilhões. A crise do coronavírus derrubou a arrecadação e forçou gastos excepcionais para combater a pandemia e seus efeitos econômicos e sociais. Um orçamento de guerra autorizado pelo Congresso valerá até dezembro. Estará próximo de R$ 800 bilhões, no fim do ano, o rombo primário do poder central, segundo o Ministério da Economia. Essa projeção será superada, se o Tesouro tiver de atender ministros gastadores, aliados fisiológicos e aos objetivos eleitorais do presidente Jair Bolsonaro.

Esgotado o orçamento de guerra, os estragos causados pela pandemia – mesmo sem gastança irresponsável – ainda afetarão as finanças públicas por vários anos. Para começar, o governo terá de cuidar de um desajuste primário, isto é, sem juros, muito maior que o programado antes da covid-19. Isso limitará fortemente o manejo do Orçamento. Essa limitação poderá durar vários anos. Em segundo lugar, a equipe econômica precisará administrar uma dívida bem superior à planejada antes da emergência deste ano.

Na pior hipótese, a dívida bruta do governo geral deveria equivaler a 80% do Produto Interno Bruto (PIB) no fim deste ano. Em julho essa dívida chegou a R$ 6,21 trilhões, soma correspondente a 86,5% do PIB, com aumento de um ponto porcentual em relação ao nível de junho, segundo o Banco Central (BC). Pelas projeções correntes no governo e no mercado, a proporção estará muito próxima de 100% em dezembro. O resultado será pior, também nesse caso, se o governo gastar neste segundo semestre mais que o previsto. Algum gasto extra já ocorrerá pela simples prorrogação do auxílio emergencial aos mais vulneráveis.

Chegou a R$ 483,77 bilhões, em sete meses, o déficit primário do setor público, formado pelo governo central, pelas administrações de Estados e municípios e pela maior parte das estatais, excluídas Petrobrás e Eletrobrás. O saldo positivo acumulado por Estados e estatais compensou em parte o resultado negativo do governo central.

Somados os juros vencidos, o saldo final do setor público, também chamado resultado nominal, foi um déficit de US$ 663,22 bilhões, valor correspondente a 16,30% do PIB calculado para janeiro-julho. Em 12 meses o rombo fiscal do setor público chegou a R$ 875,26 bilhões, ou 12,19% do PIB estimado para o período.

Parece pequena a diferença entre os déficits acumulados neste ano e entre agosto de 2019 e julho de 2020. Mas efeitos fiscais da crise só foram contabilizados a partir de abril. O estrago mostrado nesse relatório reflete as perdas de abril a julho.

Prejuízos ficam bem claros no relatório do Ministério da Economia. Pelo critério do Tesouro, o governo central teve déficit primário de R$ 505,20 bilhões em sete meses. Descontada a inflação, a receita líquida acumulada até julho encolheu 18,90%, enquanto a despesa aumentou 41%. Nesses cálculos se considera apenas a diferença entre a arrecadação e o gasto. No relatório do BC o saldo negativo das contas públicas corresponde à necessidade de financiamento.

A publicação do Tesouro foi acompanhada de importante alerta. O grande esforço fiscal deste ano e os problemas estruturais das contas públicas tornam fundamental a retomada da consolidação fiscal, abandonada na crise. Sem isso, avisam os técnicos, haverá o risco de aumento de juros, com efeitos negativos para as contas públicas e para o crescimento econômico.

Juros baixos são essenciais para o investimento produtivo e para o fortalecimento da economia. Um aumento de 1 ponto porcentual nos juros pode reduzir o PIB entre R$ 52 bilhões e R$ 92 bilhões em um ano, segundo a advertência. O presidente do BC, Roberto Campos Neto, também lembrou há poucos dias o risco de alta de juros, se o mercado perder a confiança na política fiscal. O próprio mercado tem recordado esse alerta, mas com frequência o presidente Jair Bolsonaro parece desprezar o aviso, concentrado na reeleição.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
01 de setembro de 2020 | 03h00

Quem pode afastar um governador

Esta é uma medida drástica demais para que seja decidida monocraticamente

Para garantir a aplicação da lei penal, preservar a investigação ou evitar a prática de infrações penais, o Código de Processo Penal autoriza que o juiz aplique algumas medidas cautelares. A Lei 12.403/2011 definiu nove medidas diversas da prisão; por exemplo, a monitoração eletrônica, a proibição de contato com alguma pessoa determinada ou mesmo a “suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais” (art. 319, VI do Código de Processo Penal).

Tendo por base esse dispositivo, no dia 28 de agosto, o ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), determinou o afastamento do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), do cargo por 180 dias, em razão de supostos desvios de dinheiro público destinados à área da saúde. Segundo o ministro, “os fatos não só são contemporâneos como estão ocorrendo e, revelando especial gravidade e reprovabilidade, a abalar severamente a ordem pública, o grupo criminoso agiu e continua agindo, desviando e lavando recursos em pleno pandemia da covid-19, sacrificando a saúde e mesmo a vida de milhares de pessoas, em total desprezo com o senso mínimo de humanidade e dignidade”. Na decisão, Benedito Gonçalves proibiu ainda o acesso de Wilson Witzel às dependências do governo do Estado, a sua comunicação com funcionários e a utilização dos serviços próprios do cargo.

A decisão do ministro Benedito Gonçalves relevou, no entanto, dado significativo. Wilson Witzel não ocupa uma função pública qualquer. Ele é o chefe do Poder Executivo estadual, havendo todo um conjunto de prerrogativas relativas ao cargo que não devem ser flexibilizadas, sob pena de enfraquecer o próprio regime democrático. O Estado deve ser eficiente para obstar a prática de crimes, mas deve seguir parâmetros precisos para que seu poder não seja usado em perseguições políticas. São gravíssimas, não há dúvida, as suspeitas contra o governador Wilson Witzel, mas precisamente por força da gravidade dos fatos a investigação deve-se dar dentro da lei, e não à margem.

“Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição”, diz a Carta de 1988. No caso do Rio de Janeiro, a Constituição Estadual é bastante clara. “O Governador ficará suspenso de suas funções (i) nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo STJ e (ii) nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pela Assembleia Legislativa” (art. 147, § 1o). No caso, o afastamento de Wilson Witzel foi decretado em fase investigativa, no âmbito da Operação Tris in Idem. Não houve ainda instauração de ação penal contra o governador Wilson Witzel. Ele ainda não é réu.

Além disso, segundo a lei processual, o juiz deve decretar a medida cautelar depois de ouvir a parte contrária, “ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida”. O governador não foi ouvido antes do seu afastamento. Trata-se de uma medida drástica demais, com efeitos sobre toda a população e o funcionamento do Estado, para que seja decidida monocraticamente e sem possibilidade de defesa prévia.

A Constituição do Estado do Rio de Janeiro define, por exemplo, que é competência privativa da Assembleia Legislativa autorizar o governador a ausentar-se do Estado por mais de 15 dias consecutivos. Não parece razoável que um magistrado possa sozinho decidir, no âmbito de uma investigação criminal, o afastamento desse mesmo governador por 180 dias.

Investigações envolvendo governadores devem, como é lógico, respeitar integralmente a lei processual penal. Mas devem respeitar igualmente o pacto federativo e as prerrogativas funcionais dos cargos políticos. Nesse sentido, a Justiça deve ter especial cuidado na condução dessas investigações, tanto para o cabal esclarecimento das suspeitas como para impedir que o poder investigativo do Estado seja usado para fins políticos.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
01 de setembro de 2020 | 03h00

segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Direito de defesa: erro judiciário não é questão apenas de estatística, mas também de neurociência

"Como a palavra da testemunha ou da vítima em um reconhecimento de imagem acaba funcionando como fator único para justificar uma condenação ou pelo menos para definir a prisão preventiva, e com toda a carga de presunção de culpa que vem com essa prisão, lá na frente acaba-se redundando em uma injustiça. [Em] uma condenação com base em uma prova que não é confrontada com os demais elementos do processo."

A frase é de Dora Cavalcanti, uma das fundadoras do Innocence Project Brasil, em entrevista à ConJur feita em 19 de agosto. Para os mais céticos — ou simplesmente conformados com o estado de coisas do sistema de justiça criminal brasileiro —, declarações do tipo podem soar abstratas, exageradas ou destoantes da realidade.

Reportagem da ConJur / Consulor Jurídico publicada neste domingo (29/8), no entanto, é mais um exemplo de que Dora fez um diagnóstico preciso da máquina estatal que investiga, julga e prende — não necessariamente nessa ordem.

No Paraná, um homem ficou quase quatro anos no cárcere, condenado por estupro. Mas em maio deste ano, quando passou a ser assistido pela Defensoria do estado, enfim foi feito o óbvio: como o sêmen do estuprador havia sido colhido e armazenado, procedeu-se à comparação entre o material genético guardado e o do homem até então esquecido no calabouço. Resultado: ele não é o autor do crime e, em revisão criminal, foi posto em liberdade. A palavra da vítima, que serviu de norte a todo o caso — da primeira abordagem policial à condenação definitiva —, mostrou que a bússola do sistema de Justiça precisa ser calibrada.

Um dos debates que o Innocence Project Brasil quer fomentar, aliás, diz respeito ao estudo da neurociência nas condenações. Para os fundadores do projeto, a problemática do reconhecimento, num futuro próximo, pode ser melhorada com a implementação de medidas baratas e simples, que diminuem essa incidência de reconhecimentos equivocados. O tema das falsas memórias é científico. As pessoas têm dificuldade de enxergar no outro uma diferença, explicam os criminalistas.

A versão brasileira do Innocence Project Brasil foi fundada por Dora em parceria com os advogados Rafael Tuchermann e Flávia Rahal. Desdobramento do projeto norte-americano, a iniciativa tem convivido com dificuldades típicas de nossa realidade, como a coleta e o armazenamento precário de vestígios de crimes — o caso do Paraná, no qual foi possível análise de material armazenado, é uma exceção.

Tuchermann lembra que essa dificuldade talvez tenha sido o primeiro grande desafio do projeto. "Nos Estados Unidos, o primeiro projeto até hoje só trabalha com casos que podem ser solucionados com provas de DNA. Isso no Brasil seria impossível, dada a fragilidade absurda na coleta de vestígios de crime e na manutenção adequada desses vestígios."

Fundado em 2016, o projeto brasileiro integra o Innocence Network, rede que conta com 57 organizações espalhadas pelos Estados Unidos e outras 14 ao redor do mundo, e que, desde 1992, já conseguiu reverter a condenação de 350 inocentes. E foi vencedor do Prêmio Innovare 2019 na categoria "advocacia".

Além de fomentar o debate sobre o erro judiciário, uma das bandeiras do projeto é normalizar a indenização a inocentes encarcerados. Para Flávia, esse é um debate em que todos os operadores de Justiça terão que enfrentar. "No Brasil temos ainda uma visão muito reativa a essa ideia, e esse é um obstáculo que teremos que enfrentar. É fundamental se falar em indenização, e o Estado olhar para dentro dele mesmo e entender que esses erros são comuns e cotidianos."

Em entrevista à ConJur, o triunvirato que encabeça o Innocence Project Brasil falou das conquistas da iniciativa até aqui, da realidade do nosso sistema de Justiça e da necessidade de dar nome, sobrenome e visibilidade aos invisíveis. Enfim, trabalhar para que os inocentes não sejam apenas mais um número do sistema punitivo estatal.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

ConJur — Como surgiu a ideia de trazer o projeto para o Brasil

Dora Cavalcanti — O interesse pelo projeto surgiu em 2008. Eu namorei esse projeto nos Estados Unidos por um longo período. Em 2013 eu tive oportunidade de passar um ano como visitante no Innocence Project de San Diego. Foi assim que pude vivenciar o trabalho que eles fazem e entender como essa temática do erro judiciário da condenação de inocentes é trabalhada em mais de 55 projetos voltados ao tema nos EUA. Me familiarizei com os processos e passei a imaginar como poderíamos montar algo nesse sentido aqui no Brasil. O interesse do projeto surgiu da premissa de quando analisamos as garantias do processo penal, os regramentos, a importância da ampla defesa... Enfim, tudo isso que sempre defendemos na nossa advocacia e no Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) da perspectiva do inocente. Daqueles casos em que, por uma série de fatores, o sistema falhou e um inocente foi condenado, você enxerga de uma maneira muito clara a importância de as regras serem respeitadas. E essa temática é muito pouco debatida aqui no Brasil. Ainda é. Nós temos três anos de estrada e muita coisa já mudou, mas acreditamos que esse tema e todas as questões que possam ser aprimoradas no Sistema de Justiça Criminal merece uma luz própria. Por isso fundamos o Innocence Project aqui no Brasil.

Rafael Tuchermann — A Elizabeth Loftus, que é uma das maiores especialistas em falsas memórias do mundo, costuma dizer que, após um acidente de avião, se faz uma investigação minuciosa para saber quais as razões desse acidente. E no caso do erro judiciário na condenação de um inocente deve ser feito a mesma coisa.  É preciso rever do começo ao fim do processo. Essa visão sistemática, nós entendemos que faltava. Não existia uma organização com foco no erro judiciário. Nas causas do erro e de como preveni-los. Sempre atuamos com isso, mas de uma forma mais empírica, caso a caso, e não com uma visão temática e estrutural. Esse é o nosso desafio. Criarmos essa visão e difundirmos para todo o sistema, para que ele tenha mais meios de prevenir a ocorrência de erros.

ConJur — Quantos casos são tocados pela instituição atualmente? Quais os critérios para a entidade pegar um?

Rafael — Já recebemos por volta de 1.600 questionários. Desses, já ganhamos dois casos em definitivo. Em outros dois, já conseguimos soltar o condenado ainda sem uma decisão definitiva. E já atuamos também em mais dois casos e estudamos mais uma série.

Flávia Rahal — Escolhemos os casos via de regra pelo preenchimento do questionário disponível em nosso site. Uma pessoa em nome daquele que está preso preenche o questionário e fornece uma série de informações para gente ter um primeiro olhar daquela história. Recebemos alguns pedidos por cartas e por e-mails, mas o canal oficial é o nosso site. Não estamos ainda no momento como no projeto dos EUA, de visitar unidades prisionais para falar sobre o projeto, porque aí esse número iria crescer em progressão geométrica.

Mesmo estando em um movimento silencioso, já temos esse número grande de pedidos de ajuda. E acrescentando ao que a Dora e o Rafael já falaram, vale dizer que o que nos move é atender essas pessoas que estão desesperadas e enxergam no projeto a última alternativa dela e assim ajudar a aprimorar todo o sistema de Justiça. Cada caso que aceitamos tem toda uma história por trás de muita angústia. De alguém que se vê injustiçado e oprimido.

ConJur — Quais são as similaridades dos erros do Judiciário norte-americano e brasileiro? E quais as particularidades de cada sistema?

Dora Cavalcanti — Quando olhamos para os sistemas de fora, a sensação que se tem é que os erros teriam razões muito distintas. Na verdade, o erro judiciário é quase sempre um fenômeno multicausal, em que muitos fatores contribuem para que um inocente seja condenado em definitivo ao final de um processo. Só que nós temos notado uma semelhança muito grande nas principais causas. A primeira delas — e essa questão que aparece cada vez de forma mais presente — é o reconhecimento equivocado. Como a palavra da testemunha ou da vítima em um reconhecimento de imagem acaba funcionando como fator único para justificar uma condenação ou pelo menos para definir a prisão preventiva, e toda a carga de presunção de culpa que vem com essa prisão, lá na frente acaba-se redundando em uma injustiça. Uma condenação com base em uma prova que não é confrontada com os demais elementos do processo.

Outra razão de erro é o que se chama de "má conduta dos operadores de Direito". É um termo bem vago em que temos que trabalhar ainda. Precisamos conversar sobre essa terminologia, mas a verdade é que no projeto da Califórnia você enxergava uma pessoa tão invisível como um brasileiro esquecido em uma cadeia pública nossa, e que pode estar lá por uma ação violenta da polícia ou por um olhar enviesado do Ministério Público, que partiu da figura do suspeito e só colocou no processo o que reforçava a tese condenatória. Outro fator que contribui para o erro é a falsa confissão ou testemunho. Desse, estamos um pouco mais distantes porque a figura do informante ainda não está tão presente na realidade forense do Brasil.

Também temos o trabalho de defesa mal feito. A defesa às vezes atua de forma acomodada, participa da audiência e não faz o resto do trabalho. Isso também acontece nos EUA. A figura do réu vulnerável diante do funcionamento massacrante do aparelho punitivo estatal aproxima as realidades do Brasil e dos Estados Unidos. E, por fim, temos também falhas em questões periciais.

Um objetivo nosso muito importante é tentar produzir dados do Brasil em parceria com as defensorias e com o CNJ para que tenhamos informações que reflitam a nossa realidade.

Rafael — A primeira diferença é a atuação da defesa ainda na fase de investigação. No Brasil isso ainda é muito incipiente. No geral — e temos muitas exceções louváveis — ,o advogado brasileiro fica mais passivo nessa parte, e a investigação é feita pela polícia com o MP presente. Reparamos que muitas vezes que, se um advogado mais diligente ou com um arsenal técnico mais desenvolvido fosse atrás no começo do caso, o suspeito não iria sequer ser processado e muitos menos acabar condenado. Essa proatividade na investigação, que até pelo sistema adversarial norte-americano é muito mais comum que aqui, ainda engatinha e causa muitos danos. E a própria cultura da descoberta da inocência como algo que tem que ser prestigiado. Lá nos EUA o Ministério Público respeita muito isso. Até mais que aqui.

Flávia — Tem também a questão do tamanho de pena, que nos Estados Unidos é uma coisa muito assustadora. Pessoas que ficaram presas 35, 20, 18 anos por um crime que não cometeram. No Brasil, temos isso em escala muito menor porque as nossas penas não chegam a esses absurdos, o que não exclui o fato de termos pessoas que já estão presas no Brasil há seis anos por crimes que não cometeram. Três anos... Qualquer tempo é suficiente para ser um divisor de águas não só na vida, mas em quem é aquela pessoa. Já percebemos que qualquer pessoa que passa por uma experiência dessa não sai a mesma pessoa de quando ela entrou, independentemente do tempo de prisão que ela tenha tido.

Outro ponto importante que nos diferencia dos EUA é a consciência da necessidade de indenização. No Brasil temos ainda uma visão muito reativa a essa ideia. E esse é um obstáculo que teremos que enfrentar. É fundamental se falar em indenização e o Estado olhar para dentro dele mesmo e entender que esses erros são comuns e cotidianos.

Rafael — Eu só gostaria de complementar com outro ponto importante que é a questão do DNA. Nos EUA, o primeiro projeto até hoje só trabalha com casos que podem ser solucionados com provas de DNA. Isso no Brasil seria impossível, dada a fragilidade absurda na coleta de vestígios de crime e na manutenção adequada desses vestígios. Só no projeto de Nova York já estamos chegando a 400 casos de inocência comprovada por DNA.

Flávia — Estamos com um caso atual em que a prova principal é o DNA e, para além do fato de que em muitos casos não houve coleta de material possível de ser analisada, ou até houve a coleta, mas ela não está devidamente condicionada para produzir uma contraprova, o que acontece é que a defesa aqui no Brasil, diferentemente dos EUA, não pode ter iniciativa de produzir essa prova e levar para o juiz por conta dela. Isso no Brasil necessariamente tem que ser por vias oficiais. Ao contrário dos EUA, no Brasil dependemos da iniciativa do magistrado, do MP ou da própria polícia para produzir essa prova. Temos uma limitação probatória gigantesca que tem a ver com a falta de cultura e de aceitação da defesa como proativa na fase investigativa.

ConJur — Dados do Depen de 2019 apontam que 65% dos presos brasileiros é formada por negros e pardos. Nosso sistema penal é influenciado pelo racismo estrutural?
Dora — Sem sobra de dúvida. Quando pensamos nos casos que nos chegam, o perfil dessas pessoas que estão ali em uma fila de esquecidos. Sem nenhuma chance porque o caso recebeu esse carimbo de trânsito em julgado. São pessoas que têm características muito próximas. São jovens negros e pardos muito parecidos e muito sujeitos a uma presunção de culpa. Por isso é tão importante dar rosto, nome e sobrenome a essas pessoas. Mostrar seus parentes, falar dos amigos que gostam dessa pessoa... Se não, será só mais um. E isso se reflete no erro judiciário, não apenas nas estatísticas, mas também em aspectos de neurociência.

Temos estudado bastante essa problemática do reconhecimento e estou muito confiante que no futuro próximo poderemos implementar mudanças baratas e simples que diminuam essa incidência de reconhecimentos equivocados. Esse tema das falsas memórias é científico. De como as pessoas têm dificuldade de enxergar no outro uma diferença.

Se a gente for pensar na nossa magistratura como majoritariamente branca e ainda egressa das faculdades de elite e confrontar isso com o perfil padrão do sujeito jovem, pardo, negro que está de boné, que usa brinco e tem tatuagem no corpo todo. E que é apresentado em um cenário induzido, são pessoas que ficam perdidas e não existe diferenciação.

Quando pensamos em como o racismo estrutural influencia no erro judiciário, enxergamos várias cargas de preconceito quando revisamos um projeto de trás para frente. Temos visto muitas vezes o tratamento desrespeitoso às testemunhas de defesa. E, novamente, se você tem um réu com algumas características, as testemunhas de defesa fazem parte daquela realidade que a pessoa vive. É o seu amigo, o seu vizinho, o seu patrão ou o seu colega de trabalho. Esse é um fenômeno muito triste. Essa percepção que essa pessoa poderia ir prestar depoimento apenas para tentar forjar um álibi ou contar uma mentira. As testemunhas de defesa são ameaçadas de falso testemunho e processadas mesmo que estejam contando a verdade. Dou exemplos: testemunhas tendo que explicar por que estavam na rua naquela hora da madrugada, por que foi para balada quando é noiva ou porque voltou a pé e não esperou o ônibus. Essa carga toda por trás do imaginário do olhar estatal sobre aquela realidade mostra uma diferenciação total da palavra do policial, do empresário ou de um expert para a o testemunho de uma pessoa normal que foi lá contar o que ela sabia. Isso está conectado com a forma como a nossa sociedade foi forjada e resulta em uma balança distorcida entre prova de defesa e prova de acusação, colaborando para ocorrência do erro.

ConJur — O que mudou de positivo do começo do projeto até aqui?

Flávia — O fato de o tema do erro judiciário estar na pauta. Isso tem aparecido como algo que é de interesse dos operadores de Direito. Assim como o reconhecimento das falhas do nosso sistema criminal ter mais espaço no debate público. Temas como falsas memórias. Temos um número de voluntários muito acima do que imaginamos. Com o envolvimento de nossos alunos, que é muito forte. Esse é um grande passo que estamos dando e que nos incentiva a seguir esse caminho.

Dora — A temática do erro judiciário precisa ser trabalhada com o engajamento de todos os operadores de Direito. Nos poucos casos em que tivemos sucesso ou que está em via de ter soluções finais positivas, tivemos posições marcantes como a de um promotor público que reconheceu a inocência de um réu e se colocou à disposição para trabalhar pela liberdade do réu. Para tentar repensar o que aconteceu e reconhecer o próprio erro. Hoje estou falando com um investigador que está me ajudando a entender o contexto maior que fez com que o nosso cliente fosse confundido com um assaltante. Um momento muito marcante para mim foi o depoimento de um desembargador que disse que a partir de um julgamento de um caso nosso passou a olhar com outros olhos para os casos que estavam em seu gabinete. Essa mobilização é fundamental e fica clara na perspectiva da própria imprensa, que tem dado voz à luta das famílias de pessoas que estão presas e são inocentes.

Flávia — Tivemos um caso em que o pedido de ajuda veio de um promotor. Ele pediu para que a gente fizesse uma revisão de um caso em que ele tinha trabalhado. Também temos tido muito apoio de peritos.

Rafael — Eu me atrevo a dizer que, se um promotor ou juiz que se sente impactado, a ponto para pedir a revisão de um processo em que ele atuou, nunca mais vai acusar ou julgar da mesma forma. Essa semente em cada um desses atores — inclusive advogados — é o ponto mais importante. Essa pessoa que percebe que qualquer um é suscetível a um erro irá passar essa lição para colegas e amigos. Nosso sentimento é que aparentemente o Judiciário estava esperando uma iniciativas como essa para fazer movimentos como a revitalização da revisão criminal e fazer com que ela seja encarada com o status que ela merece.

Rafa Santos, a autora do texto, é repórter da revista Consultor Jurídico.Publicado originalmente na edição de 30 de agosto de 2020, 8h44.

domingo, 30 de agosto de 2020

O mestre Kleber Moreira

Por José Sarney

Meu companheiro do jornal O Imparcial e meu professor na Faculdade de Direito, Fernando Perdigão, grande talento e advogado, disse-me um dia que envelhecer era chegar ao cemitério, percorrer as alamedas, ler as lápides e verificar que quase todos os nomes que ali repousam foram contemporâneos, amigos ou conhecidos na paisagem da cidade.

Jorge Amado disse-me que, ao encontrar-se com Pablo Neruda, futuro Prêmio Nobel de Literatura, seu amigo do tempo de exílio, começou a perguntar por amigos da vida inteira e ouviu como resposta: “Jorge, não me perguntes por ninguém. Todos já morreram.”

Este é um dos desgostos de envelhecer: o sofrimento da perda dos amigos, pesando mais aqueles que nos foram mais próximos, de maior convivência. E eu disse, num dos 122 livros que escrevi, que “a palavra felicidade tem como sinônimo a infância”, quando começam as grandes amizades, que são a melhor coisa da vida. Dentro dela estão o amor, a ternura, a estima, a solidariedade, o gosto da convivência, o perdão e a fé. Daí o provérbio universal “quem tem um amigo tem duas almas”.

Estou na fase dolorosa e sofrida de constantemente sentir escorrerem lágrimas e chorar com a garganta pela perda de velhos amigos.

Foi com a alma em frangalhos que acompanhei a morte de Kleber Moreira. Só um ano a mais me separava dele, mas me amarravam a irmandade da alma desde os tempos do ginasial, passando pela política estudantil, pelas rusgas afetuosas que só faziam consolidar esse relacionamento.

Gostava de contar histórias e conhecia como ninguém as pessoas e a vida cotidiana do Maranhão. Ultimamente vivíamos horas e horas revisando histórias passadas.

As marcas maiores de sua personalidade eram o seu caráter, a sua correção, a sua franqueza, a sua obsessão pela precisão dos detalhes e pela integridade dos episódios.

Culto, estudioso, detalhista, conhecia como ninguém a ciência do direito, a jurisprudência e a missão do advogado. Não conhecia o lado da exaltação nem o da chicana. Seguia os ensinamentos de Rui Barbosa sobre a conduta profissional: “Não fazer da banca balcão ou da ciência mercatura. Não ser baixo com os grandes, nem arrogante com os miseráveis.” Ganhou prestígio, respeito de sua classe, reverência da sociedade e era considerado um dos grandes advogados do Brasil.

Junto em minha dor a da perda de tantos outros amigos, Milson Coutinho, grande historiador, extraordinária figura humana; Sálvio Dino, companheiro de tantas lutas; José Maria Cabral Marques, um dos maiores educadores do Maranhão, meu colaborador e construtor da equipe do Maranhão Novo; e Waldemiro Viana, intelectual consagrado, confrade ilustre e filho do grande poeta Fernando Viana.

A todas as famílias a minha solidariedade neste momento de tristeza.

E que Kleber Moreira leve para a eternidade a certeza de minha eterna saudade e da falta que ele vai fazer com sua sabedoria, seus conselhos e seus exemplos. Com tantos talentos perdidos o Maranhão está menor, deixando no mármore da imortalidade aqueles que constroem nossa glória.

José Sarney foi Presidente do Grêmio Liceista e da República Federativa do Brasil. 

Coronavírus: Brasil tem 17 mil casos e 376 mortes em 24 horas

País acumula mais de 3,86 milhões de infectados pelo coronavírus e 120,8 mil mortos, segundo autoridades de saúde. Estado brasileiro mais atingido, São Paulo já registra casos em todos os seus 645 municípios.

    Homem de máscara observa favela de Paraisópolis, em São Paulo
Homem de máscara observa favela de Paraisópolis, em São Paulo

O Brasil registrou neste domingo (30/08) 17.504 casos confirmados de covid-19 e 376 mortes ligadas à doença, segundo dados do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). O balanço eleva o total de infecções para 3.862.311, enquanto os óbitos chegam a 120.828.

Os números diários divulgados pelo Ministério da Saúde, por sua vez, foram ligeiramente mais baixos. A pasta reportou 16.158 novos casos e 366 mortes, mas informa o mesmo total acumulado que o Conass, provavelmente devido a divergências nos números do dia anterior.

Ao todo, 3.031.559 pessoas se recuperaram da doença, e 709.924 estão em acompanhamento, segundo o ministério. O Conass não divulga número de recuperados.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam que os números reais de casos e mortes devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação. As cifras reportadas no fim de semana também costumam ser mais baixas, já que equipes responsáveis pela notificação funcionam em escala reduzida.

São Paulo é o estado brasileiro mais atingido pela epidemia, com 803.404 casos e 29.978 mortes. O total de infectados no território paulista supera os registrados em praticamente todos os países do mundo, exceto Estados Unidos (5,9 milhões), Índia (3,5 milhões) e Rússia (987 mil).

A Secretaria de Saúde do estado informou neste domingo que, com a confirmação de um caso da doença no município de Santa Mercedes, a covid-19 chegou agora a todas as 645 cidades paulistas. Mortes foram registradas em pelo menos 531 municípios.

A Bahia é o segundo estado brasileiro com maior número de casos, somando 256.062, seguida do Rio de Janeiro, com 223.302 infecções, e de Minas Gerais, com 215.050. O Ceará vem em quinto, com 214.457 ocorrências positivas.

Em número de mortos, o Rio é o segundo estado com mais vítimas, somando 16.027 óbitos. Em seguida vêm Ceará (8.384), Pernambuco (7.574), Pará (6.115) e Bahia (5.344).

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes é atualmente de 57,5 no Brasil – cifra bem acima da registrada em países vizinhos como a Argentina (18,77) e o Uruguai (1,28), considerados exemplos no combate à pandemia. O número brasileiro também supera o dos Estados Unidos, o país mais atingido do mundo, que tem taxa de mortalidade de 55,86.

Por outro lado, nações europeias duramente atingidas, como o Reino Unido (62,54) e a Bélgica (86,6), ainda aparecem bem à frente do país. Mas esses países começaram a registrar seus primeiros casos antes do Brasil, e o número de óbitos diários está atualmente na faixa das dezenas, com o pico tendo sido registrado em abril e maio.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais infecções e mortes por coronavírus, atrás apenas dos Estados Unidos, que já acumulam mais de 5,9 milhões de casos e mais de 182 mil óbitos.

A Índia, que chegou a impor uma das maiores quarentenas do mundo no início da pandemia, agora é o terceiro país mais afetado, com 3,5 milhões de casos e 63 mil mortes.

Neste domingo, o país asiático bateu um recorde mundial de infecções diárias, ao registrar 78.761 casos em apenas 24 horas. Até então, o número mais alto registrado num único dia havia sido reportado pelos EUA em meados de julho, com 77.299 casos.

O aumento na Índia, onde vivem 1,3 bilhão de pessoas, ocorre após o governo reduzir ainda mais as medidas restritivas, a fim de ajudar a aliviar a pressão sobre a economia em crise.

Com o recorde indiano deste domingo, o mundo superou a marca de 25 milhões de infectados pelo novo coronavírus. Ao todo, mais de 844 mil pessoas morreram em decorrência da doença.

Publicado originalmente por  Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. e Jornalismo independente em 30 idiomas.