segunda-feira, 10 de agosto de 2020

1,5 milhão de crianças sem creches e 11 milhões de analfabetos: os desafios urgentes para o Brasil 'passar de ano' na educação

Alguns dias antes da posse do novo ministro da Educação, Milton Ribeiro, em 16 de julho, um relatório oficial voltou a jogar luz sobre os desafios das escolas brasileiras para atingir patamares adequados de inclusão e de ensino de qualidade — desde um significativo déficit de vagas na educação infantil até a dificuldade em manter os adolescentes na escola e com alto nível de aprendizagem.

Esses desafios constam do Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado em lei em 2014 pelo Congresso e que estabelece um conjunto de 20 metas e submetas para o ensino no Brasil, a serem cumpridas entre 2015 e 2024. Essas metas abrangem, por exemplo, a universalização do ensino, a erradicação do analfabetismo e valorização da carreira de professores.

As metas são monitoradas por 57 indicadores. Deles, apenas 7 (ou 13,4%) foram cumpridos até agora, segundo o relatório do governo. Em 41 indicadores (ou 73% do total), passou-se da metade do patamar previsto pela meta (veja mais detalhes abaixo), segundo um relatório de monitoramento divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (Inep), autarquia ligada ao Ministério da Educação, no início de julho.

"Reconhecer esses números é rejeitar a compreensão simplista que afirma que 'tudo vai mal na educação brasileira'; é reconhecer o esforço coletivo dos profissionais da educação que, mesmo que enfrentem adversidades, apostam na escola como o local da esperança e da transformação nacional", diz o relatório do Inep, destacando, porém, que "os resultados estão bastante aquém daqueles que desejamos para a educação nacional".

Para a Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, entidade que também monitora em relatório o avanço do PNE, os números até agora apontam para um "descumprimento quase total da lei".

"No ritmo que se tem avançado, cerca de 85% dos dispositivos (indicadores) das metas do PNE não serão cumpridos até o prazo de 2024", critica a organização em nota, em junho, acrescentando que, em alguns pontos, há estagnação ou mesmo retrocesso.

Embora o ritmo lento venha desde antes do governo atual e alguns problemas sejam de longa data, críticos afirmam que, sob Jair Bolsonaro — que tem em Milton Ribeiro seu quarto ministro da Educação em um ano e meio de mandato —, o ministério vive um cenário de paralisia, com poucos projetos voltados aos problemas-chave do ensino e com baixa capacidade de execução.

Em entrevista coletiva sobre o relatório, o presidente do Inep, Alexandre Lopes, disse que o cumprimento das metas do PNE exigirá também o esforço de Estados, municípios e universidades, e citou a crise financeira do país. "O MEC (Ministério da Educação) se enfraquece um pouco diante da questão fiscal que o Brasil vive", afirmou.

A BBC News Brasil destaca, a seguir, alguns dos principais gargalos apontados pelo relatório do governo, que desafiam as políticas públicas do país:

Mais crianças nas creches e pré-escolas

A fila de espera por creches nas cidades do país ilustram um desafio nacional: ainda é preciso incluir 1,5 milhão de crianças de zero a três anos em creches até 2024. É o que prevê a Meta 1 do Plano Nacional de Educação.

Em 2018, segundo o relatório do Inep, o Brasil conseguiu ofertar vagas para 35,7% das crianças nessa faixa etária (ou 3,8 milhões), e o objetivo é chegar até 50%.

Esse acesso também é bastante desigual entre as crianças mais vulneráveis e as que vivem em famílias com boas condições financeiras: "A diferença no acesso (a creches) entre as crianças 20% mais ricas e as 20% mais pobres é de 25 pontos percentuais", explica à BBC News Brasil Anna Helena Altenfelder, diretora-executiva do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec).

A meta 1 do PNE também previa que todas as crianças de 4 e 5 anos estivessem matriculadas na pré-escola até 2016 — o que não aconteceu até hoje. Ainda faltam vagas para estimadas 330 mil crianças, segundo dados de 2018.

"Também não podemos perder de vista a necessidade de garantir a qualidade do ensino para todas as crianças da educação infantil", aponta o Observatório do PNE, feito pelo movimento Todos Pela Educação. Alguns especialistas apontam que, para crianças pequenas, uma creche de má qualidade (sem estímulos e cuidados adequados) pode ser ainda pior para o desenvolvimento social e cerebral do que não estar na creche.

Em contrapartida, oferecer mais vagas em instituições públicas de qualidade pode ajudar as crianças pequenas a desenvolver habilidades e funções cognitivas úteis ao longo de toda a vida.

Em 2018, o Brasil conseguiu ofertar vagas para 35,7% das crianças de zero a 3 anos, e o objetivo é chegar até 50%; acima, creche na zona leste paulistana, em foto de arquivo

São, também, consideradas um passo importante para permitir o acesso de mães ao mercado de trabalho.

A persistência do analfabetismo — absoluto e funcional

O Brasil conseguiu praticamente alcançar, em 2019, uma meta que estava prevista para quatro anos antes: alfabetizar 93,5% de sua população com mais de 15 anos. Mas, na prática, ainda faltam 11 milhões de brasileiros a serem alfabetizados até 2024 — um contingente equivalente à toda a população do Estado do Paraná.

E se o analfabetismo absoluto persiste, o analfabetismo funcional é ainda mais abrangente.

Ser analfabeto funcional significa ser capaz de ler e escrever, mas ter dificuldade em entender e interpretar textos, em identificar ironias ou sutilezas nesses textos e em fazer operações matemáticas simples em situações cotidianas.

A Meta 9 do PNE é de reduzir o índice de analfabetismo funcional pela metade nos próximos quatro anos. Como base, o Inep usa os dados de uma pesquisa do IBGE, que apontava 18,5% de analfabetismo funcional na população em 2012. O objetivo, portanto, é baixar esse índice para 9,2% até 2024.

Mas alguns outros indicadores apontam que esse problema pode ser ainda mais amplo: segundo o Indicador de Analfabetismo Funcional (Inaf) de 2018, praticamente 30% da população entre 15 e 64 anos tinha essa dificuldade em leitura e compreensão.

No que diz respeito às crianças pequenas, a meta é garantir até 2024 que todas estejam alfabetizadas, no máximo, até o final da terceira série do ensino fundamental, por volta dos 8 anos de idade.

Os dados mais recentes da Avaliação Nacional de Alfabetização, de 2016, apontam que apenas 45,3% das crianças nessa etapa tinham aprendizagem adequada em leitura, 66,1% em escrita e 45,5% em matemática.

O Ministério da Educação, sob o governo Bolsonaro, lançou no início do ano o programa Tempo de Aprender, que prevê ações de incentivo à alfabetização para as redes estaduais e municipais que aderirem. O MEC afirma que 3.231 municípios e Estados aderiram ao programa até maio.

Mas Altenfelder, do Cenpec, afirma que o programa não pode ser considerado uma política pública. "É um programa com algumas diretrizes feito em total falta de diálogo com os municípios e com a produção acadêmica nacional (sobre os processos de alfabetização)", diz.

Brasil ainda se mantém distante das metas de manter jovens na escola e nas séries corretas para suas idades

Muitos jovens fora da escola ou atrasados no ensino

A cada 100 crianças brasileiras que entram no ensino fundamental, apenas 65 concluem os estudos, explica Ricardo Henriques, superintendente-executivo do Instituto Unibanco. "Os que terminam já são sobreviventes", diz ele.

Ou seja, ao longo dos 12 anos da educação básica, muitos alunos ficam pelo caminho — ou porque não conseguem acompanhar as aulas, porque perdem o interesse na escola ou porque precisam trabalhar, por exemplo.

O custo anual da evasão escolar é de R$ 214 bilhões, ou 3% do PIB (Produto Interno Bruto), por conta do impacto do abandono nas possibilidades de emprego, renda e retorno para a sociedade das pessoas que não concluem a educação básica, segundo cálculos do economista Ricardo Paes de Barros.

Especialistas temem que esse quadro de evasão escolar se agrave com a atual pandemia.

Algumas metas do PNE se referem justamente a manter os jovens por mais tempo na escola e para concluir as etapas da educação na idade certa, por exemplo:

- Garantir que, até 2024, 95% dos alunos concluam o ensino fundamental até os 16 anos (por enquanto, esse índice é de 75,8%, segundo dados de 2018).

- Matricular todos os jovens de 15 a 17 anos na escola até 2016 (meta que já foi descumprida, uma vez que, segundo os dados mais recentes, 8,5% desses jovens ainda estão fora da escola).

- Elevar a escolaridade média da população de 18 a 29 anos, para que todos tenham completado 12 anos de educação formal até 2024. A meta prevê também reduzir as diferenças entre população rural e urbana, entre negros e não negros, e aumentar o tempo de escolaridade no Nordeste do Brasil (que tem os menores índices do país).

Até 2015, porém, segundo o Observatório do PNE, a escolaridade média da população do campo era de 8,3 anos; a da população do Nordeste, de 9,3 anos e a dos negros, 9,5 anos (contra 10,8 anos da média da população branca).

- Garantir que, até os próximos quatro anos, 85% dos jovens estejam no ensino médio, ou seja, nas séries corretas para a sua idade. Ainda estamos longe disso: apenas 68,7% dos adolescentes dessa idade cursavam o ensino médio até 2018.

O desafio, segundo o Observatório do PNE, é "tornar o ensino médio mais atrativo, com a diversificação do currículo, (...) introduzir uma melhor qualidade e equidade e reduzir as taxas de evasão na etapa".

Também é um desafio colocar em prática a Base Nacional Comum Curricular do ensino médio — um conjunto de diretrizes para essa etapa que ainda não se traduziu em ações práticas nas escolas. Nesta semana, São Paulo anunciou ser o primeiro Estado ter formulado um currículo para o ensino médio tendo a base como referência, para começar a ser implementado em 2021.

População branca tem, em média, mais de um ano a mais de escolaridade em relação aos negros

No geral, diz o relatório do Inep, "as questões mais preocupantes em relação à educação brasileira continuam sendo o baixo nível de aprendizado dos alunos, as grandes desigualdades e a trajetória escolar irregular, que ainda atinge porção significativa dos estudantes das escolas públicas brasileiras".

Mais dinheiro para a educação pública

A meta final do PNE determinava aumentar o investimento público na educação, para alcançar 7% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro até 2019 e 10% até 2024.

"No entanto, os resultados observados de relativa estagnação dos gastos em torno de 5% e 5,5% do PIB, com indicativo de pequena queda, apontam grande desafio para o atingimento das metas intermediária e final", diz o relatório do governo.

Neste mês, a Câmara dos Deputados aprovou a proposta de emenda constitucional do novo Fundeb, fundo que financia a educação básica. O texto aprovado prevê mudanças nos aportes públicos à educação que, segundo especialistas, podem aumentar o montante investido nas escolas e garantir que mais municípios pobres recebam recursos.

A proposta, agora, tramita no Senado.

O Plano Nacional de Educação tem muitas outras metas. Por exemplo, aumentar a oferta de escolas em tempo integral; melhorar a formação e equiparar o salário médio de professores da rede pública aos profissionais com o mesmo nível de escolaridade (em 2015, os docentes ganhavam apenas 52,5% do salário médio das pessoas com escolaridade semelhante); triplicar as matrículas na educação profissional e aumentá-las no ensino superior; entre outras.

Muitas delas ainda permanecem distantes de seu cumprimento, e muitos especialistas da educação pedem mais protagonismo do MEC no esforço para alcançá-las.

"Neste ano e meio (de governo Bolsonaro) infelizmente não vimos nada (em iniciativas) de implementação ou acompanhamento das metas do PNE", diz Altenfender, do Cenpec.

Onde o Brasil avançou

Alguns pontos em que o Brasil avançou, em contrapartida, são o aumento da nota média das crianças da 1ª à 5ª série (a nota média de 5,7, almejada para 2019, foi ultrapassada ainda em 2017), embora preocupe o fato de que, depois da quinta série, o desempenho dos alunos comece a cair.

No ensino superior, o Brasil bateu a meta de ter mais de 75% dos professores de educação superior com cursos de mestrado ou doutorado e também já tem, desde 2017, mais de 60 mil pessoas com títulos de mestrado (outra meta do PNE).

Outro avanço é que 98% das crianças brasileiras de 6 a 14 anos estão matriculadas no ensino fundamental — perto de universalizar o acesso, esperado para 2024. O problema é que esses 2% restantes fora da escola "são, na maioria, famílias mais pobres, negras, indígenas e com deficiência", exigindo políticas públicas específicas para garantir que elas de fato consigam estudar, diz o Observatório do PNE.

Para Anna Helena Altenfelder, apesar dos enormes desafios restantes, é um erro achar o Plano Nacional de Educação "inexequível".

"O plano não é uma utopia", diz ela. "Ele tem uma força grande pela forma como foi construído (aprovado pelo Legislativo), de modo participativo, e por ser um parâmetro de referência para secretários de Educação estaduais e municipais. Ele é a síntese das aspirações do Brasil para a educação."

Paula Adamo Idoeta, da BBC News Brasil em São Paulo

Porandubas Políticas

Por Gaudêncio Torquato

 Abro a coluna com duas historinhas, uma de Alagoas, outra do Rio Grande do Norte.

Passado a limpo

Em Alagoas, um dos políticos que marcou época foi Sandoval Caju. Na campanha para a prefeitura de Maceió, da qual foi cassado em 1964, cometeu tiradas engraçadas. Uma vez, chegou a um comício vestido totalmente de branco: calça, camisa, chapéu, sapatos, tudo branquinho. Foi logo explicando à multidão que cercava o palanque:

– Vim de branco para ser mais claro! Pois é, se o país precisa de algo, neste momento, é de muita brancura. Precisa aparecer cada vez mais branco para se tornar cada vez mais passado a limpo.

Os coronéis

O coronel Lucas Pinto, que comandava a UDN no Vale do Apodi/RN, não dormia em serviço. Quando o Tribunal Eleitoral exigiu que os títulos eleitorais fossem documentados com a foto do eleitor, mandou um fotógrafo "tirar a chapa" do seu rebanho, aliás, do seu eleitorado. Numa fazenda, um eleitor tirava o leite da vaca quando foi orientado a posar para a foto. Não teve dúvida: escolheu a vaca como companheira do flagrante. Mas o fotógrafo, por descuido, deixou-o fora. O coronel Lucas Pinto não teve dúvida. Ao entregar as fotos aos eleitores, deparando-se com a vaca, não perdeu tempo e ordenou ao eleitor: "prega a foto aí, vote assim mesmo, na próxima eleição, nós arrumamos a situação". Noutra feita, o coronel levou as urnas de Apodi para o juiz, em Mossoró, quase 15 dias após as eleições. Tomou uma bronca.

– Coronel, isso não se faz. As eleições ocorreram há 15 dias.

– Pode deixar, seu juiz. Na próxima, vou trazer bem cedo.

Não deu outra. Na eleição seguinte, três dias antes do pleito, o velho Lucas Pinto chegava com um comboio de burros carregando as urnas. Chegando ao cartório, surpreendeu o juiz:

– Tá aqui, seu juiz, as urnas de Apodi.

– Mas coronel, as eleições serão daqui a três dias.

– Ah, seu juiz, não quero levar mais bronca. Tá tudo direitinho. Todos os eleitores votaram. Trouxe antes para não ter problema.

Idos das décadas de 50/60. Não havia empreiteiras financiando campanhas. A empreitada ficava mesmo a cargo dos coronéis.

Agosto decisivo

Entramos em um mês decisivo. Também conhecido como o mês do desgosto, o mês do cachorro louco, o mês das tragédias. Em agosto de 1961, Jânio Quadros renunciava à presidência da República. Carmen Miranda morreu em agosto de 1955. Getúlio Vargas praticou suicídio em 24 de agosto de 1954. No dia 2 de agosto, Hitler se tornava líder da Alemanha. Em 6 e 9 de agosto, Hiroshima e Nagasaki foram atacadas com bombas atômicas, uma das maiores tragédias da Humanidade. Portanto, é bom dar três batidas na mesa antes de continuar a ler este texto. Feito isso, lembremos que neste mês ocorrerão as convenções partidárias para escolha de candidatos a prefeito e vereador nos 5.570 municípios. Mês de definição da base governista. Mês de debate sobre reforma tributária, com uma grande pergunta no ar: vem mais imposto por aí?

Aras na defesa 

Augusto Aras está em evidência. Sua expressão e suas atitudes parecem querer puxar o tapete dos procuradores que integram o batalhão de choque da Lava Jato. Está pareado com o Palácio do Planalto, pelo que se lê. A esfera política tem apreciado as decisões do PGR, sob a crença de que a operação já deu o que tinha de dar. E também em função da antipatia do perfil de Deltan Dallagnol, que está sendo submetido a uma ação no CNMP.

STF na linha de frente

Quem também protagoniza no palco da política é o STF. Sua visibilidade, como Corte que politiza seus atos, é intensa. Críticas à atuação de seus quadros se espalham. Vídeos e falas de extremo mau gosto, envolvendo alguns ministros, invadem as redes sociais. E quando se pensa que os fulanos serão apenados por causa de declarações ofensivas (e homofóbicas), eis que aparecem novos vídeos. Ao que parece, os ministros não querem responder às ofensas. A desmoralização da nossa mais alta Corte sobe ao pico da montanha. E a vida continua seguindo seu ritmo de tiros, bombas, ataques, calúnias. É o Brasil.

Sem coligação

Este ano, na área das eleições proporcionais, o princípio a ser seguido é aquele que vem da boca do povo: é tempo de murici, cada um cuide de si. Ou seja, candidato a vereador não será eleito na sombra de coligações, que poderão ainda ser feitas para a área majoritária, a dos prefeitos. Por isso, essa campanha traduzirá o país real da política. Cada partido vai medir efetivamente seu peso na balança política. Como tem sido de praxe, afora algumas praças, onde velhas rixas partidárias ainda se repetem, os nomes dos candidatos puxarão os votos. Será uma campanha nominal, com maior força dos líderes locais.

Nacionalização

Tenho dito e escrito que a campanha municipal será influenciada, em parte, pelo discurso nacional. Ou seja, os mandatários federais, a partir do presidente Jair Bolsonaro, serão cabos eleitorais em muitos municípios. O voto será dado aos candidatos municipais, sob o espelho do presidente ou de outros protagonistas, como Lula. O país ainda continua muito polarizado, bastando ver a carga de adjetivos e substantivos raivosos que saem nas redes sociais. Até parece que vamos continuar o terceiro tempo da campanha de 2018. Isso é muito ruim.

Ódio destilado

A carga de ódio que as duas alas do extremo ideológico destilam por dia transforma o país em um território de intensa beligerância, fato que escamoteia nossos verdadeiros problemas, as demandas sociais, os serviços públicos essenciais. Fôssemos uma sociedade apaziguada, seríamos uma gente mais solidária. Vivemos um dos momentos mais trágicos de nossa história e a beligerância em um Brasil dividido acaba banalizando a tragédia, os riscos, a morte que locupleta os cemitérios. Até quando viveremos sob estado de guerra permanente?

2º turno

Ao que se percebe, examinando as primeiras planilhas em capitais e cidades grandes, a grande quantidade de candidatos tende a levar o pleito de novembro ao 2º turno. Será muito difícil a um candidato vencer na 1ª rodada da eleição. Vejo assim: os extremos do arco ideológico, em torno de 10% do eleitorado, emplacarão os perfis com os quais se identificam; as margens sociais, em torno de 40%, tendem a escolher perfis que estão mais próximos a elas e, se possível, com feitos em suas regiões; o meio da pirâmide, incluindo o poderoso segmento de profissionais liberais, em torno de 45%, tende a selecionar perfis mais avançados no campo da cultura política; o topo vai de candidato conservador. Variações para lá e para cá. Mas a análise nesse momento é que um sopro de grande renovação depure mais os ares poluídos das municipalidades.

Trump e a pandemia

Por não estar gerindo bem a pandemia nos EUA, Donald Trump está em queda nas pesquisas. Um pandemônio açoita a sociedade norte-americana. Se Biden, o ex-vice de Obama e candidato democrata, vencer, o Brasil vai ter de rearrumar sua diplomacia, que se isola do concerto das Nações por obra e graça do chanceler Ernesto Araújo.

Fake news

Como analista de política e conhecendo um pouco nossa cultura política, não tenho dúvidas: teremos uma lei sobre fake news, punindo seus difusores, mas alerto: elas não morrerão. A versão ou as versões sobre um determinado fato fazem parte do DNA do ser humano. Integram o impulso combativo/defensivo dos indivíduos. As histórias, muitas, transformam-se em estórias, "causos", nas versões de uma retórica política. De tempos imemoriais até hoje, os relatos sobre um mesmo acontecimento dividem as opiniões. Recomendo a leitura de um texto de B. Brecht: "Cinco maneiras de dizer a verdade".

A cloroquina

Pois é, essa tal de cloroquina e a hidroxicloroquina permanecerão em nosso sistema cognitivo por muito tempo. Mesmo depois da pandemia - se ela passar – continuará frequentando nossas mentes. Quando o presidente da República, do alto de sua posição, garante que se curou tomando aquele remédio, o povo mais ignaro acredita mesmo. Agora surgiu mais uma droga receitada pelo prefeito de Itajaí/SC: uma pílula (comprimido, algo assim) que se introduz no reto por 10 dias. Brincadeira? Não. Recebi um vídeo. E deve ter muitos adeptos esse prefeito.

Fecho a coluna com Cabralzinho.

Cuidado com os ladrões...

Cabralzinho, líder estudantil em Campina Grande, foi passear em Sobral, no Ceará. Chegou em dia de comício. No palanque, longos cabelos brancos ao vento, o deputado Crisanto Moreira da Rocha, competente orador da província:

– Ladrões!

A praça, apinhada de gente, levou o maior susto.

– Ladrões! Ladrões, porque vocês roubaram meu coração!

Cabralzinho voltou para Campina Grande, candidatou-se a vereador. No primeiro comício, lembrou-se de Sobral e do golpe de oratória do deputado, fechou a cara, olhou para os ouvintes com ar furioso:

– Ladrões!

Ninguém se mexeu. Cabralzinho sabia que política em Campina Grande era briga de foice no escuro. Queria o impacto total.

– Cambada de ladrões!

Foi uma loucura. A multidão avançou sobre o palanque. Pedra, pau, sapatos. O rosto sangrando, acuado, Cabralzinho implorava:

– Espera que eu explico! Espera que eu explico!

Explicou. Ao médico, no hospital.

(A historinha é narrada pelo insuperável Sebastião Nery).

 Gaudêncio Torquato, Professor Titular na USP, é cientista político e consultor de marketing político.

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sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Como será a primeira live de Caetano Veloso, nesta sexta, quando ele faz 78 anos

Após resistência que virou ‘lenda’ nas redes sociais, compositor se apresenta hoje com os filhos na Globoplay às 21h30

O cantor Caetano Veloso Foto: Aline Fonseca / Divulgação

O cantor Caetano Veloso Foto: Aline Fonseca / Divulgação

Enquanto a MPB inteira se rendia às lives desde o começo da quarentena, Caetano Veloso não se mostrava nem um pouco interessado em fazer uma. Daí que uma das grandes diversões dos últimos tempos passou a ser acompanhar os insistentes vídeos de Paula Lavigne, nas redes sociais dela e dele, enquadrando o cantor — às vezes de pijama, às vezes comendo paçoca... — , perguntando quando aconteceria sua live. Ele desconversava, com bom humor. Os fãs reforçaram o apelo, enviando pedidos de músicas e até paródias (como a do humorista Marcelo Adnet, que viralizou). Finalmente, há uma semana veio a notícia de que Caetano tinha cedido: a apresentação, apelidada de Live, a Lenda, acontece hoje (dia do seu aniversário de 78 anos), às 21h30, exclusivamente no Globoplay (não é necessário ser assinante para assistir).

Caetano toca e canta ao lado dos filhos, Moreno, Zeca e Tom (com os quais veio dividindo o show “Ofertório” nos últimos anos), na sala de sua casa, em Ipanema.

— No começo, eu nem via possibilidade de fazer live. Não achava que o que me era proposto fosse do meu feitio. Mas eu queria fazer. Acho graça de o assunto ter ficado tão falado. O fundamental, que é cantar, estar na companhia dos meus filhos e escolher canções, me dá prazer — disse o cantor, em entrevista distribuída à imprensa. — Falei logo com eles que queria que eles participassem. Não tem quase nada do “Ofertório”. Eles vão tocar comigo muitas das músicas escolhidas para a live e eu vou cantar ao menos uma com cada um deles.

O repertório de Live, a Lenda, é claro, foi objeto de especulações nas redes sociais ao longo da semana, com os fãs ansiosos para saber se seus pedidos emplacaram. Nesta semana, Paula ironizou a própria obsessão com a live, transformando a espontaneidade numa bela estratégia de marketing (é “aquele assunto que eu evito”, brincou ela num dos vídeos). Depois, publicou no Instagram um spoiler do quarteto ensaiando “Cajuína”. Dias antes, Caetano disse que não iria deixar “Tigresa” de fora. E foi anunciado que duas músicas novas farão parte da apresentação: “Talvez” (composição de Tom Veloso com Cezar Mendes, que foi gravada por Caetano e o filho e lançada hoje nas plataformas de streaming, como single) e “Pardo”, canção de Caetano registrada pela cantora Céu em seu último álbum, “APKÁ!” (2019), que enfim ganhará interpretação do autor.

— Recebo muitos recados e e-mails pedindo canções e até orientando se vou para o lado do material ultraconhecido ou se canto coisas que quase nunca cantei. Meu critério deveria ser exclusivamente este: o que eu posso fazer melhor? — explicou Caetano. — Mas tanto os sucessos consagrados quanto as coisas que tratam de temas mais adequados à situação de quarentena abalam esse critério. Assim, o público pode esperar um misto dessas coisas todas.

O que havia de cômico (intencionalmente ou não) nos vídeos de Paula Lavigne puxando assunto sobre a live com Caetano foi amplificado por Marcelo Adnet em suas paródias, exibidas no seu programa no Globoplay, “Sinta-se em casa”, gravado durante a quarentena. Apreciadores das imitações, Caetano e Paula acabaram dando a Adnet a primazia de anunciar que Live, a Lenda, aconteceria no aniversário de 78 anos do cantor. Anúncio feito cabalisticamente, aliás, na edição de número 78 do programa, com direito a uma música composta pelo humorista e interpretada por ele como se fosse Caetano.

Paródia carinhosa

No fim das contas, o número musical de Adnet viralizou e acabou se tornando a grande peça de divulgação da live.

— Isso foi algo que começou totalmente despretensioso — revelou Marcelo Adnet, semana passada, ao GLOBO. — Garimpo notícias de política entre as mídias tradicionais e fatos sobre comportamento em redes sociais. Foi quando atentei para essa resistência do Caetano com as lives, e a Paula super querendo a live... Esses vídeos começaram a bombar dentro de uma bolha ou de um nicho, e aí eu decidi fazer paródias da Paula e do Caetano em casa. Foi algo que nasceu através de um carinho recíproco entre mim e os dois.

Caetano disse ter se divertido com o aspecto de comédia que a live adquiriu:

— Sempre adorei o que me faz rir. Entre os meus filmes favoritos de todos os tempos estão comédias de Billy Wilder. Quando menino, amava o “Balança mas não cai” da Rádio Nacional e os programas divinos da Mayrink Veiga (alguns escritos por Chico Anysio). Gosto do filósofo que põe a comédia acima da tragédia. Os tempos que vivemos não seriam apenas menos suportáveis sem Marcelo Adnet ou Gregorio Duvivier: sem pessoas como eles, seriam obscuros, ininteligíveis, sem luz.

Em tempos de perdas para a cultura brasileira (de Moraes Moreira e Aldir Blanc a Rubem Fonseca e Sérgio Ricardo), quando tem acompanhado o noticiário com afinco, Caetano projeta uma esperança.

— Que (as pessoas) saibam se definir internamente em meio à batalha entre a maluquice das teorias conspiratórias e a natural confusão da ciência. Ter clareza quanto a um mínimo de decisões é necessário em momentos de emergência.

Publicado originalmente em O Globo hoje.

Os caminhos do tecnopopulismo

Sem a cloroquina econômica, com o País mais pobre, Bolsonaro cavalgará para onde? Indaga Fernando Gabeira em sua lucidez de ativista político, parlamentar entre os mais experientes e Jornalista de texto límpido, que sempre se recusou a brigar com os fatos.

De modo geral já se conhece como triunfam os populistas. Interpretam as frustrações populares em tempos de crise econômica. Criticam o distanciamento das elites e tendem a valorizar a democracia direta: acham que, uma vez submetidos a escrutínio popular, toda a sua agenda é majoritária.

Ainda estamos por construir uma teoria sobre o declínio do populismo porque, em termos históricos, ele acabou de se instalar em bases novas, num contexto transformado pela revolução digital. A pandemia deu-nos uma pista.

Populistas como Trump e Bolsonaro tendem a afirmar que os problemas têm soluções simples. Diante da complexidade do novo coronavírus, não conseguiram reagir, exceto pela negação.

O fato de ambos se terem apegado à cloroquina como uma saída mágica é, de certa forma, compreensível. A existência de um remédio eficaz colocaria um ponto final em todo o drama.

Mas, como se diz no Brasil, o buraco era mais embaixo. A complexidade da pandemia exigia respostas nacionalmente integradas, aliança com a ciência médica, uma visão mais flexível de gastos na emergência, solidariedade pelo sofrimento das pessoas. 

Tanto Trump como Bolsonaro foram incapazes de cumprir esse roteiro. A insensibilidade talvez seja o fator mais impactante no seu fracasso.

No entanto, a pandemia foi o elemento inesperado que precipitou a demonstração da falsidade da tese de que os problemas dos países são muito fáceis de resolver desde que se eleja o homem certo para o papel. Trump já sentiu os efeitos e corre o risco de ser derrotado nas eleições. Bolsonaro, também assustado, saiu em campanha eleitoral, apesar da distância no tempo.

Nem sempre há pandemias. Porém a rapidez com que os acontecimentos se desenrolam é um fator que sempre ajudará a demonstrar que as soluções não são simples e isso encurtará a vida política dos populistas.

No caso brasileiro, existe um fator tradicional. Quase todos os eleitos prometem combater a corrupção. Alguns, no curso de seu governo, como foi o caso de Collor e mesmo de Lula, acabam sendo envolvidos em denúncias.

Bolsonaro trazia um potencial explosivo na sua prática anterior à chegada ao poder. É o método que utilizou para contratar funcionários em seu gabinete e nos de seus filhos.

As investigações prosseguem no seu mandato. Não têm o poder de derrubá-lo. Mas o obrigam a negociações, a buscar apoio em juízes que certamente pedirão algo em troca por seus favores. O resultado disso é que, por necessidade, Bolsonaro tem de se conciliar com as forças que, na campanha eleitoral, ele insinuou que combateria.

De modo geral, o populismo se escora na democracia direta e afirma que para realizá-la é preciso remover os obstáculos institucionais. Bolsonaro não conseguiu demolir o STF e o Congresso. A prisão de Fabrício Queiroz foi um marco que o fez compreender que precisaria de ambos. Daí partiu para um acordo com o Centrão no Congresso e a distribuição de cargos, como sempre se fez no Brasil.

A bandeira anticorrupção foi para o espaço. Só restava agora empunhá-la contra seus adversários, governadores que também são potenciais candidatos à Presidência.

Ao compreender que o movimento não passaria numa área do eleitorado, Bolsonaro precipitou o mergulho no passado. Não mais combateria a corrupção, exceto na retórica, mas iria apoiar-se nos setores mais fisiológicos do Congresso e concluiria sua transição buscando novos eleitores, escorado no clientelismo, e não mais em demandas de coerência. Sua viagem ao Nordeste, montado a cavalo e usando um chapéu fake de vaqueiro, é a expressão visual de sua metamorfose.

Outro fator que tem peso é a relação dos tecnopopulistas com a imprensa profissional. Eles a incluem no sistema decadente que pretendem destruir. Consideram-na um lixo desprezível e articulam sua comunicação por meio das redes sociais e pequenos veículos que possam comprar com sua verba publicitária. A tática é insultá-la sempre que possível, produzir fatos e oportunidades negativas que possam despertar sua indignação, imperando em suas páginas e telas pela crítica que provocam.

Há duas brechas nessa tática. A primeira delas é que a complexidade da pandemia revitalizou a importância de uma imprensa profissional, associada à ciência, produzindo informações confiáveis para atenuar o desastre sanitário. A segunda brecha é também vital. Apostar apenas nas redes sociais como um espaço em que vale tudo.

Não é mais tão fácil como no passado. Grandes empresas ameaçam retirar sua publicidade se não houver controle do discurso do ódio. E agências especializadas vasculham os perfis inautênticos. O Facebook já derrubou muitos ligados à defesa de Bolsonaro e ataques aos seus adversários. 

Ainda faltam elementos essenciais nessa análise. Um deles é a própria economia. O populismo floresceu porque há muito não se sentia um crescimento real do padrão de vida. Enquanto a vida melhorava, era tolerável a relativa distância das elites em relação ao povo. Sem a cloroquina econômica, com o País mais pobre, Bolsonaro cavalgará para onde?

Este artigo de Fernando Gabeira foi publicado originalmente na edição de hoje de O Estado de São Paulo.

O novo despontar dos semideuses

Eles se especializam em derrubar algumas das mais sólidas construções dos últimos anos, analisa Flávio Tavares, um dos observadores de maior credibilidade da cena política brasileira, em artigo publico hoje n'O Estado de São Paulo.

Nestes tempos de hoje, em que a poesia desapareceu e a peste nos cerca, recordo a lamúria do poeta Fernando Pessoa: “Arre, estou farto de semideuses...”. Sim, pois tanto os semideuses quanto o profético Fernando Pessoa ressurgem em meio à pandemia, como se houvessem combinado enfrentar-se num combate impossível que o novo coronavírus fez acontecer.

E tudo aconteceu aqui pertinho, exibido nos noticiários da TV. A cidade de Santos ampliou sua condição de maior porto do País e escancarou a face dos semideuses que, como tumor maligno, corrompem o Poder Judiciário ou fazem que seja visto como uma pá de lixo para recolher os detritos da sociedade. Refiro-me à cena reproduzida na TV em que o desembargador Eduardo Almeida Prado Rocha de Siqueira ofende com palavras um guarda municipal que o multou na rua por não usar máscara. A cena foi adiante em insensatez: o desembargador rasgou o papel da multa e, alardeando uma autoridade que o Poder Judiciário não lhe deu, telefonou ao secretário municipal para se queixar do guarda e chamá-lo de “analfabeto”.

A autoridade do desembargador restringe-se ao âmbito judicial. Ou alguém pensa que os juízes estão acima da lei? E mais ainda quando a lei busca proteger a saúde e a vida, incluída a do transgressor.

Entre nós, no Brasil, a exibição de “autoridade suprema” tem até um apelido – “carteirada” –, que expressa algo comum nos mais altos níveis da sociedade e da governança.

Na recente demissão do ministro Sergio Moro, o presidente Bolsonaro proclamou-se “chefe supremo” (e o disse pelas “redes” e pela TV, assim mesmo, com essas palavras), quando, de fato, tão só comanda o Poder Executivo. “Chefe supremo”, ou simplesmente “chefão”, é algo cheio de cupim do tempo dos reis absolutistas ou pose de “xerife” dos filmes de faroeste. Os “xerifes” eram mandões supremos por terem revólver de mil tiros, que disparava sem parar. Mas truque de cinema não substitui a realidade.

Nem sequer a votação expressiva de Bolsonaro lhe outorgou “poderes supremos” como presidente. A democracia é, por definição, o sistema de equilíbrio dos Poderes, exatamente para evitar “semideuses”. O voto não o transforma em ditador supremo...

E menos ainda faz dele um semideus. Todo dia, porém, surgem semideuses, revelando que o poder político se torna, progressivamente, um núcleo de cobiçosos aventureiros, servindo a interesses que não são os do País nem os do povo.

O horror da pandemia mostrou essa deformação. Para espanto da ciência, vimos o presidente da República se transformar em médico charlatão ou “garoto-propaganda” da cloroquina. As fotos de Bolsonaro empunhando uma caixinha do medicamento como se fosse milagrosa varinha de condão das fadas infantis apareceram em jornais, na TV ou nas tais “redes sociais”, como se ele fosse improvisado semideus..

Não importaram sequer as advertências da ciência médica sobre os perigosos efeitos colaterais de usar um medicamento destinado a combater a malária como algo mágico para a peste atual. O semideus já havia decidido e, pronto, não se discute!

Nossos semideuses passaram a proliferar, especializando-se em derrubar algumas das mais sólidas construções dos últimos anos. Talvez tendo o presidente como espelho, o procurador-geral da República, Augusto Aras, investiu abertamente contra a Lava Jato para destruir a iniciativa que, pela primeira vez na História, puniu altos ladrões e mostrou como intocáveis políticos e grandes empresários eram simples assaltantes. Até um ex-presidente da República foi preso. A Lava Jato desnudou o conluio obsceno entre governantes, políticos e ricos empresários, mas, agora, enfurece o procurador-geral da República.

Por que essa fúria, que se contrapõe às próprias funções específicas do procurador-geral?

Há, ainda, os semideuses ardilosos, como mostrou o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ao propor (em reunião ministerial) aproveitar a covid-19 para “passar a boiada”. Ou seja, servir-se da atenção na pandemia para descuidar da preservação da natureza.

Assim, o ministro Salles opõe-se até mesmo aos três grandes bancos privados do País que advertem sobre a necessidade de preservar a Amazônia e o meio ambiente em si. Em vez disso, o ministro (num arremedo de semideus) deu o nome majestoso de “Amazônia” a um falso projeto de preservação, restrito a uma pequena área de 390 mil hectares, que abrange apenas 0,07 da cobertura florestal.

Até o ministro da Economia, Paulo Guedes (que, bancando semideus, quer restaurar a odiosa CPMF, sob outro nome) considerou “insuficiente” a ideia de Salles.

O Supremo Tribunal teve de intervir para que o ministro da Justiça não restaure a opressão da ditadura e vigie funcionários públicos por defenderem a democracia...

A queixa do poeta Fernando Pessoa virou profecia e os semideuses despontam outra vez.

Flávio Tavares é Jornalista e Escritor, Prêmio Jabuti de Literatura nos anos 2000 e 2005. É Professor aposentado da Universidade de Brasília.

Brasil se aproxima de 100 mil mortes por covid-1

Mais 1.079 óbitos foram registrados nas últimas 24 horas, elevando total para mais de 99 mil. Casos da doença passam de 2,96 milhões, após a notificação de mais 50 mil diagnósticos com resultado positivo.

    Parentes enterram vítima da covid-19 em São Paulo

Parentes enterram vítima da covid-19 em São Paulo, o estado com o maior número de óbitos e casos

O Brasil registrou mais 50.230 casos confirmados de covid-19 e 1.079 mortes em 24 horas, segundo dados do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e do Ministério da Saúde divulgados nesta sexta-feira (07/08). O balanço eleva o total de infecções para 2.962.442 e o total de óbitos para 99.572.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação. 

Ao todo, 2.068.394 pacientes se recuperaram da doença, e 794.476 estão em acompanhamento, segundo o Ministério da Saúde. O Conass não informa número de recuperados.

São Paulo é o estado brasileiro mais atingido pela epidemia, com 608.379 casos e 24.735 mortes. O número de infectados no território paulista supera os registrados na maioria dos países do mundo, sendo menor apenas do que o contabilizado na Rússia (875 mil), na Índia (2 milhões) e Estados Unidos (4,9 milhões).

A Bahia é o segundo estado brasileiro com maior número de casos, somando 187.892, e o sexto em número de mortos, com 3.843 vítimas. Já o Ceará tem 185.409 infecções e 7.921 óbitos, o que o coloca atrás do Rio de Janeiro (com 175.696 infecções e 14.023 óbitos) como o terceiro estado com mais mortes.

Além São Paulo, Bahia, Ceará e Rio de Janeiro, outros seis estados e o Distrito Federal registraram mais de 100 mil casos. São eles: Pará, Minas Gerais, Maranhão, Amazonas, Pernambuco e Santa Catarina.

Segundo o Conass, a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes é atualmente de 47,4 no Brasil. Apesar de estar subindo nas últimas semanas, a cifra ainda é menor do que a registrada em nações europeias duramente atingidas, como o Reino Unido (69,9), a Bélgica (86,3) e a Espanha (61).

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais infecções e mortes por coronavírus, atrás apenas dos Estados Unidos, que já acumulam mais de 4,9 milhões de casos e mais de 160 mil óbitos. Atrás de EUA e Brasil, os países mais atingidos são Índia (2,02 milhões de casos), Rússia (875 mil) e África do Sul (538 mil).

Ao todo, mais de 726 mil pessoas morreram em decorrência do vírus no planeta. Depois de EUA e Brasil, os maiores números absolutos de mortes se concentram no México (50 mil), Reino Unido (46,5 mil), e na Índia (41 mil).

A América Latina ultrapassou a Europa nesta sexta-feira no número de mortes por covid-19. A região registrou ao todo 213.120 óbitos pela doença, 460 a mais do que na Europa, de acordo com o levantamento da agência de notícias AFP.

As previsões para os Estados Unidos indicam um cenário sombrio. Especialistas da Universidade de Washington acreditam que a epidemia de covid-19 deve matar aproximadamente 300 mil americanos até dezembro deste ano. Os pesquisadores afirmam, porém, que 70 mil vidas podem ser salvas se o uso de máscaras for respeitado.

Na Europa, diversos países que haviam controlado a pandemia vem registrando aumento no número de casos. Para tentar conter a propagação da doença, a Alemanha tornou obrigatório o teste para a covid-19 para todos os viajantes que chegarem de regiões consideradas de alto risco por conta da pandemia do coronavírus. A medida entra em vigor a partir deste sábado (08/08). O exame será gratuito.

Fonte: Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas. 

Queiroz depositou mais de 20 cheques em conta de Michelle Bolsonaro

Depósitos que somam R$ 72 mil ocorreram entre 2011 e 2018 e foram descobertos após quebra do sigilo do amigo do presidente e ex-assessor do senador Flávio. Repasses contrariam versão de Bolsonaro sobre suposto empréstimo
Michelle e Jair Bolsonaro

    Michelle e Jair Bolsonaro
Bolsonaro alegou ter emprestado 40 mil reais a Queiroz

O ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro Fabrício Queiroz depositou 72 mil reais na conta de Michelle Bolsonaro, esposa do presidente Jair Bolsonaro, entre 2011 e 2018, segundo uma reportagem da revista Crusoé. Os repasses foram descobertos com a quebra de sigilo bancário do ex-policial militar e contrariaram a versão sobre o caso apresentada pelo presidente.

A quebra do sigilo bancário de Queiroz foi autorizada pela Justiça no âmbito da investigação sobre um esquema de "rachadinha"  – prática ilegal através da qual os funcionários de parlamentares são coagidos a devolver parte de seus salários – no gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). O filho do presidente foi deputado estadual entre 2003 e janeiro de 2019, e Queiroz foi seu assessor entre 2007 e 2018.

Segundo a reportagem, Queiroz depositou ao menos 21 cheques na conta de Michelle entre 2011 e 2018, em valores que somam 72 mil reais. Até agora, era conhecido apenas um repasse de 24 mil reais do ex-assessor para a esposa do presidente.

Quando o caso veio à tona, no final de 2018, Bolsonaro afirmou que os repasses feitos por Queiroz a Michelle eram referentes a uma dívida de 40 mil reais que o ex-assessor tinha com o presidente. Bolsonaro alegou que os valores haviam sido depositados na conta de sua esposa por ele não ter tempo de ir ao banco.

Os depósitos de Queiroz a Michelle divulgados pela Crusoé foram confirmados pelo jornal Folha de S.Paulo, que noticiou ainda que a esposa de Queiroz, Marcia Aguiar, também repassou dinheiro em 2011 para a primeira-dama, por meio de seis cheques que somaram R$ 17 mil. Com isso, os valores repassados para a primeira-dama somam R$ 89 mil, bem acima do suposto empréstimo de R$ 40 mil que Bolsonaro mencionou. 

Nenhum repasse de Bolsonaro a Queiroz aparece nos extratos, segundo a Crusoé. A quebra de sigilo bancário mostrou ainda que o ex-assessor movimentou em dez anos um valor bem acima de seus rendimentos. 

Entre 2007 e 2018, 6,2 milhões de reais em crédito foram registrados na conta de Queiroz. Deste valor, cerca de 2 milhões de reais vieram de repasses de funcionários do gabinete de Flávio, o que poderia comprar o esquema da "rachadinha". Outros 900 mil reais têm fontes não identificadas.

Para o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ), Queiroz era o operador do esquema de "rachadinha" no gabinete do filho do presidente. O ex-assessor é amigo de longa data do presidente e foi por intermédio dele que conseguiu uma vaga no gabinete de Flávio.

O caso da "rachadinha"

Queiroz é investigado por lavagem de dinheiro, peculato, ocultação de patrimônio e organização criminosa. Ele foi preso em junho em Atibaia, interior de São Paulo, num imóvel do advogado Frederick Wassef, que até então defendia Flávio no caso da "rachadinha". Pouco após a prisão, o filho do presidente anunciou que Wassef não era mais seu advogado. Em julho, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) concedeu a Queiroz o benefício de prisão domiciliar.

Em meados de maio, a Polícia Federal afirmou que iria investigar a afirmação feita pelo empresário Paulo Marinho de que o senador Flávio Bolsonaro foi informado com antecedência de que a Operação Furna da Onça, que atingiu Queiroz, seria deflagrada.

Marinho é suplente de Flávio no Senado, pré-candidato à prefeitura do Rio de Janeiro pelo PSDB e foi uma figura importante na campanha presidencial de Bolsonaro.

A Furna da Onça, um desdobramento da Lava Jato, foi deflagrada em novembro de 2018. Flávio teria revelado a Marinho em 13 de dezembro de 2018 que soube antes da operação. À época, Queiroz estava sumido, e Flávio disse a seu suplente que mantinha contato indireto com Queiroz por meio de um advogado.

Em 6 de dezembro de 2018, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), um órgão do Ministério da Fazenda, detectou uma série de operações bancárias suspeitas de mais de sete dezenas de assessores e ex-assessores da Alerj. O documento foi produzido no âmbito da Furna da Onça.

Na lista constava o nome de Queiroz. O ex-assessor, que também é amigo de Jair Bolsonaro desde a década de 1980, logo passaria a ser personagem central da primeira crise do novo governo.

Segundo o relatório inicial do Coaf, Queiroz, que morava em um apartamento simples em um bairro de classe média baixa do Rio, movimentou 1,2 milhão de reais em um período de 12 meses entre 2016 e 2017, época em que estava lotado no gabinete de Flávio. O documento apontou que as movimentações eram "incompatíveis com o patrimônio, a atividade econômica ou ocupação profissional" de Queiroz.

O mesmo relatório detalhou as operações bancárias realizadas pelo ex-assessor. Entre elas estava o depósito de um cheque de 24 mil reais na conta da esposa de Bolsonaro, Michelle Bolsonaro. No total, Queiroz sacou dinheiro em 176 oportunidades, em 14 bairros do Rio. Vários dos saques eram idênticos e fracionados, o que levantou suspeitas de tentativa de ocultação.

O relatório ainda citou a filha de Queiroz, Nathalia Melo de Queiroz, que foi beneficiada pelos recursos movimentados pelo pai. Nathalia foi funcionária do gabinete do então deputado federal Jair Bolsonaro entre dezembro de 2016 e outubro de 2018.

Em março de 2019, Queiroz quebrou o silêncio, oferecendo à Justiça pela primeira vez explicações sobre as suspeitas de corrupção que pairavam sobre ele. O ex-assessor disse ao Ministério Público que recolhia parte dos salários de servidores do gabinete, mas negou ter se apropriado dos valores.

Segundo a explicação que Queiroz prestou por escrito ao MP-RJ, o dinheiro recolhido dos funcionários do gabinete era usado para contratar assessores informais e "expandir a atuação parlamentar" de Flávio nas bases eleitorais. O ex-assessor também afirmou que Flávio não sabia do esquema.

Apesar das declarações, as investigações apontam que parte das despesas pessoais de Flávio teriam sido quitadas por Queiroz em dinheiro vivo, com recursos desviados no esquema da "rachadinha". 

Fonte: Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas. 

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Cicatrizes na ‘Paris do Oriente Médio’

Explosões agravam a situação do Líbano, assolado pela pandemia e pela crise econômica

A negligência de autoridades libanesas pode ter feito o que nem a guerra civil do Líbano fez em 15 anos (1975-1990): destruir metade de Beirute, uma das mais belas capitais do Oriente Médio, em questão de segundos. Ao menos duas grandes explosões ocorreram na região portuária da cidade na tarde de terça-feira passada. A última, devastadora, obliterou o porto da capital libanesa e provocou uma onda de choque que destruiu tudo o que encontrou pela frente em um raio de aproximadamente 20 km. Há relatos de cipriotas que ouviram o barulho das explosões. O Chipre está a cerca de 230 km ao noroeste de Beirute, o que dá a dimensão do horror que a população local sofreu.

O desastre deixa, em números provisórios, mais de 130 vítimas fatais e quase 5 mil feridos. E esses números tendem a aumentar nos próximos dias porque equipes de resgate ainda trabalham na remoção dos escombros. Além disso, há 300 mil pessoas desabrigadas. Não há brasileiros entre os mortos e feridos com gravidade. Uma fragata da Marinha do Brasil a serviço da ONU havia deixado o porto de Beirute antes das explosões.

Trata-se de mais uma tragédia que se abate sobre uma cidade que ao longo dos últimos anos vinha se recuperando lentamente de uma violenta guerra civil e de outros conflitos na região. O ministro das Relações Exteriores de Israel, Gabi Ashkenazi, negou peremptoriamente qualquer envolvimento de seu governo com as explosões havidas em Beirute. Em nota conjunta, assinada com o ministro da Defesa, Benny Gantz, Ashkenazi informou que “o governo de Israel está em contato com o governo do Líbano por meio dos canais diplomáticos e de segurança para oferecer ao país vizinho ajuda médica e humanitária”. Já o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, insinuou que as explosões podem ter sido causadas por um “ataque com algum tipo de bomba”, sem apresentar qualquer evidência que sustentasse sua alegação.

Segundo fontes ligadas ao governo libanês, a causa mais provável da primeira explosão foi um incêndio provocado por um curto-circuito numa fábrica de fogos de artifício instalada na região portuária. Esta explosão teria ocasionado outra, de maior potencial destrutivo, num armazém contíguo, local onde estavam estocadas 2,75 mil toneladas de nitrato de amônio apreendidas há nada menos do que seis anos. O nitrato de amônio é uma substância normalmente usada na produção agrícola, mas pode se tornar explosivo sob altas temperaturas. O uso de nitrato de amônio para fins bélicos foi uma das razões para o confisco do material pelo governo. Temia-se pelo acesso do Hezbollah à carga tão perigosa.

O erro fatal das autoridades responsáveis pelo armazém no porto de Beirute que foi pelos ares foi ter armazenado uma quantidade tão grande de nitrato de amônio em um mesmo local, por tanto tempo, e sem as necessárias medidas de segurança, segundo os especialistas. A Justiça do Líbano determinou que todos os funcionários com poder de mando no armazém desde 2014 sejam postos em prisão domiciliar até o final da investigação para apurar as causas da tragédia.

As explosões se somaram a uma severa crise econômica que assola o Líbano com mais gravidade há pelo menos dois anos, fruto de corrupção e irresponsabilidade fiscal, e à pandemia de covid-19. Hospitais foram destruídos, aumentando ainda mais o sofrimento na nação amiga. O instável equilíbrio de poder entre grupos de cristãos, muçulmanos sunitas e muçulmanos xiitas também poderá sofrer abalos com o agravamento dessas crises.

Em nota, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil se solidarizou com o governo e o povo do Líbano. Cerca de 10 milhões de libaneses, entre nativos e descendentes, vivem no País, um terço deles em São Paulo. É um contingente maior do que a população do Líbano. A dor dos amigos libaneses, que muito contribuíram para o crescimento do Brasil, é a dor dos brasileiros.

Editorial /Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
06 de agosto de 2020 | 03h00

'Chegamos a essa tragédia por um acúmulo de erros', diz Drauzio Varella sobre pandemia de Covid-19 no Brasil

"Primeiro, nós não nos preparamos adequadamente para a chegada do vírus aqui, e, sabidamente, ele vinha", disse o médico. Drauzio lembrou que, apesar das recomendações de cientistas sobre a necessidade de isolamento para conter a disseminação do vírus, houve "contradição" nas orientações dadas à população pelos governos estaduais e o federal.

"Todo o pessoal de ciência dizendo 'o isolamento é fundamental', e o governo federal apontando na direção oposta", disse.


2. Retomada econômica

'Tinha que ter sido um isolamento muito rápido e muito eficaz', explica Drauzio Varella

"Você não vai encontrar um epidemiologista digno desse nome que te diga que está na hora de abrir. Não vai pegar um país que está tendo mil mortes por dia e achar que está tudo bem, que as pessoas podem ir para a rua", afirmou.

Para Drauzio, o problema do isolamento é que ele precisava ter sido efetivo e começado nas fase inicial. "Tinha que ter sido um isolamento muito rápido. E muito eficaz, abrangente, chegar a níveis de 60%, 70%, porque aí você consegue ter um controle da epidemia."

3. Resistência ao isolamento social

Coronavírus surpreende pela 'variedade de quadros clínicos', defende Drauzio Varella

Drauzio foi questionado sobre o porquê de as pessoas não adotarem as medidas de proteção necessárias contra a Covid-19. O médico disse acreditar que, devido à variedade clínica da doença – que, em algumas pessoas, não causa sintomas e, entretanto, pode ser letal em outras – alguns grupos, principalmente os mais jovens, não fazem o isolamento social.

"Nós não temos uma consciência de que, se eu vou para a rua e pego o vírus, eu estou fazendo mal para a sociedade, porque eu vou manter esse vírus por mais tempo em circulação e vou espalhar também."

4. Volta às aulas

Crianças podem 'transmitir o vírus para dentro de casa', explica Drauzio Varella

O médico foi questionado sobre sua opinião em relação à volta das aulas. Ele disse não saber quando seria o momento certo dessa volta, mas avaliou que "ninguém sabe".

"Com toda essa disseminação que temos no país, não é só colocar a criança na escola, porque não é colocar a criança. A criança não é transportada por telepatia. Alguém vai ter que levar, ou ela vai ter que frequentar um transporte coletivo, volta para casa depois", lembrou o médico.
Drauzio pontuou, ainda, que, apesar de as crianças parecerem ser menos atingidas pela Covid-19, não ficou demonstrado que elas transmitem menos a doença.

"É um vírus altamente contagioso. Isso que as pessoas esquecem", disse. "Se você se expõe, você se infecta com o vírus. Quanto mais gente se expõe, mais gente se infecta, mais tempo dura a epidemia", lembrou.

5. Corrida pela vacina

Drauzio Varella explica os desafios da produção e da distribuição da vacina para Covid

Drauzio alerta que a perspectiva de, no futuro, uma vacina ser aprovada não resolve imediatamente o problema da disseminação da Covid-19 no Brasil.

"A vacina não vai resolver o problema atual", afirmou. "Pode ser que, quando chegue essa vacina, ela não vá ser tão necessária quanto é agora, porque pode ser que, até metade do ano que vem, você vai ter já uma epidemia mais arrefecida".

"Agora é hora de evitar aglomeração, de usar máscara", reforçou o médico. "Eu acho que não usar máscara na rua é um absurdo tão grande que eu fico olhando essas pessoas. O que leva um cidadão a andar sem máscara? Que estupidez do comportamento humano é esse? Uma pessoa no auge de uma epidemia, morrendo gente, se negar a pôr a máscara?", questionou.

6. Resposta imunológica

Drauzio Varella explica como atua o sistema imunológico no combate ao coronavírus no corpo

Drauzio também falou da complexidade da resposta imunológica do corpo à Covid-19.

"Quando entra um microrganismo, primeiro ele [o sistema imunológico] reconhece e monta uma resposta contra. Essa resposta tem dois braços: primeiro ele joga anticorpos em cima do microrganismo invasor, que funcionam como mísseis", explicou o médico.

"E, ao mesmo tempo, ele ativa várias células do sistema imunológico, vários tipos de glóbulos brancos, os linfócitos, macrófagos, os neutrófilos e outras células para correr e destruir o vírus, inclusive o vírus que já conseguiu entrar dentro das células que infectou. É a chamada imunidade celular. A dos anticorpos é chamada de humoral", completou.

Imunidade contra o coronavírus: tire dúvidas sobre como anticorpos e células T atuam contra a Covid-19

"Contra os vírus, a imunidade mais importante é a celular, não é a humoral [de anticorpos]", explicou Drauzio.

"Essa imunidade [celular ao vírus] é mal conhecida. Ela é toda dirigida para os anticorpos, porque são os anticorpos que você vai usar para testar a eficácia da vacina. Mas, na verdade, pode ser que eles não sejam tão importantes", disse.

Publicado originalmente por G1. Entrevista concedida hoje pela manhã à GloboNews.

Abuso de autoridade, Secretário de Transportes de São Paulo é preso por ordem de Bretas

Em mais uma decisão questionável, baseada em acusação sem materialidade, o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro, mandou prender o secretário de Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo, Alexandre Baldy.

Bretas mandou prender secretário por suspeita de crimes anteriores ao mandato

O secretário de São Paulo foi ministro das Cidades no governo Michel Temer e foi preso por fatos relacionados a um hospital em Goiânia durante a administração de um adversário político. Nenhum dos fatos invocados tem conexão com a Justiça Federal do Rio de Janeiro.

Segundo a Polícia Federal, são cumpridos seis mandados de prisão temporária e 11 de busca e apreensão em uma investigação de desvios na Saúde envolvendo órgãos federais no Rio e em São Paulo. Os alegados crimes são anteriores ao mandato de Baldy na Secretaria dos Transportes.

Marcelo Bretas, cujas decisões são repetidamente revogadas por falta de fundamento legal, mandou prender pessoas e vasculhar os domicílios de pessoas em Petrópolis (RJ), São Paulo, São José do Rio Preto (SP), Goiânia e Brasília. De acordo com o G1, um pesquisador da Fiocruz, Guilherme Franco Netto, foi preso em Petrópolis.

As acusações elencam a eventual prática de corrupção, peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa, e após procedimentos de praxe, serão encaminhados ao sistema prisional, informou a PF em nota.

Fonte: Consultor Jurídico, 06.08.20.

Brasil está relaxando medidas de isolamento além do razoável, alerta cientista

Medidas de afrouxamento de quarentena devem ser tomadas a partir do momento em que o país reduz a taxa de transmissão do novo coronavírus.

Enquanto o Brasil enfrenta média diária de mais de mil mortes por covid-19 e tem sucessivos recordes de novas infecções pelo novo coronavírus, diversas regiões flexibilizaram a quarentena.

Cenas de bares e restaurantes lotados, praias cheias e lojas com muitos clientes se tornaram comuns nas últimas semanas.

A flexibilização do isolamento social no país não se restringe às cidades que atualmente têm queda de casos de covid-19 ou apresentam números estáveis, como São Paulo (SP) e Manaus (AM).

Ela também ocorre em municípios com crescimento de números de mortes e novas infecções pelo novo coronavírus, como cidades do interior.

Especialistas de todo o mundo apontam que um risco da flexibilização é o fato de que muitas pessoas podem pensar que a situação da pandemia está contornada.

Desta forma, podem ter a falsa impressão de que a vida pode voltar a ser como era antes da propagação do Sars-Cov-2, nome oficial do novo coronavírus.

Na Europa, por exemplo, os casos voltaram a subir recentemente em diversos países, após o fim da quarentena. Por lá, autoridades apontam um número crescente de regiões com surtos localizados de covid-19. Em razão disso, governantes locais pediram mais cautela aos cidadãos.

Em meio à flexibilização da quarentena no Brasil, a microbiologista Natalia Pasternak, pesquisadora do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de São Paulo (USP), considera que muitas pessoas "não entenderam que a pandemia continua no seu auge no país".

O país já registrou mais de 95 mil mortes por covid-19 e quase 3 milhões de casos. Apesar disso, cenas de pessoas que vivem como se nada estivesse acontecendo são frequentes. Em locais reabertos, há constantes situações de clientes sem máscaras ou sem adotar o distanciamento social, de ao menos 1,5 metro.

"As coisas não podem ser reabertas e parecer que liberou geral", critica Pasternak.

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A flexibilização

A OMS recomenda que uma região só flexibilize o isolamento social quando os casos se tornam esporádicos e concentrados em algumas localidades, em um nível que não sobrecarregue o sistema de saúde.

A entidade também aponta que esse afrouxamento da quarentena deve ser acompanhado de testes em massa para identificar os casos, isolá-los, tratá-los e monitorar os pacientes positivos e as pessoas com quem tiveram contato.

Ainda segundo a OMS, é recomendável que antes de flexibilizar o isolamento a região consiga proteger os mais vulneráveis a surtos, como em favelas, onde há grande concentração de pessoas em espaços pequenos.

A organização também orienta que sejam tomadas medidas para evitar transmissão do vírus em locais de trabalho e que a população seja conscientizada da importância de combater a pandemia.

Um dos principais critérios apontados por especialistas para que a reabertura de uma região aconteça com segurança é avaliar a taxa de reprodução do coronavírus, ou Rt, que deve ser menor que 1 — o número indica quantas pessoas podem ser contaminadas por quem está com o vírus.

Quando essa taxa é maior que um, significa que o infectado pode transmitir o vírus para mais de uma pessoa. Assim, representa que o número de casos pode aumentar exponencialmente. Muitos países esperaram esse índice ficar abaixo de um, indicando assim desaceleração de novos casos, para afrouxar as medidas de isolamento.

De acordo com o Imperial College, de Londres, a taxa atual de reprodução do vírus no Brasil é de 1,08, índice que representa que a transmissão continua descontrolada no país — há mais de três meses, esse número é superior a 1.

Mesmo sem seguir adequadamente as recomendações da OMS para reabertura da economia e com a taxa de reprodução do vírus acima de 1, diversos Estados brasileiros têm flexibilizado o isolamento social.

Em virtude da dimensão do Brasil, especialistas apontam que é difícil que haja uma mesma medida para todos os lugares. Desta forma, recomendam que cada autoridade local defina o melhor momento para a reabertura, com base em critérios como análise da curva de casos e mortes na região e a quantidade de leitos disponíveis em hospitais.

'A cooperação das pessoas é fundamental'

Mesmo com país batendo constantes recordes de novos casos e com média de mais de mil mortes diárias, diversas regiões estão reabrindo estabelecimentos
Para Natalia Pasternak, que é presidente do instituto de divulgação científica Questão de Ciência, uma das grandes dificuldades no Brasil é que muitas pessoas não perceberam que são as principais responsáveis pelo controle da epidemia.

"A cooperação de todos é fundamental. É preciso haver engajamento, porque o vírus não circula sozinho. Ele circula com as pessoas."

"Tenho a impressão de que até hoje não conseguimos comunicar para as pessoas, de forma efetiva, que elas fazem parte da solução e que o comportamento delas vai dizer quando isso acaba", acrescenta.

A especialista pontua que a flexibilização no Brasil ocorre após baixa adesão da quarentena no país e grande pressão econômica para a reabertura dos estabelecimentos.

"Decidiram flexibilizar muito mais pela exaustão de uma quarentena mal feita. Esse não é um fator ideal. Se fosse uma quarentena feita corretamente, com grande adesão, agora poderíamos estar reabrindo com mais segurança", explica.

"Foi tudo difícil desde o começo. Nunca tivemos muito apoio da população para uma boa quarentena", declara.

"Muita gente pensou que achatar a curva significaria que todos iriam contrair o vírus em algum momento e a pandemia aconteceria mais devagar, porém duraria para sempre. Mas não é verdade. A quarentena funciona, porque impede que o vírus encontre mais pessoas suscetíveis até reduzir a taxa de transmissão."

Uma das grandes dificuldades para comunicar sobre a importância da quarentena, aponta Pasternak, foi causada pelo presidente Jair Bolsonaro, que por diversas vezes questionou os riscos da pandemia e foi contra o isolamento social.

"Se ele fosse uma pessoa sensata, poderia estar coordenando nacionalmente as diretrizes para reabertura (da economia) com segurança. Mas ele não é sensato, é a primeira pessoa a fazer bagunça com as informações. Não temos diretrizes do Governo Federal, que poderia colaborar no atual momento. Sequer temos um ministro da Saúde", diz — atualmente, o Ministério da Saúde é comandado pelo general Eduardo Pazuello, ministro interino.

As consequências da flexibilização com mais de mil mortes diárias
Pasternak ressalta que a flexibilização da quarentena precisa ocorrer com segurança, com as pessoas usando máscaras e adotando o distanciamento físico, sem aglomerações.

"Mas não é o que está acontecendo em muitos locais. Falta entendimento para muitas pessoas, que se aglomeram em locais que não tinha necessidade de ir neste momento, como em lojas ou shoppings."

Ela destaca que, com a reabertura da economia, o transporte público também fica cheio. "As pessoas precisam trabalhar e não é possível pedir isolamento nos ônibus ou metrôs. É uma situação que demonstra a falta de comunicação e logística nessa pandemia", diz.

A cientista não descarta que a flexibilização da quarentena cause uma segunda onda, nos locais em que os casos de coronavírus estabilizaram ou diminuíram, ou piore a situação de lugares que enfrentam a primeira onda de Sars-Cov-2.

"É difícil prever. Mas pode, sim, acontecer uma segunda onda bastante elevada ou piorar a atual situação de alguns lugares, pois estamos relaxando as medidas além do razoável. As pessoas estão se aglomerando em um período que o vírus ainda está em grande circulação", diz.

"O Brasil é muito grande. Há locais que já saíram da primeira onda, como Manaus e São Paulo, mas em outras regiões, como no Sul e no Centro-Oeste, os casos estão aumentando agora. Por conta do tamanho do país, as regiões serão atingidas em tempos e intensidades diferentes", explica Pasternak.

O aumento de casos após a reabertura de uma região é natural, segundo Pasternak. "O vírus não foi a lugar nenhum e dificilmente vai ser erradicado. O que temos que fazer é controlar a transmissão dele, vigiar e controlar novos casos e surtos que podem se tornar novos focos da epidemia", declara.

"Por isso, o ideal é que a reabertura aconteça somente quando a taxa de transmissão do vírus estiver abaixo de um. Somente assim, cada vez menos haverá pessoas suscetíveis a infectar os outros", afirma a cientista.

A especialista frisa que a decisão de reabertura de uma cidade tem que ser tomada por uma equipe multidisciplinar, que inclui diversos especialistas da área da saúde, e não pode se restringir a atender os interesses da economia.

"É preciso avaliar se os números, ao menos, estão caindo com frequência. Também é necessário analisar a capacidade de leitos de UTI nos hospitais da região. Tudo isso precisa influenciar a decisão de um gestor", detalha a cientista.

Restaurante vazio em área turística de Barcelona; na Europa, países que encerraram a quarentena viram casos aumentarem em alguns locais e lançaram alertas para a população
"Acredito que os gestores são pressionados por vários setores da economia, que estão atuando no desespero. Claro que a economia foi prejudicada. Mas é preciso que um comitê interdisciplinar avalie essa situação. Abrir com segurança é o que todos queremos. Ninguém aguenta mais ficar em casa, mas é preciso avaliar corretamente e tomar os cuidados necessários", ressalta.

Ela considera, por exemplo, que é equivocado reabrir estabelecimentos como bares, restaurantes e academias em regiões que enfrentam alta de casos de covid-19.

"Nenhum gestor vai reabrir imaginando que aquilo vai prejudicar a população. Mas isso é falta de compreensão da gravidade, é acreditar que a situação já está melhorando mesmo com os números crescendo. São apostas ruins, que confundem esperança com realidade", declara a especialista.

'Quarentena não é castigo'

Pasternak afirma que a quarentena não pode ser vista como um castigo. "Ela deve ser colaborativa, as pessoas precisam se sentir parte da solução e não pensar que estão sendo proibidas de algo. É preciso que todos tenham essa consciência, para que possamos nos sair da melhor forma", declara.

Ela lamenta o fato de que muitas pessoas não entenderam a importância da quarentena no Brasil. "Não conseguimos uma adesão maciça, uma quarentena com 70% da população, por conta dessa dificuldade de comunicação com a sociedade. Ao falharmos nisso, ficamos nessa quarentena meia-boca. E, assim, as pessoas engajadas sentem que estão se sacrificando à toa."

Um estudo feito no Brasil, publicado recentemente pela revista Science, apontou que o país não tem, atualmente, medidas suficientes em vigor para conter a disseminação do novo coronavírus.

O estudo revelou que, apesar de insuficiente para conter a expansão do coronavírus, o fechamento do comércio e de escolas em São Paulo e no Rio de Janeiro após o início da pandemia reduziu a taxa de transmissão do vírus para até um terço do identificado antes das medidas.

Os cientistas que participaram do estudo afirmaram que existe a necessidade urgente de que o Brasil adote medidas como testagem em massa, mapeamento de contatos entre pessoas contaminadas e alternativas de distanciamento social.

"Até vacinas e medicamentos estarem disponíveis, as medidas sociais de distanciamento são essenciais para reduzir o número de infecções e salvar vidas", disse o cientista Nuno Rodrigues Faria, professor do Imperial College e da Universidade Oxford e um dos autores do estudo, em entrevista à BBC News Brasil no mês passado.

Para Pasternak, ainda há tempo para que as pessoas entendam a importância de adotar medidas para se proteger do novo coronavírus.

"A gente precisa encontrar maneiras de fazer as pessoas entenderem a necessidade do isolamento social, de usar as máscaras quando saem nas ruas e do distanciamento. Se não fizermos isso, vamos continuar com essa quarentena pela metade e esse platô no alto, com muitas mortes e novos casos por dia", afirma a especialista.

Fonte: Vinícius Lemos - @oviniciuslemos, 
da BBC News Brasil em São Paulo

quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Brasil registra 57.152 novos casos e mais 1.437 mortes pela covid-19

Até o momento, 2.859.073 pessoas foram infectadas e 97.256 morreram em razão da pandemia

O Brasil registrou 57.152 novos casos de covid-19 e 1.437 mortes pela doença nesta quarta-feira (05/08) e se aproxima dos 3 milhões de infectados e 100 mil óbitos. Até o momento, 2.859.073 pessoas foram infectadas e 97.256 morreram em razão da pandemia. Se, por um lado, não há previsão para que o país se veja livre do vírus, com taxas de transmissão com nível descontrolado, a boa notícia é que mais de 2 milhões de brasileiros que contraíram o vírus e tiveram o diagnóstico confirmado estão curados da doença. 

A porcentagem de recuperados está em 70,7%, atualmente. Nas últimas semanas houve um aumento nesses índices e os técnicos atribuem essa melhora aos esforços dos profissionais da saúde aliado ao aumento do número de testagens, detectando casos menos graves e ainda nos primeiros estágios da contaminação. 

No entanto, a situação da doença no Brasil está longe de ser controlada. Próximo de atingir a marca de 100 mil mortes pela doença, o país tem 20 estados e o Distrito Federal com mais de mil óbitos pelo novo coronavírus. Somente seis UF’s ficaram de fora da lista e têm menos de mil vítimas da covid-19: Rondônia (918), Amapá (588), Acre (547), Roraima (532), Mato Grosso do Sul (442) e Tocantins (415).

Quem lidera o ranking brasileiro é São Paulo, com 24.109 óbitos pelo novo coronavírus. O Rio de Janeiro é o segundo com mais fatalidades, com 13.855 vítimas da doença. Os dois são os únicos estados que têm mais de 10 mil mortes. 

Em seguida estão: Ceará (7.867), Pernambuco (6.758), Pará (5.818), Bahia (3.736), Amazonas (3.317), Minas Gerais (3.195), Maranhão (3.103), Espírito Santo (2.646), Paraná (2.164), Rio Grande do Sul (2.163),  Mato Grosso (1.945), Rio Grande do Norte (1.933), Paraíba (1.922), Goiás (1.830), Alagoas (1.633), Distrito Federal (1.572), Sergipe (1.525), Piauí (1.417) e Santa Catarina (1.306).

Quase todos os municípios do país já registraram casos e só 67 cidades ainda não têm nem um caso confirmado dentro dos próprios limites. Já quando se avalia as cidades que já confirmaram mortes, esse número é menor. “Temos 3.627 cidades com óbitos, sendo que 1.523 identificaram um óbitos na última semana. A grande maioria têm registros de um a 10 óbitos”, declarou o secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Correia.

O secretário voltou a associar os fatores sazonais com comportamento da covid-19 no Brasil, ao avaliar as hospitalizações e óbitos por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) confirmados para covid. “No início, quando lá na região Norte, Nordeste você tinha um nível de hospitalização muito alto e no Sul, muito baixo, agora, devido a sazonalidade, você tem muito mais hospitalização e número de óbitos na região Sul do que no Norte e Nordeste do país.”

Uma curva mais homogênea ao longo do enfrentamento da pandemia é observada da região Sudeste. Segundo o secretário, esse cenário se dá em razão de dois fatores: “o período sazonal nas 24ª e 25ª semanas, e, mais no início, uma relação com os estados de São Paulo e Rio de Janeiro, onde se deu o início da pandemia.”

Fonte: Correio Braziliense

STJ mantém suspenso pagamento de R$ 34 milhões a magistrados do Piauí

Não se defere pagamento de verba de natureza pecuniária por mandado de segurança antes do trânsito em julgado da ação que a discute. A medida viola severamente a ordem e a economia públicas e cria risco de que eventual decisão contrária se torne inócua tendo em vista a possível aplicação da teoria do fato consumado e do recebimento de boa-fé em razão de decisão judicial.

Com esse entendimento, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça manteve a suspensão de segurança concedida monocraticamente pelo presidente, ministro João Otávio de Noronha, quanto ao pagamento de benefícios a magistrados do Piauí. Os valores poderiam chegar a R$ 34 milhões.

O caso discute o pagamento da diferença da parcela autônoma de equivalência salarial (PAES) aos magistrados ou sucessores piauienses que tenham passado à inatividade ou falecido antes de setembro de 1994. Há decisão administrativa que entende devido o recebimento desses valores.

O que se seguiu foi série de liminares. Em decisão administrativa cautelar, o presidente do Tribunal de Justiça do Piauí suspendeu o pagamento. A Associação dos Magistrados Piauienses, parte interessada, impetrou mandado de segurança para anular essa decisão, e assim conseguiu.

Em dezembro de 2018, o ministro João Otávio de Noronha apreciou o pedido de contracautela, derrubando novamente o pagamento, decisão confirmada por unanimidade nesta quarta-feira (5/8) pela Corte Especial. 

Destacou que a medida liminar deferida implica em pagamento a servidores públicos, o que é vedado pela legislação e, consequentemente, fere severamente a ordem pública. 

“A fração que tal quantia representa diante do orçamento do Tribunal de Justiça do Piauí não elide a relevância do valor, que é a grave lesão identificada. Isso não é o modo correto. Isso tem exposto a magistratura. Muito. Acredito que cabe discutir, transitar em julgado, e aí se paga. Não por liminares”, concluiu o ministro.

Fonte: Consultor Jurídico / Por Danilo Vital

Em reunião, Bolsonaro afirmou que enviaria tropas ao STF, diz revista

Presidente teria dito a ministros, durante encontro no Planalto, em meio, que decidiu intervir na suprema corte para ''restaurar sua autoridade''

Durante uma reunião realizada no Palácio do Planalto, em 22 de maio, com parte da equipe ministerial, o presidente Jair Bolsonaro chegou a dizer que iria enviar tropas para "intervir" no Supremo Tribunal Federal (STF), de acordo com a revista Piauí.

A publicação traz detalhes do encontro, que teria contado com a presença do ministro-chefe da Casa Civil, Walter Braga Netto, ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos e do general Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

De fato, a agenda do presidente, divulgada oficialmente pelo Planalto, registra um encontro entre o presidente e os três ministros militares. De acordo com a reportagem, logo no começo do encontro, o chefe do Executivo deixou claro a intenção. "Vou intervir!", disse.

As declarações, teriam assustado Heleno, que foi o último a chegar na sala. No entanto, Ramos teria visto a ideia com bons olhos, para "recuperar a autoridade do presidente". Bolsonaro estava irritado com uma decisão do ministro Celso de Mello, do Supremo, que havia encaminhado à Procuradoria Geral da República (PGR) três notícias-crime apresentadas por partidos políticos.

Desistência
 
Entre as solicitações, estava a que pedia a busca e apreensão do celular de Bolsonaro. O presidente teria desistido por intervenção de Heleno, que teria dito que "ainda não é o momento" de uma investida autoritária. Outro fato que teria pesado, é o fato da ausência de argumento legal contundente para explicar o ato autoritário.

Na tarde do mesmo dia, uma sexta-feira, Heleno divulgou uma nota pública, que incendiou o meio político. “O Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República alerta as autoridades constituídas que tal atitude é uma evidente tentativa de comprometer a harmonia entre os poderes e poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional.”, escreveu Heleno.

Ditadura
 
Dias depois do presidente ser dissuadido da ideia de atentar contra a democracia, o ministro Celso de Mello repassou, a contatos próximos, um texto que alertava sobre a escalada do autoritarismo e do risco do Brasil ter que novamente enfrentar uma ditadura.

"Guardadas as devidas proporções, o 'ovo da serpente', à semelhança do que ocorreu na República de Weimar (1919-1933) , parece estar prestes a eclodir no Brasil", teria escrito Celso de Mello. Em trecho seguinte, o decano, ministro mais antigo e respeitado da Corte, afirmou que é necessário resistir a derrocada da democracia.

"É preciso resistir à destruição da ordem democrática, para evitar o que ocorreu na República de Weimar quando Hitler, após eleito por voto popular e posteriormente nomeado pelo presidente Paul von Hindenburg, em 30/01/1933, como chanceler (primeiro ministro) da Alemanha (Reichskanzler), não hesitou em romper e em nulificar a progressista, democrática e inovadora Constituição de Weimar, impondo ao país um sistema totalitário de poder viabilizado pela edição, em março de 1933 , da lei (nazista) de concessão de plenos poderes (ou lei habilitante) que lhe permitiu legislar sem a intervenção do Parlamento germânico", escreveu Celso de Mello.

Na ocasião, fontes procuradas pelo Correio, junto ao Supremo, informaram que o texto repassado por Mello não foi enviado a todos os demais ministros, e que teve como alvo pessoas próximas e de confiança do decano.

A intenção, seria. de acordo com as fontes, que foram consultadas novamente nesta quarta-feira (5/8), alertar sobre os riscos para a democracia. Mas a recomendação seria evitar alarde e tentar criar uma reação por parte das instituições sem gerar caos social — cenário favorável aos apoiadores da ruptura constitucional.

Fonte: Correio Braziliense / Renato Souza
postado em 05/08/2020 13:19

O que se sabe sobre a megaexplosão em Beirute

Uma explosão, seguida de incêndios e outras explosões menores até a devastadora detonação final. Catástrofe equivale a terremoto de 3,3 na escala Richter e foi sentida até em Chipre. Mas muitas perguntas estão em aberto.

Imagem aérea da zona portuária de Beirute completamente destruída
    
Imagem aérea da zona portuária de Beirute completamente destruída
Área próxima ao porto de Beirute completamente destruída de decorrência à explosão devastadora de terça-feira (04/08)

Uma explosão seguida de um segundo estouro devastador atingiu fortemente Beirute. A causa da detonação devastadora parece esclarecida, mas não o gatilho. Muitas perguntas ainda estão em aberto. Enquanto isso aumenta o número de vítimas. Confira o que se sabe sobre as explosões.

O que aconteceu?

Por volta das 18 horas (horário local) da terça-feira, houve uma explosão na área portuária da capital libanesa. Seguiu-se um incêndio e algumas pequenas explosões, que culminaram numa detonação maciça e sua consequente onda de choque.

Ao menos 100 pessoas morreram e mais de quatro mil ficaram feridas, segundo relato da Cruz Vermelha divulgado nesta quarta-feira (05/08).

O primeiro-ministro do Líbano, Hassan Diab, afirmou ainda na terça-feira que 2.750 toneladas de nitrato de amônio apreendido haviam explodido. O material ficou armazenado num armazém por seis anos sem as devidas precauções. Há especulações que se trata da carga de um navio que estava a caminho da Geórgia para Moçambique. No entanto, existem declarações distintas sobre o motivo pelo qual a carga foi confiscada.

Segundo a revista alemã Der Spiegel, as autoridades libanesas teriam proibido o navio cargueiro de continuar viagem em 2013 devido a vários defeitos. A tripulação ficou sem combustível e provisões, e o proprietário aparentemente abandonou o navio. A tripulação foi autorizada a deixar o Líbano após uma disputa jurídica. O navio foi deixado em Beirute com a carga, que foi alojada num armazém.

Uma enorme nuvem em forma de cogumelo se formou no céu durante a detonação. Uma onda de choque se expandiu rapidamente pela cidade. Houve danos a quilômetros de distância. No porto de Beirute, os contêineres ficaram amassados como latinhas de sardinhas, com o conteúdo espalhado pelo chão.

Houve focos de incêndio em navios, carros ficaram carbonizados. Nas ruas circundantes, vidraças e vitrines ficaram destruídas. Uma enorme fumaça pairou sobre toda a área do porto. Mesmo horas após as explosões, helicópteros circulavam a área para combater as chamas. Equipes de resgate vasculharam os escombros durante a noite em busca de mortos e feridos.

Em discurso à nação, Diab prometeu que os responsáveis pelo desastre "pagariam por isso". Ele não mencionou a origem da primeira explosão, também não num segundo breve discurso televisionado nesta quarta-feira.

Equipe de resgate encontra sobrevivente sob escombros de explosões em Beirute

Equipe de resgate encontra sobrevivente sob escombros de explosões em Beirute
Socorristas encontram sobrevivente, nesta quarta-feira (05/08), sob os escombros da devastadora explosão em Beirute

Para que é utilizado o nitrato de amônio?

O nitrato de amônio é um sal inodoro formado a partir de amônia e ácido nítrico, bastante utilizado na agricultura, para a produção de fertilizantes, e na construção, para explosivos.

Como poderia pegar fogo?

Ainda não está claro por que o nitrato de amônio explodiu. O professor de química Jimmie Oxley, da Universidade de Rhode Island, disse à agência de notícias AFP que o nitrato de amônio é difícil de inflamar sob condições normais de armazenamento e a temperaturas moderadas. Ele suspeita que houve uma pequena explosão que iniciou a reação química do nitrato de amônio.

Especialistas em explosões e substâncias explosivas analisaram gravações em vídeo para a agência de notícias AP. Segundo eles, a primeira detonação e os incêndios menores podem estar relacionados à queima de fogos de artifício.

Em casos normais, o nitrato de amônio é armazenado sob condições estritas: o produto químico não deve estar perto de combustíveis ou fontes de calor. Em muitos países da União Europeia (UE), o nitrato de amônio precisa ser misturado à cal por motivos de segurança. A substância levou a numerosas explosões perigosas no último século – desde acidentes, ataques industriais e atentados.

Em setembro de 1921, a explosão de nitrato de amônio numa fábrica da Basf, na cidade alemã de Ludwigshafen, resultou na morte de mais de 500 pessoas. A bomba fabricada para o atentado de Oklahoma, em 1995, também continha a substância. E o extremista de direita norueguês Anders Breivik também usou o componente químico no carro-bomba detonado em Oslo, em julho de 2011.

Poderia ter sido um atentado?

Não há evidencia pública das autoridades libanesas de que a explosão foi deliberada. Na noite de terça-feira, o presidente dos EUA, Donald Trump, disse que generais americanos informaram que as explosões foram aparentemente causadas por "algum tipo de bomba". "Parece um ataque terrível", disse Trump.

Quando questionado sobre as declarações de Trump, um porta-voz do Pentágono retrucou à AFP: "Não temos nada para você. Você precisa entrar em contato com a Casa Branca para obter esclarecimentos".

Libanon Explosion in Beirut

Presidente do Líbano, Michel Aoun (2º da esq. à dir.) visitou o local das explosões em Beirute, nesta quarta-feira (05/08)

Como está a situação em Beirute?

O governador da província de Beirute, Marwan Abboud, disse que entre 250 mil e 300 mil pessoas perderam suas casas. Segundo Abboud, um relatório de segurança alertou em 2014 para uma possível explosão em Beirute porque materiais altamente explosivos não estariam armazenados corretamente.

As equipes de resgate continuam procurando por vítimas sob os escombros. Durante a noite, uma queda de energia em grandes partes da cidade afetou as buscas. Segundo relatos de autoridades de segurança, ao menos 100 pessoas ainda estão desaparecidas. Vários países ofereceram ajuda e estão enviando equipamentos, especialistas e cães treinados para procurar as vítimas.

Os hospitais de Beirute, que já estavam sobrecarregados devido à epidemia de covid-19, ficaram completamente lotados com a chegada dos numerosos feridos. "É literalmente um desastre" resumiu o ministro da Saúde do Líbano, Hamad Hassan.

Por que os danos são tão grandes?

A explosão principal foi ouvida em todo o país – e também em Nicósia, a capital do Chipre, localizada a 240 quilômetros no Mar do Mediterrâneo. Segundo sismólogos, a explosão equivaleu a um terremoto de magnitude 3,3 na escala Richter. A explosão causou uma onda de choque maciça.

Prédios próximos ao porto desabaram. Até no aeroporto, situado a nove quilômetros de distância, janelas estouraram. Estima-se que a onda de choque teve a força de um tornado. O armazém estava localizado perto de um distrito comercial e de entretenimento.

Fonte: Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas

Os cinco pilares do bolsonarismo


Militarização, suposta vontade do povo, messianismo, hostilidade à ciência e anticomunismo sustentam pensamento da extrema direita no Brasil. Não levar a sério movimento bolsonarista pode ser erro fatal, opina colunista.

  Jair Bolsonaro acena sobre um cavalo  
Jair Bolsonaro acena sobre um cavalo
"Para seus seguidores, Bolsonaro é o salvador da pátria"

É fácil considerar ridículos Bolsonaro e seus seguidores. Eles mesmos vivem dando oportunidade para isso, quando, por exemplo, o presidente celebra um pacote de hidroxocloroquina com seus fãs em frente ao Palácio da Alvorada.

O noticiário sobre Bolsonaro é fortemente influenciado por tais anedotas, negligenciando a metodologia por trás da loucura. Surge a impressão de um louco e seus seguidores aloprados, que não se deve levar a sério. Isso seria um erro fatal.

O bolsonarismo, como a nova extrema direita na Europa e nos Estados Unidos, não caiu do céu, mas tem uma história por trás, tem uma lógica interna e busca seus objetivos. Cinco pilares do pensamento bolsonariano podem ser identificados. Alguns são especificamente brasileiros, outros pertencem ao cerne da mentalidade da nova direita internacional.

1. Militarização

Há mais generais no gabinete de Bolsonaro do que na Venezuela, governada por um regime ditatorial. Atualmente, quase 3 mil militares estão espalhados por ministérios e outros órgãos federais. Os soldados no Brasil estão assumindo cada vez mais tarefas civis, como a construção de estradas ou a proteção da Floresta Amazônica.

O governo também planeja construir cerca de 200 novas escolas militares até 2023. O conteúdo do ensino inclui a alegação de que o golpe de 1964 foi "necessário para impedir o avanço do comunismo".

O professor de Harvard Yascha Mounk, especialista em movimentos populistas, considera "preocupante" a crescente influência dos militares no Brasil.

O fascínio bolsonariano por armas anda de mãos dadas com esse novo militarismo. "Quero um povo armado", disse Bolsonaro, facilitando a aquisição de armas. O resultado: este ano, o número de vendas de armas aumentou 200% em relação a 2019. São as classes média e alta brancas que se armam. Na Venezuela, a militarização da sociedade levou à criação de esquadrões da morte que aterrorizam os oponentes de Nicolás Maduro.

2. Bolsonaro como executor da vontade do povo

Para os seguidores de Bolsonaro, o que ele quer é automaticamente o que os brasileiros querem e vice-versa. Isso tem pouco a ver com democracia, mas já faz beira com o fascismo.

Como Bolsonaro não tem maioria no Congresso, ele está em constante atrito com ele. Por isso, governa quase exclusivamente por decretos.

A frustração daí derivada leva a ataques constantes ao Congresso e ao STF. Os seguidores de Bolsonaro exigem que seu ídolo finalmente governe em paz. Nem Bolsonaro ("Jair Bolsonaro, ganhou, porra! Vamos entender isso!"), nem seus fãs ("58 milhões votaram no Bolsonaro. Quantos votaram no STF?", diz um tuíte) parecem entender o que significa a separação de poderes.

Nisso, Bolsonaro é como seus colegas Erdogan, Putin, Orbán e Trump, que ou desativaram o parlamento e a Justiça ou estão em constante conflito com eles. O professor de Harvard, Steven Levitsky, coautor do best-seller Como morrem as democracias, alerta que a democracia brasileira está em risco porque os constantes ataques às instituições democráticas a enfraquecem enormemente.

3. Messianismo

O bolsonarismo tem um componente pseudo-religioso, expresso no culto de Bolsonaro como o Messias do Brasil. Para seus fãs, de "mito" ele se tornou o "salvador da pátria". Ele mesmo se vê como aquele que "salvou o Brasil do comunismo". Foi por isso que Deus salvou sua vida após o atentado a faca.

Se a ideia for levada mais adiante, significaria que Bolsonaro seria infalível. De fato, até a menor crítica a ele é respondida com uma agressividade que lembra o fundamentalismo religioso. A pessoa recebe então telefonemas, como o autor deste texto, em que o interlocutor é xingado aos gritos. Como alguém se atreve a insultar "nosso presidente". "Bolsonaro salvará o Brasil, seu lixo!"

4. Hostilidade à ciência

A pseudo-religiosidade do bolsonarismo é acompanhada por uma hostilidade à ciência e à razão, que se tornou particularmente clara durante a pandemia de coronavírus. Bolsonaro elogiou a hidroxocloroquina como uma cura milagrosa tal um charlatão medieval. O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, afirmou que a pandemia é uma conspiração globalista.

Essa hostilidade à razão já era evidente em 2019, quando dezenas de milhares de incêndios queimaram na Bacia Amazônica, e Bolsonaro chamou os dados do Inpe de "mentiras".

Como todos os novos movimentos de direita, o bolsonarismo também nega as mudanças climáticas – embora estas estejam progredindo a uma velocidade impressionante. Universidades, cientistas, intelectuais e meios de comunicação não devem mais moldar o discurso social. Essa tarefa cabe agora ao suposto senso comum dos bolsonaristas. É então que um inverno frio vira prova de que não há mudanças climáticas.

Linhas complexas de pensamento e diferenciações são algo suspeito para o bolsonarista. Em troca, o movimento oferece a seus discípulos o conforto de uma falsa certeza.

5. Anticomunismo

No dia em que assumiu o cargo, Bolsonaro gritou que o povo havia começado a "se libertar do socialismo". Muitos se perguntaram sobre que socialismo ele estava falando. O Brasil também era um país capitalista sob o PT, onde bancos, grandes corporações e o agronegócio obtiveram enormes lucros.

Para o especialista em literatura João Cezar de Castro Rocha, um livro intitulado Orvil é parcialmente responsável por essa paranoia – "livro" escrito de trás para frente. Escrito pelos militares logo após a redemocratização, a obra descreve como a esquerda do Brasil supostamente se infiltrou nas instituições desde a década de 1970. É a partir disso que o bolsonarismo deriva sua "guerra cultural" contra tudo e contra todos que considera suspeitos. Portanto, o governo destrói de dentro para fora os ministérios e secretarias da Educação, Cultura, Meio Ambiente, Família e seus órgãos vinculados.

Para o bolsonarismo, não importa nem um pouco o quão plausíveis suas alegações são. Jair Bolsonaro prometeu no Piauí, em agosto de 2019, que vai "varrer essa turma vermelha". Nesta semana, foi revelado que ele quer fundar um Centro de Inteligência Nacional na Abin, para combater "ameaças à segurança do Estado".

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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, ele colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais na Alemanha, Suíça e Austria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.

Fonte: Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas.