segunda-feira, 22 de junho de 2020

Bolsonaro mudou Lei de Acesso após articulação para fraudar ponto de ex-assessora de Flávio


Senador Flávio Bolsonaro

Senador Flávio Bolsonaro, o filho 01 do Presidente da República

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) restringiu, por meio de decreto, a abrangência da Lei de Acesso à Informação, reduzindo a transparência sobre dados e documentos públicos, logo após uma articulação para fraudar os registros de controle de ponto de uma ex-assessora do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho mais velho do presidente, na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio).

No dia 10 de dezembro de 2018, o UOL solicitou acesso às folhas de ponto de Luiza Souza Paes, uma das ex-assessoras de Flávio Bolsonaro citadas no relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).

Ela é uma das pessoas investigadas por participação no suposto esquema de rachadinha no gabinete de Flávio — quando funcionários devolvem parte de seus salários para um político. O esquema teria como operador financeiro o ex-assessor e amigo da família Bolsonaro, Fabrício Queiroz, preso na última semana.

A investigação do MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) mostra que o servidor da Alerj Matheus Azeredo Coutinho entrou em contato com Luiza para alertar sobre o pedido. Os pontos não tinham sido preenchidos, indício de que a ex-assessora era funcionária fantasma. A alteração foi concretizada na manhã de 24 de janeiro, mesma data em que um decreto foi publicado no Diário Oficial da União restringindo o acesso a informações por meio da LAI.

Embora o decreto tenha sido assinado por Hamilton Mourão — que exercia a Presidência durante a viagem de Bolsonaro ao Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça —, o próprio vice-presidente declarou à época que a medida foi avalizada por Bolsonaro. "Isso já vinha do governo anterior. O presidente Temer é que não assinou. O presidente Bolsonaro deu luz verde", disse Mourão.

Após ter sido detido na casa do advogado de Flávio e Jair Bolsonaro, Frederick Wassef, Queiroz está preso em Benfíca, Zona Norte do Rio. Sua esposa, Márcia Oliveira de Aguiar, também suspeita de atuar no esquema, está foragida.

Fonte: Alex Tajra, do UOL, em São Paulo

Estudo indica que imunidade contra covid-19 pode durar apenas três meses

Cientistas observaram ainda que pacientes assintomáticos podem desenvolver menos anticorpos do que aqueles que apresentaram sintomas. Conclusões levantam dúvidas sobre estratégias como "passaportes de imunidade".

Mãos seguram aparelhos e amostras em laboratório
   
Mãos seguram aparelhos e amostras em laboratório

Estudo publicado na "Nature Medicine" analisou 37 pacientes assintomáticos e 37 sintomáticos

Um estudo comandado por cientistas chineses apontou que os anticorpos desenvolvidos pelo corpo humano contra a covid-19 após uma infecção podem durar apenas dois ou três meses. Dessa forma, a imunidade contra a doença pode não ter um efeito de longo prazo, de acordo com informações publicadas no periódico científico Nature Medicine e reproduzidas nesta segunda-feira (22/06) pela imprensa chinesa.

Tal quadro também pode vir a afetar as possibilidades de aplicação das novas vacinas em desenvolvimento e levanta dúvidas sobre estratégias como a dos "passaportes de imunidade" para pessoas que já se curaram.

Além disso, o estudo indicou que pacientes assintomáticos infectados pelo Sars-Cov-2 podem ter uma resposta imunológica mais fraca do que aqueles que desenvolveram os sintomas, que incluem febre e tosse.

O estudo da Universidade de Medicina de Chongqing, no sudoeste da China, intitulado "Avaliação clínica e imunológica de infecções assintomáticas por Sars-Cov-2", comparou os resultados da detecção de anticorpos no sangue de 37 pacientes sintomáticos e 37 assintomáticos, sendo homens e mulheres com idades entre 8 e 75 anos.

O estudo constatou que a maioria dos infectados produziu anticorpos para o novo coronavírus, especificamente IgG e IgM. Este último, o primeiro anticorpo que o organismo produz para combater uma nova infecção, apareceu geralmente em primeiro e com a menor duração.

Por sua vez, o anticorpo IgG, que aparece mais tarde e dura mais tempo, é o anticorpo mais abundante no corpo e fornece proteção contra infecções bacterianas e virais, mas pode levar tempo para se formar após uma infecção.

O estudo revelou que, dentro de três a quatro semanas após a infecção, em sua fase aguda, o grupo de pacientes assintomáticos apresentava uma taxa de IgM de 62,2% e uma taxa de IgG de 81,1%. No grupo com sintomas, a IgM foi de 78,4% e a IgG foi de 83,8%.

Assim, o estudo conclui que as infecções assintomáticas apresentam níveis mais baixos de anticorpos que os casos confirmados, embora sejam semelhantes nos dois grupos.

No entanto, o nível de anticorpos da maioria das pessoas infectadas mostrou uma diminuição significativa de dois a três meses após a infecção.

Os níveis de anticorpos IgG em 93,3% do grupo assintomático e 96,8% do grupo sintomático começaram a diminuir precocemente no período de reabilitação, ou seja, oito semanas após a alta.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou um relatório científico em 24 de abril no qual assegurou que "não há evidências" que possam provar que os anticorpos produzidos após a infecção pelo coronavírus possam proteger o organismo de uma segunda infecção.

No entanto, o professor de virologia Jin Dong-Yan, da Universidade de Hong Kong – que não participou do grupo de pesquisa, mas que analisou as conclusões –, disse que o estudo não nega a possibilidade de outras partes do sistema imunológico poderem oferecer proteção.

"A descoberta neste estudo não significa que o céu está desabando", disse Dong-Yan, enfatizando ainda que o número de pacientes estudados foi pequeno.

Fonte: Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas.

Enquanto isso, o Brasil tem 1.106.470 casos, 51.271 mortes e 549.386 recuperados

OMS reporta recorde de novos casos em 24 horas, com maior salto tendo sido contabilizado no Brasil. País registra mais 663 mortes por covid-19 na segunda-feira e total chega a 51.271

Checagem de temperatura na porta de um centro comercial em São Paulo

Checagem de temperatura na porta de um centro comercial em São Paulo

Resumo desta segunda-feira (22/06):

Mundo tem 9 milhões de casos de covid-19, mais de 469 mil mortes e 4,4 milhões de recuperados

Mundo bate novo recorde de casos em 24 horas, com Brasil à frente

Falta de liderança no combate à pandemia é ameaça maior que o próprio vírus, alerta OMS

Pequim tem menor número de infecções desde eclosão de novo surto

Reino Unido tem menor cifra de mortes em 24 horas desde meio de março

Números do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) apontam que o Brasil registrou mais 663 mortes por covid-19 nas últimas 24 horas. Com isso, o total de óbitos pela doença oficialmente identificados chegou a 51.271.

No domingo, o país havia registrado 641 novas mortes, segundo dados do Ministério da Saúde.

Diversas autoridades e instituições de saúde em todo o país, no entanto, alertam que os números reais da doença devem ser maiores em razão da falta de testes em larga escala e da subnotificação.

Segundo os dados do Conass, a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes chegou a 24,4. Em número total de óbitos, o país ocupa a segunda posição no mundo. Já no cálculo levando em conta a população, o Brasil aparece em 14° - bem à frente de países vizinhos como a Argentina (2,27) e o Uruguai (0,72) e praticamente empatado com outras nações da América do Sul, como Equador (24,72) e Peru (24,57).

Nações europeias duramente atingidas pela doença como o Reino Unido (64,25) e a Bélgica (84,89) ainda aparecem bem à frente, mas esses países começaram a registrar seus primeiros casos entre três e quatros semanas antes do Brasil. 

Ainda segundo o Conass, o Brasil ainda registrou mais 21.597 casos, elevando total para 1.106.470. No momento, o Brasil é o segundo país com mais casos identificados de covid-19 no mundo, atrás apenas dos EUA e à frente de nações mais populosas como Índia e Paquistão.

O Conass não informou o número de recuperados. No domingo, o ministério apontou que esse número chegou a 549.386.

14:00 - Falta de liderança no combate à pandemia é ameaça maior que o próprio vírus, alerta OMS

A falta de liderança global no combate à pandemia de covid-19 é uma ameaça maior que o vírus em si, alertou nesta segunda-feira o chefe da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus. Segundo ele, a politização da crise agravou a crise ainda mais.

"O mundo precisa desesperadamente de união nacional e solidariedade global. A politização da pandemia a exacerbou", disse Tedros em discurso num fórum online global sobre saúde organizado pela Cúpula do Governo Mundial, com sede em Dubai.

"A grande ameaça que enfrentamos agora não é o vírus em si, mas a falta de solidariedade global e liderança global", completou.

 O chefe da OMS também afirmou que todos os países devem ter como prioridade a saúde universal, alertando que o mundo aprendeu da maneira mais difícil que sistemas de saúde fortes são "a base da segurança global da saúde e do desenvolvimento social e econômico".

Na última sexta-feira, a organização advertiu que a pandemia está se acelerando globalmente, após um recorde no número de novos casos em todo o mundo no dia anterior. Neste domingo, o planeta bateu um novo recorde, totalizando 183.020 infecções em 24 horas.

12:00 - Reino Unido tem menor cifra de mortes em 24 horas desde meados de março

O número de pessoas que morreram no Reino Unido em decorrência da covid-19 aumentou em 15 nesta segunda-feira, chegando a 42.647, afirmaram as autoridades de saúde britânicas.

Com isso, o país tem o menor registro diário de novas mortes devido ao novo coronavírus desde meados de março. O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, introduziu as medidas de contenção à pandemia em 23 de março.

11:05 - Governo alemão promete "fazer tudo" para conter surto em frigorífico

Steffen Seibert, porta-voz da chanceler federal alemã, Angela Merkel, afirmou que "tudo precisa ser feito'' para conter um surto de coronavírus ligado a um grande frigorífico no estado alemão da Renânia do Norte-Vestfália, onde chegou a 1.331 o número de infectados, após terem sido detectados 300 novos contágios entre funcionários da unidade no domingo.

Seibert disse que 20 trabalhadores da sede da empresa Tönnies, situada na região oeste de Guterslöh, foram hospitalizados e vários estão em tratamento intensivo. "Temos grandes esperanças de que todos aqueles que adoeceram sobreviverão", afirmou Seibert em Berlim nesta segunda-feira. "Este é um surto que precisa ser levado muito a sério", acrescentou.

As autoridades têm se esforçado para impedir que o surto se espalhe, ordenando testes em massa de todos os trabalhadores e colocando milhares de pessoas em quarentena. Foram enviados virologistas, contatadas equipes de rastreamento, e o Exército alemão foi acionado para ajudar a conter o surto.

O surto no frigorífico Tönnies, onde muitos funcionários são migrantes do Leste Europeu, contribuiu para o aumento do número de reprodução R do Sars-Cov-2 na Alemanha, que saltou para 1,55 neste sábado, de 1,17 na véspera.

O fator indica o potencial de propagação do vírus, refletindo o transcorrer dos contágios nos últimos oito a 16 dias. Por sua vez, a média dos últimos quatro dias chegou a 1,79.

O Instituto Robert Koch (RKI), agência do governo alemão para controle e prevenção de doenças infecciosas, já registrou 190.359 casos confirmados e 8.885 mortes relacionadas ao vírus.

10:20 - Pequim registra menor número de infecções desde eclosão de novo surto

A Comissão Nacional de Saúde da China reportou nesta segunda-feira que 18 novos casos de covid-19 foram confirmados nas últimas 24 horas no país, nove deles em Pequim. É o menor número de infecções diárias na capital desde que um novo surto eclodiu num mercado da cidade, há 12 dias. Há alguns dias, 26 novos casos chegaram a ser registrados no país em 24 horas, 22 deles na capital.

Para conter o novo surto, as autoridades de Pequim haviam decretado "estado de guerra" na última terça-feira, isolando bairros inteiros da cidade.

01:05 - OMS reporta recorde de novos casos em 24 horas

A Organização Mundial de Saúde (OMS) reportou neste domingo um número recorde de novos casos de covid-19 em 24 horas, totalizando 183.020. O recorde anterior havia sido registrado na última quinta-feira, com 181.232 casos. 

Em seu boletim diário, a maior contagem de novos casos diários ficou com o Brasil, com 54.771 novas infecções, seguido dos EUA, que reportou 36.617. A Índia registrou mais de 15.400 casos.

Especialistas dizem que a alta pode ser devida tanto a um aumento das infecções quanto à maior realização de testes.

O número de mortos aumentou em 4.743, dos quais mais de dois terços (3.241) foram registrados nas Américas, região onde também foi contabilizado o maior número de novos casos (116.041).

00:25 - Brasil tem mais de 50 mil óbitos por covid-19, segundo Ministério da Saúde

O Brasil teve 641 novas mortes por covid-19 registradas em 24 horas, de acordo com os dados atualizados do Ministério da Saúde divulgados na noite deste domingo (21/06). Com a soma dos novos números, o país chegou ao total de 50.617 mortos em decorrência da doença causada pelo novo coronavírus.

Segundo o Ministério, 17.459 casos de covid-19 foram registrados entre sábado e domingo, totalizando 1.085.038 infectados no país. Destes, 549.386 se recuperaram.

O consórcio de veículos da imprensa brasileira que compila dados das secretarias estaduais de Saúde sobre a covid-19 em todo o país já havia apontado na noite de sábado que o país superou a marca de 50 mil óbitos. Neste domingo, o levantamento indicou 601 novas mortes decorrentes do novo coronavírus registradas em 24 horas, com o total de mortos pela doença chegando a 50.659.

Os dados são levantados pelos jornais O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo, O Globo, Extra e dos portais G1 e UOL. Segundo o consórcio, o país tem 1.086.990 casos confirmados, sendo que 16.851 foram registrados nas últimas 24 horas.

Fonte: Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas. 

Cientistas suspeitam que coronavírus pode desencadear diabetes e agravar quadros pré-existentes


O novo coronavirus

Direito de imagemGETTY IMAGES

Em 2017, o empresário Arthur Domberg, de 40 anos, morador de Niterói, no Rio de Janeiro, foi diagnosticado com diabetes tipo 2.

Inicialmente, fez o tratamento com insulina e, em poucas semanas, com a glicose sob controle, pôde substituí-la pelo medicamento oral.

A situação permaneceu assim até o mês passado, quando contraiu o novo coronavírus.

"Fui internado no dia 15 de maio com febre, falta de ar e dor de cabeça. No hospital, mesmo mantendo a dieta e tomando o remédio do diabetes, a taxa de glicose não baixou. Tive de voltar para a insulina", conta.

Em casa há pouco mais de um mês, curado da covid-19, doença causada pelo coronavírus, Domberg continua com as aplicações, três vezes ao dia (de manhã, em jejum, e antes do almoço e do jantar).

"Sabia que estava no grupo de risco do coronavírus, por ser diabético, mas até então achava que o máximo que poderia acontecer era ter a forma mais grave da covid-19, e não que ela mexeria com as taxas de glicose desse jeito. Foi uma surpresa", relata o empresário.

Desde o início da pandemia, a relação entre o diabetes e o SARS-CoV-2 vem sendo discutida. Já se sabe, contudo, que quem tem taxas elevadas de glicemia no sangue - assim como os portadores de outras patologias crônicas - fica mais suscetível a ter complicações quando infectado com um vírus.

"A hiperglicemia parece comprometer a resposta imune do organismo, dificultando o combate às infecções", explica Rodrigo Moreira, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).

Além disso, como os diabéticos têm o organismo naturalmente inflamado pela doença, quando contraem algum tipo de vírus, que por si só também provoca um processo inflamatório, a condição pode ser agravada e, pior, desencadear o quadro mais complexo da infecção viral.

Empresário Arthur Domberger estava no grupo de risco do coronavírus por ser diabético

"É importante deixar claro que essa consequência é mais comum em quem está com a glicose mal controlada, é obeso e tem outras comorbidades associadas. Por isso é primordial fazer o tratamento corretamente", acrescenta Moreira.

Se com tudo isso a ligação entre coronavírus e diabetes já era preocupante, recentemente ficou um pouco mais complicada.

Uma equipe de 17 cientistas, membros do programa internacional CoviDiab Registry, divulgou uma carta na revista científica New England Journal of Medicine com um alerta de que a covid-19 pode desencadear o diabetes em pessoas saudáveis e agravá-lo em quem já é portador.

"Existe uma relação bidirecional entre covid-19 e diabetes. Por um lado, o diabetes está associado a um risco aumentado de covid-19 grave. Por outro, diabetes recente e complicações metabólicas do pré-existente, incluindo cetoacidose diabética e hiperglicemia hiperosmolar, para as quais são necessárias doses excepcionalmente altas de insulina, foram observadas em pacientes com covid-19. Essas manifestações apresentam desafios no manejo clínico e sugerem uma fisiopatologia complexa do diabetes relacionado à covid-19", diz o documento.

Em entrevista à BBC News Brasil, Francesco Rubino, professor de cirurgia metabólica da Universidade King's College London, do Reino Unido, e pesquisador no projeto CoviDiab Registry, diz que a alta prevalência do diabetes entre os mortos por covid-19 e a maior susceptibilidade de os diabéticos experimentarem efeitos particularmente graves e atípicos da doença de base sugerem que deve existir uma interação diferente das conhecidas em termos de resposta ao estresse que acontece com qualquer infecção.

Rubino acrescenta que os mecanismos biológicos pelos quais o novo coronavírus entra nas células humanas também indicam que ele pode causar danos diretos aos principais órgãos metabolizadores de açúcar.

"Sabemos que, ao se ligar a uma proteína específica, chamada receptor ACE-2, o SARS-CoV-2 detém as chaves para inserir células em órgãos críticos para o metabolismo da glicose, incluindo o pâncreas, o intestino, o tecido adiposo e o fígado. Suspeitamos que, ao causar disfunções em um ou mais desses órgãos, o vírus possa piorar o diabetes existente ou até ser capaz de causar um novo aparecimento da doença", explica o especialista.

Foi justamente por conta da natureza preliminar dessas observações que Rubino e mais 16 pesquisadores lançaram o CoviDiab Registry. O objetivo é reunir mais evidências para confirmar ou dissipar as preocupações.

"Não sabemos exatamente como a covid-19 influencia o diabetes e, dado o curto período de contato humano com o novo coronavírus, ainda não está claro qual tipo ele pode exacerbar ou desencadear, e também não podemos excluir que possa até induzir uma nova forma de diabetes, e nem se a condição será reversível quando a infecção se resolver", pondera o especialista.

Direito de imagem SILVIO AVILA/AFP
Paciente sendo atendido por profissionais em um hospital

Coronavírus pode mudar padrão da diabetes em pacientes que já tinham doença 

Ana Carolina Nader, chefe do Departamento de Endocrinologia do Hospital Federal de Servidores do Estado do Rio de Janeiro, diz que, apesar de faltarem muitas respostas, casos como os indicados pelos pesquisadores estão realmente ocorrendo.

"Tenho visto tanto pacientes diabéticos que controlavam muito bem a glicose com medicamento oral, mas que, depois da infecção pelo coronavírus, passaram a necessitar de altas doses de insulina, quanto pacientes que não tinham diabetes e a desenvolveram após serem diagnosticados com covid-19. Está marcadamente havendo uma mudança no padrão da doença", relata.

Diante dessa situação, a médica avalia que, em alguns meses, poderá haver uma sobrecarga nos sistemas de saúde, por conta da demanda reprimida dos diabéticos que não saíram de casa durante a pandemia e agora voltam a procurar tratamento, e os novos casos - ao que tudo indica, provocados pelo vírus.

"Independentemente disso, temos que tranquilizar a população. Se uma pessoa for diagnosticada com diabetes após contrair o coronavírus, ela precisa saber que há médicos preparados para o atendimento. Ao contrário da covid-19, que ainda é desconhecida, o diabetes não é. Há especialistas que sabem muito sobre a doença e, com tratamento, dá para controlá-la e levar uma vida normal", afirma.

O que é diabetes?

Patologia crônica, o diabetes é caracterizado pela produção insuficiente ou pela má absorção de insulina (hormônio que regula a glicose no sangue e garante energia para o organismo), resultando na elevação do nível de açúcar no corpo - o normal, para uma pessoa saudável e em jejum, é abaixo de 100 mg/dl.

Quando esse quadro permanece por longos períodos, pode causar danos graves em órgãos, vasos sanguíneos e nervos.

Os principais são doenças cardiovasculares, insuficiência renal crônica, amputações dos membros inferiores, problemas na visão, acometimento dos nervos (neuropatia periférica) e cetoacidose diabética. O risco de morte também é grande.

Na lista de sintomas, os mais comuns são sede constante, vontade de urinar diversas vezes ao dia, alterações no apetite, perda de peso (mesmo comendo mais), fraqueza e fadiga.

Direito de imagemREUTERS

Hospital

O vírus é particularmente agressivo com pessoas mais velhas e que têm diabetes ou hipertensão

O diabetes é dividido em quatro tipos: Tipo 1, Tipo 2, Latente Autoimune do Adulto (LADA) e gestacional.

O Tipo 1 se dá quando o próprio sistema imunológico ataca as células do pâncreas que produzem insulina, fazendo com que pouca ou nenhuma quantidade do hormônio seja liberada para o corpo. Em decorrência disso, a glicose fica no sangue ao invés de ser usada como energia.

Essa variação, causada por fatores genéticos e outros ainda desconhecidos, se manifesta geralmente na infância ou na adolescência. O tratamento é feito com insulina, medicamentos, planejamento alimentar e atividades físicas.

O Tipo 2 ocorre quando o organismo não consegue usar adequadamente a insulina que produz ou não produz insulina suficiente para controlar a taxa de glicemia. Ele acomete com mais frequência os adultos e está diretamente relacionado à sobrepeso, sedentarismo e dieta inadequada.

Seu tratamento, muitas vezes, é feito com a adoção de alimentação saudável e prática regular de exercícios, mas, em alguns casos, se faz necessário o uso de insulina e/ou outros medicamentos para controlar a glicose.

Segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), algumas pessoas que são diagnosticadas com o Tipo 2 desenvolvem um processo autoimune e acabam perdendo células beta do pâncreas.

Neste caso, o diagnóstico é o LADA, cujo controle da glicemia também é feito com insulina e/ou medicamentos orais, planejamento alimentar e atividade física.

Por último, o diabetes gestacional é uma condição temporária que acontece durante a gravidez por conta das alterações hormonais. Neste caso, há risco tanto para as mães quanto para os bebês, como crescimento excessivo (macrossomia fetal), partos traumáticos e prematuros, hipoglicemia neonatal e obesidade e diabetes na vida adulta.

Seu controle é feito, na maioria das vezes, com a orientação nutricional adequada, associada ou não à atividade física e uso de insulina.

Renata Turbiani
De São Paulo para a BBC News Brasil
22 junho 2020

Modos sobrevivência e governabilidade

O presidente não foi eleito para cuidar dos filhos, mas para orientar um projeto nacional

O presidente Bolsonaro entrou no modo sobrevivência, que deve ser distinguido do modo governabilidade. Conforme o primeiro, ele orienta todas as suas ações para se manter no poder, sem nenhuma preocupação com o Brasil, procurando apenas conservar o mandato. Pelo segundo, ele teria de ter projetos, ideias e meios de execução, o que implicaria um governo moderado, sem conflitos e provocações, voltado para a articulação política.

A parceria com o Centrão, por exemplo, se faz sob o modo sobrevivência, mediante a distribuição de cargos em órgãos e empresas estatais, em flagrante contradição, aliás, com sua própria narrativa. Não importa, visto que necessita em torno de 200 deputados para evitar o processo de impeachment e sempre pode haver desfalques. Entre o mandato e a narrativa, o presidente já fez a sua opção, com evidentes prejuízos perante a sua rede de apoiadores digitais.

Daí não se segue, porém, que ele adquira governabilidade, pois isso significaria a capacidade de aprovar projetos de lei e emendas constitucionais, tendo, por sua vez, como condição a existência de ideias a serem apresentadas. Até agora, só tivemos ideias ao léu. E não se recorra à pandemia como justificativa, pois a inércia governamental é anterior a ela. O projeto de privatização e concessões apresentado com grande fanfarra mostrou-se raquítico. Também não foi apresentado nenhum projeto de reforma tributária, administrativa ou política. De novo, só falas e mais falas sem consequência, senão a demagógica.

O presidente encontra-se numa encruzilhada. Se permanecer orientado pelo confronto incessante, produzindo inimigos reais e imaginários, desgastará ainda mais o seu prestígio, pondo o modo sobrevivência em risco. O modo governabilidade, por seu lado, nem seria levado em consideração. Conseguiu ele até mesmo um prodígio: uniu o Supremo Tribunal em nome da defesa da Constituição! Até então quase tínhamos 11 Supremos, como se cada um fosse uma ilha de decisões monocráticas. Agora surge um coletivo. Nesse sentido, não tem por que o presidente reclamar da consequência de suas ações.

Seu risco aumenta ainda mais se sua erosão continuar se propagando pela opinião pública, atingindo até mesmo a sua rede de apoiadores. Muitos se sentem já abandonados, acionando, neles também, o modo sobrevivência. Se até pessoas próximas do presidente, como o ex-policial Fabrício Queiroz, são presas, o que podem esperar os demais? Se apoiadores importantes sofrem mandados de busca e apreensão ou quebras de sigilo bancário, onde fica a tão apregoada proteção presidencial ou de seu clã familiar? E se esses vierem a ser ainda mais atingidos? Até o modo sobrevivência naufragaria, pois o próprio apoio do Centrão tampouco é incondicional e perene, depende das circunstâncias. Nenhum partido ou parlamentar comete suicídio político.

Isso significa que o presidente deveria adotar o modo governabilidade. Considerando a sua família e a sua personalidade, as suas chances são pequenas, porém não desprezíveis. Ou seja, a moderação e a prática democráticas deveriam ser o seu norte, abrindo-se ao diálogo e à articulação política. Não poderia o presidente permanecer refém de sua linha ideológica, com ministros utilizando constantemente a polarização amigo/inimigo, como se o Brasil fosse uma mera preocupação lateral. O presidente deveria, nesse sentido, fazer uma reforma ministerial baseada em critérios técnicos, voltados para o progresso, abandonando suas posições anticientíficas e o confronto com os governadores. O Brasil acumula cadáveres e o presidente finge que nada é com ele, num menosprezo indizível pelo outro, pelos que sofrem e morrem aos milhares pelo País afora.

O presidente deveria olhar menos para a sua família e mais para o Brasil. Não foi eleito para ser pai e cuidar dos filhos, mas para orientar o Brasil num projeto nacional. Muitas esperanças foram nele depositadas e muitas foram as desilusões causadas. Jair Bolsonaro está cada vez mais isolado - isolado do Supremo, isolado da Câmara dos Deputados e do Senado, isolado da grande imprensa, isolado em parte dos outros grandes meios de comunicação, isolado progressivamente da sociedade em geral.

Sob o modo defesa, diz falar pelo povo, como se ele mesmo fosse o povo, ou a Constituição, numa espécie de delírio totalitário. Ou, ainda, confundindo os seus apoiadores digitais ou as pequenas aglomerações na saída do Palácio da Alvorada com expressões “populares”. O arremedo de participação, tendo como coadjuvante a mera demagogia, cobra o seu preço na insensatez crescente.

Urge que o presidente entre no modo governabilidade, pois apenas o modo sobrevivência não lhe permite aguentar mais dois anos e meio. Não aguenta porque o Brasil não aguenta. Desemprego aumentando, renda caindo e o PIB não se recuperando são fatores que podem terminar tornando viável o impeachment. A moderação e o abandono do conflito podem tornar-se, assim, condições da preservação mesma de seu mandato. Hoje está a perigo!

Denis Lerrer Rosenfield é Professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Este artigo foi publicado originalmente em O Estado de São Paulo, edição de 22.06.2020.

domingo, 21 de junho de 2020

Abraço de afogado

Agora que a casa caiu, a esparrela das movimentações financeiras dos Bolsonaro será escancarada mais cedo do que tarde, constata Dorrit Harazim em O Globo hoje

Um silêncio nunca consegue ser de todo silencioso. Mais de meio século atrás, o compositor de música contemporânea John Cage sentou-se ao piano do Maverick Concert Hall em Woodstock (pois é, Woodstock), no Estado de Nova York, e apresentou a peça que o tornaria célebre. Durante 4 minutos e 33 segundos “tocou” o que seriam três movimentos com as mãos imóveis sobre o teclado fechado. Daí o nome da peça, “4:33”, e o estrondo que fez. A obra continua a ser apresentada por pianistas clássicos mundo afora, com cada plateia preenchendo o desconfortável silêncio ouvindo os sons ao redor. São sons do cotidiano imprevisível — um tossir, um ranger, um respirar pesado, um roçar de papel — que em salas de acústica afinada adquirem peso novo. No fundo, cada um ouve o que não pretendia escutar.

O abraço de três segundos desta quinta-feira entre o presidente Jair Bolsonaro e Abraham Weintraub também se presta a leituras múltiplas. Cada um interpreta como quiser, mas não é ilícito ver na cena o abraço de um afogado. Um só — Bolsonaro.

Dadas as circunstâncias, os náufragos naquele enlace forçado deveriam ser dois — o ministro da Educação defenestrado e o chefe de Estado no seu dies mais horribilis desde a posse. Só que Weintraub pôde se programar para a cena, enquanto a explosiva prisão de Fabrício Queiroz horas antes deixara o presidente à míngua de oxigênio. Para o vídeo de três minutos em que anunciou sua demissão, Weintraub se apresentou de paletó aberto e mão no bolso, com uma sem-cerimônia estudada e cafajeste, sob medida para os “muitos Weintraubs” que ele disse ter descoberto no Brasil. Agraciado com um cargo de R$ 1,3 milhão anuais no Banco Mundial em Washington, disporá, se efetivado, desse colchão de distância das investigações judiciais que o envolvem no inquérito das fake news. Ainda que venha a ser alcançado pela Justiça, contudo, jamais conseguirá pagar a dívida histórica que contraiu com toda uma geração de brasileiros: ele foi, até o ultimíssimo decreto, o ministro da Educação mais ruinoso da História do Brasil.

Já Bolsonaro, seja na cena do abraço ou longe dela, não tem para onde ir. Encolhido, olhar vazado e desprovido de seu talento para farejar fraquezas alheias e improvisar, o presidente pareceu de cera no “abracinho” obtido a fórceps por Weintraub. Pouco a ver com o desconforto em demitir o décimo membro do seu Ministério. Tudo a ver com a implosão do esconderijo de Fabrício Queiroz. Amigo há décadas do atual presidente, Queiroz atuou como faz-tudo ao hoje senador Flávio, enquanto o filho 01 foi deputado estadual do Rio. Por isso, caso decida falar, Queiroz será a testemunha mais apta a elucidar a teia de ligações perigosas do clã Bolsonaro. Como escreveu a jornalista Míriam Leitão, o nome “rachadinha”, no diminutivo como é da cultura carioca, reduz o peso do crime que lhes é imputado. Trata-se, no mínimo, de desvio de dinheiro público, com fortes indícios de ser muito mais. A parceria tóxica com a criminalidade miliciana, se comprovada, apertará o cerco a um presidente já sitiado por outros inquéritos, com potencial de levar à sua cassação ou impeachment.

Teve efeito bumerangue a gritante mudez do presidente da República no dia da prisão de Queiroz. Assim como a obra “4:33” de John Cage adquire vida própria pelos ruídos fora da cena, o fatal silêncio de Bolsonaro na quinta-feira foi atropelado pelo desenrolar de fartos acontecimentos em tempo real. A diferença, claro, é que o músico vanguardista americano teve no silêncio a sua criação. Já Bolsonaro recorreu ao silêncio como refúgio para o medo. Embrulhado numa jaqueta de tamanho acima do necessário na live semanal, na noite de quinta-feira, parecia outro homem. Encolhera.

Entre os protagonistas principais da trama atual, a figura do advogado de melenas graúnas Frederick Wassef é a mais exótica até agora. Apesar de ser o advogado oficial de Flávio Bolsonaro e se dizer causídico do presidente (ou então, justamente por isso), teve a péssima ideia de manter Queiroz por meses em um sítio de sua propriedade, ao abrigo de uma eventual diligência do Ministério Público do Rio de Janeiro.

Agora que a casa caiu, a esparrela das movimentações financeiras dos Bolsonaro será escancarada mais cedo do que tarde. Ela se encontra com um Brasil de mais de 1 milhão de infectados pelo coronavírus, um corolário de 50 mil mortos, um Ministério da Saúde à deriva e um governo insano.

Neste Brasil o silêncio começou a deixar de ser uma opção. Melhor assim.

Os Bolsonaro

Neste artigo publicado n'O GLOBO, Merval Pereira, conta como conheceu Wassef, o advogado dos Bolsonaro, o passageiro ao lado, num voo de Brasília para o Rio de Janeiro.

O “physique du rôle” do advogado Frederick Wassef o faria um ator indicado para filmes de gângster. Conheci-o fortuitamente num vôo de Brasília para o Rio, e a conversa começou com um mal-entendido.

O cara que se sentou ao meu lado na primeira fila era espaçoso, correntes de ouro, e muito falante, não largava o celular, sem atender aos pedidos da aeromoça para desliga-lo, pois iriamos decolar.

Pedi então que o desligasse, pois estava colocando em risco os demais passageiros.

Ele pediu desculpas, olhou para mim e perguntou: “Você é o Merval Pereira?”. Quando confirmei, ele abriu os braços: “Você ia brigar com um fã seu ?”. Respondi rapidamente: “Brigar com você? Você é muito mais forte que eu. Só queria que o avião não caísse”.

Como não podia deixar de ser, começou a puxar conversa, bravateando sua relação íntima com os Bolsonaro. Queria dar uma entrevista à Globo. Nunca mais nos falamos, e passei a seguir suas peripécias apenas pelos jornais, até ontem, quando Fabricio Queiroz foi preso em sua casa em Atibaia.

Bonequinhos do mafioso Tony Montana, do filme Scarface , com roteiro de Oliver Stone, decorarem uma prateleira apoiando um cartaz a favor do AI-5, é só um detalhe a mais para significar ironicamente a relação mafiosa entre os dois e, por tabela, com os Bolsonaro. Não sei se os bonequinhos já faziam parte da decoração da casa, ou se Queiroz os levou para seu exílio dourado em Atibaia.

Mas, em qualquer caso, têm um simbolismo banal, mas muito expressivo. Contra as bravatas do presidente Bolsonaro, fatos. A ligação de Queiroz com o advogado Wassef, que se gaba de ser amigo íntimo do presidente e de seus filhos, só confirma os laços de juramento de sangue, bem ao estilo mafioso, que o une à família Bolsonaro.

Sumido há mais de ano, Queiroz sempre esteve sob a proteção dos Bolsonaro, na pessoa de Wassef, que volta e meia estava no Palácio da Alvorada dando conta dos processos em que atua em defesa dos membros do clã e, sabe-se agora, outras cositas más. Enquanto o país inteiro perguntava onde estava o Queiroz, os Bolsonaro sabiam perfeitamente. Esconder um fugitivo cujos crimes de que é acusado são ligados diretamente ao filho do presidente, envolvendo também o próprio Bolsonaro, que empregou em seu gabinete de deputado federal milicianos e seus parentes, alguns merecedores de homenagens como medalha de mérito, não é pouca coisa. 

O “pacto de sangue que os une pode ser quebrado, principalmente se a mulher de Queiroz, contra quem há um mandado de prisão, vier se juntar a ele na cadeia. Várias mensagens de seu esconderijo, que, se sabe agora, nem tão clandestino era para a família Bolsonaro, foram enviadas por Queiroz, se dizendo abandonado.

Esse sentimento pode ser decisivo agora, que a polícia do governador João Doria, em parceria com o MInistério Público do Rio, encontrou-o em um sítio em Atibaia, no interior de São Paulo, local de outro sítio envolvido em caso político-criminal de nossa história recente.

Estão começando a surgir os fatos que tornam inócuas as bravatas de Bolsonaro. Já o eram anteriormente - como se diz, cão que ladra não morde -, pois ele sempre esbravejou, mas acabou acatando as ordens da Justiça. Com a prisão de Queiroz, a situação fica muito mais complicada para a família, e o cerco vai se fechando em torno dos Bolsonaro.

Os fatos, ao contrário, vão se clareando, mostrando que estava sendo protegido pelos Bolsonaro, e o advogado Wassef, figurinha fácil nos Palácios, era a ligação entre eles. A casa era um simulacro de escritório de advocacia, o que mostra a má fé do advogado, provavelmente para se valer da inviolabilidade garantida por lei para esse tipo de imóvel.

Wassef também mentia quando dizia publicamente não saber do paradeiro de Queiroz, enquanto o escondia há um ano em sua casa. Queiroz leva diretamente os Bolsonaro aos milicianos – que eles empregaram e condecoraram diversas vezes. Enquanto deputado, Bolsonaro deu medalha para o capitão Adriano, miliciano morto na Bahia recentemente. Queiroz empregou a mulher e a filha do miliciano no escritório dos Bolsonaro. Tinha até um serviço de vans em Rio das Pedras, tradicional reduto de milicianos do Rio. A rachadinha é apenas um dos problemas deles. É uma situação muito delicada, como nunca vimos antes, o envolvimento da família presidencial com criminosos, com milicianos.

Publicado em O Globo, edição de 19/06/2020 • 04:30

Em velório de militar, Bolsonaro diz que missão das Forças Armadas é defender a democracia

O presidente Jair Bolsonaro participou, na manhã deste domingo (21), do velório do soldado do Exército Pedro Lucas Ferreira Chaves no Rio de Janeiro. O militar morreu após um salto de treinamento da Brigada de Infantaria Paraquedista, no Campo dos Afonsos, Zona Oeste, na manhã deste sábado (20).

A cerimônia aconteceu no 26º batalhão de infantaria paraquedista, Avenida General Benedito da Silveira, na Vila Militar, e foi restrita a familiares, amigos e autoridades.

Durante a cerimônia, Bolsonaro prestou solidariedade à família do soldado morto e falou para os presentes. Em seu discurso, disse que "a missão das Forças Armadas é defender a pátria, é defender a democracia, e como dizia, que se tornou um grande amigo, o ex-ministro Leônidas Gonçalves, nós estamos a serviço da vontade da população brasileira".

Pedro estava a bordo de uma aeronave C-105 Amazonas para um exercício e, segundo o Comando Militar do Leste (CML), ficou preso à aeronave e, após os procedimentos de emergência, a abertura do paraquedas do militar não ocorreu adequadamente.

“O soldado Chaves sofreu ferimentos graves por ocasião de sua chegada ao solo, recebendo, de imediato, os primeiros socorros por parte da equipe médica local”, informou o CML.

O militar foi levado para o Hospital Geral do Rio de Janeiro, na Vila Militar, mas não resistiu. O CML afirmou que está sendo prestado todo o apoio psicológico e religioso à família do militar.

Fonte: G1

Polícia do DF apreende material de extremistas pró-Bolsonaro

Investigações sobre supostos crimes de milícia privada leva a chácara no Distrito Federal, ponto de apoio de grupos de extrema direita "300 do Brasil", "Patriotas" e "QG Rural".

Brasilien Brasilia | Operation der Polizei gegen Rechtsextremisten (Agência Brasil/T. Rêgo)
   
Brasilien Brasilia | Operation der Polizei gegen Rechtsextremisten (Agência Brasil/T. Rêgo)

A Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) realizou neste domingo (21/06) uma operação para cumprir mandado de busca e apreensão num dos pontos de apoio dos grupos de extrema direita conhecidos como "300 do Brasil", "Patriotas" e "QG Rural". A polícia investiga a prática de supostos crimes de milícia privada, ameaças e porte de armas cometidos pelo grupo que apoia o presidente Jair Bolsonaro.

Cerca de 30 policiais da Coordenação Especial de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (Cecor) participaram da operação. O alvo foi uma chácara na região de Arniqueiras, no Distrito Federal, com duas casas, onde também havia barracas instaladas.

A polícia informou que o imóvel contava com câmeras de segurança que cobriam toda a sua extensão. No local foram apreendidos fogos de artifício, vários manuscritos com planejamento de ações e discursos, cartazes, aparelhos de telefone celular, um facão, um cofre e outros materiais destinados a manifestações.

Segundo o site da Folha de S. Paulo, na noite do sábado 13 de junho, integrantes do grupo atacaram o prédio do Supremo Tribunal Federal em Brasília com fogos de artifício. A pedido do presidente do tribunal, ministro Dias Toffoli, a Procuradoria-Geral da República abriu investigação para a responsabilização dos autores.

Na segunda-feira seguinte, no âmbito do inquérito sobre protestos antidemocráticos, a ativista Sara Giromini, conhecida como Sara Winter, que faz parte do grupo, foi presa após operação da Polícia Federal.

Fonte: Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas.

Enquanto isso, o Brasil supera marca de 50 mil mortes por coronavírus

Mundo tem 8,9 milhões de casos e 466 mil mortes. 
Brasil supera marca de 50 mil mortes, afirma consórcio de veículos de imprensa
Espanha suspende estado de alarme

Consórcio de imprensa afirma que o Brasil passou dos 50 mil mortos por covid-19

11:15 - Casos de covid-19 em frigorífico alemão chegam a 1.300

O número de casos confirmados de covid-19 em um frigorífico no estado alemão da Renânia do Norte-Vestfália aumentou para 1.331 neste domingo, com 300 novos resultados positivos em exames realizados nos funcionários do local. As autoridades ainda aguardam o resultado de outros 250 testes, de um total de 6.139 realizados na sede da empresa Tönnies.

Apesar do número expressivo de casos confirmados, as autoridades minimizaram a possibilidade do surgimento de uma segunda onda da doença. O governador do estado, Armin Laschet, durante visita ao local no município de Guterslöh, disse que não há, até o momento, necessidade de se impor um lockdown na região.

Mesmo reconhecendo um "alto risco pandêmico", Laschet observou que o surto foi detectado logo no início, eliminado a necessidade de medidas mais drásticas para conter a doença. Após se reunir com a equipe de emergência que atua na região, ele afirmou que não há um "salto significativo" de contaminações no resto da população local.

Entretanto, o governador não excluiu a possibilidade de impor medidas de isolamento caso os esforços para conter o vírus não tenham o resultado esperado. Todos os funcionários da empresa foram colocados sob quarentena, mas existe a possibilidade que tenham infectado familiares e amigos, que poderiam espalhar ainda mais a doença.

Laschet ofereceu ajuda adicional à comunidade, para onde foram enviados profissionais de saúde, militares e policiais para contribuir para conter do surto, rastrear sua origem e fazer valer as medidas de quarentena impostas aos funcionários.

O surto no frigorífico, o maior do gênero na Alemanha, gerou protestos em frente à sede da empresa, com muitas pessoas pedindo a renúncia do proprietário, Clemens Tönnies. Ele, porém, garantiu que vai tirar a empresa da crise. O governador disse esperar que Clemens cumpra suas promessas de implementar novas regras e condições para um ambiente de trabalho mais seguro.

A Renânia do Norte-Vestfália foi um dos estados alemães mais atingidos pelo coronavírus. Laschet foi um dos governadores que mais pressionou pelo relaxamento das medidas de confinamento e pela reabertura da economia.

O Instituto Robert Koch (RKI) para o controle e prevenção de doenças infecciosas confirmou neste domingo 687 novos casos de covid-19 na Alemanha, registrando um leve aumento em relação ao dia anterior, onde foram detectadas 601 novas infecções. O Instituto também atualizou o número acumulado de mortes para 8.882.

O número efetivo de reprodução R para o Sars-Cov-2 saltou na Alemanha para 1,55 neste sábado, de 1,17 na véspera. Ele indica o potencial de propagação do vírus, refletindo o transcorrer dos contágios nos últimos oito a 16 dias. Por sua vez, a média dos últimos quatro dias chegou a 1,79. Esse aumento se deve ao surto da doença surgido no frigorífico em Gütersloh.

10:30 – Espanha suspende estado de alarme

A Espanha voltou a abrir suas fronteiras aos originários dos países do Espaço de Schengen, exceto Portugal, para quem o bloqueio será mantido até 1º de junho, a pedido de Lisboa. Após 99 dias, os espanhóis também podem voltar a circular livremente: desde a 00h00 (hora local) deste domingo, está suspenso o estado de alarma devido ao coronavírus.

Os 47 milhões de habitantes estavam sujeitos às regras de confinamento mais rigorosas da União Europeia, o que desencadeou acalorados debates na política e sociedade. O país chegou a ser um dos principais focos de covid-19, contabilizando cerca de 246 mil infecções e mais de 28.300 mortes.

Em discurso televisado e evocando fontes científicas, o presidente do governo, Pedro Sánchez, afirmou que, graças às restrições sociais drásticas, conseguiu-se salvar 450 mil vidas. Ao mesmo tempo apelou aos espanhóis para que se mantenham cautelosos: "O vírus pode voltar e podemos ser apanhados por uma segunda onda de contágios."

Na "nova normalidade" da Espanha continuarão valendo a obrigatoriedade de máscaras protetoras e regras de higiene estritas.
Chefe de governo espanhol, Pedro Sánchez, fala na televisão

Chefe de governo espanhol, Pedro Sánchez: "Podemos ser apanhados por uma segunda onda de contágios."

09:25 - Brasil supera marca de 50 mil mortes por covid-19, afirma consórcio jornalístico

O consórcio de veículos da imprensa brasileira que compila dados das secretarias estaduais de Saúde sobre a covid-19 em todo o país afirmou que o Brasil superou neste domingo a marca de 50 mil mortes por coronavírus.

O levantamento dos jornais O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e O Globo e dos portais G1 e UOL contabiliza 50.096 mortes em pouco mais de três meses, desde o primeiro óbito pelo novo coronavírus no território brasileiro.

Segundo o consórcio, o país teve 968 mortes e 30.972 novos casos de covid-19 nas últimas 24 horas. Os veículos de imprensa destacam ainda que o número de óbitos e infecções deve ser ainda maior, devido à subnotificação e a um "gargalo" na testagem e certificação das causas de morte, uma vez que as contagens incluem apenas os casos confirmados.

Até a manhã deste domingo, os portais do Ministério da Saúde e do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), que reúne os titulares das 27 secretarias de Saúde da federação, contabilizavam 49.976 mortos e 1.067.34666 casos na contagem acumulada.

A diferença entre as duas contagens se deu após o consórcio de imprensa incluir também os dados de Goiás, Roraima e Rondônia, que foram divulgados após o balanço do Ministério da Saúde.

Resumo deste sábado (20/06):

Brasil tem mais de 1 milhão de casos, 49 mil óbitos e 507 mil recuperados.

Índice R sobe para de 1,17 para 1,55 na Alemanha

EUA registram 30 mil novos casos de infecção

Novartis põe fim a testes com hidroxicloroquina para tratar covid-19

Fonte: Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas.

Acabou a "liberdade dos tolos"?

Ativistas pró-governo como os 300 do Brasil se sentiram livres para afrontar a democracia por semanas. 

Acreditavam que as Forças Armadas estavam do lado deles e que podiam fazer o que bem entendessem. Estavam errados?

    Manifestantes pró-Bolsonaro e a favor do fechamento do Congresso e do STF em Brasília

Manifestantes pró-Bolsonaro e a favor do fechamento do Congresso e do STF em Brasília

Li, estes dias, na coluna de Yascha Mounk, na Folha de S.Paulo, que o "Brasil já é uma democracia sob supervisão militar". Concordo em parte, como explicarei a seguir.

Para começar: lotear os ministérios com militares, em vez de quadros técnicos, como originalmente prometido pelo presidente Jair Bolsonaro, é um sinal claro dessa supervisão. O mesmo vale para declarações dúbias como a do ministro-chefe da Secretaria de Governo, o general Luiz Eduardo Ramos, de "não esticar a corda". Parece que há militares da ativa se confundindo sobre o papel dos militares. Eles são do Estado, e não um braço armado do governo. E servem para proteger a democracia e os cidadãos, sendo eles "de esquerda" ou "de direita".

Afastar o presidente do cargo, por meio de uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ou de um impeachment, faz parte do jogo democrático. E não de uma tentativa de "esticar a corda". Só para lembrar que a ex-presidente Dilma Rousseff foi removida do poder por causa de "pedaladas fiscais" e sob o aplauso – e até ofensas – do então parlamentar Jair Messias Bolsonaro.

No meu entender, o impeachment de Dilma foi um jogo sujo, mas, obviamente, dentro das regras democráticas. O impeachment serve como saída de emergência no sistema presidencial. No sistema parlamentar, a saída é mais fácil e menos dolorosa: basta o parlamento eleger um novo primeiro-ministro e acabou. Sem drama.

Mas entendo que seja mais fácil fazer o impeachment de uma presidente da esquerda. É impensável fazer o impeachment de um presidente "de direita", que tem centenas de militares no seu governo? A direita sempre possui uma certa Narrenfreiheit, palavra alemã maravilhosa, que significa "liberdade dos tolos". É só olhar para a turma dos 300 do Brasil, que fizeram todo mundo de bobo na Esplanada dos Ministérios por semanas. Acamparam na Esplanada, xingaram e ameaçaram os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e os congressistas em plena Praça dos Três Poderes, copiaram as marchas noturnas com tochas dos nazistas e supremacistas brancos e até "bombardearam" o STF com fogos de artifício. E, ainda por cima, posaram com suas armas para fotos.

Nunca um grupo da esquerda teria tido tal Narrenfreiheit. E nunca um policial militar teria levado um desaforo de um ativista "da esquerda" como levou de Sara Giromini "Winter" no dia da remoção do acampamento dos 300 do Brasil. Aposto que a Sara estava lançando sua candidatura para 2022 ao xingar o policial. Igual fez seu ídolo, o então deputado Bolsonaro, que lançou sua candidatura para 2018 ao ofender Dilma na votação do impeachment em 2016.

A República sempre teve uma certa cegueira no olho direito. Afinal de contas, foram os militares que proclamaram a República, em 1889, e não forças políticas. (Ou será que os militares se enxergam como força política? Isso explicaria muita coisa.) Por isso, tenho que discordar de Yascha Mounk num ponto: o Brasil sempre esteve sob a supervisão militar.

Pode-se traçar uma linha desde a Proclamação da República, do começo da era Vargas, com a Revolução de 1930, passando pelo fim da presidência dele, pressionado pelos militares, e até o golpe de 1964. Desde 1988, o Brasil tenta tirar a supervisão militar. Mas lembramos das notas emitidas por militares, no fim do governo Dilma e na ocasião de uma suposta soltura do ex-presidente Lula da prisão, quando militares das mais altas patentes tomaram um lado.

Agora, uma parte do aparato militar faz parte do governo Bolsonaro. Nas manifestações do dia 7 de junho, em Brasília, Augusto Heleno Ribeiro Pereira, general da reserva do Exército e atual ministro-chefe do Gabinete da Segurança Institucional, fez questão de cumprimentar os policiais que fizeram o cordão de isolamento entre os manifestantes "da esquerda" e os bolsonaristas. Foi festejado como herói pelos "blogueiros" bolsonaristas, que seguem fielmente a filosofia dos Jedi de "Guerra nas Estrelas" que diz: "Aliada minha é a Força, e poderosa aliada é." Eles têm muitos motivos para acreditar que "a força está com eles".

Minha experiência de manifestações é que as forças policiais não hesitam em lançar gás e bombas de efeito moral contra manifestantes "da esquerda", além de balas de borracha e cacetadas. Nunca se atreveriam a fazer isso com manifestantes do outro lado.

Sobrou agora para a Justiça enquadrar os 300 do Brasil e a militância pró-governo. Na manifestação do dia 7 de Junho, ouviam-se reclamações por parte dos manifestantes bolsonaristas, que tinham a plena liberdade de se aglomerar na Praça dos Três Poderes (algo que os manifestantes "da esquerda" não podiam). Compararam as buscas e apreensões, feitas pela Polícia Federal nas casas de apoiadores do presidente Bolsonaro à perseguição que os judeus sofreram na Europa nazista. Chamaram o STF e o Congresso de "comunistas" e conclamaram uma "intervenção militar". Tudo fora da lei e do contexto histórico.

Resta saber se a "liberdade dos tolos" agora acabou. E o que o presidente Bolsonaro quis dizer, quando comentou as investigações contra políticos bolsonaristas que supostamente financiaram os atos dos 300 do Brasil com a seguinte frase: "Está na hora de tudo ser colocado no seu devido lugar."

Thomas Milz, o autor deste artigo, saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como o Bayerischer Rundfunk, a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.

Fonte: Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas. 

Fascismo e antifascismo

Cabe ter esperança na ação de uma esquerda que assuma a ideia democrática

Há pouco mais de um ano, não deixou de causar furor e indignação a atitude de Matteo Salvini, o expoente da ultradireita italiana e, na época, a figura mais forte do governo, ao se recusar a celebrar a data de libertação do seu país da ocupação nazista e do despotismo mussoliniano. O 25 de abril, na visão de Salvini, não marcava nenhum renascimento nacional por trazer um vício de origem: independentemente da catástrofe cujo fim aquela data assinala, trata-se de uma contraposição – entre fascistas e antifascistas – já arquivada nos desvãos do passado. O fascismo está derrotado e, por isso, o antifascismo não tem mais razão de ser. E, sobretudo, não tem mais razão de ser porque entre os antifascistas, na primeira fila, estão os odiados comunistas, a quem Salvini, como os demais companheiros de cruzada, não reconhece nenhum papel positivo, em contexto algum.

No entanto, o antifascismo, apesar de Salvini e companhia, é um termo que tem atravessado gerações, redefinindo-se em diferentes conjunturas críticas. Seus símbolos, suas palavras de ordem e até canções, como a Bella Ciao, que os jovens voltam a entoar nas manifestações em várias línguas, mostram que ali, naquele termo, há matéria de memória e de reflexão, especialmente por quem, considerando as frentes antifascistas um tema relevante ainda hoje, nem por isso se abstém de enfrentar contradições muitas vezes dilacerantes no próprio campo.

O comunismo, por exemplo. Onde quer que tenha havido fascismo, ou arremedo dele, como no Brasil do Estado Novo, os comunistas lutaram o bom combate. E a URSS staliniana foi um componente essencial da aliança com as democracias ocidentais que afastou o pesadelo de um Reich de mil anos. Mas é forçoso reconhecer que, lutando pela democracia, os comunistas no poder construíram Estados repressivos e, para falar com franqueza, totalitários; na oposição, ao contrário, tornaram-se pouco a pouco fatores importantes de várias democracias, moderando-se ao longo do tempo num sentido social-democrata e dando origem ao proverbial “reformismo” legalista dos velhos PCs. Eles, em tais contextos, sempre menos antissistêmicos e mais preocupados com a integração dos “de baixo”, eram meios para a expansão virtuosa das democracias, e não para a explosão revolucionária, o que ia ao encontro dos interesses de toda a sociedade.

O antifascismo original não anulava nem escondia a diversidade das suas partes constitutivas. Conservadores, liberais e socialistas democráticos, entre outros, deviam calar temporariamente suas fundadas restrições à versão jacobina que da tradição marxiana davam os partidários da Revolução de 1917. Estes últimos, comprometidos com a estatolatria implantada no país-modelo, se batiam na frente antifascista ao lado de aliados que defendiam com firmeza as liberdades “negativas”, as que protegem cada indivíduo contra a onipotência do Estado e sem as quais os melhores ideais da igualdade degeneram em igualitarismo grosseiro. A coragem demonstrada nas frentes de batalha, embora pudesse atingir tons heroicos, não ocultava a subalternidade “ideológica” dos comunistas e da matriz bolchevique, incapaz de assimilar ou sequer entender o papel das liberdades “burguesas”.

O antifascismo consistiu assim numa aliança entre atores diferentes, e até muito diferentes, em razão de um mal maior. Mas se só houvesse diferenças entre eles a aliança se definiria negativamente e teria muito mais dificuldade para se formar. Ainda que de modo parcial e imperfeito, todos os atores aliancistas compartilhavam uma fundamental orientação democrática inerente à modernidade, que lentamente corroía o mundo rigidamente hierárquico, opressivo e “orgânico” de outrora. Por isso se desprendia do campo conservador, e a este acabava por se contrapor ferozmente, uma versão reacionária da modernidade, capaz obviamente de elaborar programas de reerguimento econômico, como no caso do corporativismo italiano ou das políticas nacional-socialistas contra a depressão, mas associados à liquidação radical dos direitos civis e políticos, à uniformização compulsória da vida social e aos mitos mais regressivos do solo e do sangue. Em suma, a grande noite do irracionalismo, a temida temporada do assalto à razão, que deram, por contraste, o cimento essencial para o bloco antifascista.

Com todos os conflitos internos, esse bloco esteve na origem de desenvolvimentos positivos, como, de certo modo, o reformismo rooseveltiano e, seguramente, os “30 anos gloriosos” do capitalismo europeu socialmente regulado. Há décadas tudo isso está sob fogo cerrado não propriamente dos conservadores, que costumam ter uma consciência serena do que merece ser mantido, mas da sua ponta mais extremada e “revolucionária”, a exemplo de Salvini, que, como bem se vê, não é um lobo solitário. Cabe ter esperança na ação de uma esquerda que, desta vez, ao contrário dos avós bolcheviques, assuma a ideia democrática, sem adjetivos, como convicção íntima e incontornável. A alternativa é a barbárie.

Luiz Sérgio Henriques, autor deste artigo, tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das "Obras" de Gramsci no Brasil. Publicado n'O Estado de S.Paulo, edição de 21 de junho de 2020.

Ódio

É a negatividade da mescla do ódio nas opiniões que impacta a convivência democrática.
Neste artigo publicado hoje pelo O Estado de São Paulo, Celso Láfer, ex-chanceler da República, mostra o quanto o ódio, esse sentimento negativo, horroroso, da natureza humana, tem se impregnado na política brasileira.

      O ódio é um sentimento que conduz à aniquilação dos valores. Promove a falta de conexão entre pessoas, isola e desliga, pulveriza e corrói o papel dos indivíduos, como destaca Ortega y Gasset. Tem um efeito que corrompe e avilta o espaço público.

O ódio tornou-se parte do contorno da vida política brasileira. Virou um ingrediente da nossa circunstância. Esteve presente na dicotomia da eleição de 2018. Alimenta a lógica do confronto da Presidência Bolsonaro. Esta se vê continuamente abastecida por fake news e pelas limitadas, mas estridentes manifestações facciosas de movimentos de ódio, denegadores das instituições democráticas e propugnadores de uma “ascensão aos extremos”. O radicalismo dessas posturas, que usufruem a acolhedora benevolência do presidente, impacta a atmosfera política. Compromete o espaço de um centro agregador da sociedade brasileira.

O ódio não reflete. Agita. Na esfera pública movimenta a obscuridade dos ressentimentos privados em relação ao sistema político. Instrumentaliza na sua dinâmica o sentimento voltado para identificar não adversários, mas múltiplos inimigos. Com estes, para essas facções, cabe travar uma guerra pública, política e cultural. É uma mensagem de combate que está em impregnadora sintonia com a mentalidade do setor ideológico do governo.

O ódio, público ou privado, contrapõe-se à prescrição bíblica. Diz o Levítico (19,17): “Não terás no coração ódio pelo teu irmão”. A reflexão talmúdica sobre essa prescrição ensina que o ódio no coração ao semelhante coloca o ser humano fora do mundo (Tratado Aboth, II-16), ou seja, para falar como Hannah Arendt, impede a pluralidade do estar no mundo com outros seres humanos. Neste mundo o Senhor abomina “o que semeia a discórdia entre irmãos” (Provérbios 6,20).

A discórdia na esfera pública é o que impele o espírito de facção, denega os direitos dos outros membros da cidadania e os interesses gerais da comunidade (Hamilton – Federalista n.º 10). O facciosismo da lógica do confronto presidencial vem comprometendo, entre muitas matérias, a pauta do federalismo cooperativo – até mesmo na situação-limite da covid-19.

Monteiro Lobato fez o Visconde de Sabugosa dizer: “O ódio é assim, não respeita coisa nenhuma”. E Machado de Assis adverte: “Haverá pior coisa do que mesclar o ódio às opiniões?”. É essa mescla que vem envenenando o sistema político brasileiro e a vis directiva dos valores democráticos consagrados na Constituição de 1988.

A diversidade de opiniões é inerente à pluralidade da condição humana. A democracia protege-a por meio das suas instituições, entre elas a divisão dos Poderes, que permite ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal, seguindo a Constituição, se contraporem aos excessos monocráticos da caneta presidencial. Também é a aceitação de que a verdade não é uma, e sim múltipla, que enseja a tutela, no nosso ordenamento jurídico, da liberdade religiosa, de pensamento, de opinião e de sua veiculação e manifestação. Essas são regras do jogo voltadas para assegurar numa democracia o modus vivendi da convivência coletiva.

É precisamente a negatividade da mescla do ódio nas opiniões que impacta a convivência democrática.

As palavras e as mensagens de ódio e suas consequências são um risco para o tecido democrático. Na perspectiva da Constituição, põe em questão um dos objetivos fundamentais da República brasileira, que é o de “promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (Constituição federal, artigo 3.º, IV). Esse objetivo é um bem público. Estipula um rumo, um sentido de direção para a sociedade brasileira. Almeja incluir, e não excluir.

As manifestações dos ódios públicos e a veiculação das fake news desqualificam a dignidade dos seus destinatários. São um assalto ao bem público da inclusividade de todos os membros da cidadania brasileira. Comprometem a responsabilidade, que cabe ao poder numa democracia, de proteger a atmosfera de mútuo respeito. 

A democracia requer confiança, ensina Bobbio. A confiança recíproca entre os cidadãos e a confiança dos cidadãos nas instituições, o que exige a transparência do poder. A transparência demanda o rigor da informação. Um rigor muitas vezes posto em questão pela atual governança do País, mas que vem sendo contido pela liberdade exercida pelos meios de comunicação não impregnados pelo obscuro facciocismo das fake news e dos “gabinetes do ódio”.

Várias manifestações, reunindo um amplo espectro de pessoas de distintas trajetórias e orientações políticas, foram recentemente divulgadas. Exprimem um sentimento majoritário de preocupação com as consequências para o País dos problemas e suas circunstâncias aqui apontadas. São ações afirmativas da sociedade civil em prol da democracia e da recuperação da confiança que nela, sem facciocismos excludentes, deve prevalecer.

A lei e a liberdade

É fundamental diferenciar liberdade de expressão e ameaça ou incitação ao crime

No dia 18 de junho, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento da ação relativa à legalidade e à constitucionalidade do Inquérito 4.781, instaurado em março de 2019 com o objetivo de investigar a existência de fake news, denunciações caluniosas e ameaças contra a Corte, seus ministros e familiares. Ao dar aval, por 10 votos a 1, à continuidade das investigações, o plenário da Corte reconheceu dois aspectos especialmente relevantes do Estado Democrático de Direito: existem no País leis que protegem a liberdade e as instituições e cabe ao Judiciário assegurar a efetividade dessas leis.

Em primeiro lugar, o plenário da Corte reconheceu a validade do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, que atribui ao presidente da Corte competência para “velar pelas prerrogativas do Tribunal” (art. 13, I) e define que, “ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro” (art. 43). Ou seja, o ministro Dias Toffoli agiu dentro da mais estrita legalidade ao determinar, em março do ano passado, a abertura de inquérito para investigar fake news e ameaças contra a Suprema Corte e seus membros.

Mais do que mero conjunto de regras operacionais, o Regimento Interno do Supremo é instrumento de proteção da autonomia e independência do Tribunal, ao prover os caminhos para fazer valer suas prerrogativas institucionais. Nesse sentido, ao reconhecer a plena validade do Regimento Interno, o Supremo não fez nada mais que assegurar a efetividade do princípio constitucional da separação dos Poderes. O Judiciário deve ter meios para se proteger de ataques e ameaças, seja qual for sua origem. Como lembrou o decano do Supremo, ministro Celso de Mello, não há razão para suspeitar da validade de regras do Regimento Interno cujo sentido é precisamente proteger a ordem democrática, o Estado Democrático de Direito e a própria instituição.

O julgamento da ação que questionava o inquérito das fake news foi também ocasião para reafirmar as liberdades e garantias constitucionais, diferenciando o que é liberdade de expressão e o que é ameaça ou incitação ao crime. Trata-se de um tema especialmente relevante nos tempos atuais. O presidente Bolsonaro e seus seguidores recorrem frequentemente a uma interpretação absolutamente equivocada das liberdades, como se estas autorizassem a agressão e a ameaça.

Em seu voto, o ministro Alexandre de Moraes, relator do Inquérito 4.781, citou, entre outros exemplos, ameaça ocorrida depois que o STF decidiu mudar sua orientação a respeito do início do cumprimento da pena, exigindo o trânsito em julgado. “Que estuprem e matem as filhas dos ordinários ministros do STF”, disse uma advogada do Rio Grande do Sul em uma rede social. “Em nenhum lugar do mundo isso é liberdade de expressão. Isso é bandidagem, é criminalidade”, lembrou Alexandre de Moraes.

O relator do Inquérito 4.781 também citou ameaças encaminhadas pelo Ministério Público de São Paulo, por exemplo, a de um “detalhado plano” contra um dos ministros do Supremo, com menção a horário de viagens e a detalhes da rotina desse ministro em Brasília e São Paulo. Também foram mencionados ataques cibernéticos, um tinha até a planta do prédio da Corte “para tentativa contra os ministros”, além de vídeo com manuseio de artefato explosivo em frente à residência de um dos ministros do STF.

Não cabe omissão do Estado diante dessas ações criminosas. É preciso investigar e punir os autores, tanto os executores como os financiadores, desse tipo de conduta absolutamente contrária às liberdades e ao bom funcionamento das instituições. Nessa tarefa, é fundamental reconhecer que existem leis no País e que ninguém está acima delas. Por exemplo, o Código Penal pune, entre outras ações, a calúnia, a difamação e a injúria.

“A liberdade de expressão não respalda a alimentação do ódio, da intolerância e da desinformação. (...) Essas situações representam exercício abusivo desse direito”, disse o presidente do STF, ministro Dias Toffoli. O País anda bem quando não confunde liberdade com o seu antônimo.

Editorial / Notas & Informações, 
O Estado de S.Paulo, 21 de junho de 2020 | 03h00

Lições de uma tragédia

A melhor forma de honrar a memória dos mais de 50 mil mortos em decorrência da covid-19 é tornar o Brasil um país menos desigual e mais fraterno

O Brasil ultrapassou a desoladora marca dos 50 mil mortos por covid-19. Em todas as regiões do País, choram dezenas de milhares de pais, mães, filhos, avôs, avós, netos e amigos que perderam gente amada e nem sequer puderam confortar uns aos outros com um simples abraço. A subtração repentina dos ritos funerários, fundamentais para a construção de um sentido para a morte, é uma faceta particularmente cruel dessa doença, tanto mais perversa porque a esmagadora maioria das vítimas passou suas últimas horas de vida sem o acalento de seus familiares. Por empatia ou compaixão, milhões de brasileiros que tiveram a sorte de não perder um ente querido para o novo coronavírus tampouco vivem dias de paz. A maior tragédia nacional em mais de um século fez do luto uma experiência coletiva e impessoal. Hoje, o Brasil é um país triste.

Mas, por mais severas que sejam, quase todas as perdas ocasionadas pela pandemia poderão ser superadas mais cedo ou mais tarde, com maior ou menor grau de dificuldade. As eventuais transformações da sociedade na direção do que se convencionou chamar de “novo normal”, que tanto tem ocupado filósofos, psicólogos, sociólogos e economistas no momento, serão assimiladas no tempo adequado para cada indivíduo. Empresas quebradas poderão, eventualmente, ser reerguidas. Outras tantas serão criadas pelas necessidades impostas por um evento dessa magnitude. Em breve, aviões voltarão a riscar os céus no mundo inteiro. Empregos serão recuperados. Aulas serão retomadas. O comércio já está em franco processo de reabertura, em que pese a impertinência, para dizer o mínimo, de uma medida como essa no atual estágio da pandemia no País. Mas nada haverá de apagar da memória nacional o fato de que, em apenas três meses de 2020, mais de 50 mil brasileiros morreram em decorrência da covid-19, centenas deles profissionais da área de saúde que atuavam na linha de frente do combate a essa nova e perigosa ameaça sanitária com a bravura e dedicação que os distinguem. De uma hora para outra, mais de 50 mil histórias de vida se tornaram impossibilidades antes que fosse possível assimilar em toda a sua inteireza o que uma tragédia como essa representará para o País no futuro.

Para quem sofre a dor da perda de um familiar, não há diferença essencial entre uma morte e mais de 50 mil. No entanto, o triste marco haverá de nos servir, aumentando a coesão da Nação, caso tiremos as lições corretas dessa tragédia e as transformemos em ação política concreta. Do contrário, restarão apenas o assombro, a dor e a indignação.

A sociedade deve aumentar significativamente o grau de exigência na escolha de seus governantes. Há bons e maus exemplos de políticas públicas adotadas pelas três esferas de governo durante a pandemia, mas houve aqueles que se revelaram líderes indignos da designação, aquém da altura de suas responsabilidades na condução de seus governados nesta hora grave, a começar pelo presidente da República. Jair Bolsonaro entrará para a história como o presidente que desdenhou da gravidade da pandemia, fez pouco-caso das aflições dos brasileiros e apequenou o Ministério da Saúde no curso de uma emergência sanitária.

É certo que a pandemia atingiu todos os brasileiros, mas uns foram muito mais afetados do que outros. Passa da hora de a Nação olhar para seus milhões de desvalidos e lutar para reduzir a brutal concentração de renda que há séculos obsta o desenvolvimento humano no País.

Por fim, mas não menos importante, é preciso cuidar melhor do Sistema Único de Saúde (SUS). Não fosse o SUS, o País estaria pranteando não 50 mil, mas um número incalculável de mortos. O SUS é um avanço civilizatório que tirou a saúde da lógica de mercado ou do mero assistencialismo e a alçou à categoria de direito universal. A pandemia só evidenciou sua importância, como se isto fosse necessário, e a necessidade de mais investimentos.

A melhor forma de honrar a memória dos mais de 50 mil mortos em decorrência da covid-19 é transformar o Brasil em um país menos desigual e mais fraterno. Em suma, um lugar melhor para viver.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
21 de junho de 2020 | 03h00

sexta-feira, 19 de junho de 2020

Mourão no radar


"Queda de Weintraub não ‘baixa a bola’, pois as pontas contra Bolsonaro se juntam rapidamente".

Em artigo n'O Estado de São Paulo hoje, Eliane Cantanhede mostra porque o Vice Presidente não sai do radar.


A pergunta não é mais onde está o Queiroz, mas onde está Jair Bolsonaro. Com Fabrício Queiroz preso, Frederick Wassef desmascarado, a pressão de STF, TSE, TCU, Congresso, Justiça do Rio e movimentos pró-democracia, a situação do presidente da República vai se tornando insustentável. Cresce o alívio em setores governistas que se decepcionaram com Bolsonaro e agora trabalham pela ascensão do vice Hamilton Mourão. Neste caso, estão militares da ativa e da reserva.

O temor desses setores era de que o torniquete fosse do TSE e estrangulasse a chapa Bolsonaro-Mourão, mas o cerco contra Bolsonaro, filhos, advogado e apoiadores mais radicais se fecha não no TSE, que pode cassar a chapa, mas no Supremo, onde as investigações envolvendo bolsonaristas de todos os tipos levam diretamente ao presidente e não há nada contra o vice.

Sem esquecer que as circunstâncias e a opinião pública começam a pressionar o Congresso, onde o alvo de um impeachment seria Bolsonaro, não a chapa, não o vice. Com as várias frentes que desembocam no presidente, não há Centrão capaz de segurar uma onda que vem de fora e pode chegar incontrolável ao Congresso – como nos casos de Collor e Dilma.

As pontas se juntam rapidamente: milícia, rachadinha, gabinete do ódio no Planalto, parlamentares, empresários e manifestantes golpistas, o tal Wassef... Sem currículo, sem casos expressivos, vira advogado e faz-tudo do presidente, esconde o Queiroz em casa e indica para ele o mesmo advogado de quem? Do capitão Adriano, o miliciano morto pela polícia numa operação, suspeita-se, de queima de arquivo.

Tudo em torno de Bolsonaro é estranho. Tudo e todos. Como um cidadão como Wassef se aproxima, vira amigo da família, participa de posses e desfruta da intimidade dos palácios? Ligações com satanismo, ex-mulher processada por uma montanha de crimes, faixa pró AI-5 ao lado de bonecos do Scarface, poderoso chefão hollywoodiano. Pensem nos empresários, pastores, líderes partidários e gurus que integram esse círculo. Cada vez é mais difícil participar disso. Sérgio Moro que o diga.

Se a demissão de Abraham Weintraub do MEC é para restabelecer pontes do governo com o Supremo – ou “baixar a bola”, como dizia Mourão –, é tarde demais. Até porque a bola não está mais só no STF. O pedido para quebrar o sigilo bancário de parte da bancada bolsonarista foi da PGR. A decisão de prender Queiroz foi da Justiça do Rio.

Militares da ativa e da reserva, juristas renomados e personagens importantes de governos anteriores tentavam articular com ministros do Supremo uma espécie de trégua, encampando uma crítica recorrente de Bolsonaro: “Estão abusando”. Seria então a hora de dar um “refresco”, “um pouco de ar” para Bolsonaro.

Isso não seria exatamente a favor dele – considerado caso perdido –, mas para dar uma satisfação aos militares que estão no bloco dos cansados com o presidente, mas ao mesmo tempo convencidos de que o Supremo e a mídia extrapolam e há uma perseguição contra Bolsonaro. Os fatos, no entanto, se acumulam e mostram que nem há exagero nem perseguição, mas a constatação de que a eleição dele foi um erro. O País está à deriva em meio a uma pandemia devastadora.

Alerta o ex-presidente do STF Ayres Britto: “Numa democracia consolidada, não se pode impedir a imprensa de falar primeiro nem o Judiciário de falar por último”. O presidente e seus apoiadores, arrependidos ou não, precisam entender que não há “abusos” do Supremo. Há decisões com base na Constituição, a defesa implacável da democracia. E não há como dar um “respiro” nem “baixar a bola”, inclusive porque o Supremo é a parte mais visível, mas integra uma sólida resistência a um presidente que nunca assumiu de fato. Mourão está no radar

Queda de Weintraub não ‘baixa a bola’, pois as pontas contra Bolsonaro se juntam rapidamente

     
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
19 de junho de 2020 | 03h00

Caso de polícia

O Brasil deveria aproveitar para refletir por que razão, desde a eclosão do escândalo do mensalão, a política se tornou um permanente caso de polícia

A prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro e amigo há décadas do presidente Jair Bolsonaro, suscita muitas perguntas incômodas que devem ser respondidas o quanto antes, para tranquilidade da Nação.

Queiroz foi preso sob acusação de interferir na coleta de provas no caso em que é investigado por suspeita de participação em esquema de “rachadinha” na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. No esquema, funcionários de Flávio Bolsonaro, então deputado estadual, devolviam parte do salário que recebiam. O dinheiro era depositado numa conta de Queiroz, que fez movimentações bancárias consideradas suspeitas em fiscalização federal – inclusive um depósito de R$ 24 mil na conta da hoje primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Para o Ministério Público, trata-se de uma organização criminosa montada no gabinete de Flávio Bolsonaro.

Desde que o escândalo emergiu, em dezembro de 2018, o presidente e Flávio Bolsonaro, seu filho, dizem que se trata de perseguição política. A reação de Flávio Bolsonaro à prisão de seu antigo assessor segue nessa linha: “Mais uma peça foi movimentada no tabuleiro para atacar Bolsonaro. Em 16 anos como deputado no Rio nunca houve nenhuma vírgula contra mim. Bastou o presidente Bolsonaro se eleger para mudar tudo! O jogo é bruto!”, escreveu o senador numa rede social.

A tese da “perseguição política” pode ser boa para animar os camisas pardas bolsonaristas, assim como até hoje anima a tigrada petista na defesa do chefão Lula da Silva, mas, tanto em um caso como em outro, tem pouca serventia jurídica. É preciso ser um pouco mais objetivo em relação às muitas questões que requerem esclarecimento.

Em primeiro lugar, por que Queiroz estava numa casa do advogado Frederick Wassef, que tem Flávio e Jair Bolsonaro como clientes e grandes amigos? Por que Frederick Wassef disse duas vezes em 2019 que não sabia onde estava Queiroz, embora funcionários da casa onde ele foi encontrado, em Atibaia (SP), tenham informado que o ex-assessor de Flávio Bolsonaro estava lá havia cerca de um ano?

Por que Fabrício Queiroz, malgrado sua extensa folha de serviços prestados aos Bolsonaros e sua canina fidelidade à família, foi exonerado por Flávio Bolsonaro entre o primeiro e o segundo turno das eleições presidenciais de 2018? Segundo o empresário Paulo Marinho, bolsonarista de primeira hora e que hoje é desafeto do presidente, os Bolsonaros ficaram sabendo na época, por intermédio de um informante na Polícia Federal, que as autoridades já estavam cientes das negociatas envolvendo Queiroz.

Também é lícito perguntar por que Queiroz intermediou a contratação, para o gabinete de Flávio Bolsonaro, da mulher e da mãe de um conhecido líder de milícia no Rio, que estava na cadeia. A explicação de que Queiroz o fez em “solidariedade” à família do amigo, “injustamente preso”, é ofensiva à inteligência alheia.

Por fim, mas não menos importante, por que razão, em meio a essas grossas suspeitas, o presidente Bolsonaro se esforçou tanto para trocar a chefia da Polícia Federal no Rio de Janeiro, atropelando até mesmo um de seus mais populares ministros, o ex-juiz Sérgio Moro? Na infame reunião ministerial de 22 de abril, convém lembrar, o presidente, exaltado, informou aos presentes que queria fazer a troca porque não iria esperar que sua família ou amigos fossem prejudicados “de sacanagem”, o que configura indisfarçável interferência política para fins pessoais.

Em resumo, estamos diante de um emaranhado de suspeitas sombrias envolvendo a família do presidente da República e, talvez, o próprio mandatário. Sendo o sr. Jair Bolsonaro um presidente que foi eleito com a retumbante promessa de acabar com a corrupção e a desfaçatez no País, é lícito esperar que ele e seu filho tenham boas explicações para todas essas dúvidas que ora inquietam os brasileiros de bem.

Enquanto aguarda ansioso por esses esclarecimentos, o Brasil deveria aproveitar para refletir por que razão, desde pelo menos 2005, com a eclosão do escândalo do mensalão, a política se tornou um permanente caso de polícia, a despeito de todas as promessas de saneamento. Está mais do que na hora de mudar – sem esperar a vinda de outro messias de quermesse, que anuncia milagres enquanto arruína o País.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
19 de junho de 2020 | 03h00

Ministros do STF avaliam que prisão de Queiroz pode ser a ‘emboscada’ citada por Bolsonaro

Presidente viu ao longo dos últimos dias uma série de determinações da Justiça que miraram apoiadores, parlamentares, empresários e até mesmo o seu núcleo próximo

Depois de intensificar a artilharia contra o Supremo Tribunal Federal (STF), ameaçar não obedecer decisões judiciais e falar na imposição de um “limite”, o presidente Jair Bolsonaro viu ao longo dos últimos dias uma série de determinações da Justiça que miraram apoiadores, parlamentares, empresários e até mesmo o seu núcleo íntimo. A “semana dos infernos”, como está sendo chamada no Palácio do Planalto, começou com a prisão de extremistas do grupo “300 do Brasil”, avançou com a quebra do sigilo bancário de 10 deputados e um senador bolsonaristas, prosseguiu com o aval do Supremo ao inquérito das fake news e culminou com a prisão do ex-assessor Fabrício Queiroz.

Jair Bolsonaro

O presidente Jair Bolsonaro antes de cerimônia de hasteamento da Bandeira neste terça-feira. Foto: Adriano Machado/Reuters

Queiroz foi detido em um imóvel de Frederick Wassef, advogado de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), no âmbito das investigações de um esquema de “rachadinha” no gabinete do filho do presidente da República na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). O caso foi revelado pelo Estadão.

Ministros do STF e de tribunais superiores ouvidos reservadamente pela reportagem avaliam que o conjunto de decisões mostra que as instituições estão funcionando no País, apesar dos ataques estridentes e do discurso dúbio do chefe do Executivo. Na última quarta-feira, Bolsonaro citou o “povo” como escudo para blindar o seu governo, mas depois subiu o tom e comparou o que vem pela frente a uma “emboscada”.

A verdadeira “emboscada”, avaliam magistrados, pode ser a prisão de Queiroz, cujo desdobramento é considerado imprevisível. Uma das especulações nos bastidores é se o ex-assessor poderia aceitar um acordo de colaboração premiada, com potencial de incendiar a República, levar à cassação do mandato de Flávio e dinamitar o governo. Um magistrado, no entanto, aponta que a prática de “rachadinha” (recolhimento de parte do salário de assessores para devolvê-los ao político responsável pelo gabinete) é relativamente comum nas Casas legislativas, mas mesmo assim aposta que o episódio tem potencial para aprofundar o desgaste do clã Bolsonaro.

Estremecimento

As relações entre o Supremo e o Palácio do Planalto se deterioraram após o tribunal impor uma série de reveses ao governo, como a suspensão da nomeação de Alexandre Ramagem – amigo da família Bolsonaro – para a direção-geral da Polícia Federal e o entendimento do plenário da Corte que garantiu a prefeitos e governadores de todo o País autonomia para tomar medidas de isolamento social no enfrentamento à pandemia do novo coronavírus.

Uma das últimas pontes que restam do Planalto com o STF é via Dias Toffoli, presidente da Corte. Segundo o Estadão apurou, Toffoli ficou incomodado com a falta de uma nota oficial de Bolsonaro em repúdio à escalada de manifestações contra a Corte, como os fogos de artifício disparados sobre o STF e as tochas carregadas na Praça dos Três Poderes pelo grupo bolsonarista “300 do Brasil”, liderado pela extremista Sara Giromini, que acabou na cadeia por decisão de Alexandre de Moraes.

Enquanto Bolsonaro se silenciava sobre o assunto, a página oficial do STF divulgava com destaque a mensagem dos ex-presidentes José Sarney, Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer rechaçando os ataques e prestando solidariedade ao tribunal.

O presidente da República acenou com uma trégua ao Supremo ao confirmar a saída de Abraham Weintraub do Ministério da Educação (MEC), um gesto bem recebido pelo tribunal. Ministros avaliam que o desligamento de Weintraub ajuda a distensionar o fogo cruzado, mas criticam a demora de Bolsonaro em anunciar a troca na pasta. Weintraub deixou o tribunal perplexo ao chamar seus integrantes de “vagabundos” e falar em colocá-los na cadeia durante a reunião ministerial de 22 de abril.

“Se tivesse saído logo, o desgaste teria sido menor. A situação se arrastou muito, cada dia uma ladainha, é ruim”, disse ao Estadão o ministro Marco Aurélio Mello, que chegou a pedir publicamente a demissão de Weintraub no mês passado.

Investigações

Em outro revés imposto para o governo, o STF decidiu nesta semana, por 9 a 1, manter Weintraub na mira das investigações que apuram ameaças, ofensas e fake news disparadas contra integrantes da Corte e seus familiares. Em outro julgamento de placar elástico, o tribunal deu aval – por 10 a 1 – ao inquérito, que já fechou o cerco contra o chamado “gabinete do ódio”, grupo de assessores do Palácio do Planalto comandado pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente. A existência do grupo foi revelada pelo Estadão em setembro do ano passado.

Bolsonaro é alvo de inquérito que apura se houve interferência política na Polícia Federal, conforme acusação do ex-ministro Sérgio Moro ao deixar o governo. As suspeitas ressurgiram nesta semana depois de vir à tona que a PF se opôs à realização de uma operação contra bolsonaristas no inquérito que apura a realização de atos antidemocráticos. Em ofício encaminhado ao STF, a delegada Denisse Dias Rosas Ribeiro apontou que o cumprimento das ordens representaria um “risco desnecessário” à “estabilidade das instituições”. A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu o seu afastamento do caso.

Com tantas derrotas acumuladas na arena judicial, as atenções do governo se concentram agora no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde tramitam oito ações que investigam a vitoriosa campanha de Bolsonaro à Presidência da República em 2018. Quatro delas, mais delicadas, tratam de disparo de mensagens em massa pelo WhatsApp, e podem ser “turbinadas” com as provas coletadas no inquérito das fake news.

A avaliação nos bastidores é a de que, caso seja autorizado, o compartilhamento de informações pode dar um novo fôlego às investigações do TSE. O inferno de Bolsonaro ainda não acabou.

Rafael Moraes Moura, O Estado de S.Paulo
19 de junho de 2020 | 17h15