quinta-feira, 11 de junho de 2020

Brasil ultrapassa 40 mil mortes pelo coronavírus, segundo consórcio de veículos de imprensa

Balanço parcial divulgado às 13h desta quinta-feira, 11, aponta ainda que País já tem 787.489 pessoas infectadas e 40.276 óbitos pela covid-19


O Brasil ultrapassou as 40 mil mortes pelo novo coronavírus nesta quinta-feira, 11. Foram 479 novos óbitos nas últimas 12h, totalizando 40.276 vidas perdidas pela covid-19, de acordo com o levantamento conjunto feito pelos veículos de comunicação Estadão, G1, O Globo, Extra, Folha e UOL. Ao todo, o País já tem 787.489 pessoas infectadas.

São Paulo continua como o estado mais afetado pela pandemia e ultrapassa a marca dos 10 mil óbitos pela doença (10.145 mortes e 162.520 casos, no total), enquanto o governo anuncia flexibilização da quarentena e retomada do comércio. Em seguida, estão o Rio de Janeiro (7.138 mortes e 74.373 casos) e o Ceará (4.562 mortes e 73.560 casos). O Brasil segue como o terceiro país do mundo com mais mortos pela covid-19, atrás apenas dos Estados Unidos e do Reino Unido.

Em um mês, Brasil quadruplica número de óbitos por covid e se aproxima de 40 mil vidas perdidas

Madalena Cruz da Silva enxuga as lágrimas perto de sua filha Vera Lucia logo após o enterro de seu filho, Paulo Roberto Cruz da Silva, 47 anos, que morreu da doença por coronavírus (COVID-19), no cemitério São Luiz, em São Paulo.

Madalena Cruz da Silva enxuga as lágrimas perto de sua filha Vera Lucia logo após o enterro de seu filho, Paulo Roberto Cruz da Silva, 47 anos, que morreu da doença por coronavírus 
(COVID-19), no cemitério São Luiz, em São Paulo. Foto: REUTERS / Amanda Perobelli

O balanço de óbitos e casos é resultado da parceria entre os jornalistas dos seis meios de comunicação, que uniram forças para coletar junto às secretarias estaduais de Saúde e divulgar números totais de mortos e contaminados. A iniciativa inédita é uma resposta à decisão do governo Jair Bolsonaro de restringir o acesso a dados sobre a pandemia, o que ocorreu a partir da semana passada.

Com esse consórcio dos veículos de imprensa, o objetivo é informar os brasileiros sobre a evolução da covid-19 no País, cumprindo o papel de dar transparência aos dados públicos. Segundo balanço divulgado pelo Ministério da Saúde no início da noite desta quarta-feira, 10, foram notificados no País em 24 horas novos 1.274 óbitos e 32.913 infectados.
     
Redação, O Estado de S.Paulo
11 de junho de 2020 | 12h57

Brasil, refém das mentiras

Jair Bolsonaro é o aluno mais aplicado de Trump, que não inventou a mentira, mas a tornou normal. Em nenhum outro lugar, inverdades e táticas destrutivas da extrema direita encontram terreno tão fértil quanto no Brasil.

Brasilien | Coronavirus | Protest gegen Präsident Bolsonaro (Getty Images/A. Anholete)

Protesto contra Bolsonaro em Brasília ( Getty Images/A. Anholete)

O Brasil foi apanhado numa teia de mentiras. Frequentemente, elas são chamadas de "fake news". Mas o termo obscurece o seu poder destrutivo. Elas minam a coesão social, criam conflitos, brigas e incertezas. É isso que o bolsonarismo quer. Ele vive do conflito, é o seu combustível. Sem conflitos, ficaria parado.

Tudo começou com Donald Trump. Ele não inventou a mentira, mas a tornou normal. Para ele, a verdade não é um valor em si, só interessa o que é útil. Hoje, isso pode significar que 1 + 1 = 2. Mas se Trump quiser, ele dirá amanhã que o resultado é 3. Haverá pessoas que o defenderão, claro. A emissora Fox News indagará se pode haver algo de verdade nisso, e os apresentadores falarão de "fatos alternativos".

O aluno mais aplicado de Trump é Jair Bolsonaro. E no Brasil, o resultado não seria diferente. Na CNN Brasil ocorreria um debate em que um comentarista jovem e eloquente argumentaria que não se pode excluir que 1 + 1 fosse 3 – e que a esquerda teria tido a hegemonia sobre esse discurso por tempo demais. A milícia digital de Bolsonaro, formada por blogueiros, youtubers e operadores de portais de notícias, inundaria a internet em pouco tempo com centenas de vídeos, fotos, textos e estudos "científicos" que mostrariam claramente que 3 é a resposta certa.

Pode parecer um exagero, mas o Brasil não está longe dessa situação. O governo brasileiro omite o número de mortos por covid-19 e divulga suas próprias informações alternativas. O presidente Bolsonaro inclusive prometeu a uma mulher uma reunião no Ministério da Saúde para que ela exalte o alho cru como cura para covid-19. Ela disse ter recebido a sua visão de Deus. Não se pode descartar até que Bolsonaro fará dessa mulher a nova ministra da Saúde. Damares Alves e Abraham Weintraub também são ministros. Estou convencido que, exatamente para pessoas como eles, o matemático britânico Bertrand Russell escreveu sua famosa frase: "O problema do mundo é que os inteligentes estão cheios de dúvidas, e os idiotas estão cheios de certezas."

Talvez haja leitores que riam agora. Mas a luta da neodireita contra a verdade e a ciência tem realmente algo diabólico. Ela torna a comunicação impossível. Como uma sociedade pode encontrar respostas para problemas sérios se existem pessoas que afirmam que os problemas nem existem?

Imagine um vilarejo onde irrompe um surto de cólera. Em vez de garantir que as pessoas obedeçam as regras de higiene e tenham acesso à água limpa, o líder local afirma que se trata apenas de uma diarreia, dizendo que pessoas más estão espalhando a "mentira da cólera" para prejudicá-lo. Ele não só impede uma resposta racional, como divide a comunidade. No final, todo mundo sai perdendo.

A extrema direita usa essa tática em quase todos os temas atuais, seja na mudança climática, na covid-19, no racismo ou no desmatamento da Floresta Amazônica. Ela afirma que nada disso existe ou que se trata de um exagero. Ela semeia a dúvida. E usa as possibilidades da internet engenhosamente para se inflar e parecer muito maior. A plataforma Bot Sentinel identifica contas falsas no Twitter. "Identifiquei 824 tuítes mencionando #FechadocomBolsonaro que foram tuitados por contas não autênticas." São dezenas de alertas desse tipo que a plataforma reporta quase todos os dias.

Não é exagero afirmar que a extrema direita tenta destruir os fundamentos do conhecimento. Eles são uma das garantias de estabilidade nas sociedades liberais e esclarecidas. Mas para a direita bolsonarista não deve haver mais consenso sobre nada, nem mesmo que a Terra é redonda. Tudo serve de combustível para teorias da conspiração. O resultado é uma incerteza extrema e generalizada – que facilita a manipulação. "Nós temos é que desconstruir muita coisa. Desfazer muita coisa. Para depois nós começarmos a fazer", disse Jair Bolsonaro em março de 2019, nos Estados Unidos. Para mim era uma das frases chaves e mais assustadores do projeto bolsonarista. Hoje vemos o resultado na Saúde, na Educação, na Amazônia e na Cultura. Nos escombros do antigo, surge então o sonho extremista de direita: uma sociedade militarizada e uniformizada, na qual existem apenas homens e mulheres heterossexuais, bem como cidadãos sem identidades como negros, indígenas, sem-terra, ribeirinhos. Todos impelem a economia disciplinadamente e saúdam a bandeira.

Em nenhum outro lugar, essa tática de destruição é tão bem-sucedida até hoje quanto no Brasil. Em nenhum outro lugar, as mentiras da direita encontram terreno mais fértil. Em 2019, a Universidade Northwestern, em Illinois, constatou que 62% dos brasileiros se deixam frequentemente enganar por mentiras que circulam na internet. Uma investigação realizada pela plataforma Avaaz mostrou neste ano que 72% acreditam em pelo menos uma notícia falsa sobre a covid-19.

Algumas semanas atrás, um dos apoiadores do presidente expressou no Twitter a relação entre o bolsonarismo e a verdade. Escreveu: "Pelo meu direito de falar o que quiser, de ofender quem eu quiser, de mentir, se eu quiser, de falar coisas idiotas ou absurdas."

O direito à liberdade de expressão não é visto por esse homem como um bem valioso aliado a uma responsabilidade. Para ele, trata-se do direito de mentir. No seu perfil, o homem se descreve como "conservador, empresário, casado, cristão reformado e amante da liberdade." Ninguém quer de bom grado ser parente ou amigo de alguém assim. Mas são pessoas como ele que estão dando o tom no Brasil atualmente.

Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, ele colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais na Alemanha, Suíça e Austria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.

Fonte: Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas. 

Colocar Forças Armadas "no varejo da política" é desserviço, diz Barroso

"É simplesmente absurda a crença de que a Constituição legitima o descumprimento de decisões judiciais por determinação das Forças Armadas. Significa ignorar valores e princípios básicos da teoria constitucional. Algo assim como um terraplanismo constitucional"

"Não há dúvida acerca do alcance do artigo 142 da Constituição Federal, ou omissão sobre o nobre papel das Forças Armadas na ordem constitucional brasileira". Com esse entendimento, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, negou andamento a uma ação que pedia à corte adequação do artigo em eventual risco à democracia. A decisão é desta quarta-feira (10/6).


Ministro Roberto Barroso ressaltou papel constitucional das Forças Armadas desde a promulgação da Constituição de 1988 (Foto de Nelson Jr./STF)

O mandado de injunção foi ajuizado para pedir que Supremo explicite como funcionaria a convocação e atuação das Forças Armadas por algum dos poderes.

Ao analisar o pedido, Barroso considerou que a ação surge em um momento de especulação sobre um pretenso poder moderador atribuído pelo dispositivo às Forças Armadas.

No entanto, afirmou que nenhum elemento de interpretação autoriza dar esse sentido. De acordo com o ministro, o fato de o presidente da República ser o chefe das Forças Armadas não significa que elas órgãos de governo, mas sim instituições de Estado, que devem ser neutras e imparciais.

O ministro frisou ainda que as Forças Armadas vem exercendo "papel constitucional exemplar" nos 30 anos de democracia no Brasil. Para ele, "presta um desserviço ao país quem procura atirá-las no varejo da política".

"É simplesmente absurda a crença de que a Constituição legitima o descumprimento de decisões judiciais por determinação das Forças Armadas. Significa ignorar valores e princípios básicos da teoria constitucional. Algo assim como um terraplanismo constitucional", criticou.

Por Fernanda Valente, do Consultor Jurídico. 

( Veja a íntegra da Decisão do Ministro Luiz Roberto Barroso em https://www.conjur.com.br/2020-jun-10/colocar-forcas-armadas-varejo-politica-desservico ).

Os militares no governo

Eventual saída não seria traumática. O presidente Jair Bolsonaro, sozinho, desestabiliza o próprio governo

As Forças Armadas têm cumprido exemplarmente o seu papel constitucional na Nova República. Isso deve ficar claro logo de início para dissipar quaisquer nuvens carregadas de suspeição que porventura pairem sobre o Exército, a Marinha e a Aeronáutica quanto às infundadas inclinações golpistas que estariam, na imaginação de alguns, alvoroçando os quartéis. Com tenacidade e disciplina, os militares trabalharam durante 35 anos para reconquistar o respeito e a admiração da esmagadora maioria do povo brasileiro. E se saíram muito bem na missão. Durante o período de atuação no regime democrático, bem mais longo do que os 21 anos de ditadura militar no País, as Forças Armadas mostraram inabalável reverência à Constituição, restringindo sua presença na vida nacional às situações previstas na Lei Maior, nem um passo além. E nessas três décadas e meia desde o fim da ditadura não foram poucos os testes de resistência aos quais a jovem democracia brasileira foi submetida.

Por circunstâncias históricas – e que dificilmente se repetirão –, a eleição de 2018 pode ser considerada uma eleição disruptiva. O Brasil, como outros países, passava por uma profunda crise de representação política. A sociedade, esgotada pelo sequestro do Estado por uma súcia de maus políticos, foi às urnas em busca de candidatos identificados com a depuração do trato da coisa pública, com uma nova forma de atuar na política, que nada mais era, a bem da verdade, do que o resgate de valores republicanos como a liberdade, a igualdade de todos perante a lei e a impessoalidade na administração pública.

Embora não fosse um neófito em política, um outsider, como tentou parecer e conseguiu, Jair Bolsonaro chegou à Presidência da República, mas absolutamente desprovido de um plano de governo. A rigor, para além das platitudes e dos slogans vazios de sentido, o presidente não tinha e não tem sequer uma visão difusa do País que deseja construir. Seus 28 anos na Câmara dos Deputados não serviram para educá-lo sobre nossas renitentes mazelas e possíveis caminhos para superá-las. Não seria exagero dizer, portanto, que, em que pesem outros fatores que contribuíram decisivamente para a sua eleição, o sucesso de um candidato tão despreparado para o elevado cargo que ocupa se deve, em boa medida, à ligação que Jair Bolsonaro conseguiu estabelecer entre a sua triste figura e a reputação das Forças Armadas. Por sua vez, muitos militares viram no então candidato Jair Bolsonaro a melhor opção naquela encruzilhada de nossa história.

Mas, se fazia algum sentido o apoio a Bolsonaro no pleito de 2018, é de estranhar a permanência de militares da ativa e da reserva em cargos do governo federal, passado um ano e meio de mandato, tempo mais do que suficiente para o presidente mostrar quem, de fato, ele é.

Jair Bolsonaro jamais comandou tropa e saiu do Exército em desonra. Personifica valores e comportamentos diametralmente opostos aos dos militares, como decoro, disciplina, respeito às instituições republicanas e reverência à Constituição.

No início do governo, costumava-se dizer que os militares no Palácio do Planalto representariam uma espécie de muro de contenção aos arroubos autoritários e antirrepublicanos de Bolsonaro. Eles seriam os garantidores inequívocos do respeito e da confiança que as Forças Armadas inspiram. Mas não é o que tem ocorrido. O presidente é firmemente refratário a qualquer tipo de aconselhamento que não vá ao encontro de suas próprias convicções. Então, que bem pode fazer às Forças Armadas, especialmente aos militares palacianos, seguir ligadas formalmente a um presidente que conspira diariamente contra os valores da democracia e da liberdade?

A eventual saída desses militares do governo não seria traumática, como muitos imaginam, e não teria o propósito de desestabilizá-lo, até porque o próprio presidente já se mostra inigualável nessa tarefa. Prestar-se-ia a preservar a imagem das Forças Armadas, a referência moral que representam para milhões de brasileiros. O País tem muito a ganhar se este valor inestimável não for dilapidado.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
11 de junho de 2020 

quarta-feira, 10 de junho de 2020

A pior crise do Brasil é Jair Bolsonaro

Mais maligno que pandemia, recessão e desgoverno, juntos, é o presidente.
   
Intriga o sentido da expressão “tempestade perfeita”, que poderia ser confundida com calmaria. Mas é o inverso do que a ideia da perfeição sugere: a conjunção dos efeitos perversos de temporais coincidentes, como no descontrole do contágio do novo coronavírus provocando uma crise sanitária inusitada, o início e o agravamento da perspectiva da mais profunda recessão econômica de nossa História e a incapacidade de gestão estatal. A cereja do bolo de veneno é a ocupação do mais elevado poder republicano por um cidadão perverso, paranoico, paleolítico e cujo cérebro paira entre ignorância total e insanidade mental.

O Brasil repete-se na perda constante das oportunidades oferecidas pela conjuntura internacional. A pandemia de covid-19 exacerba essa característica de um país que não se livrou do estigma da escravidão como meio de produção. O vírus velocíssimo e até agora indestrutível, egresso do Extremo Oriente, tornou-se planetário ao devastar vidas e poupanças do continente europeu. O fato de o País estar sob a linha do Equador nos permitiu tomar conhecimento de sucesso e insucesso no combate à praga. Mas não dispomos de testes para seguir o exemplo da Coreia do Sul e até hoje não temos a mínima ideia matemática da velocidade da transmissão e da letalidade da nova doença. No fim da semana passada, a incontinência verbal de um bilionário sem juízo nos livrou de sua decisão de nossa retirada do competitivo mercado de respiradores mecânicos para evitar o colapso do sistema da saúde. Até agora evitado pela eficiência do Sistema Único de Saúde (SUS), o patinho feio de nosso horrendo serviço público.

A existência rara de fina inteligência no governo federal premiou nossa Pátria desleixada com a raridade de um ministro de Saúde, Luiz Henrique Mandetta, reunindo credibilidade e popularidade para evitar que as deficiências estruturais e a indigência intelectual de nossas elites reduzissem a índices intoleráveis infecção e letalidade de uma doença que desafia os mais privilegiados cientistas da humanidade. Mas o chefe do Executivo, eleito por 57 milhões, 796 mil e 986 votantes no segundo turno, submeteu-o a humilhações e o demitiu por inveja e paranoia. O primeiro absurdo, demissão do ministro da Saúde em plena subida do contágio do vírus, foi repetido na demissão do segundo, Nelson Teich, em menos de um mês. E por motivo ainda mais fútil: a insubmissão à prescrição de uma panaceia particular, a cloroquina, repetindo o que, como parlamentar, fizera antes com outra picaretagem, a “pílula do câncer”.

Empenhado em fazer valer maluquices de um pornógrafo de rede social e de financiadores de disparos de fake news, Jair Bolsonaro escoiceou ciências médicas e lógica plana ao trocar a coordenação do combate ao microrganismo por uma surrealista dicotomia inexistente entre vidas e negócios. Essa sandice apavorante levou ao comando da guerra virológica Eduardo Pazuello, general da intendência (que, segundo Napoleão Bonaparte, “segue” as tropas, não as lidera), com deficiente compreensão de biologia elementar, como a posição do coração no corpo. E conseguiu superar a própria incapacidade de entendimento básico de administração pública ao nomear para a secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos do ministério Carlos Wizard, bilionário irresponsável que, disposto a impor sua fé criacionista, anunciou a suspensão da compra de respiradores, um crime. E insultou a inteligência da Nação e a honra dos secretários estaduais de Saúde, anunciando a adulteração das estatísticas de casos e óbitos de covid-19 e adicionando um delito de responsabilidade ao rosário de penas do presidente da República e do roliço intendente da Saúde.

A melhor frase sobre essa rematada demência é da lavra do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ): “Um ministério que tortura números cria um mundo paralelo para não enfrentar a realidade dos fatos”. Os atos antibolsonaristas de domingo, desafiando recomendações sanitárias, cumpriram, porém, o papel essencial de mostrar que a seita nazibolsolulofascista, criacionista, terraplanista, “ignorantista” e assassina não é dona das ruas. Mas este não é mais momento de meras belas palavras. A Pátria precisa que mandatários do poder em nome do povo assumam seu dever de atirar o capitão à procela imperfeitíssima no mar, adotando a visão profética do poeta Alberto da Cunha Mello: “A tempestade desse barco é seu próprio comandante”.

A ordem constitucional vigente, da qual a democracia não pode abrir mão, mesmo ante a perspectiva atroz de um golpe policial-militar de milícias populares chavistoides anunciadas por Jair Messias na reunião de porão de Máfia de Chicago durante a lei seca, não tem como repetir a solução de 1919. Na República Velha, Delfim Moreira, o vice psicopata do presidente reeleito morto (Rodrigues Alves), foi isolado sob a regência de Afrânio Mello Franco até a chegada de Epitácio Pessoa, que derrotou Ruy Barbosa na eleição presidencial a bico de pena. Mas coragem e lucidez poderão achar o correto caminho legal para expurgar o capitão tempestade.

José Nêumanne, o autor deste artigo, é Jornalista, Poeta e Escritor. Publicado originalmente pelo O Estado de S.Paulo, edição de 10 de junho de 2020.

O homem da coragem errada

A palavra insincera cumpre a função de abolir a relação com a realidade que incomoda

A qualidade de governante não se adquire sem fundamento, especialmente se o rolo compressor que brota de individualidade exacerbada é safra diária de disparates absurdos.

A combinação de coragem errada com circunstância ruim é um desastre. Abrir a boca para berrar só piora se a educação é nota de rodapé e o texto principal, palavrão. A agressividade nele é um método cujas ameaças são um ardil.

Sempre foi admitido no círculo das instituições mesmo quando as criticava sem pudor. Sua lógica é parecer fora dos costumes desde que foi inocentado no STM por desonra de conduta e nunca punido pelas injúrias e pelos desacatos como deputado. Duas escolas que tiraram dele a noção de castigo. Percebeu que a verdade é diminuída em valor quando a autoridade, civil e militar, de direita ou esquerda, está bem confortável em seu cargo e disposta a acreditar no que for.

Obtendo sucesso como um fora da ordem se envolveu em ações inimagináveis, bem abaixo do padrão de um país que fala tanto em Estado Democrático de Direito. E constatou que os fatos, vindos dele, não valem como prova. Bingo. Beneficiado pela simbiose dos radicais – um pacto entre espalha-brasas cujos extremos se alimentam –, livrou-se do confronto adulto e informado, o único que pode realmente detê-lo. Pôs em prática a ideia de que o medo ativa o inimigo. E decidiu que amigo é quem embarca na aventura destrutiva em que vive.

Uma boa maneira de conhecer a vida dos homens é observar o tom de voz e a frequência das palavras que usa. A palavra insincera cumpre a função de abolir a relação com a realidade que incomoda. Escorre e arrasta a culpa para longe da consciência que a utiliza. Deposita no outro a responsabilidade que não assume.

Ele está levando uma surra dos estereótipos que cultiva. Esqueceu-se de que na última eleição para presidir a Câmara teve quatro votos. Nem o filho votou. Mas como caiu para cima, sem nenhum atributo de liderança, mantém a astúcia: ser hostil à divergência de opinião é a principal característica do sucesso político há mais de 30 anos.

A reunião não seria jocosa mesmo se a veneziana continuasse fechada e o creia-em-mim não fosse tão paranoico. Já são 16 as vezes que a palavra-espetáculo que mais o excita é a referência ao sêmen usada como ponto final da frase. Um verdadeiro doping vocabular: não haverá outro dia igual a ontem; eu sou a Constituição; não respondo a ninguém que queira me julgar; não cedo ao Estado meu poder. Somado a essa mania de distorcer tudo, fazer gato-sapato da história dos judeus e misturar Confúcio com ignorância.

O sujeito cindido e espaçoso é assombrado. Meios-tons na economia, strip-tease na política, desprezo por doentes, apartheid social-ambiental rebaixando o perfil internacional do País. Jogador treinado no ringue parlamentar, usa o baralho sem conhecer todas as cartas e ameaça com recursos de poder que não possui.

Mas joga a isca. Anunciar, sem ser contestado, que tem seus tontons macoutes voluntários e ativos é de rir sem alegria. Ai de ti, SNI. A ameaça sem dubiedade às instituições Supremo, Congresso, mídia lembra “acorda, amor. É a dura, numa muito escura viatura”.

Os serviços de inteligência estão totalmente atomizados e acabam operando uns contra os outros. Não servem nem para antecipação de decisão, nem para contrainformação. Ao invés de o Estado organizar sua sinergia para proteger o País, o presidente usa os buracos na doutrina de segurança e defesa para fazê-la mais vulnerável.

Interessante é saber de onde vem esse desejo de desobedecer. Com as críticas do ministro da Justiça soubemos como se concilia o sistema de Justiça com a ideia de que “lei errada não se cumpre”. O crime organizado gosta da confusão criada por presidente que prega não ter medo da ameaça legal.

Refém do temperamento bilioso, coloca, cuidadosamente, a mão suja na mão de quem lhe estende a mão, assinando a culpabilidade de um Estado que zomba da doença e da morte. Quanto ao resto, quem quiser ver algo melhor que veja. Na eleição desanca o Parlamento, no governo confirma o ditado: quem não tem cão caça como gato.

Domingos imorais. Quando a pata do animal escavou o asfalto em busca de um ponto de apoio o arreio afrouxou e ele caiu do cavalo dias depois ao escorregar em outro Estado. Foram cinco voltas inúteis num Super Puma, porta aberta, pondo todos em risco. Se fosse bombeiro não se exibia, nem pisava na mangueira.

A combustão alimenta o paradoxo. A cada hora finge ir ao máximo nas palavras por imaginar que no grito tira a vantagem de quem o ameaça. As aversões ocultas, as dificuldades de apego, a falta de altruísmo e empatia não caracterizam nosso Estado. Governante que induz a população, durante pandemia, a desprezar os riscos de adoecer e morrer pode terminar em tribunal de reparação.

Mantida ativa a sementeira o grão se multiplica em cem, desatarraxa a sociedade e atrela a democracia a um alfinete. Destravar a granada é enquadrar seu impulso de guerra na sabedoria de buscar a paz obrigatória, dever de quem governa.

Paulo Delgado, o autor deste artigo, é sociólogo. Publicado originalmente em O Estado de S.Paulo, edição de 10 de junho de 2020 | 03h00

A ‘dubiedade’ do presidente

A manutenção do regime plenamente democrático depende fundamentalmente da defesa clara de suas instituições contra os ataques dos liberticidas

     


O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, disse que “algumas atitudes” do presidente Jair Bolsonaro “têm trazido uma certa dubiedade, e essa dubiedade impressiona e assusta a sociedade brasileira”. O ministro enfatizou que Bolsonaro e o vice-presidente Hamilton Mourão “juraram defender a Constituição e são democratas”, e que “chegaram ao poder pela democracia e merecem nosso respeito”. Contudo - enfatizando que falava “em especial” do presidente Bolsonaro, com quem dialoga e tem, em suas palavras, “uma relação harmoniosa” -, declarou que “não é mais possível” ter “atitudes dúbias” em relação à democracia.

Isto é, a manutenção do regime plenamente democrático depende fundamentalmente da defesa clara de suas instituições contra os ataques dos liberticidas - como tem acontecido com frequência preocupante nos últimos tempos por parte dos camisas pardas que idolatram Bolsonaro, sem que o presidente da República os censure de nenhuma maneira. Ao contrário, Bolsonaro, enquanto diz respeitar a democracia e os demais Poderes, confraterniza com quem advoga às escâncaras o fechamento do Supremo e do Congresso e demoniza a oposição.

É essa “dubiedade” que, de fato, como disse o ministro Toffoli, “impressiona e assusta a sociedade brasileira”. Não é possível se dizer um democrata e, ao mesmo tempo, atacar a imprensa dia e noite, avisar que não cumprirá alguma decisão judicial e estimular movimentos golpistas, como fez e faz Bolsonaro. Também nada há de democrático quando um presidente diz que “o grande problema do momento” são as manifestações pacíficas contrárias a seu governo, cujos participantes Bolsonaro, sem qualquer amparo na lei e no bom senso, já qualificou como “terroristas”. Segundo o presidente, “estão começando a colocar as mangas de fora”.

À parte o fato estarrecedor de o chefe do Executivo considerar o “grande problema do momento” algumas passeatas de opositores, em vez da pandemia de covid-19, essas declarações explicitam mais uma vez sua rematada incapacidade de entender o que é e como funciona uma democracia.

Para Bolsonaro, a democracia e suas instituições atrapalham seu governo. Manifestações de rua, por exemplo, não são expressão legítima de descontentamento, e sim, segundo ele, sabotagem por parte dos que “não aceitaram perder no voto as eleições de 2018”. Além disso, na concepção bolsonarista, o Supremo tem se intrometido indevidamente no trabalho do presidente - seja ao suspender a nomeação de um seu amigo para chefiar a Polícia Federal, por evidente desvio de finalidade; seja ao impedi-lo de determinar unilateralmente a reabertura de comércio e de serviços nos Estados e municípios, pois tal decisão feriria o princípio federativo; seja ao ordenar que o Ministério da Saúde volte a divulgar os números completos da pandemia, sem qualquer manipulação e omissão, de acordo com o princípio constitucional da publicidade da administração pública.

Pouco importa que nesses como em outros casos as decisões do Supremo tenham seguido estritamente a Constituição. Para Bolsonaro, os ministros do STF usurpam seu poder e o impedem de governar. Talvez seja por esse motivo que o presidente tenha dito que tudo vai melhorar em seu governo quando ele mudar a composição do Supremo. “Eu vou indicar o primeiro ministro do Supremo agora em novembro. O primeiro. Vai arrumando as coisas devagar aqui”, declarou.

Ou seja, a expectativa de Bolsonaro é que um ou dois ministros indicados por ele, num colegiado de 11, seja o suficiente para fazer o Supremo dobrar-se às suas vontades. Além de revelar profunda ignorância de como funciona o Supremo, tal raciocínio explicita o desejo bolsonarista de domesticar o Judiciário, fazendo-o trabalhar a favor de seu projeto autoritário de poder - exatamente como fez o ditador venezuelano Hugo Chávez.

Como destacou o ministro Toffoli em seu discurso, a estabilidade democrática do País se deve em grande parte à autonomia e à independência das instituições: “Seguiremos vigilantes em relação a qualquer forma de ataque ou ameaça ao Poder Judiciário, ao Supremo Tribunal Federal e às instituições democráticas deste país”. É o que esperam os cidadãos brasileiros que amam a liberdade.

Editorial / O Estado de S.Paulo, O Estado de S.Paulo
10 de junho de 2020 | 03h00



Relator Edson Fachin vota no STF pela validade do inquérito das fake news; julgamento é suspenso

Ministros julgam pedido do partido Rede, que questionou o inquérito no ano passado, mas no último dia 29 quis retirar a ação. Fachin recusou o pedido e remeteu o caso para o plenário.

Para o ministro, “atentar contra um dos poderes, incitando a seu fechamento, incitando a morte, incitando a prisão de seus membros, incitando a desobediência a seus atos, ao vazamento de informações sigilosas, não são manifestações protegidas pela liberdade de expressão na Constituição da República Federativa do Brasil. Não há direito no abuso de direito.”

Foto: (Reprodução/TV Justiça)

“O antídoto à intolerância é a legalidade democrática. É preciso precatar-se para que a dose do remédio não o torne um veneno. O dissenso é inerente à democracia. O dissenso intolerável pela Constituição é justamente aquele que visa impôr com violência um suposto dissenso”, complementou.

O ministro Edson Fachin votou nesta quarta-feira (10) a favor da validade do chamado "inquérito das fake news", que investiga ameaças a ministros no Supremo Tribunal Federal (STF) e a disseminação de conteúdo falso na internet. Após o voto de Fachin, relator do caso, o julgamento foi suspenso e será retomado na próxima quarta (17).

O inquérito foi instaurado no ano passado sem pedido da Procuradoria Geral da República – o presidente do STF, Dias Toffoli, abriu a investigação "de ofício" e nomeou o ministro Alexandre de Moraes como relator. A investigação foi questionada em ação movida pelo partido Rede Sustentabilidade. Na ocasião, o partido argumentou que o inquérito tinha sido instaurado sem alvos determinados e que teria como suspeitos “servidores da Receita que investigavam pessoas politicamente expostas e congressistas”.

No último dia 29, a Rede quis desistir da ação e pediu a extinção do processo, sob o argumento de que houve “uma espécie de escalada autoritária por parte de alguns mandatários”, o que passaria a justificar a manutenção da inquérito. Segundo o partido, a investigação evidenciou o "mal das fake news" e "tem se mostrado um dos principais instrumentos da democracia". Mas o ministro Edson Fachin negou o pedido.

Com a decisão, Fachin remeteu o caso ao plenário do Supremo, e o julgamento se iniciou nesta quarta.

Após manifestações da Advocacia-Geral da União (AGU), da Procuradoria Geral da República (PGR) e do voto do próprio Fachin, a sessão se encerrou e será retomada na próxima quarta (17), com os votos dos demais dez ministros.

STF começa a julgar validade do inquérito das fake news
STF começa a julgar validade do inquérito das fake news

O voto do relator
Em seu voto, o ministro Edson Fachin afirmou que o regimento interno da Corte permite a criação desse tipo de inquérito e que “o STF não pode ir além, mas não pode ser impelido a ficar aquém”.

O ministro afirmou que o inquérito deve continuar desde que:

seja acompanhado pelo Ministério Público;

seja integralmente observada a Súmula Vinculante 14 da Corte, ou seja, que os advogados tenham acesso aos autos;

seja delimitado à investigação do risco efetivo à independência do Poder Judiciário, pela via da ameaça a seus membros, assim como aos poderes instituídos, ao estado de direito e à democracia;

observe a proteção da liberdade de expressão e de imprensa nos termos da Constituição, excluindo do escopo do inquérito matérias jornalísticas e postagens, compartilhamentos ou outras manifestações (inclusive pessoais) na internet, feitas anonimamente ou não, desde que não integrem esquemas de financiamento e divulgação em massa nas redes sociais.

Para o ministro, o inquérito deve ter objeto delimitado ao “risco efetivo à independência do Poder Judiciário, pela via da ameaça a seus membros, assim como aos poderes instituídos, ao estado de direito e à democracia”.

Para o ministro, “atentar contra um dos poderes, incitando a seu fechamento, incitando a morte, incitando a prisão de seus membros, incitando a desobediência a seus atos, ao vazamento de informações sigilosas, não são manifestações protegidas pela liberdade de expressão na Constituição da República Federativa do Brasil. Não há direito no abuso de direito.”

“O antídoto à intolerância é a legalidade democrática. É preciso precatar-se para que a dose do remédio não o torne um veneno. O dissenso é inerente à democracia. O dissenso intolerável pela Constituição é justamente aquele que visa impôr com violência um suposto dissenso”, complementou.

Fachin defendeu que são “inadmissíveis” as defesas da ditadura, do fechamento do Congresso e do Supremo. “Não há liberdade de expressão que ampare a defesa desses atos. Quem quer que os pratique precisa saber que enfrentará a justiça constitucional de seu país, que esse STF não os tolerará.”

O ministro disse ainda que “não há ordem democrática sem respeito a decisões judiciais” e não há norma que autoriza poder ou instituição a ter palavra sobre a Constituição, que cabe ao Poder Judiciário. “A espada sem a Justiça é o arbítrio.”

Segundo o ministro, o inquérito surge de forma “atípica, excepcional” e é justificável diante da inércia de outros órgãos. E que os crimes, cometidos por meio da internet, permitem estender o conceito da sede do tribunal. O inquérito foi criticado porque abarcou crimes supostamente cometidos em vários estados. Segundo Fachin, como são crimes virtuais, é possível estender a jurisdição do STF sobre todo o território nacional. Pela lei penal, o tribunal competente seria o de onde o crime foi consumado. Para o ministro, esses crimes são consumados no próprio STF.

Ao final do voto, o ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news, pediu a palavra para afirmar que, logo que deu início ao inquérito, deu vista à Procuradoria Geral da República e encaminhou as peças e novas decisões, em especial, aos advogados que tiveram acesso aos autos. E o mesmo ocorreu com o novo procurador, Augusto Aras.

“A participação da PGR é relevantíssima, e participou e vem participando”, completou.

Fachin também defendeu que o inquérito não precisa ser livremente sorteado entre os ministros.

Inquérito

No julgamento, os ministros devem decidir se o inquérito tem validade e, por exemplo, até que ponto exige a participação do Ministério Público. A tendência é que os ministros validem o inquérito, com alguns ajustes.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, chegou a pedir a suspensão da investigação, argumentando ter sido surpreendido pela operação da Polícia Federal, no dia 27, que cumpriu mandados de busca e apreensão no inquérito. Foram alvos da operação aliados do presidente Jair Bolsonaro. Todos negam irregularidade.

O Planalto quer o fim das investigações por temer que os fatos apurados se aproximem do núcleo familiar de Bolsonaro, com poder no chamado gabinete do ódio. Também há preocupação com o reflexo da investigação nas ações que pedem a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Outro ponto questionado seria a falta de um objeto único de investigações. O inquérito chegou a ser apelidado de “inquérito do fim do mundo”.

O inquérito também foi criticado por ter sido aberto "de ofício", isto é, sem ter sido provocado por instituições como a PF ou o Ministério Público; pela designação de um relator sem sorteio, o ministro Alexandre de Moraes; e pelo fato de que os suspeitos não têm foro no STF, mas, sim, as vítimas – neste caso, os próprios ministros da Corte.

AGU e PGR

No julgamento, a AGU e PGR defenderam a validade do inquérito, mas com balizas, ou seja, com a definição de alguns limites para que seja considerado válido.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou que os ministros devem “dar balizas para preservar eventuais atos de diligências investigativas”, garantindo a participação do Ministério Público.

Segundo Aras, a PGR não pretende acabar com o inquérito. Ele afirmou que o pedido de suspensão feito pelo órgão não foi para “obstar”.

“Nós concordamos com o inquérito porque nós queremos ter o direito de participar, sobre atos e diligências previamente”, afirmou.

Para o procurador-geral da República, “o fenômeno maligno das fake news não se resume aos blogueiros ou às redes sociais”.

“Temos que ter hoje mais cuidado na leitura das notícias para fazermos um filtro fino para encontrar o mínimo de plausibilidade em relação a essa campanha de fake news que não guarda limites de nenhuma natureza. E o pior, que vai estimulando comoções sociais, sustentando pensamentos extremistas, levando a sociedade já desesperada em meio a uma calamidade pública a sentimentos de revolta, incitação e submetidos a reações muito delicadas para nossa democracia”, disse.

Antes, o advogado-geral da União, José Levi, também afirmou que o inquérito deve ter continuidade, e entendeu ser regular a portaria que o criou. Mas disse que a liberdade de expressão deve ser assegurada e não criminalizada, em especial, na internet. “Na democracia, a liberdade de expressão deve ser plena”.

Levi disse que o regimento interno do Supremo permite a criação desse tipo de inquérito. “Essa defesa [do inquérito] não exclui a possibilidade de ponderações”, afirmou.

Segundo o AGU, há dificuldade de se distinguir o que é fake news. Segundo ele, para o aprimoramento da prática democrática, é preciso privilegiar liberdade de expressão e “fontes alternativas e independentes de informação”.

“Isso envolve as liberdades de expressão e da imprensa, pelos meios tradicionais, e também, pelos novos meios eletrônicos que aproximam as pessoas.”

Para o ministro, a escolha do meio adequado de fonte de informação pressupõe nunca privilegiar a censura. Levi disse também que a inviolabilidade parlamentar deve ser respeitada, para não se criminalizar a política, pois é uma forma ampla de liberdade de expressão.

Por Rosanne D'Agostino, G1 — Brasília
10/06/2020 19h55  

Brasil tem 1.300 mortes por coronavírus em 24 horas, revela consórcio de veículos de imprensa; são 39.797 no total

Levantamento feito por jornalistas de G1, O Globo, Extra, Estadão, Folha e UOL junto às secretarias estaduais de Saúde mostra ainda que houve 33.100 novos casos de Covid-19 em um dia; são 775.184 no total.


O Brasil teve 1.300 novas mortes registradas em razão do novo coronavírus nas últimas 24 horas, aponta levantamento feito pelo consórcio de veículos de imprensa junto às secretarias estaduais de Saúde. Com isso, são 39.797 óbitos pela Covid-19 no país até esta quarta-feira (10). Veja os dados, consolidados às 20h:

39.797 mortes ; eram 38.497 até as 20h de terça-feira (9), uma diferença de 1.300 óbitos
775.184 casos confirmados; eram 742.084 até a noite de terça
Os dados foram obtidos após uma parceria inédita entre G1, O Globo, Extra, O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo e UOL, que passaram a trabalhar de forma colaborativa para reunir as informações necessárias nos 26 estados e no Distrito Federal.

O objetivo é que os brasileiros possam saber como está a evolução e o total de óbitos provocados pela Covid-19, além dos números consolidados de casos testados e com resultado positivo para o novo coronavírus.

Parceria

A parceria entre os veículos de comunicação foi feita em resposta à decisão do governo Jair Bolsonaro de restringir o acesso a dados sobre a pandemia de Covid-19. Personalidades do mundo político e jurídico, juntamente com entidades representativas de profissionais e da imprensa, elogiaram a iniciativa.

Mudanças feitas pelo Ministério da Saúde na publicação de seu balanço da pandemia reduziram por alguns dias a quantidade e a qualidade dos dados. Primeiro, o horário de divulgação, que era às 17h na gestão do ministro Luiz Henrique Mandetta (até 17 de abril), passou para as 19h e depois para as 22h. Isso dificultou ou inviabilizou a publicação dos dados em telejornais e veículos impressos. “Acabou matéria no Jornal Nacional”, disse o presidente Jair Bolsonaro, em tom de deboche, ao comentar a mudança.

A segunda alteração foi de caráter qualitativo. O portal no qual o ministério divulga o número de mortos e contaminados foi retirado do ar na noite da última quinta-feira (4). Quando retornou, depois de mais de 19 horas, passou a apresentar apenas informações sobre os casos “novos”, ou seja, registrados no próprio dia. Desapareceram os números consolidados e o histórico da doença desde seu começo. Também foram eliminados do site os links para downloads de dados em formato de tabela, essenciais para análises de pesquisadores e jornalistas, e que alimentavam outras iniciativas de divulgação.

Entre os itens que deixaram de ser publicados estão: curva de casos novos por data de notificação e por semana epidemiológica; casos acumulados por data de notificação e por semana epidemiológica; mortes por data de notificação e por semana epidemiológica; e óbitos acumulados por data de notificação e por semana epidemiológica.

Neste domingo (7), o governo anunciou que voltaria a informar seus balanços sobre a doença. Mas mostrou números conflitantes, divulgados no intervalo de poucas horas.

Nesta quarta (10), o Ministério da Saúde divulgou os dados completos, obedecendo a ordem do STF. Segundo a pasta, houve 1.274 novos óbitos e 32.913 novos casos, somando 39.680 mortes e 772.416 casos desde o começo da pandemia – números menores que os apurados pelo consórcio.

Fonte: G1 / O GLOBO
10/06/2020 20h00 

Brasil supera EUA e Reino Unido e é o primeiro do mundo na média diária de mortes pelo coronavírus

Nos últimos sete dias, o Brasil registrou 7.096 mortes pela covid-19, média de 1.013 por dia, segundo números da Organização Mundial da Saúde

Enquanto governadores de quase todo o Brasil flexibilizam as regras de isolamento, o País registrou nos últimos sete dias a maior média de óbitos provocados pelo novo coronavírus em todo o mundo. Com isso, deixa para trás Estados Unidos e Reino Unido, países que tiveram os maiores números

Em meio a abertura, São Paulo projeta chegar a 265 mil casos de covid-19 até o fim do mês

Na última semana o Brasil registrou 7.197 mortes pela covid-19, média de 1.028 por dia, segundo números da Organização Mundial da Saúde (OMS). Os EUA, que encabeçam a lista de óbitos pela pandemia registrou no mesmo período 5.762 mortes, média de 823 por dia. Já o Reino Unido, que ocupa o segundo lugar na lista de óbitos, contabilizou nos últimos sete dias 1.552 mortes, média de 221 por dia.

O Brasil também bate países onde a curva da doença é ascendente, como o México, que registrou 3.886 mortes por covid19 ena última semana, média de 555 por dia. Para especialistas ouvidos pelo Estadão, o elevado número de mortes é resultado da falta de coordenação nacional das políticas de combate à pandemia e a tendência é de que o quadro piore com as flexibilizações anunciadas pelos governadores e defendidas pelo presidente Jair Bolsonaro.

¨Na verdade, este resultado é fruto do mau manejo da pandemia no país. O Brasil começou bem com o ministro (Luiz Henrique) Mandetta (demitido por Bolsonaro em abril), mas agora está cometendo um erro terrível relaxando as medidas de distanciamento exatamente no momento em que está se aproximando do pico da curva¨, disse o epidemiologista Pedro Hallal, reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

Segundo ele, levantamentos mostram que na última semana o Brasil assumiu a primeira posição global não só em números absolutos como também na média relativa à taxa de óbitos de acordo com a população.

Para o professor de Geografia da Saúde da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Raul Guimarães, o Brasil vai na contramão do mundo ao flexibilizar as medidas de isolamento enquanto a doença ainda cresce em várias regiões do país.

¨O Brasil entrou em um círculo vicioso. Parece que estamos pisando em areia movediça", diz Guimarães. Para ele, o resultado deve ser o alongamento da crise no País, acompanhado de aumento do número de vítimas.

Bolsonaro

Presidente Jair Bolsonaro defende a flexibilização da quarentena para não prejudicar a economia Foto: Adriano Machado/ Reuters

¨Pelos cálculos que a gente fez em maio, com os índices de isolamento ainda altos, o estado de São Paulo chegaria ao teto no final de junho e começaria a cair em agosto, mas o que estamos vendo agora é que vai se estender mais. Ainda não fizemos um novo cálculo, mas a crise deve ir até outubro ou novembro¨, disse Guimarães, que classificou a quarentena realizada no País como ¨meia boca¨.

De acordo com Guimarães, o ritmo atual de propagação da doença aliado ao relaxamento das medidas de distanciamento em várias cidades pode levar o número de mortos a duplicar até o final de julho.¨Isso é exponencial. E o pior é que além de a quarentena ter sido mal feita a retomada também é mal feita, sem monitoramento. A crise vai se arrastar por meses, disse ele.

O prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), anunciou a reabertura do comércio de rua a partir desta quarta-feira, 10, nove dias após o governador João Doria (PSDB) ter anunciado o Plano São Paulo, de retomada gradual das atividades econômicas de acordo com cada região do Estado.

Em cidades que reabriram o comércio de rua, como Campinas, o que se viu foram enormes aglomerações nas regiões comerciais, sem possibilidade alguma de manutenção do distanciamento mínimo para evitar novos contágios.

Bolsonaro minimiza pandemia e tenta ocultar números

Em outra frente, Bolsonaro, depois de tentar ocultar os números da pandemia, foi às redes sociais para explorar uma fala da OMS sobre a possibilidade de não haver contágio do novo coronavírus entre infectados assintomáticos.

Mas nesta terça-feira, 9, OMS informou que não há evidência de que os indivíduos com anticorpos não transmitam a doença. Desde março, Bolsonaro tem minimizado a pandemia: já chamou a covid-19 de "gripezinha", vai a manifestações de apoio ao governo, contrariando orientações médicas, defendeu o fim do isolamento social, e recomendou o uso da cloroquina para pacientes, embora não haja comprovação científica da eficácia do remédio.

Ricardo Galhardo, O Estado de S.Paulo
10 de junho de 2020 | 15h00

Governo Bolsonaro e estatais gastaram quase R$ 1 bilhão em propaganda em 2019

Relator das contas do governo, o ministro do TCU Bruno Dantas recomendou transparência aos gastos com publicidade dos órgãos públicos

Sinais de afrouxamento das regras fiscais podem ser nefastos, diz ministro do TCU
Ministro do TCU sugere meta de endividamento para o governo federal

Contas do governo



O presidente Jair Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes acompanham por videoconferência a sessão do TCU para apreciação das contas do governo. Foto: Isac Nóbrega/PR
O relator das contas do primeiro ano de governo Jair Bolsonaro, o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas, recomendou nesta quarta-feira, 10, que o governo dê transparência aos gastos com publicidade e propaganda dos órgãos públicos, inclusive estatais federais. Só no ano passado, quase R$ 1 bilhão foi desembolsado pelos cinco maiores contratantes do governo, incluindo estatais.   

O próprio ministro Bruno Dantas já proferiu decisão determinando a suspensão de publicidade do Banco do Brasil em sites acusados de publicar informações falsas.

Contas do governo

O presidente Jair Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes acompanham por videoconferência a sessão do TCU para apreciação das contas do governo. Foto: Isac Nóbrega/PR
No ano passado, o Poder Executivo autorizou R$ 524 milhões em Comunicação Social, sendo a maior parte (97%) distribuída entre publicidade de utilidade pública (R$ 283 milhões) e comunicação institucional (R$ 226 milhões) - essa integralmente empenhada pela Presidência da República.

Considerando os cinco maiores contratantes públicos em publicidade (Secom, Banco do Brasil, Caixa, Petrobras e Ministério da Saúde), as despesas ultrapassaram R$ 935 milhões.

O relator citou ainda “possível desvio de finalidade no uso do aparato estatal para perseguir grupos ou personalidades que, no exercício da liberdade de expressão ou de imprensa, estejam supostamente em oposição ao governante”.

“Não podemos nos quedar calados se encontramos fatos que nos indicam algum risco de que os recursos públicos possam estar sendo utilizados para manipular as demais informações que circulam pela sociedade, em especial a veiculada pela imprensa”, disse Dantas.

A recomendação do ministro é para que os gastos com publicidade e propaganda passem a ser objeto de detalhada transparência na internet, em site único e de fácil acesso ao público, contando com informações relativas a todos órgãos públicos contratantes, incluindo empresas estatais, com a segregação da informação em nível de fornecedores e valores pagos mensalmente, mencionando nominalmente todos os favorecidos.

Fantasias arbitrárias

Em meio ao acirramento da tensão entre os poderes e após a ida de Bolsonaro a atos antidemocráticos, Dantas fez um discurso enfático em defesa da democracia e alertou que todas as constituições da República trazem mecanismos “contra eventuais fantasias arbitrárias de algum governante”. Ele disse ainda que não há necessidade de “temer turbulências” porque as reações de sociedades maduras “são sempre na direção da liberdade e contra o absolutismo, o arbítrio e a negação da ciência”.

Na sessão, o ministro lembrou que a corte de contas não surgiu há 129 anos do ideal de Rui Barbosa (patrono do TCU) em criar uma corte de ação intermediária entre a administração e o Legislativo, mas "quando barões, numa época longínqua, numa ilha longínqua da Europa, se ergueram contra a falta de limites do déspota que os governava”.

“A democracia brasileira pode ser jovem, mas seu conceito não é recente e nem é efêmera sua construção. O abalo dos alicerces de nosso Estado de Direito Democrático não é um mero recuo à década de 60 do século passado. É um recuo de oito séculos, ao período medieval”, disse Dantas.

A atuação do TCU tem barrado uma série de atos considerados irregulares do Poder Executivo, incluindo a transferência de recursos do Bolsa Família para a propaganda do governo, como mostrou o Estadão/Broadcast, e o uso de verbas publicitárias do Banco do Brasil para financiar portais que divulgam “fake news”, entre outros casos.


Idiana Tomazelli, O Estado de S.Paulo
10 de junho de 2020 | 14h21

Brasil cai dez posições em ranking mundial de paz


País ocupa agora o 126º lugar entre 163 nações avaliadas no Índice Global da Paz. Mortes violentas e conflitos armados são os indicadores mais graves, mas polarização política também contribuiu para a queda.

Mulher segura vela
   
Mulher segura vela
Brasil teve queda acentuada em nove dos 23 indicadores avaliados pelo relatório

O Brasil caiu dez posições na edição de 2020 do Índice Global da Paz, ocupando agora o 126º lugar entre os 163 países avaliados no ranking. O relatório é elaborado pelo Instituto para a Economia e Paz (IEP), da Austrália, e foi divulgado nesta quarta-feira (10/06).

Segundo o levantamento, o mundo de modo geral se tornou menos pacífico, com uma tendência de aumento nas tensões geradas pelas crises política e econômica, agravadas pela pandemia de covid-19.

O coronavírus é citado pelo estudo como um fator que poderá gerar uma piora na situação da paz mundial, com o aumento da falta de confiança em instituições como a Organização Mundial da Saúde (OMS). A atuação da OMS na pandemia foi fortemente criticada pelo governo dos Estados Unidos, que retirou o país da entidade. O agravamento dos conflitos entre Washington e Pequim também contribui para a insegurança.

Além disso, os impactos da forte crise econômica gerada pela covid-19 devem afetar a cadeia de produção de alimentos e a capacidade dos países em desenvolvimento de se recuperarem da recessão, juntamente a um aumento na instabilidade política que já foi observado nos últimos anos.

"O impacto econômico da covid-19 reforça as tensões fundamentais da década passada: polarização, desemprego e falta de apoio aos líderes políticos", afirma Serge Stroobants, diretor do IEP, citado pelo portal de notícias G1.

No caso do Brasil, foi mantida a tendência de queda que já vinha desde o ano passado, quando o país também despencou dez posições e era avaliado como sendo de "estado médio". Neste ano, a nova queda no ranking mudou a avaliação para "estado baixo".

O Brasil teve queda acentuada em nove dos 23 indicadores avaliados pelo ranking, o que explica a queda de dez posições. Entre os fatores que contribuíram para o pior rendimento do país estão as mortes violentas, confrontos envolvendo o tráfico de drogas e o alto índice de encarceramento.

Além disso, o país está entre os dez com maiores taxas de homicídio e, segundo o levantamento, não há perspectivas de melhora. A polarização no cenário político, principalmente após a eleição de Jair Bolsonaro, deve se manter em alta.

O Brasil segue uma tendência de deterioração da paz observada em outros países da América do Sul, que é a região mundial que também teve a maior queda no ranking.

O custo econômico da violência no Brasil superou os 297 bilhões de dólares (1,15 trilhão de reais) em 2018. Esse valor corresponde a 9% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.

No mesmo ano, o impacto econômico da violência chegou a 14,1 trilhões de dólares em todo o mundo, o que significa um aumento de 3,3%  em relação a 2017. O aumento se deve, principalmente, aos gastos decorrentes de mortes violentas e crime. Por outro lado, as despesas com conflitos armados caíram 28%.

O estudo do IEP, que abrange em torno de 99% da população global, avalia o nível de militarização dos países, impacto do terrorismo, número de mortes violentas por 100 mil pessoas, além da capacidade nuclear.

Os 23 indicadores possuem pesos diferentes na classificação dos países. Os indicadores considerados mais importantes são os que medem as mortes em conflitos internos e externos, a intensidade dos conflitos internos e relações com os países vizinhos.

Os cinco países mais pacíficos do mundo, segundo o ranking do IEP, são Islândia, Nova Zelândia, Portugal, Áustria e Dinamarca. Os mais violentos são Afeganistão, Síria, Iraque, Sudão do Sul e Iêmen. A Alemanha ocupa a 16ª posição.

Fonte: Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas. 

"Bolsonaro passa mensagem atentatória à vida dos brasileiros", diz Doria

Em entrevista à DW Brasil, governador de São Paulo critica gestão do governo federal na pandemia e atribui seu rompimento com o presidente à forma errática com que ele conduz o país. "Bolsonaro desrespeita a democracia."

    João Doria, governador de São Paulo

João Doria, Governador de São Paulo, (PSDB) comanda o estado mais afetado pela epidemia de coronavírus

De um dos nomes mais fortes em apoio ao presidente Jair Bolsonaro na campanha presidencial de 2018, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), tornou-se crítico ferrenho do governo federal, em especial quanto à gestão do Palácio do Planalto diante da epidemia de covid-19.

Em entrevista à DW Brasil, Doria diz que o rompimento se deveu aos erros cometidos pelo chefe de Estado, que não só falhou em implementar o projeto liberal prometido durante a campanha, mas ainda demonstrou um viés autoritário à frente do Planalto. "Ele desrespeita a democracia e os direitos humanos", critica.

Sobre a condução da crise do coronavírus, o líder paulista afirma que Bolsonaro criou hostilidades com todos os governadores, que ao contrário do presidente defenderam o isolamento social, além de dar "péssimos exemplos" ao sair às ruas, provocar aglomerações e não usar máscara. "A mensagem que ele passa é atentatória à vida, à preservação da saúde da população brasileira", diz.

À DW, Doria comenta ainda sobre o plano de reabertura de São Paulo, estado mais afetado pela epidemia e que nesta terça-feira (09/06) bateu novo recorde de mortes, com 334 óbitos em 24 horas, bem como sobre a importância da transparência na divulgação dos dados à população, em meio ao apagão de informações promovido recentemente pelo governo federal.

DW Brasil: São Paulo é o estado mais afetado pelo coronavírus, e a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmou, em relação à América Latina, que o "pior ainda está por vir". Já se fala, contudo, em retomada de aulas presenciais para os estudantes da rede pública estadual. Não faz muito tempo, o senhor afirmava que se necessário optaria pelo lockdown, e hoje os casos seguem crescendo. Não é muito cedo para se falar em reabertura?

João Doria: Sempre dissemos que temos todos os protocolos prontos, porque nos preparamos com antecedência. O que temos é o protocolo pronto [para lockdown] e só o utilizaremos se for recomendado pelo comitê de saúde. Nunca disse que faríamos, com certeza, o lockdown, mas é muito importante destacar que nós estamos em quarentena. Não abrimos mão da quarentena e não vamos abrir.

Estamos vivenciando agora o quarto período de quarentena e, a partir do dia 16 de junho, teremos um novo período. Ocorre que agora também temos o chamado "Plano São Paulo", que é heterogêneo. Em três períodos de quarentena tivemos um programa homogêneo, igual para todo o estado de São Paulo.

A recomendação para ficar em casa continua. Se você tiver que sair, use máscara, lave as mãos, passe álcool em gel, respeite o distanciamento social. Toda a programação da quarentena está em vigor. Seguimos sempre as orientações do comitê de saúde. Temos especialistas em algoritmos que nos orientam também sobre dados – seja sobre a pandemia aqui em São Paulo e no Brasil, seja no âmbito internacional. Isso nos dá um ganho de tempo para tomar medidas, sobretudo tendo como referência o que deu certo em países que apresentaram bons resultados no controle e combate ao coronavírus.

O senhor menciona a importância de dados no combate à pandemia. Um exemplo recente, na contramão disso, é a falta de transparência na divulgação dos dados consolidados pelo Ministério da Saúde.

Primeiro, como decisão do governo federal, é um erro gravíssimo. Não se pode esconder, manipular ou evitar a transparência dos dados. Em qualquer circunstância, fossem quais fossem os resultados, a transparência determina que os dados sejam disponibilizados à opinião pública. Há o agravante de se tratar de uma pandemia que envolve milhares de pessoas infectadas e, lamentavelmente, de mortes.

Não faz nenhum sentido o governo anunciar que vai maquiar esses dados, tentando escondê-los e divulgando-os em horários extremos para diminuir a capacidade do efeito das informações. Defendo a transparência absoluta. São Paulo envia os dados ao Ministério da Saúde desde o dia 26 de fevereiro. Diariamente, até as 16h. Fazemos coletiva de imprensa todos os dias no Palácio dos Bandeirantes. Transparência é respeito pela vida e pela democracia.

O governo de São Paulo já pagou R$ 242 milhões por respiradores chineses que deveriam ter chegado em maio, mas, segundo a fabricante, podem chegar somente em setembro. Há algum plano quanto a isso?

Compramos 1,8 mil respiradores da Turquia para não ficarmos dependentes da China e foram entregues no último domingo (07/06). Esses respiradores são adquiridos de uma estatal chinesa que, infelizmente, não cumpriu com o compromisso da entrega. Chegaram apenas 130 de um total de 3 mil. Pedimos à Procuradoria-Geral do Estado para analisar o contrato, a fim de verificar se seguimos com ele, desde que todos os equipamentos sejam entregues até 31 de julho. Caso contrário, o contrato será cancelado. Nós já pagamos, na verdade, 30% desse valor. Eles terão que ou complementar a entrega ou devolver a diferença, além de arcar com a multa do contrato.

O senhor fez campanha para Jair Bolsonaro na eleição de 2018 e, em questão de meses, passou de um dos principais apoiadores do presidente a, digamos, desafeto. Por que a lua de mel durou tão pouco tempo?

Pelos erros cometidos por ele. Não tenho compromisso com o erro. Eu e milhões de brasileiros. O presidente Bolsonaro foi eleito com quase 60 milhões de votos. Hoje há cerca de 30 milhões de eleitores que ainda são partidários dele. Ele perdeu 30 milhões ao longo desse período pelas mesmas razões que perdeu o meu apoio e de várias outras pessoas públicas, personalidades e artistas que acreditavam em seu projeto liberal – que não só não foi implementado, como ainda demonstrou um viés autoritário.

Ele criou hostilidades com todos os governadores, principalmente agora na pandemia. Todos os governadores defenderam o isolamento social. Ele não. E dá péssimos exemplos: vai às ruas promovendo aglomerações, não usa máscara, não recomenda à população que fique em casa. A mensagem que ele passa é oposta a isso. É uma mensagem atentatória à vida, à preservação da saúde da população brasileira.

Um dos argumentos do presidente é a inflexibilidade quanto ao isolamento, ou seja, uma contrariedade quanto à reabertura da economia e à flexibilização das quarentenas por parte dos estados. As primeiras reuniões entre governadores e o presidente foram tensas. Recentemente o senhor mesmo relatou um clima mais cordial. Algum governador se mostrou contra a flexibilização?

Foram momentos distintos. A última reunião na verdade foi a segunda reunião com os governadores em 17 meses, desde a posse. Foram duas reuniões, uma por regiões e a do dia 21 de maio. Nessa, o tema era a aprovação do projeto de ajuda aos estados, proposta que foi votada no Congresso Nacional, destinando R$ 60 bilhões de apoio ao programa contra a pandemia e para o atendimento social. Importante ressaltar que essa medida não partiu do governo, e sim do Congresso Nacional. Foi discutida, votada e aprovada. Ele tinha que sancionar, mas queria fazer uma reunião prévia com os governadores porque defendia uma medida que nós também defendemos, sobre não reajustar os salários do funcionalismo por 18 meses. Houve um consenso entre os governadores. Todos concordaram e elegeram três porta-vozes para a reunião [Doria, Reinaldo Azambuja (PSDB), do Mato Grosso do Sul, e Renato Casagrande (PSB), do Espírito Santo].

Foi uma reunião curta e não tinha sequer razão para embate. Foram momentos distintos, portanto. Não se tratou de um movimento de ordem política; foi uma decisão funcional e a reunião não levou mais do que 20 minutos.

Dezessete meses, dois encontros, e ambos devido a uma situação de exceção. Não é pouco diálogo entre governadores e a Presidência?

Pouquíssimo, sendo que nós somos uma federação. Ou seja, o diálogo é fundamental. Isso mostra o desinteresse do presidente Jair Bolsonaro na relação republicana com os governadores brasileiros.

A imprensa internacional tem noticiado que o Brasil está perdendo a batalha contra o coronavírus. Somos hoje o terceiro país do mundo com mais óbitos e o segundo em casos. O quanto isso tem prejudicado a imagem do país internacionalmente?

O que tem prejudicado a imagem do Brasil no exterior é o presidente Jair Bolsonaro, pela forma errática com que ele conduz o país, pela forma errática com que ele trata a pandemia, pela forma errática com que ele desrespeita a democracia e os direitos humanos. Pela forma como ele desrespeita os veículos de comunicação e como desrespeita chefes de Estado, como fez com a chanceler da Alemanha, com o presidente da França, com o primeiro-ministro da Inglaterra e com o presidente da Argentina, apenas para citar alguns casos.

O senhor menciona prejuízos e a relações com diversos países. Por outro lado, nota-se uma opção por um alinhamento quase unilateral com os EUA. Como enxerga essa questão?

Os Estados Unidos sequer são o principal parceiro comercial do Brasil. É a China – aliás, também vítima de agressão do governo Bolsonaro. Os EUA são o segundo parceiro comercial do Brasil e vêm se distanciando, pelas políticas protecionistas do presidente Donald Trump e segregadoras em relação à América Latina como um todo, a ponto de proibir voos regulares entre EUA e Brasil [Os EUA proibiram, na verdade, a entrada de passageiros vindos do Brasil em meio à pandemia]. Ou seja, esse favorecimento aos EUA ainda é "correspondido" com atitudes hostis por parte do presidente Trump. É um erro estratégico tanto de diplomacia como de relação comercial.

Em 31 de maio, São Paulo registrou confrontos entre manifestantes favoráveis ao presidente e manifestantes que se dizem pró-democracia. No dia seguinte, o senhor declarou que não iria permitir mais a realização de manifestações com objetivos antagônicos no mesmo dia. São manifestações legítimas?

São legítimas e não há nenhum questionamento em relação a elas quanto a isso. O governo só se posiciona de forma contrária ao confronto. E convocar manifestações contrárias no mesmo dia, horário e local estimularia um confronto e geraria riscos à própria saúde e integridade física das pessoas envolvidas. Por isso solicitamos ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) que não autorizasse manifestações no mesmo dia, horário e local, que era o que os grupos desejavam originalmente.

Felizmente, a Justiça deu razão ao governo de São Paulo e determinou que estavam proibidas as manifestações nessas condições. Nossa petição foi feita com o objetivo de garantir a livre manifestação, desde que fossem em locais distintos. Até poderiam ser no mesmo dia, mas com pelo menos cinco quilômetros de distância entre um ato e outro e que fossem evidentemente resguardadas e respaldadas pela Polícia Militar.

Em 1° de junho, o senhor pediu a abertura de um inquérito policial contra a ativista bolsonarista Sara Fernanda Giromini, conhecida como Sara Winter. Essa decisão acaba demonstrando a visão do senhor sobre esse grupo que se intitula "300 pelo Brasil".

O que vejo como problema é a agressão por meio das redes sociais e as ameaças de agressão física, de morte e ofensas. Isso não é democrático. Manifestações favoráveis ou contrárias a governos ou a iniciativas, desde que feitas de forma responsável, fazem parte da democracia, goste você ou não. O que não é razoável são ameaças, como fizeram comigo e com outros – inclusive com um dos ministros do STF [Alexandre de Moraes]. Ele também tomou atitudes de ordem judicial contra essas ameaças. Diante disso, nossa reação foi e continuará sendo invocar a lei.

Fonte: Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas. 

terça-feira, 9 de junho de 2020

Brasil tem 1.185 mortes por covid-19 em 24h, revela consórcio de veículos de imprensa

Levantamento feito por jornalistas de Estadão, G1, O Globo, Extra, Folha e UOL junto às secretarias estaduais de Saúde mostra ainda que houve 31.197 novos casos de Covid-19 em um dia; são 742.084 no total

O Brasil registrou 1.185 novas mortes e contabilizou mais 31.197 infectados pelo novo coronavírus nas últimas 24 horas, segundo levantamento conjunto feito pelos veículos de comunicação Estadão, G1, O Globo, Extra, Folha e UOL divulgado nesta terça-feira, 9. Conforme os dados reunidos, o País soma 742.084 registros de contaminação e 38.497 óbitos pela doença.

Coveiros vestindo roupas de proteção se preparam para enterrar o caixão de Manuel Farias, 70 anos, que morreu por coronavírus (COVID-19), no cemitério Recanto da Paz, em Breves, a sudoeste da ilha de Marajó, no estado do Pará.

Coveiros vestindo roupas de proteção se preparam para enterrar o caixão de Manuel Farias, 70 anos, que morreu por coronavírus (COVID-19), no cemitério Recanto da Paz, em Breves, a sudoeste da ilha de Marajó, no estado do Pará.  Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino

Apenas o Mato Grosso não atualizou os dados até as 20h desta terça-feira. O Brasil é o terceiro país com mais mortos pelo vírus, atrás apenas dos Estados Unidos e do Reino Unido. A escalada do número de vítimas ocorre em meio a anúncios de flexibilização da quarentena por governadores e prefeitos.

O balanço de óbitos e casos é resultado da parceria entre os jornalistas dos seis meios de comunicação, que uniram forças para coletar junto às secretarias estaduais de Saúde e divulgar números totais de mortos e contaminados. A iniciativa inédita é uma resposta à decisão do governo Jair Bolsonaro de restringir o acesso a dados sobre a pandemia, o que ocorreu a partir da semana passada.

Com esse consórcio dos veículos de imprensa, o objetivo é informar os brasileiros sobre a evolução da covid-19 no País, cumprindo o papel de dar transparência aos dados públicos. Segundo balanço divulgado pelo Ministério da Saúde no início da noite desta terça-feira, 9, foram notificados no País em 24 horas novos 1.272 óbitos e 32.091 infectados.

Como o Estadão mostrou na segunda-feira, a mudança na forma como o governo divulga dados ocorreu após Bolsonaro determinar que o número de mortes ficasse abaixo de mil por dia. A ordem foi repassada ao ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazuello, que entregou a demanda a seus subordinados. A avaliação do Planalto, porém, é de que a equipe executou mal a determinação do presidente.

Em 3 de junho, o Brasil bateu recorde, com o registro de 1.349 óbitos em 24 horas. Naquele dia, o governo atrasou a divulgação do balanço, que foi enviado por volta das 22h - os números vinham sendo liberados entre 19h e 20h. Na sexta-feira, 5, terceiro dia seguido de atraso, Bolsonaro se recusou a responder de quem havia partido a ordem para postergar a publicação. Ele disse: "Acabou matéria no Jornal Nacional", referindo-se ao jornal da TV Globo, o de maior audiência no País.

Na mesma sexta-feira, o portal do ministério com o balanço saiu do ar. O site retornou no sábado, 6, mas passou a apresentar só informações sobre os casos “novos" - registrados no próprio dia. Não havia mais os números totais de mortos e infectados. Na segunda-feira, por exemplo, os dados foram divulgados em uma coletiva de imprensa, por volta das 18h.

No começo da pandemia, balanço era divulgado no fim da tarde

Quando o ministério estava sob o comando de Luiz Henrique Mandetta, a pasta divulgava dados diários em coletivas de imprensa por volta das 17h. Em algumas ocasiões, os números eram atualizados antes em uma plataforma criada pelo governo.

Com a demissão de Mandetta e a nomeação de Nelson Teich, a pasta mudou o horário de divulgação para 19h, com a justificativa de que haveria mais tempo para coletar informações e divulgar números mais consolidados. Após Teich pedir demissão, o ministério manteve a divulgação no mesmo horário, com atrasos eventuais.

Estatísticas são úteis para planejar políticas públicas

Segundo especialistas, ter transparência e qualidade na divulgação dos dados sobre infecções e mortes em decorrência da covid-19 é fundamental para compreender a evolução da pandemia. É isso que mostra onde novos casos estão surgindo, onde a epidemia ainda está em curva ascendente e onde está arrefecendo.

Sem clareza e segurança sobre esses números, apontam cientistas, é impossível tomar decisões sobre quais lugares precisam de reforço para a abertura de leitos de UTI, a oferta de respiradores ou mesmo em quais é possível iniciar os movimentos de abertura do isolamento social.

Redação, O Estado de S.Paulo
09 de junho de 2020 | 20h04

Unidos na defesa da democracia

Nós todos estamos no mesmo barco, disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso

No domingo passado, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) participou de um debate com Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede) sobre o atual cenário da democracia no País. Em que pesem as profundas diferenças políticas entre os participantes, o que se viu no programa do canal GloboNews foi um diálogo civilizado a respeito da necessidade de unir esforços na defesa da democracia. Se é alvissareira a disposição de deixar momentaneamente as diferenças de lado para proteger um bem maior, ela é também um sintoma da gravidade do momento atual, que exige maturidade e responsabilidade de todos, especialmente das lideranças políticas.

“Nós precisamos ter esperança. Ninguém projeta o futuro sem esperança. (...) Nós precisamos ter energia para descortinar um futuro melhor”, disse Fernando Henrique. “O que é esse futuro melhor vamos talvez discutir aqui e ali, depois. Mas temos de estar, pelo menos agora, unidos na ideia de que, sem liberdade, não se faz nada; sem que exista a regra de que a maioria possa prevalecer, não se faz nada. É muito importante que haja união. Não estou dizendo que nós não tenhamos diferenças. É que, diante de um risco maior, real, de escorregar num caminho que não nos convém, nós temos de estar juntos, nós temos de gritar juntos. (...) Nós todos estamos no mesmo barco, e esse barco pode ir a pique, se não mantivermos as condições de liberdade. Eu já vi isso ocorrer no Brasil, eu fui para o exílio, passei anos fora do Brasil. (...) Nós temos, sobretudo, de manter nossa convicção, nossa esperança, e agir em direção de um futuro melhor”, disse o ex-presidente.

Em sua fala, Marina Silva recordou o que tem unido, neste momento, pessoas de posições políticas ou ideológicas muito diferentes. “Acima de nós, há 36 mil mortos por covid-19 e a defesa do Estado de Direito”, disse. “É com esse espírito que homens públicos e a sociedade civil estão se mobilizando”, disse a ex-senadora pelo Acre.

Ao tratar do que qualificou como as três tarefas do País neste momento – salvar vidas, salvar empregos e defender a democracia –, Ciro Gomes também pregou a união em torno do Estado Democrático de Direito. “A minha divergência fica guardada para a hora própria. (...) Na defesa da democracia, nós vamos fazer o que for necessário”, disse o ex-governador do Ceará. A respeito de eventual resistência para se unir a um adversário político, Ciro Gomes minimizou as dificuldades. “Ninguém do povo vai entender a superficialidade e a leviandade de qualquer um de nós que, por mimimi, por manha, por marra, não cumpra sua tarefa de proteger a democracia que custou vidas a muitos brasileiros. (...) Nós vamos defender a democracia brasileira, e quem não vier é traidor”, disse.

Questionado sobre as manifestações em defesa da democracia que envolvem também outras bandeiras, como a rejeição ao racismo, Fernando Henrique lembrou o caráter fundamental da democracia. “Eu acho normal que (as manifestações) entrem em outras questões. No fundo, não são outras questões, é a mesma – é a democracia na sociedade. Não é só a democracia política, mas também a inclusão social. É a mesma bandeira, no fundo.”

O ex-presidente frisou também a importância de não se omitir na defesa da democracia. “Chegou o momento em que nós não podemos calar. Temos de dizer o que nós pensamos, com cuidado, mas sem temor. Dizer com cuidado para que o outro lado, algum grupo bolsonarista mais feroz ou mais ideológico, não use o argumento de que ‘não deixam o homem governar’. Ele pode governar do jeito que quiser. O que ele não sabe é governar, e isso é outra coisa. Os que temos compromisso com a reconstrução da democracia no Brasil, com o exercício da democracia, nós precisamos dizer o que pensamos com simplicidade e clareza, para que a população entenda e perceba que a luta não é só política; é social e econômica”, disse Fernando Henrique.

A defesa da democracia e das liberdades deve estar muito acima de eventuais diferenças políticas. A união em torno do Estado Democrático de Direito que se começa a vislumbrar no País é profundamente alentadora. Há sociedade, há liberdade, há responsabilidade. Os autoritários não prevalecerão.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
09 de junho de 2020 | 03h00

A racionalidade do Estado

Com razão, os cidadãos veem o Estado como um enorme sorvedouro de recursos públicos

O ímpeto reformista de Jair Bolsonaro arrefeceu bastante desde que ele assumiu a Presidência da República. De todas as reformas prometidas pelo então candidato no curso da campanha eleitoral de 2018, apenas a reforma da Previdência foi aprovada pelo Congresso - e mesmo assim, a bem da verdade, muito mais em função da mobilização da sociedade e do empenho de um grupo de parlamentares do que propriamente do engajamento do presidente naquele projeto vital para o País.

Para não ficar marcado como um descumpridor de promessas, seria bom Bolsonaro abandonar seu passatempo preferido - a produção de crises descabidas - e mobilizar seu governo para a retomada da agenda de reformas sem as quais o Brasil permanecerá aferrado ao atraso. Se o presidente já não está totalmente dedicado ao enfrentamento da maior emergência sanitária deste século, como lhe incumbe, que ao menos cuide de outras questões de interesse nacional. A reforma administrativa é item prioritário nessa agenda.

Em primeiro lugar, é fundamental esclarecer que a reforma administrativa não visa primordialmente à redução do gasto público. É evidente que o enxugamento da chamada máquina pública será benéfico para o País, mas o objetivo primaz de uma reforma administrativa há de ser a racionalidade na prestação de serviços à sociedade pelo Estado, e não apenas o corte de gastos. De nada adianta gastar menos se a qualidade dos serviços públicos prestados ao cidadão cai em igual medida. O Estado deve gastar bem, não necessariamente menos. Hoje gasta muito e mal.

Mas nem isso o presidente Jair Bolsonaro parece compreender, e menos ainda implementar. Eleito com a promessa de realizar um “corte intenso” de 30% dos quadros da administração pública federal, Bolsonaro está longe de honrar a palavra empenhada na campanha. Como o Estado revelou recentemente, passado um ano e meio de mandato, nem no Palácio do Planalto o presidente conseguiu concretizar a meta prometida. O número de servidores na sede do governo federal (3.395) é apenas 4,2% menor do que era no governo anterior (3.544). A criação do chamado “gabinete do ódio” contribuiu para manter o Planalto inchado. Sob Bolsonaro, a Assessoria Especial da Presidência, onde está abrigada essa espécie de bunker da desinformação e da ofensa, viu crescer o número de servidores ali lotados.

Não sem uma boa dose de razão, os cidadãos veem o Estado como um monumental e ineficiente sorvedouro de recursos públicos, independentemente do matiz político-ideológico do governo de turno. Passa da hora de isso mudar. Uma boa reforma administrativa se impõe porque o Estado precisa ter a medida exata para deixar livre a atuação da iniciativa privada nas muitas áreas em que ela é mais competente e para atuar a serviço do cidadão - não custa lembrar que o Estado não é um fim em si mesmo - com mais racionalidade e eficiência. Como está, enredado por uma espessa teia de estatais, autarquias, bancos, conselhos e fundações, o Estado mal consegue se mover na direção de seu fim maior - a promoção do bem comum -, capturado que está por uma miríade de forças corporativas que sabotam qualquer esforço que venha na direção contrária de seus interesses. Quem haverá de ser o presidente da República a olhar pela sociedade e, enfim, quebrar este círculo pernicioso?

Bastante ligado às questões de interesse dos servidores públicos, Jair Bolsonaro, ao que parece, não se mostra inclinado a exercer esse papel. O presidente tem adiado sucessivamente a apresentação de seu projeto de reforma administrativa ao Congresso. “Vai aparecer, mas vai demorar um pouco”, disse Bolsonaro em novembro do ano passado. Se demorasse “um pouco” estaria bom. Quanto mais o governo procrastina a apresentação de seu projeto de reforma administrativa, mais tempo as corporações de servidores públicos têm para se organizar e barrar as eventuais mudanças que lhes atinjam. E mais tempo e recursos dos contribuintes o Brasil desperdiça para manter intocada a administração pública federal, há muito cara, ineficiente e atrasada.

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Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
09 de junho de 2020 | 03h00


Toffoli diz que Forças Armadas não são poder moderador

Presidente do Supremo Tribunal Federal rebateu interpretações de que artigo 142 da Constituição Federal autorizaria intervenção militar

“Não há lugar para um quarto poder, para o Art. 142 da Constituição. As Forças Armadas sabem muito bem que o Art. 142 da Constituição não lhes dá o papel de poder moderador”, disse o presidente do Supremo.

Em uma homenagem que recebeu de líderes do Congresso Nacional nesta terça-feira, 9, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, rebateu interpretações de que o artigo 142 da Constituição Federal autorizaria a intervenção das Forças Armadas em outros poderes da República.

Além disso, o presidente do Supremo reiterou reiterou a declaração que dera na véspera quando chamou atenção do presidente Jair Bolsonaro para que evite atitudes “dúbias” em defesa da democracia.


O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, durante sessão plenária realizada com ministros em videoconferência. Foto: Nelson Jr./STF 

“Não há lugar para um quarto poder, para o Art. 142 da Constituição. As Forças Armadas sabem muito bem que o Art. 142 da Constituição não lhes dá o papel de poder moderador”, disse o presidente do Supremo, na live coordenada pelo líder da Rede Sustentabilidade, Randolfe Rodrigues (REDE-AP).



Randolfe leu um manifesto de apoio a Toffoli e ao Supremo no início da transmissão, com críticas a Jair Bolsonaro, assinado por líderes de partidos de oposição. “A concentração do poder estatal na figura de apenas uma pessoa foi ideia rejeitada não apenas pelos nossos constituintes recentes, mas desde 1889 – com o fim do poder moderador que perdurou no Brasil por 65 anos”, diz o texto.

Na leitura do texto, o senador disse que ‘estamos diante da mais grave crise das últimas décadas, desde a redemocratização’ e que todos superar o desafio em defesa da democracia e da Constituição Federal. “Me sinto honrado pelo manifesto porque nosso propósito é um só: defender a democracia”, respondeu Toffoli.

A menção ao artigo 142 da Constituição tem sido feita por apoiadores radicais de Bolsonaro como suposto embasamento para intervenção das Forças Armadas sobre outros poderes da República, sob alegação de que estariam invadindo a competência do Executivo. O próprio Bolsonaro já fez menção ao artigo. “E havendo necessidade, qualquer dos poderes, pode, né? Pedir às Forças Armadas que intervenham pra reestabelecer a ordem no Brasil, naquele local sem problema nenhum”, disse o presidente na reunião ministerial de 22 de abril.

“Não podemos aceitar aquilo que atenta contra o Estado Democrático de Direito, que é a ideia de que poder-se-ia fechar o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal”, afirmou Toffoli.

Toffoli acrescentou que “experiências fracassadas do passado não devem ser utilizadas no presente como soluções”.

Ao defender o diálogo entre as instituições, um dia após ter pedido uma trégua entre os poderes, Toffoli falou que as Forças Armadas são instituições de Estado, e não de governo, e que seus integrantes sabem bem dos limites de atuação.

“Não podemos confundir os papeis daqueles que estão na ativa e sabem muito bem os limites da atuação das Forças Armadas e daqueles que estão, evidentemente, em um governo, e aí envolve, evidentemente, a defesa das políticas públicas que o governo democraticamnre eleito busca implementar”, disse. “É a Constituição Federal que governa a todos nós.”

LEIA A ÍNTEGRA DO MANIFESTO 

Carta de solidariedade ao Judiciário perante os ataques que vem sofrendo do Governo Bolsonaro.

Senadores e deputados federais, eleitos pelo voto popular, na forma constitucional, representantes dos entes federados e do povo brasileiro, líderes partidários nas casas legislativas, vêm através desta demonstrar solidariedade ao Poder Judiciário perante os ataques que este tem sofrido por parte do Presidente da República, seus ministros, filhos e parcela de seus apoiadores.

A concentração do poder estatal na figura de apenas uma pessoa foi ideia rejeitada não apenas pelos nossos constituintes recentes, mas desde 1889 – com o fim do poder moderador que perdurou no Brasil por 65 anos. Infelizmente, estas seis décadas de prática política podem ter deixado como herança a pressuposição de superioridade, em alguns momentos, por parte de alguns que ocuparam o executivo da nação: ora tentando concentrar poderes, ora escolhendo novos ocupantes para o cargo de moderador.

Quanto a tudo isso, as conquistas da Constituição de 1988, garantindo liberdades democráticas após a derrota da ditadura civil militar.  A concentração de todos os poderes nas mãos de uma só pessoa felizmente foi vencida há séculos, superando-se a fase em que alguém podia dizer “o Estado sou eu”. São tempos dos quais não se deve ter saudades.

Reiteramos nosso compromisso com a defesa da Constituição, que juramos defender quando tomamos posse de nossos mandatos parlamentares, nosso zelo pela manutenção das liberdades democráticas,  da liberdade de expressão e que não contemplam discursos de ódio e flertes autoritários, e nosso entrega total à luta pelos direitos fundamentais de todos os brasileiros.

Estamos diante da mais grave crise das últimas décadas, desde a redemocratização, e temos a convicção de que temos todas as de superação desse desafio, em prol de um povo que espera isso de nós e anseia por ações capazes de salvar vidas brasileiras, o que do Brasil é seu maior patrimônio.

Senador Randolfe Rodrigues-Oposição Senado/REDE
Senador Rogério Carvalho-PT
Senador Weverton Rocha-PDT
Senadora Eliziane Gama-Cidadania
Senador Veneziano Vital do Rego-PSB
Senador Otto Alencar-PSD

Deputado Federal André Figueiredo-Oposição Câmara/PDT
Deputado Federal José Guimarães-Minoria Câmara/PT
Deputado Carlos Zarattini – Oposição Congresso/PT
Deputado Federal Ênio Verri-PT
Deputado Alessandro Molon-PSB
Deputado Federal Wolney Queiroz-PDT
Deputada Federal Fernanda Melchionna-PSOL
Deputada Federal Perpétua Almeida- PC do B
Deputado Federal Prof. Israel-PV
Deputada Federal Joênia Wapichana-REDE
     
Breno Pires/BRASÍLIA / O Estado de São Paulo
09 de junho de 2020 | 20h43