quarta-feira, 3 de junho de 2020

O mundo sem conseguir respirar

George Floyd virou o símbolo da opressão pela pandemia, pelo racismo e pelo autoritarismo



Mulher segura um pedaço de papelão com as frases 'eu não consigo respirar', dita por George Floyd antes de morrer, e 'black lives matter' ('vidas negras importam', em português), durante protesto pela morte dele em Londres, no Reino Unido, neste domingo (31). — Foto: Matt Dunham/AP
Mulher segura um pedaço de papelão com as frases 'eu não consigo respirar', dita por George Floyd antes de morrer, e 'black lives matter' ('vidas negras importam', em português), durante protesto pela morte dele em Londres, no Reino Unido, neste domingo (31). — Foto: Matt Dunham/AP

“Não consigo respirar.” A frase de George Floyd enquanto era assassinado pelo policial Derek Chauvin (sic) entrará nos livros de história como a melhor expressão do mundo sufocado. Pela pandemia, mas também pelo racismo, pela violência policial e pelo autoritarismo, que surgem como reflexo condicionado de lideranças ineptas.

Não foi o novo coronavírus que desencadeou uma síndrome respiratória aguda e matou Floyd. Não foi o ar viciado nos ambientes fechados das quarentenas. Não foi uma máscara a tapar-lhe a boca e as narinas. Foram os joelhos de Chauvin em seu pescoço. Foi a violência racista daquele cujo dever era protegê-lo, não matá-lo.

Manifestações em protesto contra o assassinato de Floyd tomaram conta dos Estados Unidos. Nem todas pacíficas. Em meio à confusão, parte da polícia preferiu atacar ou reagir com violência. Outra parte se solidarizou com os manifestantes. O presidente Donald Trump procura pretextos jurídicos para mandar o Exército investir não contra um inimigo externo, mas contra a própria população.

O chefe de Estado Maior saiu às ruas fardado. Trump usou o escudo de policiais e gás lacrimogêneo para dispersar manifestantes, reunidos pacificamente na frente da Casa Branca em desafio ao toque de recolher. Atravessou a rua e foi brandir uma Bíblia, em gesto ridículo diante de uma igreja. Quer classificar todos como baderneiros. Invoca a preservação da ordem como mote, de olho na reeleição.

O país, sufocado, testemunha cenas que estava acostumado a ver apenas naqueles lugares onde a democracia fraqueja, como Oriente Médio ou América Latina. Lugares como o Brasil, onde a polícia fez questão, no último fim de semana, de atacar em São Paulo manifestantes que defendiam a democracia, poupando os que vociferavam em prol da ditadura e do fascismo.

Trump e seu êmulo Jair Bolsonaro comandam os dois países mais atingidos pela pandemia. É nítida a tentação de que se aproveitem dela para exercitar seus músculos autoritários e para tentar provocar uma ruptura na ordem institucional. Mas também é nítida a inépcia de ambos para entender a dimensão do desafio.

Uma pandemia não é apenas uma questão de saúde. Como as guerras, paralisa a economia e desestrutura a sociedade. Traz à tona, em cada país, os piores fantasmas, os acertos de conta mal-feitos ao longo da história, as tensões reprimidas sob o manto da civilização.

Nos Estados Unidos, o racismo e a desigualdade. Persistentes, a despeito das décadas de luta pelos direitos civis e da eleição de Barack Obama. O ressentimento que elegeu Trump, a polarização política e o ódio latente irrompem num conflito de desfecho imprevisível.

No Brasil, além de racismo e desigualdade, há ainda a inclinação autoritária de parcela da sociedade. Persistente, a despeito das décadas de democracia e eleições livres. Bolsonaro não chegou ao poder sozinho. O apoio de setores como empresariado ou Forças Armadas revela um país ainda inseguro com as próprias escolhas.

A solução fácil e tentadora de líderes como Trump ou Bolsonaro é tentar eliminar a diferença. A confusão apenas os favorece. Oferece o pretexto ideal para lançarem mão de coturnos e baionetas, para sufocarem o grito de revolta, qual o joelho de Chauvin sobre o pescoço de Floyd.

Nada mais natural que quem esteja sufocado queira gritar para se libertar. É preciso ouvir o grito e entender seu significado. Também é verdade que gritar não resolve. Em sociedades rachadas ao meio, será preciso instaurar alguma forma de diálogo – e só pode haver diálogo onde não há armas, onde todos se sentem livres para respirar.

Não há diálogo onde impera o ressentimento, onde as dores do passado continuam a comandar os atos do presente, a ditar os movimentos no futuro. Ou bem entendemos que a democracia é a única forma de aplacar a angústia, de aliviar o sufoco e de permitir o convívio pacífico entre vozes discordantes – ou então estaremos, como Floyd, fadados à asfixia. Nos Estados Unidos e no Brasil, é esse o maior desafio. Nem Trump nem Bolsonaro estão à altura de enfrentá-lo.

O autor deste artigo, Helio Gurovitz,  foi Diretor de redação da revista Época por 9 anos, tem um olhar único sobre o noticiário. Vai ajudar você a entender melhor o Brasil e o mundo. Sem provincianismo. Publicado originalmente em Época, desta semana.

Porandubas Políticas

Por Gaudêncio Torquato

Abro a coluna com uma historinha sobre o marechal Dutra.

O C pelo X

O marechal Eurico Gaspar Dutra, Presidente dos Estados Unidos do Brasil, (1945/1951) como se chamava o Brasil naquele tempo, desde a queda do Imperador D. Pedro II até a reforma constitucional do regime militar instaurado após o golpe de 1964, como poucos sabem, trocava o c pelo x. Ganhou uma marcha carnavalesca no carnaval de 51:

Voxê qué xabê
Voxê qué xabê
Não pixija sabê
Pra que voxê qué xabê?

Osman Cartaxo, velho amigo da Paraíba, pinça do arquivo de seus engraçados "causos" uma historinha do marechal. De manhã, bem cedo, o marechal saiu do hotel e começou a passear na parede do açude de Pilões, nos confins da Paraíba. O matuto viu aquela figura fardada e tascou:

– Bom dia, coronel.

O velho marechal respondeu de pronto:

– Não xô coronel. Xô o presidente da República.

O matuto emendou:

– Mas não é coronel porque não quer.

Cenário sangrento

Não há perspectiva de melhoria na temperatura política. O cenário exibe sinais de ódio e tiroteio recíproco entre as alas bolsonarista e oposicionista. O último episódio da guerra foi a batalha do domingo, 31 de maio. As torcidas de times de futebol, principalmente Gaviões da Fiel e Mancha Verde, do Corinthians e Palmeiras, se uniram em raro momento de suas histórias, e foram à avenida Paulista desfraldar a bandeira pró-democracia e com slogans fortes contra o governo Bolsonaro. Um grupo bolsonarista se formou, com pequeno número, e a batalha começou. A PM apareceu e o pau comeu. As primeiras análises davam conta de que os policiais bateram apenas nos torcedores, e, com um escudo, protegeram os bolsonaristas. Mas um olhar imparcial para a cena permite dizer que a turma das torcidas bagunçou o coreto. Com depredações e violência.

Os generais

A guerra, até agora contida na frente da política, ganha dimensões mais graves. O general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, era exemplo de moderação no início do governo. Palavra de harmonia e equilíbrio. Depois de manifestações de insatisfação por parte de seu chefe, o capitão-presidente, Heleno tomou o lugar do general Otávio Rêgo Barros, o porta-voz, e passou a fazer defesa candente de Jair Bolsonaro. O general Rêgo recolheu-se, até para tratar da Covid-19, que o pegou. E, para surpresa geral, o ministro da Casa Civil, general Luiz Fernando Ramos, que faz articulação política, aparece agora no front como mais um mensageiro: "respeite o presidente". Pareceu um puxão de orelhas no ministro Celso de Mello, que teve uma mensagem vazada comparando o Brasil com a República de Weimar, Alemanha, golpeada por Hitler.

Luta aberta

Em suma, o que era coisa de bastidor, de conversa entre quatro paredes, vira discurso público. Os generais no entorno do presidente mostram a cara de guerreiros defensores do presidente. Até o general Fernando Azevedo, ministro da Defesa, que até então se comportava como fortaleza constitucional, tendo produzido três notas com o conceito de que as FA são entidades do Estado e não de governo, apareceu no sábado último, ao lado do presidente, no helicóptero que os transportava a uma manifestação de apoio a Bolsonaro. Sinalização de que as Forças perfilam ao lado do chefe do Estado. E assim a luta se escancara. O presidente, a toda hora, lembra que tem o apoio das FA. O que quer dizer isso? Temor de impeachment? Um autogolpe?

Mourão olhando

O fato é que inexistem condições – políticas, sociais – para qualquer ato de intervenção por via militar. Os generais do entorno tomam posição ao lado do presidente, o que não significa, segundo os próprios, adesão a uma ação contra a Constituição. Chama a atenção que o vice-presidente, general Mourão, que era muito expressivo quando dirigia o Clube Militar, hoje é o quadro que expressa moderação. Começa a formar um grupo de admiradores, que o veem como um perfil bem encaixado em eventual vacância da cadeira presidencial.

Maia, a palavra política

Quem interpreta bem o papel das Forças Armadas é o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que, nesse início de semana, fez adequada ponderação. Para ele, generais que estão no governo de Jair Bolsonaro (sem partido) não representam as Forças Armadas. A declaração de Maia foi feita ao jornalista Tales Faria, do UOL: "Um ministro que é general da reserva, ou ainda está na ativa e vira ministro de um governo, não representa as Forças Armadas. Elas [as Forças Armadas] representam o Estado brasileiro.

57 milhões de votos?

Nos idos do passado, quando um político se vangloriava de seus feitos, desfilando milhares de votos, Tancredo Neves, o sábio, retrucava:

- Você teve, mas não tem mais.

Pois bem, os bolsonaristas repetem e repetem o bordão: nosso presidente tem 57 milhões de votos. Ora, isso não é mais verdade. Se ainda tem 30% de apoiadores (e há dúvidas se ainda é esse número), haveria 70% contrários. Todas as pesquisas mostram que cresce sua rejeição. Portanto, há de se ter cuidado no uso das quantidades favoráveis a Bolsonaro. Os próximos tempos exibirão a verdade.

Pressão sobre os governos

A pressão sobre os governadores para que sejam flexíveis à política do isolamento começa a dar resultados. Alguns já tomaram decisões para reabrir áreas do comércio e dos serviços, mesmo de maneira gradativa. Ocorre que, segundo a OMS e outras instituições, não chegamos ainda ao pico da pandemia. Os recordes de casos – mais de meio milhão de infectados, beirando 35 mil mortos – aparecem dia a dia. Governadores e prefeitos estão com um olho na saúde e outro nas urnas de novembro ou dezembro, de acordo com decisão a ser tomada pelo TSE. Ninguém quer se aventurar no canto extremo de uma decisão mais radical. O lockdown – medida mais forte de isolamento – foi rompido nas praças onde foi adotado.

O assassinato de Floyd

O imponderável é um fenômeno que visita países de facetas múltiplas. O assassinato de um homem negro, George Floyd, em Minneapolis, EUA, por um policial branco, que o sufocou por quase 9 minutos, colocando seu joelho sobre o pescoço da vítima, era a pólvora que faltava para incendiar a fogueira que se expande pela nação americana. Trump, que já vinha em queda por seu desleixo na adoção de medidas contra o Covid-19, agora é alvo da indignação social. Milhares de pessoas nas ruas, juntando tanto democratas quanto republicanos, podem se transformar na arma letal contra a candidatura de Donald Trump em novembro. O povo está acompanhando os fatos da política, aqui e alhures.

As ruas no Brasil

Por aqui, emerge a sensação de que as multidões, que não passavam de grupos pequenos até recentemente, começam a redescobrir as ruas. Em junho de 2013, as massas foram às ruas. E agora, manifestações a favor e contra o governo, redescobrem a rua como caminho a seguir para expressar satisfação/insatisfação com o estado das coisas. Bolsonaro tem interesse em motivar sua galera. Mas comete o erro de antecipar por muito tempo o pleito de 2022. Poucos eleitores têm propensão para aguentar climas eleitorais por muito tempo. O copo da paciência transbordará. Mas há algo que pode ser o carro-puxador das massas: a pandemia e a economia. Mortes e mortes, com medidas que não estão dando certo, causam revolta. E barriga roncando, com pouco dinheiro no bolso para comprar o básico, também enfurece o coração e o sangue sobe à cabeça. Logo....

Tudo não será como antes

"Tudo como antes no quartel d'Abrantes". Como se sabe, a frase quer dizer: nada mudou. E tem uma história por trás. Portugal foi invadido por tropas francesas porque demorou a obedecer ao bloqueio imposto por Napoleão. O general Jean Junot, braço-direito de Napoleão, ocupou a cidade de Abrantes, onde instalou seu quartel. Nomeou-se duque. D João VI havia fugido para o Brasil. Ninguém se opunha ao general. Tudo era tranquilo. E quando se perguntava sobre novidades, vinha a resposta: "está tudo como dantes no quartel d'Abrantes". Pois bem, leitoras e leitores, não pensem que, após a pandemia, tudo será como antes. O Novo Normal não fará uma devastação sobre o mundo anterior, mas haverá mudança nos costumes, no trabalho, nas formas de produção, nos costumes e comportamentos e até na política. O Novo Normal não nos levará ao mal. Um tempo de bonança poderá nascer numa era de temperança.

Em alta

- Médicos, enfermeiros(as), profissionais da saúde

- Trabalho em casa

- Reflexão sobre a vida

- Família

- Jardins e plantas

- Delivery

- Redescoberta das ruas

- Expressão escrita

- Contemplação do pôr do sol

- Filmes na TV

- Valores: solidariedade, amizade, simplicidade, integração de esforços, disciplina, despojamento

Em baixa

A Coluna deixa esse espaço em branco. Que cada um faça sua lista.

Pequenas lições para candidatos (as)

- Saber ler corretamente o meio ambiente, os novos valores do eleitorado e as motivações de voto.

- Escolher o discurso para o momento adequado.

- Definir segmentos-alvo do eleitorado. O Brasil torna-se mais racional.

- Selecionar sólidos reforçadores de decisão de voto.

- Descentralizar a campanha para multiplicar pontos de eco e agregar organizações intermediárias.

- Compor programa simples, objetivo, factível. Atenção na área da Saúde.

- Trabalhar com modelos diferenciados de pesquisa.

- Programar ações de impacto.

- Organizar estrutura adequada e estabelecer cronograma prevendo: lançamento da campanha (junho/julho); crescimento (julho/agosto); consolidação/maturidade (setembro); clímax (segunda quinzena de outubro – últimas semanas antes eleição); declínio (evitar que esta fase ocorra antes da eleição - novembro ou dezembro).

- Garantir meios e recursos.

T.S. Elliot

"Somente aqueles que se arriscam a ir longe, sabem até onde podem chegar".

Gaudêncio Torquato, Professor Titular na USP, é cientista político e consultor de marketing político.

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A partir das colunas recheadas de humor para uma obra consagrada com a experiência do jornalista Gaudêncio Torquato.

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terça-feira, 2 de junho de 2020

Bolsonaro faz campanha eleitoral antecipada com recursos públicos. Leia o artigo de Miriam Leitão, publicado em O Globo.

O presidente Jair Bolsonaro tem usado recursos públicos e símbolos militares para fazer campanha política. A eleição é só em 2022, mas ele jamais saiu do palanque. A ida a manifestações não é um ato da administração do país, é de um candidato. A armadilha em que o Brasil está é que ele, como presidente, pode requisitar helicópteros para fazer seus deslocamentos, mas teria que ser para o exercício do cargo. Evidentemente ele quer usar isso como símbolo de força e poder para estimular seus apoiadores, tanto que nesse domingo usou não um dos veículos da Presidência, mas da Aeronáutica.

Ele usa esses símbolos deliberadamente. Não é necessário helicóptero entre o Alvorada e o Planalto, pouco mais de quatro quilômetros distantes um do outro, cerca de cinco minutos de carro. Mas ele quis fazer sobrevoos exibicionistas. A bordo, levou o ministro da Defesa, o general Fernando Azevedo, presença absolutamente inconveniente neste momento em que o país está diante de velhos fantasmas de rupturas institucionais que este governo reavivou. O general Azevedo tem dado sinais muito ruins.

A propósito da coluna de domingo, em que o historiador José Murilo de Carvalho disse que “os erros (do governo Bolsonaro) terão a cor verde-oliva”, um oficial general me disse o seguinte: “A imagem das Forças Armadas (do verde-oliva, mas não exclusivamente) foi afetada? Sim. Indelevelmente? Não.” Ele acha que a geração que chegou aos comandos agora aprendeu a conviver com a suposta “dubiedade” do artigo 142 da Constituição. “E saiu-se bem quando confrontada com os antagonismos naturais ocorridos no amadurecimento da democracia brasileira.” É verdade. Saiu-se bem. Até agora.

Os militares que estão no governo costumam minimizar as ameaças que o presidente tem feito às instituições falando em “arroubos” e “figuras de retórica”, ou então que “ele é assim mesmo”. Tomado ao pé da letra, significa que não se deve levar a sério o presidente da República. Para o vice-presidente Hamilton Mourão, na entrevista ao “Valor”, as ameaças que fez na semana passada — de não respeitar ordens judiciais — foram “um desabafo”. A nota do general Heleno, uma “retórica inflamada dos dois lados”.

Cada ato do presidente é filmado e divulgado para a sua rede social. Quem filma? Um servidor público. O helicóptero usado gasta combustível. Onde será debitado? No cartão corporativo secreto da Presidência. Toda a segurança tem que ser reforçada em torno dele no seu contato com os manifestantes. Quem paga todo esse aparato? O contribuinte. Domingo, ele montou cavalo da Polícia Militar. Queria passar a informação de que também as PMs estão ao seu lado.

As manifestações das quais o presidente participa fazem defesa de crimes. Pedem fechamento do Congresso e do Supremo e intervenção militar. A presença dele significa apoio. Os atos estão sendo investigados pela Procuradoria-Geral da República. Em resumo, Bolsonaro usa dinheiro público, símbolos das Forças Armadas e da Polícia Militar, o poder da Presidência para estimular manifestações contra a democracia, manter sua militância estimulada e fazer campanha eleitoral fora do seu tempo.

Os contra o presidente foram para a rua também no domingo. Não é aconselhável aglomeração, mas o presidente tem ido há sete semanas em atos que o reforçam. A resposta viria. Era previsível que haveria confronto. O temor que está no ar é o de que a Polícia Militar, diante de grupos em conflito, não tenha neutralidade. O deputado federal, ex-PM do Rio, Daniel Silveira (PSL-RJ), vice-líder do governo, postou uma mensagem com ameaça explícita. Depois de xingar os manifestantes contra o governo, ele disse que “tem muito policial armado, e um de vocês vai achar o de vocês. Na hora que vocês vierem, e tomar um no meio da testa ou no meio do peito e cair o primeiro...”

Na entrevista ao “Valor”, o vice-presidente Hamilton Mourão disse: “deixa o cara governar”. Bolsonaro não tem governado porque não quer. Ninguém o impede, a não ser ele mesmo. Poderia ter somado as forças políticas na luta contra o inimigo comum, o coronavírus. Mas politizou e escalou. Criou conflitos com governadores, ministros do Supremo, o presidente da Câmara e com seus ministros. Já tirou três nesta pandemia. Ele não quer governar, ele quer o conflito, a agitação e a propaganda. E o faz com dinheiro público.

Miriam Leitão, a autora deste artigo publicado originalmente em O GLOBO, edição desta terça feira, 02.06.2020, Míriam Leitão, é jornalista há mais de 40 anos, é colunista do jornal O GLOBO desde 1991. É autora, entre outros, do livro Saga Brasileira, ganhador do Jabuti de Livro do Ano (2012). Entre seus prêmios, recebeu o Maria Moors Cabot da Columbia University (NY)

Celso de Mello nega apreensão de celular de Bolsonaro, mas adverte que ninguém está acima da lei.

O ministro, que poderia apenas ter negado o pedido dos partidos sem nada falar sobre o que se passa na Praça dos Três Poderes, preferiu registrar que o STF sabe do papel que cumpre no momento atual. Quanto a Bolsonaro e suas declarações e ameaças de descumprimento a eventual ordem do tribunal, Celso de Mello indicou que, dentro dos limites da razoabilidade e da responsabilidade que o cargo impõe, o presidente poderia, no máximo, fazer o que no mundo jurídico se apelidou de "jus sperniandi". Numa tradução literal de uma expressão que não existe no latim, seria "o direito de espernear". Ou seja, presidente pode até reclamar de decisões, mas descumprir não.

O ministro Celso de Mello é conhecido por longos e detalhados votos. Despachos costumam ir na mesma linha. Por vezes, seu texto pode até parecer complicado ao leigo que não está acostumado ao "juridiquês" que aplica. Mas os recados são sempre claros. E não foi diferente na decisão divulgada na madrugada desta terça-feira.

O mais antigo magistrado do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou o pedido de partidos políticos que queriam apreender o celular do presidente Jair Bolsonaro. Mas avisou: o presidente da República não está acima da lei, e não pode desobedecer uma ordem judicial, se ela vier.

Nas 28 páginas de seu despacho, Celso de Mello citou o deputado Ulysses Guimarães para lembrar que sobre o texto constitucional se pode até divergir. "Descumprir, jamais".

O ministro ponderou ainda que partido político não tem poder para dizer como deve ser feita uma investigação criminal. Pela Constituição, quem detém esse poder é o Ministério Público. Por isso, o pedido dos partidos foi negado. Porque os partidos de oposição não são parte legítima para atuar num inquérito penal.

Outro recado de Celso de Mello: o celular do presidente não é intocável, mas para se fazer uma investigação que determine tal medida, é necessário haver fundamentação e objeto definido a ser procurado, já que a apreensão de telefone levaria à análise do conteúdo que lá está arquivado. E Celso argumentou que não se faz uma quebra de sigilo aleatória, sem alvo preciso. Ou seja, não se quebra o sigilo para ver o que tem lá. Mas para buscar se há provas de determinado crime em apuração.

O ministro, que poderia apenas ter negado o pedido dos partidos sem nada falar sobre o que se passa na Praça dos Três Poderes, preferiu registrar que o STF sabe do papel que cumpre no momento atual. Quanto a Bolsonaro e suas declarações e ameaças de descumprimento a eventual ordem do tribunal, Celso de Mello indicou que, dentro dos limites da razoabilidade e da responsabilidade que o cargo impõe, o presidente poderia, no máximo, fazer o que no mundo jurídico se apelidou de "jus sperniandi". Numa tradução literal de uma expressão que não existe no latim, seria "o direito de espernear". Ou seja, presidente pode até reclamar de decisões, mas descumprir não.

Na decisão, Celso ensina que a opção da autoridade descontente com decisão é o recurso judicial. Fora disso não há outra opção dentro da lei.

Por Francisco Leali / O GLOBO
2/06/20 - 9:40

'Constituição não admite intervenção militar', afirma Aras

Procurador-geral disse que Forças Armadas existem para 'garantia da lei da ordem, a fim de preservar o regime da democracia participativa brasileira'

O procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou em nota nesta terça-feira que a "Constituição não admite intervenção militar" e que as Forças Armadas existem "para a garantia da lei da ordem, a fim de preservar o regime da democracia participativa brasileira".

A nota foi elaborada após Aras conceder uma entrevista na segunda-feira ao programa 'Conversa com Bial'. Na conversa, o PGR afirmou que as Forças Armadas podem agir, se um Poder "invadir a competência do outro".

— Quando o artigo 142 estabelece que as Forças Armadas devem garantir o funcionamento dos Poderes constituídos, essa garantia é no limite da garantia de cada Poder. Um poder que invade a competência de outro Poder, em tese, não há de merecer a proteção desse garante da Constituição — disse.

— Se os Poderes constituídos se manifestarem dentro das suas competências, sem invadir as competências dos demais Poderes, nós não precisamos enfrentar uma crise que exija dos garantes uma ação efetiva de qualquer natureza — completou, na entrevista.

Na nota divulgada hoje, Aras afirma que as "instituições funcionam normalmente", e que os "Poderes são harmônicos e independentes entre si". "Cada um deles há de praticar a autocontenção para que não se venha a contribuir para uma crise institucional", afirma.

"Conflitos entre Poderes constituídos, associados a uma calamidade pública e a outros fatores sociais concomitantes, podem culminar em desordem social", defende.

Victor Farias
02/06/2020 - 17:39 / Atualizado em 02/06/2020 - 18:09

Enquanto isso, o Brasil ultrapassa as 30 mil mortes pelo novo coronavírus

Desde o primeiro óbito, País levou 79 dias para chegar a esse patamar; mesmo com aumento de casos, Estados adotam planos de reabertura da economia

O Brasil ultrapassou a marca das 30 mil mortes em decorrência do novo coronavírus nesta terça-feira, 2, com o registro de 1.262 óbitos nas últimas 24 horas, informou o Ministério da Saúde. O País levou 79 dias para atingir esse patamar após a primeira vítima morrer em 16 de março — a confirmação foi feita no dia seguinte. Apenas quatro países superaram a marca das 30 mil mortes: Estados Unidos, Reino Unido, Itália e agora o Brasil.

coronavírus

Sepultamento de idoso com suspeita de coronavírus Foto: Wilton Junior/ Estadão

“O número de 30 mil é significativo e mostra o desastre que estamos passando no País. Esse número indica a falência que foi o processo de contenção da covid-19 no País. O pior é que temos números ascendentes. Existe uma grande quantidade de casos não testados”, opina o epidemiologista Paulo Lotufo, professor da Faculdade de Medicina da USP.

Do primeiro óbito até o marco das mil mortes, em 10 de abril, foram 25 dias. Quase um mês depois, em 9 de maio, o País passou das 10 mil vítimas, 54 dias após a primeira. Dali para as 20 mil mortes, foram apenas 12 dias e depois mais 11 dias até a marca dos 30 mil mortos. O número de mortes por complicações da covid-19 no Brasil dobrou em pouco mais de duas semanas. “Alcançamos 30 mil mortes em menos de três meses. A infecção está se propagando de maneira grave. A perspectiva é de impotência. Uma vez que o vírus se propaga, é difícil contê-lo. A capacidade de resposta é ampla, mas estamos caminhando para uma saturação”, diz o infectologia José David Urbaéz, da Sociedade Brasileira de Infectologia.

Embora a velocidade de contágio esteja acelerada, os outros países demoraram menos tempo para alcançar a marca de 30 mil óbitos. Nos Estados Unidos, ela foi atingida no 47.º dia após a primeira morte; no Reino Unido, no dia 59.º dia. A velocidade com que as mortes ocorrem está ligada ao número de pessoas infectadas. Gabriela Cybis, professora do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, afirma que o processo de transmissão depende da quantidade de casos. “Se existem muitas pessoas infectadas, a tendência é que o número cresça rápido. Esse efeito multiplicativo é uma decorrência, entre outras coisas, da matemática do processo e da dinâmica social de interação”, diz.

O epidemiologista Pedro Hallal coordena um estudo no Rio Grande do Sul sobre o número de infectados. A pesquisa, a primeira em âmbito nacional, estima que o número de casos seria sete vezes maior no Brasil. “Se repetir o padrão dos países que têm estágios mais avançados, estamos muito perto do pico no Brasil”, diz Hallal.

Alguns Estados têm adotado planos de reabertura que, ainda que graduais, podem alterar o fluxo da epidemia e prolongar a chegada do pico. É o caso de São Paulo, cujo governador, João Doria, anunciou uma retomada em cinco fases a partir deste mês apenas 15 dias após registrar recorde de novos casos do novo coronavírus.

Infográfico

Infográfico O Globo

“Praticamente todos os países que já passaram por essa fase, no momento do pico ou ao redor do pico, estavam fechados. O Brasil está aplicando um modelo diferente”, diz Hallal. Ao redor do mundo, conforme mostrou o Estadão, os países mais afetados pela pandemia esperaram, pelo menos, um mês após o pico para iniciar a reabertura. Segundo o epidemiologista, o País até começou a fechar cedo, na hora certa, mas tem adotado uma reabertura precipitada.

Rafaela Rosa-Ribeiro, doutora em biologia celular e estrutural e que trabalha atualmente com um grupo de virologistas no Ospedale San Raffaele, em Milão, na Itália, lembra que o Brasil possui elevado número de casos e realiza poucos testes. “Pode ser que a situação seja ainda mais crítica nas próximas semanas", alerta a brasileira.

A especialista faz uma comparação entre Brasil e Itália. Depois de ser o epicentro da doença na Europa, os italianos chegaram aos 33 mil mortos e agora iniciam a retomada das atividades econômicas. “Aqui na Itália não tivemos a fase de negação da doença. Assim que ela estava se espalhando, os cidadãos e os líderes já assumiram suas responsabilidades para tentar frear o espalhamento e se organizar em termos de atendimentos médicos e ajuda social. Quando chegamos a esse número, já estávamos fazendo medidas importantes e havia uma expectativa de quando os casos começariam a baixar. Havia esperança”, diz a especialista.

No dia 19 de maio, o Brasil registrou 1.179 mortes no período de 24 horas. No dia seguinte, caiu para 888 óbitos contabilizados em um dia, mas em 21 de março teve um novo recorde de 1.188 mortos. E por quatro dias seguidos, de 26 a 29 de maio, foram registradas mais de mil mortes pelo novo coronavírus em 24 horas. Atenta para a situação da pandemia no Brasil e em outros países da América, a Organização Mundial da Saúde diz que o pico do novo coronavírus no continente ainda não foi atingido. Em 22 de maio, a entidade classificou a América do Sul como o novo epicentro da pandemia, destacando que o Brasil é o local mais afetado da região.

O professor do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP, Eliseu Waldman, afirma que, em média, o Brasil tem um aumento de casos e mortes devido à covid-19. Para ele, a expansão da doença para algumas capitais, como a de Mato Grosso, por exemplo, e a interiorização do vírus preocupam. “Acho que os prefeitos, pressionados pelas forças econômicas de elite da cidade, acaba cedendo (na reabertura) e você tem aumento (de casos)”, diz.

O fato de o País não ter conseguido construir um consenso sobre as medidas de distanciamento social, delegado a governadores e prefeitos a decisão de abrir ou fechar suas regiões, também tem impacto no aumento da pandemia. “A gente está pagando um preço por isso”.

“Ainda não sabemos o tamanho do impacto da interiorização da epidemia. Provavelmente, cada Estado vai ser diferente e cidades pequenas e médias terão maior impacto porque não têm estrutura médica para atender”, analisa Waldman. “O próximo mês não será muito bom para o Brasil nem América Latina”, prevê o professor.

Gonçalo Junior e Ludimila Honorato, O Estado de S.Paulo
02 de junho de 2020 | 19h32

O que é o movimento 'Somos 70%' e outras iniciativas da sociedade civil contra o governo Bolsonaro?


Manifestantes na Avenida Paulista

Manifestantes de torcidas organizadas protestaram contra o presidente em S. Paulo / 
Direito de imagemAFP

Na semana passada, o economista Eduardo Moreira participava de um debate transmitido ao vivo no YouTube, em que discutia se o governo Jair Bolsonaro era sustentável.

Números de uma pesquisa Datafolha publicada naquela quinta (28/05) foram divulgados no meio do debate.

O levantamento mostrava que a rejeição a Bolsonaro havia crescido ao longo do mês em meio às crises sanitária, política e econômica no Brasil.

A pesquisa feita nos dias 25 e 26 mostrava que 43% dos brasileiros consideravam o governo ruim ou péssimo, 33% ótimo ou bom, 22%, regular e 2% não sabiam.

Foram ouvidos 2.069 adultos, com margem de erro de dois pontos percentuais.

Ouvindo a live, um usuário comentou: "Já está claro que 33% não se convence, se vence".

Foi a senha para que caísse uma ficha para Moreira. "É verdade, a gente nunca fala dos 70%. Caramba, 70% no Brasil é gente para caramba. Os 70% não estão parecendo, estão com medo. Então eles nunca conseguem se perceber como 70%. Os 30% se acham 70% e os 70% se acham 30%."

E foi então que começou o movimento "Somos70porcento", uma hashtag que se espalhou nos dias seguintes em redes sociais e que se junta a outras iniciativas suprapartidárias que surgiram nos últimos dias em defesa da democracia e contra Bolsonaro.

O presidente e aliados têm feito discursos a favor de uma eventual ruptura institucional - e é principalmente em defesa da democracia, da Constituição e do Estado de Direito que esses grupos surgiram.

Além dos Somos70%, há o movimento Estamos Juntos, lançado no sábado (30) e com 258.686 assinaturas até o início da tarde desta terça (02).

O movimento publicou um manifesto no sábado em uma página inteira na edição impressa de jornais.
"Somos mais de dois terços da população do Brasil e invocamos que partidos, seus líderes e candidatos agora deixem de lado projetos individuais de poder em favor de um projeto comum de país", diz o manifesto do grupo, que teve como signatários iniciais personalidades como Caetano Veloso, o youtuber e empresário Felipe Neto e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, entre outros. Também teve apoio do ex-ministro da Saúde de Bolsonaro Luiz Henrique Mandetta.

"Esquerda, centro e direita unidos para defender a lei, a ordem, a política, a ética, as famílias, o voto, a ciência, a verdade, o respeito e a valorização da diversidade, a liberdade de imprensa, a importância da arte, a preservação do meio ambiente e a responsabilidade na economia."

O Estamos Juntos também criou diversos grupos de WhatsApp para diferentes Estados do Brasil, com link público no site do movimento - tática dos bolsonaristas na campanha de 2018. Até hoje, o WhatsApp é visto como uma rede onde apoiadores do presidente se articulam.

Outro movimento, chamado Basta!, foi lançado por advogados e juristas no domingo (31). O manifesto do grupo, com mais de 600 assinaturas quando foi divulgado, dizia que o país é "jogado ao precipício de uma crise política quando já imerso no abismo de uma pandemia que encontra no Brasil seu ambiente mais favorável, mercê de uma ação genocida do presidente da República". Hoje, já tem 30 mil assinaturas.

'Panela fervendo'

No dia seguinte à live de que participou, o economista Moreira tuitou "Somos os 70%". O tuíte teve 1,3 mil retuítes e 12,8 mil curtidas. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, a hashtag #Somos70PorCento chegou a ocupar o terceiro lugar entre os assuntos mais comentados do Twitter no fim de semana.

Moreira, um economista carioca de 44 anos, tem 380 mil inscritos em seu canal de YouTube, em que dá dicas de finanças e faz lives sobre economia e política, e 135 mil seguidores no Twitter.

"Estabeleceu-se um consenso até e talvez principalmente na esquerda, que com esses níveis de popularidade, não dá para fazer muita coisa. Então, nós temos que esperar a popularidade do Bolsonaro cair até que a gente tenha o poder de entrar com impeachment… E isso é para mim a maior de todas as derrotas porque esse esperar, na situação que a gente tá vivendo, é muito caro. É muito caro em número de vidas", disse ele na live de quinta (28).

"Como não é a hora? É mais do que a hora. Já passou da hora. A gente precisa desse choque de realidade porque a panela está fervendo. (…) O mundo inteiro está vendo e aqui a gente não tá vendo. Já tá muito quente, vai todo mundo morrer nessa panela."

No dia 30, a apresentadora Xuxa Meneghel aderiu ao movimento. "Somos70porcento", tuitou.

Marina Silva uniu os três movimentos suprapartidários em um só tuíte: "#Juntos #Somos70porcento #Basta! Que surjam outras canções em defesa da vida, da dignidade humana, do desenvolvimento sustentável e da democracia".

Esses movimentos surgidos nos últimos dias começam a tomar uma forma contra o governo de Bolsonaro, que vem causando e enfrentando crises.

No domingo, setores de torcidas organizadas que se denominam como antifascistas foram às ruas no Rio de Janeiro, São Paulo e outras cidades brasileiras, somando-se aos movimentos online da sociedade civil.

Um crítico dos movimentos é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo a Folha de S.Paulo, ele criticou os manifestos em uma reunião do PT na segunda-feira. "Li os manifestos e acho que tem pouca coisa de interesse da classe trabalhadora. Não se fala em classe trabalhadora, nos direitos perdidos", disse o ex-presidente, segundo a Folha.

Fonte: BBC Brasil

A retórica "trumpesca" contra a imprensa e seus adeptos no Ocidente

Enquanto Trump demoniza a mídia, Bolsonaro manda repórteres calarem a boca. Com sua retórica, presidentes alimentam a divisão social e a violência. Jornalistas estão cada vez mais sob fogo – também em países europeus.

    Sede da CNN foi atacada em Atlanta, nos EUA, em 30 de maio

Sede da CNN foi atacada em Atlanta, nos EUA, em 30 de maio

A liberdade de imprensa vem sendo restringida mundo afora, também em democracias do Ocidente, onde, diferentemente do que ocorre em regimes autoritários, os governos raramente sujam as próprias mãos. Nos Estados Unidos de Donald Trump ou no Brasil de Jair Bolsonaro, evitam-se ordens de mordaça ou a censura estatal. Em vez disso, os presidentes alimentam a divisão social e a violência com sua retórica antimídia e a disseminação de fake news.

Nos EUA, as restrições ficaram evidentes mais uma vez na cobertura dos recentes protestos contra o assassinato do afro-americano George Floyd nos EUA: um correspondente da CNN foi preso em frente às câmeras; dois funcionários da agência de notícias Reuters e um correspondente de jornal sueco foram feridos por balas de borracha. O repórter da DW Stefan Simons caiu na linha de fogo da polícia.

"Trump demoniza a mídia e montou uma imagem clara do inimigo", disse Christian Mihr, diretor da organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) na Alemanha, em entrevista à DW. "Documentamos um total de 68 ataques contra jornalistas nos Estados Unidos nos últimos dias."

Além desses, foram registrados 26 ataques contra representantes da imprensa pela plataforma online US Press Freedom Tracker, o que significa que houve 94 de violência do tipo somente nos Estados Unidos desde o início do ano.

Para Mihr, esse desenvolvimento era previsível. "A mídia é vista como parte de um suposto sistema. Essa percepção é promovida deliberadamente por presidentes populistas, como Trump e Bolsonaro", afirmou o diretor da RSF, explicando que tais líderes querem mostrar que podem governar de forma "antissistêmica".

"Cala a boca!"

No Brasil, os principais órgãos de mídia do país anunciaram na semana passada a suspensão da cobertura dos pronunciamentos diários do presidente da República em frente ao Palácio da Alvorada, devido à falta de segurança. As emissoras de televisão Globo e Bandeirantes, o jornal Folha de S. Paulo e o portal de notícias Metrópoles disseram que não iriam mais enviar jornalistas para a residência oficial do presidente.

Segundo a mídia, o motivo é a hostilidade contínua por parte de apoiadores do presidente brasileiro. Quando estes ameaçaram invadir a área de imprensa, as forças de segurança do presidente Bolsonaro não teriam intervindo para proteger os jornalistas, explicaram os representantes de imprensa.


Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro em Brasília pedem fechamento do STF, em 9 de maio

Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro em Brasília pedem fechamento do STF, em 9 de maio

Bolsonaro vem insultando jornalistas em intervalos regulares. Quando os jornalistas perguntaram, no início de maio, sobre a troca do superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, ele gritou: "Cala a boca!" No final de março, quando um defensor de Bolsonaro acusou que a imprensa "colocava o povo contra o presidente", o mandatário acenou concordando.

Para o presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Marcelo Träsel, Bolsonaro e seu grupo político estimulam a agressividade contra repórteres, e a liberdade de imprensa nunca esteve sob tanto risco no Brasil desde a redemocratização.

Erosão da liberdade de imprensa na Europa

Os ataques a jornalistas e empresas de mídia estão aumentando também na Europa. Isso foi constatado no Relatório de Liberdade de Imprensa do Conselho da Europa 2020. Segundo o documento, foi reportado um total de 142 ataques graves contra jornalistas, em 32 dos 47 países-membros do Conselho em 2019.

Em seu Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa 2020, a ONG Repórteres Sem Fronteiras alertou para crescentes ameaças à mídia na Bulgária, Romênia, Hungria, Polônia, Grécia, Croácia, Malta e Reino Unido.

"No Reino Unido, as autoridades restringem regularmente a liberdade de imprensa, muitas vezes aludindo à segurança nacional", disse o relatório da RSF. Em 2018, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos avaliou a espionagem em massa de jornalistas no país europeu como uma violação do direito fundamental à liberdade de expressão e imprensa.

"A forma como a mídia é desacreditada e os jornalistas são difamados de forma generalizada no Reino Unido faz lembrar Trump em muitas declarações", disse Mihr, diretor da RSF, apontando que jornalistas foram excluídos das coletivas de imprensa e a retórica do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, seria "quase 'trumpesca'."

Corinne Vella, irmã da jornalista investigativa Daphne Caruana Galizia, assassinada em Malta em 2017, resumiu os ataques à mídia em países democráticos numa frase: "Os jornalistas não correm o maior risco se reportarem de zonas de guerra, mas se revelarem a corrupção em seu país de origem."

Quando jornalistas de um país da UE não se sentem mais seguros, isso representa um risco de segurança para toda a Europa, declarou Corinne Vella em novembro de 2019 em Berlim, no congresso Coreact da iniciativa Mafia? Nein Danke! (Máfia? Não, obrigado).

O diretor da RSF, Mihr, disse temer que Trump possa tirar proveito eleitoral do medo de tumultos. É por isso que o presidente dos EUA e os principais políticos republicanos também relutam em condenar a violência policial. Mihr: "Parece cínico, mas a violência de curto prazo pode ser benéfica para Trump."

Fonte: Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas. 

Democracia, valor universal

Fora das luzes democráticas, o que temos é a escuridão institucionalizada. Paulo Hartung, economista e duas vezes Governador do Espirito Santo, analisa este cenário e nos conduz à reflexão.

Em meio a uma trágica pandemia, a maior catástrofe vivida pelas atuais gerações, devastadora para vidas humanas e avassaladora para o sistema produtivo, o Brasil se obriga a enfrentar outra frente desafiante: a defesa da democracia como um valor essencial para organizar a nossa sociedade. Espantosa missão, seja porque há pouco mais de três décadas saímos de uma ditadura, seja porque já temos problemas demais a superar, seja porque “estamos em pleno século 21 sendo afrontados com discursos, ameaças e situações medievais”. Inacreditável, mas terrivelmente real.

A partir de 1964, foram 21 anos de arbítrio, com censura à imprensa e às artes, exílio forçado de concidadãos, cassação de direitos políticos, desaparecidos e presos políticos, torturas e mortes nos porões da opressão, supressão de eleições, interdições a liberdades civis e políticas (opinião, reunião, organização, etc.), entre tantas tragédias urdidas nos “anos de chumbo”. Ao fim, o poder civil recebeu o País com um endividamento externo irresponsável e a economia em frangalhos.

Nos anos 1970, na universidade, entrei nos movimentos sociais em busca da retomada das liberdades em nosso país. Nesse tempo de embates e formação política, tive um aprendizado fundamental: a democracia é um valor universal a nortear as formas de conquista e exercício do poder em toda e qualquer sociedade que se queira civilizada e humanística.

Sob a Constituição de 1988, reconstruímos a democracia. Não foi um tempo perfeito, como nenhum foi ou será, até porque a política não é feita por deuses, mas por seres humanos, suscetíveis de erros e imperfeições. Mas é inegável que percorremos um período de avanços socioeconômicos, com o funcionamento do Estado Democrático de Direito e as devidas correções de rumos e penalizações de desvios, por exemplo.

Entre as conquistas, podemos citar a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), a universalização do acesso à educação básica, a derrocada do flagelo da inflação e a criação do Real, a ocorrência de eleições periódicas e transparentes, com alternância de poder, os avanços nas agendas dos direitos humanos, do meio ambiente e da sustentabilidade, e uma abrangente rede de proteção social (Bolsa Família e outros).

Enfim, ainda que lidando com desafios gigantescos e mal administrando uma impositiva agenda de reformas estruturantes, mas incrementando nossa incipiente experiência democrática, o Brasil tornava-se pouco a pouco um país que jamais tinha sido, em seus mais de 500 anos de História.

Há uma agenda de ajustes? Sim! Pelo nível de suas entregas, temos uma estrutura governamental cara e ineficiente, além de atravessada por vícios de corrupção e assaltada por corporações cercadas de privilégios. Temos um País inaceitavelmente injusto, inseguro e desigual. A educação precisa se qualificar e se tornar contemporânea. A produção deve incrementar a sustentabilidade de seus processos, além de ampliar sua produtividade e competitividade. As instituições precisam se digitalizar, promovendo o reencontro do modus operandi governativo com o modus vivendi da sociedade.

É patente que, em função dessa realidade, agravada por ampliações de privilégios de grupo nas áreas pública e privada, recessão econômica e escândalos de corrupção, há uma insatisfação crescente da sociedade. Mas não há atalho para superarmos os desafios, especialmente atalhos à via democrática. O conserto disso tudo não é substituir a democracia pelo autoritarismo. Até porque os diversos períodos ditatoriais por que passamos não resolveram problemas históricos e quase sempre os agravaram.

A democracia não é um regime pronto e acabado, nem perfeito, mas é o melhor já produzido pela humanidade para organizar o exercício do poder em sociedades livres, igualitárias e fraternas. Como bem resumiu Winston Churchill, “a democracia é a pior forma de governo, exceto todas as outras que foram tentadas”.

Fora das luzes democráticas, o que temos é a escuridão institucionalizada, abrindo espaço a toda sorte de violências, perversões e injustiças que se alastram no submundo da ação política articulada em torno do obscurantismo e da deslegitimação da vontade e do poder do povo.

Como disse recentemente o ministro Luís Roberto Barroso, a “democracia não é o regime político do consenso, mas aquele em que o dissenso é legítimo, civilizado e absorvido institucionalmente”. E, neste tempo em que tanto necessitamos de lucidez, recomendou: “Precisamos de denominadores comuns e patrióticos. Pontes, e não muros. Diálogo, em vez de confronto. Razão pública no lugar das paixões extremadas. (...) Precisamos armar o povo com educação, cultura e ciência”.

Que a sociedade, a partir do entendimento e mobilização de todas as suas forças vivas, sustente a democracia como um valor central ao Brasil. Que sejamos capazes de superar este tempo excepcionalmente difícil como uma nação livre e plural e, assim, apta a transformar em plena realidade as nossas potencialidades de justiça social e prosperidade compartilhada.

Paulo Hartung, O Estado de S.Paulo
02 de junho de 2020 | 01h55

ECONOMISTA, PRESIDENTE EXECUTIVO DA INDÚSTRIA BRASILEIRA DE ÁRVORES (IBÁ), MEMBRO DO CONSELHO DO TODOS PELA EDUCAÇÃO, FOI GOVERNADOR DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (2003-2010 E 2015-2018)

segunda-feira, 1 de junho de 2020

Enquanto isso, o Brasil tem maior número de casos depois de EUA, 514.849, com 29.314 mortes e 206.555 pacientes recuperados

OMS: impossível prever pico no Brasil. Caem contágios na Itália. Pesquisa mostra que um em cinco alemães não se vacinaria contra covid-19. Espanha mais perto do desconfinamento total.

Brasilien Coronaviurs in Rio de Janeiro | Friedhof (Reuters/R. Moraes)

Cemitério coletivo no Rio de Janeiro / (Reuters/R. Moraes)


Resumo desta segunda-feira (01/06)

Mundo tem mais de 6,2 milhões de casos e quase 374 mil mortes; 
OMS: impossível prever pico da pandemia no Brasil
Itália registra cifras mais baixas desde fevereiro
Um quinto dos alemães não se vacinaria
ONGs alertam para danos colaterais na África
Espanha mais perto do desconfinamento total

17:30 – Itália registra menor número de novos casos desde fevereiro

A Itália acusou 178 novos casos de covid-19 nas últimas 24 horas, totalizando 233.197, informou a Agência de Proteção Civil nacional em comunicado. A cifra, a mais baixa desde fevereiro, confirma a tendência decrescente registrada nos últimos dias: 516 contágios em todo o país na sexta-feira, 416 no sábado e 355 no domingo.

Da mesma forma, o volume de novas mortes pela doença respiratória – 60, totalizando 33.475 – foi relativamente baixo. Cai também continuamente o número dos pacientes em tratamento intensivo, para 424.

As notícias representam um raio de esperança para o país duramente atingido pelo coronavírus, a dois dias da abertura planejada de suas divisas inter-regionais e das fronteiras com os países do Espaço de Schengen.

17:00 – Governador de NY apreensivo com contágios em manifestações

O governador do estado de Nova York, Andrew Cuomo, manifestou preocupação que os protestos em massa pela morte do afro-americano George Floyd possam colocar em risco a luta para conter a pandemia de covid-19.

O político democrata reconhece a luta dos manifestantes contra o racismo e as desigualdades sociais, mas confessou-se frustrado pelos eventuais efeitos negativos contra os dois meses de combate à pandemia. O estado tenciona retomar a atividade econômica em 8 de junho. A cidade de Nova York é uma das mais atingidas pela doença, em nível mundial.

"Ligando a televisão, veem-se as reuniões em massa que poderiam infectar centenas e centenas, depois de tudo o que fizemos. Devíamos tirar um minuto e nos perguntar: o que estamos fazendo aqui?", questionou Cuomo durante a coletiva de imprensa diária.

16:15 – Pior ainda não chegou para o Brasil, afirma diretor da OMS

O diretor-executivo da Organização Mundial da Saúde (OMS), Michael Ryan, informa que o pior da pandemia ainda não chegou para o Brasil. Assim como outros da América Central e do Sul, o país conta entre os que têm registrado os maiores aumentos diários de casos da doença, com transmissão ainda fora de controle.

"Claramente a situação em alguns países sul-americanos está longe da estabilidade. Houve um crescimento rápido dos casos, e os sistemas de saúde estão sob pressão.". Segundo Ryan, o pico do contágio ainda não chegou, "e no momento não é possível prever quando chegará".

O Brasil tem no momento quase 515 mil casos confirmados de covid-19, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, além de ser o quarto país em número de óbitos, (29.314).

13:15 – OMS delibera sobre suspensão de testes com hidroxicloroquina

Dentro de 24 horas, a Organização Mundial da Saúde (OMS) deverá dispor de informações suficientes para decidir se manterá suspensos os estudos sobre o uso da hidroxicloroquina (HCQ) contra o Sars-cov-2, comunicou sua cientista-chefe, Soumya Swaminathan.

A organização suspendeu em 25 de maio o assim chamado "Teste de Solidariedade", envolvendo 3.500 pacientes de 17 países. Os presidentes dos EUA, Donald Trump, e do Brasil, Jair Bolsonaro, estão entre os que promovem o emprego da conhecida droga antimalária no combate à covid-19, apesar de advertências médicas e indicações de que os riscos possivelmente suplantam eventuais benefícios.

No domingo, a Casa Branca anunciou que enviaria para o Brasil 2 milhões de doses de hidroxicloroquina, e que iniciaria uma iniciativa de pesquisa binacional sobre a substância, com testes randomizados.

10:45 – Espanha mais perto do desconfinamento total

Quatro pequenas ilhas da Espanha, três no arquipélago das Ilhas Canárias (Atlântico) e uma nas Ilhas Baleares (Mediterrâneo), começaram nesta segunda-feira a fase final do desconfinamento, antecipando o que metade do país experimentará a partir da próxima semana.

A partir de hoje, nas ilhas de La Gomera, El Hierro, La Graciosa e Formentera, por exemplo, será possível consumir dentro de bares e restaurantes, e não apenas nas mesas instaladas na rua (terraços), que ampliarão sua capacidade para 75%.

Também serão abertos shopping centers, zoológicos, aquários e cassinos, sempre com capacidade limitada, e atividades culturais podem ser realizadas em bibliotecas e museus.

Também outras áreas da Espanha estão começando uma espécie de segunda fase, como a região de Valência (leste) e as províncias andaluzas de Málaga e Granada, o que significa, por exemplo, poder acessar as praias, em algumas áreas muito importantes da costa mediterrânea espanhola.

Cerca de 70% da Espanha já está na segunda fase, que ainda não se aplica, por exemplo, a Madri, Barcelona e sua área metropolitana.

Com números cada vez mais positivos na evolução da pandemia - segundo dados oficiais, houve apenas duas mortes em 24 horas, e os casos registrados foram inferiores a 100 - espera-se que metade da Espanha comece no início da próxima semana a última fase de desconfinamento.

9:10 – ONGs alertam para danos colaterais na África

Organizações alertam que medidas de combate ao covid-19 no continente estão fazendo com que crianças não sejam vacinadas, outras doenças sejam negligenciadas, enquanto fome ameaça matar milhões de pessoas.

Como no resto do mundo, muitos países da África estão reestruturando seus sistemas de saúde para enfrentar a covid-19. Mas o que parece razoável implica que, em muitos lugares, vários programas rotineiros da área da saúde tenham sido cancelados.

8:15 – China registra leve aumento nos casos

As infecções "importadas" pelo novo coronavírus foram responsáveis por um leve aumento de novos positivos registrados no domingo na China, com 16 novos casos - 14 a mais do que no dia anterior.

As autoridades de saúde detectaram os 16 novos casos em viajantes que chegavam do exterior nas províncias de Sichuan (11), Mongólia Interior (3) e Guangzhou (2).

A Comissão Nacional de Saúde não anunciou novas mortes por covid-1919; portanto, esse número permaneceu em 4.634, entre os 83.017 casos oficiais na China desde o início da pandemia.

7:00 – Um em cada cinco alemães não se vacinaria

Uma pesquisa do instituto YouGov, a pedido da agência de notícias DPA, mostrou que, se houvesse hoje uma vacina contra o coronavírus disponível, um em cada cinco alemães não aceitaria tomá-la.

Segundo a sondagem, dois quintos dos alemães disseram que aceitariam certamente receber a vacina, enquanto um quinto afirmou que talvez o faria.

Já sobre a obrigatoriedade de uma possível vacina que prevenisse a covid-19, 44% dos questionados neste estudo responderam ser a favor, e 40% contra.  O governo alemão já sublinhou várias vezes que não incluirá no plano de vacinação obrigatório uma futura vacina contra o coronavírus.

A Alemanha mantém a epidemia de coronavírus relativamente sob controle. O país contabilizou até hoje 181 mil casos, com 8.511 mortos – 11 nas últimas 24 horas.

Lentamente, o país está levantando as medidas de restrição de movimento. Em grande parte do país, comércio e restaurantes foram reabertos.

6:30 – Brasil já supera meio milhão de casos

O Brasil superou, neste domingo, a marca de meio milhão de casos de covid-19. A cifra é alcançada pouco mais de três meses após o início da pandemia.

No total, já são 514.849 casos confirmados pelo Ministério da Saúde. Nas última 24 horas, o país também registrou 480 novas mortes, chegando a 29.314.

O Brasil é, desde sábado, o quarto país com mais mortes causadas pela doença, à frente da França.

A marca de 500 mil mortes é alcançada no dia em que o presidente Jair Bolsonaro voltou a contrariar orientações sanitárias de evitar aglomerações, unânimes entre especialistas de todo o mundo, e participou de mais uma manifestação contra o Supremo e o Congresso em Brasília.

Fonte: Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas. 

Em nota, Aras repudia atos que possam afetar a normalidade institucional

Texto assinado pelo procurador-geral da República afirma que Ministério Público está preocupado com ameaças a estabilidade

Em manifestação publicada na noite deste domingo (31/5), o procurador-geral da República, Augusto Aras, repudia atos que possam colocar em risco a normalidade institucional. A manifestação dele é assinada, também pelo procurador Fabiano Dallazen, presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG). As declarações ocorrem após protestos contra e a favor do governo em Brasília, São Paulo e no Rio de Janeiro.

Além disso, também neste domingo, o ministro Celso de Mello afirmou, por meio de uma mensagem enviada a interlocutores, que os "bolsonaristas" querem implantar "uma desprezível e abjeta ditadura militar".

No posicionamento, o Ministério Público pede respeito à Constituição. "A estabilidade da Nação depende do respeito à Constituição Federal por todos, especialmente pelos Poderes Constituídos. Nosso compromisso é com o Estado Democrático de Direito. Repudiamos atos que possam afetar o ambiente de normalidade institucional preservado desde a Lei Maior de 1988. Por isso, rejeitamos a intolerância, especialmente as fake news que criam estados artificiais de animosidade entre as pessoas, causando comoção social em meio a uma calamidade pública, com riscos de trágicas consequências para a povo", afirma um trecho do texto.

Após Celso de Mello citar Hitler, Gilmar Mendes pede 'ponderação e cuidado'

Celso de Mello: ''é preciso resistir à destruição da ordem democrática''
O texto ressalta que existem preocupações com a ordem democrática. "O Ministério Público brasileiro está preocupado com este estado de coisas e cumprirá com os seus deveres constitucionais na salvaguarda da ordem jurídica que sustenta as instituições do país", completa.  
Tags #manifestação #augusto aras #atos constituição

RS Renato Souza
postado em 31/05/2020 19:24

Torcidas organizadas planejam novos atos contra Bolsonaro e a favor da democracia

Segundo a Associação Nacional das Torcidas Organizadas do Brasil (Anatorg), foram registrados protestos em 14 Estados.

O movimento Somos Democracia nasceu de forma autônoma dentro da torcida do Corinthians. Foto: Nelson Almeida/AFP

Torcidas organizadas e coletivos de torcedores pretendem fazer novos atos a favor da democracia e contra o presidente Jair Bolsonaro, a exemplo da manifestação realizada no último domingo, na Avenida Paulista. Participantes do protesto afirmam que apesar da mobilização não ter um líder geral, tem se caracterizado por reunir grupos que têm pautas similares dentro do espectro político.

Segundo a Associação Nacional das Torcidas Organizadas do Brasil (Anatorg), foram registrados protestos semelhantes no Brasil em 14 Estados. As mobilizações apresentaram como tema a defesa da democracia, luta contra o fascismo e críticas ao governo federal. Em São Paulo, o ato com a presença de membros da torcida organizada teve início por volta das 12 horas e teve, na maior parte, integrantes da Gaviões da Fiel, principal facção do Corinthians.

'Deixa eles sozinhos no domingo', diz Bolsonaro a apoiadores sobre atos contra o governo

Além do clube alvinegro, também compareceram torcedores de Palmeiras, Santos e São Paulo. Inicialmente o movimento tinha como objetivo principal se contrapor em ideias ao protesto favorável ao governo federal também marcado para a Avenida Paulista, no mesmo horário. A meta de se posicionar criticamente a Bolsonaro reuniu torcidas, coletivos e grupos que costumam ficar em lados opostos quando se trata de futebol. Já há mobilizações para novos protestos no próximo domingo.

Confronto na Paulista

Confronto na Paulista

Manifestantes na Avenida Paulista neste domingo, 31. Foto: TABA BENEDICTO/ESTADAO

Por parte da Gaviões da Fiel, quem organizou a mobilização foi o estudante de história e motorista de aplicativo Danilo Pássaro, de 27 anos. "O movimento nasceu de forma autônoma, não foi algo articulado entre torcidas organizadas, mas de cidadãos que se reúnem em jogos do Corinthians e sentem que existe uma escalada autoritária no Brasil", disse. No entanto, houve um esforço para que outras torcidas também participassem. "Temos pessoas que conhecem lideranças de outras torcidas e que fizeram o contato para selar a participação. Se está pela democracia, pode se somar. Não importa o time", completou.

O grupo que protestou reuniu ainda movimentos intitulados antifascistas dos três outros grandes clubes paulistas: Palmeiras, Corinthians e Santos. Grande parte dos presentes prefere não se identificar, para evitar exposição. Fora os coletivos de torcedores, também participaram pessoas que não pertencem a esses grupos, mas são seguidores das equipes e se posicionam como opositores a Bolsonaro.

É o caso do designer palmeirense Gabriel Santoro, de 37 anos. "Fiquei sabendo que teria essa manifestação e para mim, a ideologia política está acima de qualquer clube. Todos nós temos a preocupação sobre a situação brasileira, com uma série de manifestações perigosas contra STF (Supremo Tribunal Federal), Congresso e contra a nossa democracia", afirmou.

Segundo os torcedores que participaram da manifestação, o ato começou por volta do meio-dia e terminou pouco antes das 14 horas sem incidentes. Os participantes afirmam que o confronto iniciado na sequência com a Polícia Militar (PM) teve como estopim uma provocação feita por militantes pró-Bolsonaro, que estavam em outro ponto da Avenida Paulista e se aproximaram do grupo com faixas, bandeiras e xingamentos. A PM reagiu ao tumulto e a confusão teve bombas, fogo ateado em lixo e vidros quebrados.

"Estamos vivos e ativos. Não vamos aguentar calados. O que não cabe no Corinthians é um sujeito que apoiou a ditadura. Nosso movimento de domingo abriu a porteira para os próximos", disse um dos fundadores da Gaviões da Fiel, Chico Malfitani, de 70 anos. Na opinião dele, também pesou dentro da organizada a preocupação com a própria pandemia do novo coronavírus. Nos últimos 40 dias, 12 membros foram vítimas fatais da covid-19. As perdas motivaram a algumas pessoas a criticarem o governo por considerarem ineficazes as medidas de combate à doença.

Em Belo Horizonte o protesto das organizadas contra Bolsonaro reuniu cerca de mil pessoas no centro da cidade. A forma como a manifestação foi convocada ajuda a entender como o movimento pretende se espalhar pelo Brasil: a ligação entre as torcidas de diferentes clubes e a existência de filiais dessas facções espalhadas pelo País fortalece a rede de contatos.

Um membro da Galo Antifa, do Atlético-MG explicou ao Estadão que a mobilização contou com células mineiras de torcidas de times cariocas, além de movimentos dos times locais que já tinham se posicionado contra Bolsonaro, como coletivos feministas. "Temos um embrião da união das torcidas antifascistas unificadas. Estamos combinando mais ações, mas vamos evitar divulgar para quem é de fora do grupo", disse o torcedor.

Para o presidente da presidente da Anatorg, Alex Sandro Gomes, o Minduín, a mobilização da torcidas tem como combustível uma série de reclamações antigas, como a própria repressão à atividade das organizadas. "As torcidas aglutinaram várias pautas para se manifestar e o crescimento de movimentos ultradireitistas têm inflado todos esses ânimos", avaliou.
 
Ciro Campos, O Estado de S.Paulo
01 de junho de 2020 | 14h54

Militar da ativa e militar da reserva

Por quem falam, afinal, os militares no governo?

Existe o militar da ativa e o militar da reserva. Os militares da ativa e da reserva que trabalham no governo. E os que não trabalham. Existe a elite militar, e a tropa militar. E por aí vamos. Militar é gênero de múltiplas espécies.

Muitos tendem a perceber os militares como um só todo. Com obrigações, valores, missões, benefícios, ideologias, limites únicos. Como bloco uniforme e monolítico.

Não são, não. Diferem, e muito.


Neste artigo publicado pela Folha de São Paulo, o escritor, advogado e professor Joaquim Falcão, explica o que distingue um militar do serviço ativo do militar reformado, ou seja, da reserva remunerrada. 

Toda a carreira do militar da ativa é formalizada, previsível e institucionalizada por critérios objetivados, diria o ministro Ayres Britto. Etapas adequadas ao mérito e treinamento que tiveram. O soldo é predeterminado. A hierarquia profissional prevalece. São obrigados ao silêncio obsequioso. São proibidos de se manifestar politicamente.

Já com o militar da reserva que vai para o governo, não. É opção individual. Depende de sua vontade e do convite político. O cargo no governo, seja no primeiro, segundo ou qualquer escalão, necessariamente não corresponde ao treinamento que receberam na ativa. Ao ir para o governo, a renda individual do militar da reserva, em geral, aumenta.

A hierarquia é outra. Às vezes, generais da reserva disputam publicamente posições dentro do governo. Falam, debatem e discordam em público. Mais ainda. Quando militar na ativa comete alguma falta, é julgado na Justiça Militar. De legislação e critérios próprios. Quando em cargo de governo, não. Generais vão depor diante de delegados. E, às vezes, são contraditados.

A evidência destas diferenças de posicionamento entre militar da ativa e militar da reserva, dentro do mesmo governo, está ficando cada vez mais nítida. Para o brasileiro, em geral. Globalmente também.
E, com certeza, gera tensões internas. E externas.

Como ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno enviou o seu alerta ao ministro Celso de Mello. Mas não assinou somente como ministro. Sua letra mostra que assinou como general. Qual, afinal, a identidade dos militares em cargos de governo? A que são obrigados? Por quem falam? É o que o Brasil quer saber.

Desde 1988, as Forças Armadas fizeram claro esforço para recuperar a imagem dos militares desgastada pela ditadura. Nacional e internacionalmente. Não somente por causa dos limites constitucionais. Mas por voluntária autolimitação.

Conseguiram. O que tem sido extremamente saudável para o Estado democrático de Direito.
Construíram confiança e legitimidade ao adotarem comportamento democrático diante do poder. Todas as pesquisas de opinião e de confiança nas instituições demonstraram o sucesso dessa política por anos.

As Forças Armadas, as igrejas e a imprensa são instituições em quem os brasileiros mais confiam.
Essa conquista das Forças Armadas é um ativo que não precisa correr nenhum risco. Mas deve estar passando agora por um “stress test”. Devido ao crescente número de militares da reserva assumindo cada vez mais cargos e responsabilidades no governo federal.

​Os militares da reserva no governo não têm responsabilidade direta sobre a imagem da corporação como um todo. Mas interferem. Queiram ou não. A responsabilidade direta pela imagem é dos militares da ativa fora do governo.

Será que essa imagem vai passar imune a este período de extrema radicalização política?
Difícil saber. As tensões e diferenças internas entre militares movem-se como placas tectônicas. Mas é certo que política e governo são um risco às Forças Armadas.

Lembro muito de um episódio simbólico, no final do governo João Baptista Figueiredo. Houvera reunião de ministros da Cultura de vários países em Veneza. Representando o Brasil, foi, então secretário de Cultura, o designer pernambucano Aloísio Magalhães. Que sofreu um acidente vascular cerebral em pleno discurso que fazia.

Faleceu lá mesmo. Uma tragédia.

​Dias depois, alguns membros do Conselho da Fundação Pró-Memória foram a Brasília conversar com o ministro de Educação e Cultura, o general Rubem Ludwig. Que os surpreendeu ao dizer: “Quem deveria ter ido a Veneza era eu. Mas mandei o Aloísio. Não achei que a cultura brasileira deveria se apresentar ao mundo através de um general”.

Ou seja, há limites. Existem valores intangíveis para os militares ocuparem cargos no governo. E se politizarem.

Militar é carreira de Estado. Não de governo.

Joaquim Falcão, o autor deste artigo, é doutor em educação pela Universidade de Genebra, mestre em direito pela Universidade Harvard, membro da Academia Brasileira de Letras e professor da Escola de Direito do Rio da FGV.

Os democratas precisam conversar


Forças políticas que têm suas diferenças, mas compartilham a defesa das liberdades, devem se reaproximar

Nestes 32 anos de vigência da Constituição de 1988 e nos 35 da saída dos militares do Planalto, não houve momentos em que a estabilidade democrática parecesse estar por um fio. A morte de Tancredo antes da posse foi uma tragédia mitigada aos poucos, à medida que o vice, José Sarney, com a habilidade dos velhos políticos conservadores, foi conduzindo o país até a primeira eleição direta pós-ditadura para presidente, em 1989. Os acidentes no percurso da renascida democracia continuaram. Fernando Collor de Mello sucumbiu ao impeachment, em uma crise acompanhada com adequada distância pelos militares. Nem a perspectiva da subida do PT pela rampa do Planalto causou temores. Transcorreram sem sustos 13 anos com a esquerda no Executivo, vencendo-se ainda mais um impeachment, de Dilma Rousseff.

Mas Jair Bolsonaro e o que pensa, quem o cerca e a conjuntura histórica em que país e mundo se encontram passaram a ser a maior ameaça à democracia brasileira neste período de uma geração.

Ter a extrema direita no Planalto, na democracia, é uma experiência nova que gera enormes pressões sobre todos os poderes republicanos. Seria o mesmo se fosse a extrema esquerda. Num mundo digitalizado, os ataques a pessoas e a instituições se multiplicam, há muito ruído, agitação, e o que cabe fazer é aplicar a Constituição sem recuos.

O Congresso, mesmo com a limitação das sessões remotas, cumpre sua pauta, e o Judiciário trabalha. Mas a grave crise política exige mais. Bolsonaro, quem diria, usa o método chavista de cooptar militares — alguns da ativa —, para comprometê-los com seu projeto de poder. Finja-se de desentendido quem quiser, mas a estratégia é clara. O uso desta fórmula da experiência bolivariana acrescenta mais tensão ao momento.

A sociedade precisa encontrar a saída de uma situação em que crises provocadas pelo presidente se sucedem e são amplificadas por manifestações, concentradas em Brasília nas últimas semanas, nada expressivas, mas causadoras de intranquilidades, pois são potencializadas por milícias digitais. Tudo transcorre numa séria crise humanitária, social e de saúde pública, em que o número de mortes já se aproxima dos 30 mil, e dentro de uma hecatombe econômica. São ingredientes que favorecem a quem deseja criar o caos para dele se aproveitar.

Durante a semana, ministros do Supremo e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, fizeram o que se espera deles. Defenderam as instituições, frisaram o papel vital da democracia, enalteceram a necessidade do diálogo. Mas falta para todas essas acertadas intenções uma via política, que só será construída se os democratas dos diversos matizes se entenderem. Forças políticas que têm diferenças no campo da economia, na área social e outras, mas compartilham zonas de intercessão na defesa das liberdades, têm de se reaproximar.

Esta via política não deve excluir Bolsonaro, que, por sua vez, precisa fazer um gesto pelo entendimento, a melhor alternativa também para ele e seu governo. Com a pacificação, o presidente abrirá espaços de negociação no Congresso, para além do centrão, a fim de executar sua agenda, paralisada, como tudo, devido à crise política. E continuará assim com o fim da epidemia, se este momento não for superado.

O Brasil republicano já venceu fases difíceis, e conseguiu superá-las com a ajuda de alianças entre segmentos políticos que aceitaram deixar de lado diferenças e se unir em torno de interesses compartilhados contra o inimigo comum que ameaçava a todos com a supressão da democracia. Foi assim na resistência ao Estado Novo getulista (1937-45), na ditadura militar (1964-1985/88), e em ambas as transições para a democracia.

Fechada a saída inviável da luta armada, após a decretação do AI-5, e deixada para trás a fase do “milagre econômico”, esgotado na insolvência do modelo, a memória ainda está viva de como liberais, a chamada esquerda democrática e mesmo frações mais à esquerda se entenderam sobre o melhor caminho para a abertura democrática, que não passava pela violência. E numa negociação bem-sucedida entre experientes políticos de direita e de esquerda, incluindo egressos do velho regime, teceu-se um entendimento sobre a abertura com militares geiselistas que venceram o confronto com falanges de extrema direita nos porões da ditadura. São os herdeiros ideológicos daqueles comandos radicais criados nos subterrâneos do regime militar que chegaram ao poder com Bolsonaro. Importa que o país tem de contornar a atual crise da melhor maneira, dentro da lei e pelo diálogo.

É preciso reaprender com a História e voltar a costurar o entendimento entre forças democráticas — mesmo com nuances —, como na década de 70 e início dos anos 1980, desta vez para proteger a Constituição de 1988, que tem garantido anos de estabilidade, sem a qual o Brasil se tornará um pária no mundo. As pressões bolsonaristas contra o Supremo são um ataque à Carta. Mas o país tem a vantagem de contar com instituições edificadas. Não se trata mais de enfrentar a ditadura de Getúlio nem a dos generais. Trata-se de sustentar a democracia, na qual há espaço para todos.

Editorial de O Globo, edição de 31//05/2010

Governo nomeia indicado do Centrão para comandar fundo de R$ 30 bi da educação

Marcelo Lopes Pontes vai substituir Karine Silva dos Santos, que ocupava o cargo desde dezembro e é alinhada ao ministro Abraham Weintraub

O governo nomeou o chefe do gabinete do senador Ciro Nogueira (Progressistas-PI), Marcelo Lopes da Ponte, para a presidência do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que tem um orçamento de R$ 29,4 bilhões neste ano. A nomeação foi publicada na edição desta segunda-feira, 1, do Diário Oficial da União.

Ele vai substituir Karine Silva dos Santos, que ocupava o cargo desde dezembro e é alinhada ao ministro da Educação, Abraham Weintraub.

Bolsonaro vai entregar presidência do Banco do Nordeste ao PL de Valdemar Costa Neto

Ciro Nogueira

O senador Ciro Nogueira Foto: Dida Sampaio/Estadão - 2/8/2011

A entrega do fundo a um nome indicado pelo Centrão – bloco informal da Câmara formado por Progressistas, PL, Republicanos, PTB, Solidariedade, DEM e PSD – faz parte da estratégia do presidente Jair Bolsonaro para ganhar apoio no Congresso. O objetivo do governo é ter uma base consolidada para aprovar projetos e, principalmente, barrar um eventual processo de impeachment.

Vinculado ao Ministério da Educação, o FNDE é um dos espaços mais cobiçados por políticos. É responsável desde a contratação de livros escolares, transporte de alunos ao programa federal de financiamento estudantil. Foi por meio do órgão que a pasta contratou uma empresa para fornecer kits escolares a estudantes que, segundo o Ministério Público, está envolvida em um esquema, revelado em março pelo Estadão, que desviou R$ 134,2 milhões de dinheiro público da saúde e da educação na Paraíba.

O governo já havia nomeado na Diretoria de Ações Educacionais do fundo um indicado ao PL, sigla do ex-deputado Valdemar da Costa Neto, condenado no mensalão. Garigham Amarante Pinto, assessor do partido na Câmara, assumiu o cargo no 18 de abril.

Inicialmente, Weintraub chegou a reclamar com o presidente por retomar a prática do “toma lá, dá cá”, no qual o governo distribui cargos em troca de votos no Congresso. Mas teve que “engolir seco”. O presidente se irritou com o subordinado, inclusive o acusando de ter vazado informações sobre a negociação.

No ano passado, o órgão foi alvo de uma disputa entre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o ministro. Um indicado pelo deputado, Rodrigo Sérgio Dias, foi exonerado da presidência do fundo em dezembro.

Redação, O Estado de S.Paulo
01 de junho de 2020 | 08h45

O que é o artigo 142 da Constituição, que Bolsonaro citou por intervenção das Forças Armadas

"Você vai corroendo a democracia por dentro, destruindo as instituições, dando verniz de legalidade. Mas é evidente que a Constituição não está prevendo sua autodestruição".

Bolsonaro em cavalo acena para manifestantes

Bolsonaro andou a cavalo em manifestação a seu favor em Brasília / Direito de imagemREUTERS

O vídeo da reunião ministerial do governo Bolsonaro foi divulgado em meados de maio, mas continua a ter desdobramentos. Um dos principais envolve a referência que o presidente Jair Bolsonaro fez ao artigo 142 da Constituição Federal, citando a possibilidade de "intervenção" no país.

"Nós queremos fazer cumprir o artigo 142 da Constituição. Todo mundo quer fazer cumprir o artigo 142 da Constituição. E, havendo necessidade, qualquer dos Poderes pode, né? Pedir às Forças Armadas que intervenham para restabelecer a ordem no Brasil", disse Bolsonaro na reunião.

Depois disso, o artigo começou a ser citado por apoiadores do presidente para defender a tese de que as Forças Armadas seriam uma espécie da mediador da queda de braços entre o presidente e o STF (Supremo Tribunal Federal), que autorizou investigações envolvendo filhos de Bolsonaro. Nessa visão, o presidente poderia convocá-las para intervir no poder judiciário.

'Bolsonaro gosta do STF quando lhe dá decisão positiva. Se é negativa, prefere não brincar de democracia', diz professora da FGV

O advogado Ives Gandra Martins também defendeu essa tese. No entanto, essa interpretação é considerada totalmente equivocada por juristas e professores de direito não ligados ao governo.

Mas afinal, o que diz o artigo e o que ele significa?

Regramento militar

O artigo 142 da Constituição não trata de divisão entre os poderes, mas descreve o funcionamento das Forças Armadas. Segundo constitucionalistas, em nenhum momento ele autoriza qualquer poder a convocá-lo para intervir em outro.

O texto é o seguinte:

"As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem."

Roberto Dias, professor de direito constitucional da FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas), diz que "essa interpretação de que esse artigo seria uma autorização para uma intervenção militar é absurda".

"É como se a Constituição previsse sua própria ruptura, e logicamente é algo que não faz sentido. É uma interpretação jurídica, política e logicamente insustentável", diz ele.

Uma intervenção militar é uma ruptura da ordem constitucional, explica Dias, porque a separação e independência de poderes e as garantias individuais são as principais bases da Carta.

A análise é mesma de outros juristas ouvidos pela BBC News Brasil, como a professora de direito Vania Aieta, da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).

Ela explica que o fato de o artigo estabelecer as Forças Armadas sob a autoridade do presidente da República permite que ele o acione em caso de guerra com outros países, ou em casos como auxílio à grandes eventos, como na Copa do Mundo. Mas não dá à ele o direito de intervir em outros poderes — muito pelo contrário, diz explicitamente que "são instituições nacionais permanentes e regulares" destinadas à "à garantia dos poderes constitucionais", não à intervenção neles.

Manifestantes na Avenida Paulista

Manifestantes protestaram contra o presidente em São Paulo / Direito de imagemAFP

"É uma compreensão errônea que o presidente tem. Ele não faz uma distinção entre o público e o privado — sempre fala 'meu Exército, meu tribunal, meu procurador-geral', como se fosse incorporado um caráter privado à essas funções, como se estivessem ligadas à pessoa de Bolsonaro, e não ao cargo de Presidente da República", diz ela.

"Bolsonaro não conhece o que é governo e o que é administração pública." Governos são formados por representantes do povo, eleitos a cada quatro anos, e tem caráter transitório. Já a administração pública são as políticas de Estado, ou seja, têm caráter permanente.

"As Forças Armadas pertencem ao Estado brasileiro, não para satisfazer desejos pessoais do presidente", diz Aeita.

Manifestantes na Avenida Paulista

Também houve manifestações a favor do presidente / Direito de imagemAFP

A professora de direito constitucional da UFPR (Universidade Federal do Paraná) Estefânia Barboza reforça essa análise.

"De maneira nenhuma pode-se imaginar que as Forças Armadas são do presidente em proveito dele da família dele. Porque a questão está sendo colocada (e gerando atritos) é a investigação sobre os filhos", afirma.

Não existe Poder Moderador

A fala do presidente e a forma como o artigo tem sido usado por seus apoiadores, diz Roberto Dias, da FGV-SP, tentam fazer parecer "como se houvesse uma previsão constitucional que dá às Forças Armadas a função de um poder moderador".

O Poder Moderador era previsto na Constituição do Império de 1824, e ele funcionava como mediador entres os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) em caso de divergências, dando a última palavra.

"Estamos na vigência da Constituição de 1988, que não prevê um poder que estaria acima dos outros para intermediar. A Constituição não dá às Forças Armadas o poder de intervenção militar em outros poderes", diz Dias. "O presidente tem 200 anos de atraso na sua interpretação da Constituição."

Manifestante lança objeto contra policiais em SP

Protesto terminou em confronto com a Polícia Militar / Direito de imagemGETTY IMAGES

"A Constituição de 1989, explica, prevê a separação dos poderes para haver um controle do poder pelo próprio poder, pela própria interação entre eles. As Forças Armadas não estão nesse jogo, elas não fazem parte do jogo político", explica Dias.

Para Gandra Martins, em artigo publicado no site Conjur no último dia 28, a Constituição prevê que "se um Poder sentir-se atropelado por outro, poderá solicitar às Forças Armadas que ajam como Poder Moderador para reporter, naquele ponto, a lei e a ordem, se esta, realmente, tiver sido ferida pelo Poder em conflito com o postulante".

Estefânia Barbosa, da UFPR, diz que justamente por isso o número de militares nomeados para o alto escalão do governo Bolsonaro é "preocupante". "As Forças Armadas não podem ser governo, porque elas tem que ser neutras."

Barbosa explica que não existe previsão na Constituição de o Exército atuar contra o exercício legítimo do Poder Judiciário.

"A possibilidade de um dos poderes convocar as Forças Armadas existe, por exemplo, caso haja um ataque armado de militantes ao Supremo, ao Congresso, à Presidência da República — eles podem chamar para se defender. Mas de maneira nenhuma esse artigo justifica o ataque de um poder ao outro", explica Barbosa, da UFPR.

"Isso é o que acontece em países autoritários, com o regime do ex-presidente Alberto Fujimori no Peru e hoje no regime da Venezuela", diz.

Os constitucionalistas afirmam que existem diversas hipóteses para a interpretação do presidente.

"Ele pode estar juridicamente mal assessorado, com pessoas que escolhem submissão total por focar em um indicação ao Supremo", diz Vania Aeita, da UERJ.

Já Roberto Dias, da FGV-SP, diz que a hipótese mais provável é que o presidente "pretenda dar um verniz de legalidade para uma possível intervenção militar".

"Uma intervenção com essa justificativa seria um golpe sem dizer que é golpe", afirma.

"É o que explicam diversos estudiosos sobre como governos derrubam a democracia sem golpe", diz Dias, citando o professor de Harvard Steven Levitsky, autor do livro Como as Democracias Morrem.

"Você vai corroendo a democracia por dentro, destruindo as instituições, dando verniz de legalidade. Mas é evidente que a Constituição não está prevendo sua autodestruição".

Letícia Mori
Da BBC News Brasil em São Paulo