Em vídeo gravado, em razão da pandemia, presidente diz que Brasil é vítima de uma campanha brutal de desinformação sobre a Amazônia e o Pantanal.
O presidente Jair Bolsonaro fez um discurso nesta terça-feira (22) na 75ª Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU). A fala foi apresentada por meio de um vídeo gravado. Por causa da pandemia de Covid-19, a reunião da ONU neste ano, baseada na sede da entidade em Nova York, teve de ser virtual.
Bolsonaro disse que o Brasil é "vítima" de uma campanha "brutal" de desinformação sobre a Amazônia e o Pantanal. Segundo ele, a floresta amazônica é úmida e só pega fogo nas bordas e os responsáveis pelas queimadas são “índios” e “caboclos”. Disse também que as orientações para as pessoas ficarem em casa na pandemia “quase” levaram o país ao “caos social”.
A equipe do Fato ou Fake checou as principais declarações de Bolsonaro. Leia:
“Por decisão judicial, todas as medidas de isolamento e restrições de liberdade foram delegadas a cada um dos 27 governadores das unidades da federação. Ao presidente, coube o envio de recursos e meios a todo o país”
#NÃOÉBEMASSIM. Veja o porquê: Em abril, o STF decidiu que os governos estaduais e municipais têm poder para determinar regras de isolamento e quarentena em razão da pandemia. A decisão da Corte reconheceu a autonomia das cidades e dos estados de tomar decisões na pandemia, mas não eximiu o governo federal de responsabilidade sobre a crise de saúde.
“Não eximiu, pelo contrário, reforçou a competência dos Executivos”, afirmou o ministro Luiz Fux em uma live transmitida pelo jornal “O Globo” em junho. “O Supremo não exonerou o Executivo federal das suas incumbências porque a Constituição Federal prevê que, nos casos de calamidade, as normas federais gerais devem existir. Entretanto, como a saúde é direito de todos e dever do estado, num sentido genérico, o estado federativo brasileiro escolheu o estado federado em que os estados têm autonomia política, jurídica e financeira”, disse Fux.
O governo federal, inclusive, tomou medidas sobre a pandemia nos últimos meses. Em julho, por exemplo, Bolsonaro sancionou uma lei que obriga o uso de máscaras em locais públicos de todo o país.
“Concedeu auxílio emergencial em parcelas que somam aproximadamente US$ 1.000 para 65 milhões de pessoas”
#NÃOÉBEMASSIM. Veja o porquê: No anúncio do programa, o governo definiu que o auxílio ia ser pago em três parcelas. Depois, estendeu para mais duas parcelas, todas de R$ 600. O último anúncio, em setembro, incluiu mais quatro parcelas, no valor de R$ 300 cada uma. Com isso, cada trabalhador aprovado no programa pode receber, ao final dos pagamentos, R$ 4,2 mil.
Na cotação mais atualizada do dólar, de 22 de setembro, o valor corresponde a aproximadamente US$ 766, e não US$ 1 mil. O auxílio recebido só é maior no caso de mães que são chefes de família, que recebem dobrado.
De acordo com o governo, as primeiras parcelas do auxílio atingiram, de fato, mais de 65 milhões de pessoas. O texto da prorrogação do benefício de setembro, porém, restringe quem pode receber as novas parcelas. Ele proíbe que alguns dependentes recebam o benefício. Detentos em regime fechado e residentes no exterior – que chegaram a receber parcelas de R$ 600 antes de serem excluídos do programa – também não terão direito.
Por isso, para os pagamentos das parcelas de R$ 300, está prevista a reavaliação dos beneficiários aprovados – tanto para o início dos pagamentos quanto no decorrer dos mesmos.
Ou seja, o número de beneficiários que irão receber as parcelas de R$ 300 será menor que o de beneficiários que receberam as parcelas de R$ 600.
“Mesmo sendo uma das 10 maiores economias do mundo, somos responsáveis por apenas 3% da emissão de carbono”
A declaração é #FATO. Veja o porquê: O país é o sétimo maior emissor do mundo, sexto se desconsiderar a União Europeia. É fato, porém, que é responsável por 3,4% das emissões globais. Os dados estão no Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), com base no CAIT, que é um cômputo de emissões do World Resources Institute.
“Mas 3% é muita coisa, ainda mais considerando que 44% das emissões vêm de desmatamento, que não gera riqueza. 3% é mais do que quase todos os países desenvolvidos emitem. É mais do que todos os países europeus emitem individualmente, mais do que o Japão emite individualmente, mais do que a Austrália emite individualmente”, afirma o Observatório do Clima.
“No tocante às mudanças climáticas, o Brasil não é o maior vilão, mas também não é o mocinho. Ao considerar também as emissões de desmatamento (normalmente fora dos rankings globais), o Brasil é o 4º país que mais contribui para o aquecimento global. Só perde para EUA, China e Rússia”, afirma o professor Raoni Rajão, do Departamento de Engenharia de Produção da UFMG e coordenador do Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais.
"Nossa floresta é úmida e não permite a propagação do fogo em seu interior. Os incêndios acontecem praticamente nos mesmos lugares, no entorno leste da floresta, onde o caboclo e o índio queimam seus roçados em busca de sua sobrevivência, em áreas já desmatadas"
A declaração é #FAKE. Veja o porquê: A floresta permanece úmida em algumas regiões, mas o avanço do desmatamento e a abertura de estradas levaram à perda de parte de suas características originais, e, assim, a Amazônia se tornou mais suscetível a grandes incêndios, explica o ambientalista Antonio Oviedo, assessor do Instituto Sócio-Ambiental (ISA), ONG presente na Amazônia há 25 anos.
“Afirmar que a floresta é úmida como um todo era algo verdadeiro há 60 ou 70 anos; hoje, com 20% desmatado, isso não é mais um fato. Ela é úmida em áreas como no interior do Rio Solimões ou no alto do Rio Negro, onde não tem muitas estradas, mas mesmo lá o fogo já tem entrado, por conta do desmatamento. Quando se fragmenta a floresta em blocos, vem o efeito de borda. Quanto mais bordas tiver, mais seca fica, e facilita a entrada do fogo”, afirma Oviedo.
Ane Alencar, diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), ONG que desde 1995 trabalha pelo desenvolvimento sustentável na região, reforça que “o desmatamento, a exploração da madeira e outras atividades humanas mudam a condição da floresta úmida como barreira ao fogo”, e que “a floresta não queima sempre no mesmo lugar”, ao contrário do dito pelo presidente Bolsonaro, mas, sim, onde o incêndio é provocado.
Porta-voz do Greenpeace, Rômulo Batista, há 15 anos na Amazônia, lembra que não se pode mais falar da região como uma floresta primária. “A Amazônia sofre com desmatamento, extração de madeira, clareiras, e isso faz com que mais sol entre no interior da floresta e seque a matéria orgânica, o que favorece quando há incêndio. Ela queima mesmo úmida. De 1º de setembro até hoje, 44% dos focos foram em áreas de floresta já degradadas”, esclarece.
Sobre os focos na área do “entorno leste” da floresta, citada por Bolsonaro, esta não é a região onde se concentra o maior número de incêndios florestais, de acordo com dados de 2019 do IPAM. Nenhum dos dez municípios líderes em focos localiza-se no extremo leste amazônico, nos estados do Maranhão e do Tocantins – as cidades ficam no Amazonas, Pará, Roraima, Rondônia e Mato Grosso. As regiões da BR-319 (Porto Velho-Manaus), BR-163 (trecho Cuiabá-Santarém) e BR-364 (trecho Porto Velho-Rio Branco) são especialmente críticas.
“O arco do desmatamento vem de Rondônia, no oeste da Amazônia, na região completamente oposta (à da fala de Bolsonaro), passa pelo sul do Amazonas e o norte do Mato Grosso, e sobe pelo leste do Pará”, afirma o porta-voz do Greenpeace.
A respeito da autoria dos incêndios, dados de satélite monitorados pela Nasa mostram que, neste ano, 54% dos focos na Amazônia tiveram como origem o desmatamento. Um novo sistema da agência espacial dos Estados Unidos capaz de apontar em tempo real a localização de queimadas e as razões pelas quais surgem, revelou, em agosto, que as pequenas queimadas para limpeza de pastagem foram responsáveis por 12,81% das ocorrências; já o desmatamento, por 54,34%.
Ainda sobre a relação entre os indígenas e as queimadas, o Observatório do Clima ressalta que uma nota técnica do IPAM também mostrou que apenas 7% das queimadas no ano passado ocorreram em terras indígenas, que correspondem a 25% da região. “Vamos desmistificar essa ideia que os indígenas queimam a Amazônia; 42% do desmatamento amazônico ocorre em terras públicas não destinadas ou sem informação cadastral. Ou seja, são áreas que estão sendo ocupadas por atividades como grilagem, particulares que querem se apossar de terras públicas”, aponta Ane Alencar, do IPAM.
“Não tem a mínima condição de imaginar que uma comunidade indígena é responsável por um incêndio de 200 km². Indígenas, caboclos e ribeirinhos fazem um roçado numa área de 20 x 20 metros, um fogo que não se alastra”, diz Antonio Oviedo, do ISA. “Sobrevoei áreas desmatadas, e depois queimadas, de 4 mil, 5 mil hectares. É inconcebível um pequeno agricultor, um ribeirinho ou uma família indígena fazer isso”, atesta o porta-voz do Greenpeace.
O Observatório do Clima, citando os dados da Nasa, também classifica as afirmações do presidente acerca da origem das queimadas como “mentira”. “As queimadas ocorrem por desmatamento, práticas agrícolas e incêndios que escapam para florestas.”
O ambientalista Raoni Rajão, professor da Universidade Federal de Minas Gerais, também afirma ser incorreto atribuir o fogo na Amazônia à agricultura de subsistência de “índios e caboclos”. “Grande parte das queimadas ocorre em áreas de desmatamento recente (e não em áreas agrícolas consolidadas), e é utilizada para acabar de ‘limpar’ as áreas para formação de pastagens principalmente”, diz Rajão.
O professor cita um estudo da UFMG em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que mostrou que 52% das queimadas de 2019 ocorreram em imóveis médios e grandes. “[Nestes imóveis] também ocorreram 67% do desmatamento de agosto de 2019 até julho de 2020.”
“As grandes queimadas [no Pantanal] são consequências inevitáveis da alta temperatura local, somada ao acúmulo de massa orgânica em decomposição”
A declaração é #FAKE. Veja o porquê: Embora a alta temperatura e a baixa umidade relativa do ar agravem as queimadas e dificultem o combate às chamas no Pantanal, não é verdade que incêndios devastadores como os deste ano sejam inevitáveis ou provocados por fatores naturais. De acordo com Alexandre Martins Pereira, analista ambiental do Prevfogo-Ibama, a única causa natural para os incêndios florestais são as descargas elétricas atmosféricas - ou seja, os raios. Imagens de satélites da Nasa comprovam que o primeiro foco do incêndio que atingiu o Pantanal teve início em uma fazenda no dia 30 de junho, quando não houve ocorrência de raios na região.
Cruzando informações obtidas por essas imagens com os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o inquérito da Polícia Federal concluiu que o fogo no Pantanal começou em quatro fazendas vizinhas. Isso reforça a tese de que o incêndio foi criminoso e provocado propositalmente pela ação humana, a partir do uso indevido do fogo para limpar áreas utilizadas para pastagem. As chamas se alastraram, destruindo 3 milhões de hectares do bioma, atingindo áreas de preservação, sua vegetação nativa e matando animais silvestres. Essa é a principal linha de investigação da PF.
Além disso, o monitoramento do Inpe também aponta que o número de focos de incêndios no Pantanal até o dia 21 de setembro deste ano é o maior da série histórica, iniciada em 1998. No período, foram registrados 16.119 focos de queimadas no bioma. O recorde anterior era de 12.536 focos em 2005.
A redução na fiscalização é parte relevante da política ambiental do governo Bolsonaro. Ex-funcionários dos órgãos de preservação relatam forte pressão do presidente e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ao cumprirem as atividades de vigilância. Em 2019, o ex-diretor do Inpe, Ricardo Galvão, foi demitido, mesmo com mandato vigente, após o governo questionar os dados do Inpe sobre a alta do desmatamento na Amazônia. O órgão voltou a ser atacado ao divulgar os dados das queimadas do Pantanal – desta vez, pelo vice-presidente Hamilton Mourão. Na reunião ministerial de 22 de abril, o ministro Ricardo Salles sugeriu que o governo aproveitasse que a cobertura da imprensa estava focada na pandemia para “passar a boiada” e afrouxar regulamentações ambientais.
“O Brasil já participou de mais de 50 operações de paz e missões similares, tendo contribuído com mais de 55 mil militares, policiais e civis, com participação marcante em Suez, Angola, Timor Leste, Haiti, Líbano e Congo”
A declaração é #FATO. Veja o porquê: Segundo o Ministério das Relações Exteriores, os dados são verdadeiros e constam da página oficial do Itamaraty. De acordo com informações do primeiro semestre deste ano, atualmente, o Brasil participa com 258 efetivos em nove missões das Nações Unidas nos seguintes locais: Líbano, Sudão do Sul, Saara Ocidental, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Darfur, Chipre, Abyei e Iêmen.
“No primeiro semestre de 2020, apesar da pandemia, verificamos um aumento do ingresso de investimentos, em comparação com o mesmo período do ano passado. Isso comprova a confiança do mundo em nosso governo”
A declaração é #FAKE. Veja o porquê: Segundo dados do Banco Central, os investimentos diretos no país somam US$ 22,841 bilhões no primeiro semestre deste ano, uma queda de 26,6% na comparação com o mesmo período do ano passado (US$ 31,147 bilhões). É o menor valor, para esse período, desde 2009 (US$ 13,895 bilhões), ou seja, em 11 anos. Naquele momento, a economia mundial sentia o impacto da crise do "subprime", uma crise imobiliária que aconteceu nos Estados Unidos em 2008 e gerou impactos na economia mundial.
Por Clara Velasco, Laís Modelli, Roney Domingos, Alexandro Martello, Hellen Guimarães e Roberta Pennafort, G1, O Globo e CBN / 22/09/2020 18h24 Atualizado há 9 minutos.