quinta-feira, 4 de setembro de 2025

Honorários bilionários na AGU

É preciso acabar com o repasse de pagamentos feitos por partes vencidas em processos a advogados públicos

Riscos justificam honorários de sucumbência no setor privado; no público, o Estado já financia o trabalho e servidores têm estabilidade

Fachada da Advocacia-Geral da União, em Brasília (DF) - Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Num país com renda média do trabalho na casa dos R$ 3.400 mensais e teto do funcionalismo de R$ exatos R$ 46.366, é inconcebível que carreiras do sistema de Justiça usem manobras legais para obter remunerações que, por vezes, chegam aos seis dígitos.

O exemplo escandaloso mais recente se dá na Advocacia-Geral da União (AGU). Em janeiro deste ano, pouco mais de 12 mil membros do órgão receberam R$ 1,7 bilhão referente a honorários de sucumbência. Em julho, foram mais R$ 2,3 bilhões. Somando-se os demais meses, esses advogados públicos receberam um total de R$ 5 bilhões no período.

A média dos repasses em julho ficou em R$ 192 mil por servidor beneficiado, sendo que quase metade do grupo ganhou valores próximos a R$ 310 mil —caso do ministro Jorge Messias, chefe da AGU, com R$ 307,9 mil.

Honorários de sucumbência, valores pagos pela parte perdedora num processo à parte vencedora, fazem sentido no setor privado, dados os riscos assumidos por advogados e escritórios.

No setor público, constituem uma insensatez que atenta contra a moralidade administrativa, pois o Estado já financia toda a estrutura necessária ao trabalho, sem contar a estabilidade e os benefícios do funcionalismo.

Honorários de sucumbência para advogados da AGU e procuradores da Procuradoria-Geral Federal, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e do Banco Central foram instituídos por uma lei de 2016, que foi validada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Isso não torna a prática aceitável nem torna o dinheiro público bem empregado. As verbas poderiam ser usadas em áreas prioritárias, em vez de turbinar a conta bancária de servidores.

Os pagamentos são realizados pelo Conselho Curador dos Honorários Advocatícios (CCAH), uma entidade de natureza privada, cujos conselheiros também são beneficiados pelos recursos. De 2017 a 2014, o CCHA recebeu R$ 15,8 bilhões da União.

Tais honorários de sucumbência podem criar incentivos nefastos, ao fazer com que profissionais do serviço público direcionem atenção a processos que tragam maior retorno financeiro.

A reforma administrativa em gestação na Câmara dos Deputados poderá promover alterações em fundos privados de advogados públicos, entre outras medidas para conter supersalários. Há grande risco, porém, de que lobbies e corporativismo detenham a empreitada.

De todo modo, é imperativo abrir caminho para eliminar essa prática nada republicana que atenta contra o erário.

Editorial da Folha de S. Paulo, em 03.09.25 (edição impressa) / editoriais@grupofolha.com.br

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