terça-feira, 12 de janeiro de 2021

'No governo Bolsonaro, país vive um aumento das violações de direitos humanos', diz superintendente do Fundo Brasil

A frente da instituição que distribui recursos para organizações da sociedade civil, Ana Valéria Araújo acredita que, em 2021, brasileiros não verão avanços nos direitos humanos. Trabalho será para 'conter retrocessos'


Superintendente do Fundo Brasil, Ana Valéria Araújo Foto: Divulgação

O ano de 2020 ficará marcado na história. A Covid-19 assolou o Brasil e uma de suas inúmeras consequências foi o agravamento das violações de direitos humanos já vividas por muitas comunidades e populações tradicionais do país e o aprofundamento das desigualdades de gênero, raça e classe. O desafio foi ainda maior em função do discurso governista antidireitos, avalia a advogada Ana Valéria Araújo.

Ela está à frente do Fundo Brasil de Direitos Humanos, uma fundação instituída por Abdias do Nascimento, Margarida Genevois, Rosie Marie Muraro e Dom Pedro Casaldáliga em 2006 com o objetivo de encontrar formas alternativas para garantir a sustentabilidade de organizações que atuam na defesa dos direitos humanos Brasil afora. Desde sua criação, a organização já distribuiu R$ 29,5 milhões a mais de 550 projetos pelo país.

Especializada em direitos indígenas e na defesa dos direitos socioambientais, a superintendente do Fundo Brasil ressalta as violações sofridas pelos povos indígenas durante a pandemia — de acordo com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), 161 povos foram afetados pela doença, 44.261 casos foram confirmados e 921 indígenas morreram por causa da Covid-19.

Em entrevista à CELINA, ela afirma que o governo de Jair Bolsonaro atua em duas frentes: fortalece uma narrativa que permite o recrudescimento da violência contra defensores dos direitos humanos e contra populações vulneráveis e também promove o desmonte de estruturas institucionais criadas para assegurar o cumprimento desses direitos e a participação desses atores nos espaços de decisão.

— Embora tenha sido precarizada em 2020, a sociedade civil organizada está atuante e é graças a ela que está sendo possível resistir a um desmonte maior. Nós não estamos num momento de trabalhar para avançar em direitos, mas de resistir para que não haja retrocessos.

CELINA: O ano que passou foi desafiador. As pessoas que já tinham seus direitos humanos violados ficaram ainda mais vulneráveis no Brasil?

Ana Valéria Araújo: Sem dúvida. A pandemia agrava a situação para toda a população brasileira, mas, para os mais vulneráveis, ela criou uma série de dificuldades de sobrevivência, de acesso material à alimentação, à saúde e à higiene. A gente tem um país onde direitos humanos são violados de formas muito diversas. Basta olhar para os povos indígenas, que estão em uma situação absolutamente difícil de disputa territorial, com questões que há tempos tinham sido superadas voltando à tona nos últimos dois anos, fortalecidas pelo discurso do governo de que é preciso desenvolver a Amazônia a qualquer custo. Isso faz com que os indígenas sejam vistos como um obstáculo. As queimadas e o desmatamento aumentaram nas terras indígenas, mas isso é negado pelo governo. Junto com os indígenas, pode colocar os quilombolas e todas as comunidades tradicionais que vivem no campo. O panorama para elas é similar.

Todas essas populações que têm seus direitos recorrentemente violados, no ano de 2020 ficaram ainda mais vulneráveis, seja porque tiveram que brigar por outros direitos e se expuseram ainda mais, seja porque mal conseguiram colocar luz sobre suas lutas porque a pandemia tomou conta da pauta. O pouco recurso que as organizações da sociedade civil tinham para implementar as lutas de defesa de direitos foram deslocados para o que era emergencial, ou seja, saúde e alimentação.

Historicamente, embora o Estado seja o maior responsável por garantir e assegurar os direitos humanos, ele também viola esses direitos. A senhora avalia que isso piorou nos últimos anos?

No governo Bolsonaro, vivemos um quadro de aumento de violações de direitos humanos. Se a gente olhar para o campo, a entidade que tem a obrigação constitucional de defender terra indígena, demarcar terra quilombola e proteger e buscar solucionar os conflitos no campo passou a  incentivar esses conflitos. No discurso, o governo incentiva invasão de terra, invasão por garimpeiro, diz que não tem desmatamento nem queimada e vai incrementando uma violência que já é forte. Além dos órgãos de participação, também teve desmonte no Ibama, no ICMbio e na Funai. Desde que o Bolsonaro assumiu, esse é um governo que age dos dois lados: procura desmontar a estrutura de direitos e incentiva com o discurso que a violência recrudesça.

Isso também se reflete na cidade. Quando você tem um governo que faz piada do racismo, das mulheres e das religiões de matriz africana, com uma narrativa quase oficial incentivando a população a fazer o mesmo, aqueles que já eram racistas, homofóbicos e machistas se sentem absolutamente liberados. A gente vê a coisa recrudescer de uma forma muito violenta.

Qual papel devem exercer a sociedade civil organizada e o setor privado neste contexto, em 2021?

Embora tenha sido precarizada em 2020, a sociedade civil organizada está atuante e é graças a ela que está sendo possível resistir a um desmonte maior. Existe um movimento grande de impedir que se passem leis ainda piores no Congresso, de levar às questões ao Judiciário. Nós não estamos num momento de trabalhar para avançar em direitos, mas de resistir para que não haja retrocessos. Isso está sendo feito de uma maneira heroica, por organizações muito precarizadas por conta da situação econômica e da pandemia, mas conduzidas por lideranças muito fortes, que enfrentam essas ameaças e que estão lá, à frente dessas lutas.

Fortalecer a sociedade organizada é fundamental. E quem é que pode fazer isso? A própria sociedade, enquanto cidadãos, reconhecendo a importância dessas organizações e se colocando ao lado delas. A imprensa e o setor privado têm um papel fundamental nisso. Até porque a luta da sociedade organizada precisa não só de apoio político, mas de recursos. O Fundo Brasil de Direitos Humanos faz isso, mobiliza esses recursos para destinar para organizações que atuam na ponta.

O que podemos esperar para 2021?

A pandemia continua sendo um desafio. O Fundo Brasil teve um fundo emergencial em 2020 e distribuiu mais de R$ 2,5 milhões para ações em todas as partes do país. Agora temos quatro editais — um específico para enfrentamento ao racismo, outro de justiça criminal, um terceiro para a população LGBTQIA+ e outro mais geral, que vai contemplar trabalhadores informais. Vamos apoiar cerca de 75 projetos nos próximos 18 meses, com cerca de R$ 3,5 milhões. Esses recursos são flexíveis para que as organizações os coloquem nas suas maiores necessidades e 30% podem ser alocados para necessidades impostas pela Covid.

Em 2021, seria fundamental que a gente pensasse a sociedade civil organizada dessa maneira. Ainda vai ser necessário algum aporte para a resposta à pandemia, mas é preciso que esses recursos também possam ser utilizados na reestruturação das organizações para que elas possam se reerguer e, com isso, apoiar se não os avanços, as ações necessárias para conter as tentativas de desmonte.

Na última década, a defesa dos direitos humanos passou a ser questionada por uma parcela da sociedade, que a considera 'mi mi mi' ou uma pauta de esquerda. Como reverter isso?

Eu fico me perguntando como chegamos a esse ponto. Há uma desinformação muito grande sobre os direitos humanos e também uma necessidade enorme de comunicar para a população que eles são os direitos de todos e todas. A partir do momento em que a sociedade compreender isso, vai ter mais empatia. A gente peca pela falta de compreensão, que, historicamente, se deu porque a sociedade civil organizada é pequena e faz três milhões de coisas ao mesmo tempo.

As organizações que defendem os direitos humanos estão defendendo sobretudo o avanço civilizatório do nosso país e o fortalecimento da nossa democracia. A gente vinha num processo crescente de educação e comunicação nesse sentido. Mas, de um tempo para cá, isso começa a retroceder em função desse novo governo, que tem um discurso radicalmente antidireitos. Há uma disputa de narrativa muito forte que nós traz para onde estamos agora. Estávamos avançando e fazendo o que era preciso em termos de comunicação e discurso, mas fomos, digamos assim, atropelados por essa contra narrativa.

Leda Antunes / O GLOBO, Caderno Celina, em 11.01.2021.

Merval Pereira sobre a bolsonarização dos quartéis: ainda dá tempo

O presidente Jair Bolsonaro tem um projeto de poder muito perigoso. Ele, que cultiva desde o início de sua carreira os grupos militares, e sempre foi representante corporativo deles, como tenho debatido aqui nos últimos dias, tem marcado presença em várias formaturas, não apenas das três Armas - Exército, Marinha e da Aeronáutica -, mas também das polícias Militar, Federal, e Rodoviária Federal.

Dois projetos de lei que estão na Câmara, de autoria de deputados bolsonaristas, revelados pelo jornal Estado de S. Paulo, restringem o poder dos governadores sobre braços armados do estado, com mudanças na estrutura das polícias Civil e Militar, certamente saíram dessa tentativa de Bolsonaro de cooptar as Forças Armadas e as forças policiais auxiliares, que fazem parte do sistema de defesa nacional, mas não têm nenhum tipo de autonomia funcional, que sempre quiseram. Ainda dá tempo de pará-lo. 

Transformar a PM numa polícia independente, que não seja uma força auxiliar, acaba criando uma quarta força armada, o que é temerário. Já há uma preocupação muito grande com essa bolsonarização dos quartéis e da Polícia Militar, com mais de quatro mil militares em diversos escalões no governo, da ativa e da reserva, inclusive no ministério, numa tentativa de influenciar ideologicamente as forças auxiliares e as baixas patentes das Forças Armadas.

O primeiro levante de uma PM na Nova República aconteceu em 1997 em Minas, e o ex-deputado Marcus Pestana, que era secretário do governo, lembra que o Estado Maior perdeu totalmente o controle da tropa. “Como se falava na época, os coronéis começaram a obedecer ao cabo (Cabo Júlio foi o líder simbólico na época)”. Conquistaram espaços parlamentares corporativos, e nunca mais os princípios da hierarquia e disciplina foram os mesmos.

Os projetos de seus aliados criam ainda uma nova estrutura na organização das Polícias Militares, com cargos de oficiais superiores. Teríamos, pois não creio que os projetos sejam aprovados, generais de quatro, três e duas estrelas nas Polícias Militares. Vários governadores estaduais, que perderiam na prática o comando das polícias militares e civis, estão se movimentando, e o de São Paulo, João Doria reagiu: “Não há nenhuma razão que justifique, exceto a militarização desejada pelo presidente Jair Bolsonaro para intimidar governadores através de força policial militar”.

Os projetos preveem mudanças na estrutura das polícias, estabelecendo mandatos de dois anos para os comandantes-gerais da PM, dos Bombeiros e delegados-gerais de Polícia Civil, escolhidos por uma lista tríplice. O ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, confirmou que seu ministério está acompanhando a tramitação dos projetos, e tem se reunido com representantes das categorias envolvidas e deputados federais.

As propostas de bolsonaristas são a concretização de um projeto de poder militar que sustente os avanços de Bolsonaro sobre as limitações que as instituições democráticas lhe impõem. O presidente da República usa seus poderes para, de um lado, dar protagonismo aos militares em seu governo, ao mesmo tempo que cuida de seus proventos e dos projetos que mais lhes são caros, como o submarino nuclear.

Os projetos de defesa nacional são importantes, mas não poderiam ser prioridades neste momento de pandemia e crise social aguda. Ao mesmo tempo que se queixa de que o país “está quebrado” e que não pode fazer nada, Bolsonaro permite o contigenciamento de verbas sociais e para o combate da COVID-19, e proíbe o bloqueio das verbas militares.

Censura descabida

 A anunciada decisão do ministério da Justiça de processar Rui Castro, e por tabela Ricardo Noblat, que transcreveu parte da crônica do primeiro, por um suposto incentivo ao suicído dos presidentes Trump e Bolsonaro, seria cômico se não fosse trágico.

  Muito antes deles, Jair Bolsonaro, em campanha, convocou seus apoiadores no Acre a “fuzilar esses petralhas”, segurando um tripé simulando uma metralhadora. Ainda como deputado, Bolsonaro sugeriu que os militares na ditadura deveriam ter assassinado 30 mil brasileiros, a começar pelo ex-presidente Fernando Henrique.

 Mas, na época, havia governos democráticos no país. 

Merval Pereira, Jornalista e Escritor, membro da Academia Brasileira de Letras, é analista de política n'O GLOBO e na GloboNews. Este artigo foi publicado originalmente em 12.01.2021.

Medidas impulsionam ‘audácia antidemocrática’ das polícias, diz antropólogo

Ex-secretário nacional de Segurança Pública, Luiz Eduardo Soares afirma que o Rio já é exemplo de como governadores são reféns das forças policiais e critica projeto para dar mais ‘autonomia’ às corporações

Entrevista com Luiz Eduardo Soares, antropólogo e ex-secretário nacional de Segurança Pública

Uma das maiores autoridades do País em Segurança Pública, o antropólogo Luiz Eduardo Soares critica o projeto que busca dar mais “autonomia” às polícias Civil e Militar, revelado pelo Estadão na segunda-feira, 11. A ideia, diz, tornaria as corporações ainda mais alheias a controles externos. Isso, segundo o ex-secretário nacional de Segurança Pública, já ocorre desde que as polícias criaram para si o que chama de “enclave” pós-ditadura militar - que as teria deixado de fora da cultura democrática construída no País.

“Se as medidas propostas forem aprovadas, o enclave se libertará dos constrangimentos que hoje ainda limitam sua audácia antidemocrática”, afirma o pesquisador. 

O antropólogo e professor da Uerj Luiz Eduardo Soares Foto: Acervo Pessoal

Coordenador de Segurança, Justiça e Cidadania no governo do Rio entre 1999 e 2000, quando foi demitido pelo governador Anthony Garotinho após denunciar a existência de uma “banda podre” na polícia, Soares diz que os mandatários estaduais são reféns das corporações. O status de secretaria dado pelo governador afastado Wilson Witzel (PSC) às polícias Civil e Militar, por exemplo, seria fruto disso. 

“O Rio engrenou o retrocesso antes do conjunto do País. O fim da Secretaria de Segurança foi o último gesto de um processo que pode ser definido como a rendição do poder civil à força das corporações policiais, das quais os governadores tornaram-se reféns”, aponta. 

Confira abaixo a entrevista ao Estadão

Como o senhor avalia essas medidas que buscam dar mais “autonomia” às polícias, como a criação de um Conselho Nacional de Polícia Civil e lista tríplice para escolher o comandante-geral da PM?

Analisadas em conjunto, as medidas propostas apontam numa mesma direção: a autonomização das polícias, relativamente às autoridades política, civil e republicana. A intenção é blindar as instituições policiais dos controles externos e torná-las ainda mais opacas do que já são. Esse movimento que visa ao insulamento corporativo é extremamente grave porque, se bem sucedido, consolidaria o enclave em que as polícias se encapsularam desde a promulgação da Constituição. Elas formaram um enclave institucional, refratário à Constituição e à cultura democrática. Desde 1988, elas nunca se submeteram aos poderes da República. 

Como assim?

As polícias, a despeito de contradições e resistências internas respeitáveis – porém isoladas –, formaram um “gueto” não homogêneo, que cultiva e preserva valores, visões de mundo, crenças e práticas da ditadura. Enquanto a sociedade, apesar das contradições, começava a enfrentar o racismo e as desigualdades, o enclave permanecia impermeável aos avanços sociais, reativando a memória da escravidão e a violência típica do regime militar. O enclave foi viabilizado pela cumplicidade de segmentos importantes do MP e da Justiça, assim como de governadores e políticos. Se as medidas propostas forem aprovadas, o enclave se libertará dos constrangimentos que hoje ainda limitam sua audácia antidemocrática.

O Rio foi na linha desse projeto de lei ao dar status de secretaria para as polícias. O que o senhor tem achado dessa experiência de fim da Secretaria de Segurança?

O Rio engrenou o retrocesso antes do conjunto do País. O fim da Secretaria de Segurança foi o último gesto de um processo que pode ser definido como a rendição do poder civil à força das corporações policiais, das quais os governadores tornaram-se reféns.

Bolsonaro tem os militares como base e costuma frequentar cerimônias de formatura País afora, especialmente no Rio (onde três a cada quatro agendas dele são com militares). O senhor vê uma tentativa de “bolsonarizar” as polícias? Qual é o perigo disso?

A maioria dos policiais era de bolsonaristas avant la lèttre, antes de Bolsonaro. O presidente apenas deu corpo e inscreveu no campo político a cultura do enclave: as crenças e práticas herdadas da ditadura, refratárias ao Estado democrático de direito, insubmissas ao controle externo e à autoridade civil republicana. As milícias são apenas a hipertrofia mais ostensiva de uma patologia institucional patrocinada pela pusilanimidade que se generalizou.

Caio Sartori, O Estado de São Paulo, em 12 de janeiro de 2021

MDB escolhe Simone Tebet para disputar presidência do Senado

Decisão da bancada é tomada um dia depois de o PT anunciar apoio ao candidato do DEM, Rodrigo Pacheco

 A bancada do MDB escolheu nesta terça-feira, 12, a senadora Simone Tebet (MS), para disputar a presidência do Senado. A decisão foi tomada um dia depois de o PT anunciar apoio ao candidato do DEM, Rodrigo Pacheco (MG), em decisão que chamou a atenção pelo fato de o senador também ter o aval do presidente Jair Bolsonaro.

Desde que Bolsonaro acertou com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (AP), o respaldo à candidatura de Pacheco, os governistas do MDB traçaram outra estratégia. Os líderes do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (PE), e no Congresso, Eduardo Gomes (TO), atenderam ao apelo de Bolsonaro e desistiram de entrar no páreo. Eduardo Braga, líder do MDB no Senado, seguiu o mesmo caminho ao perceber que não teria chance.

A senadora Simone Tebet (MDB-MS), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) Foto: Gabriela Biló/Estadão

Presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Tebet é apontada nos bastidores do Congresso como um nome que vai para a disputa apenas para marcar posição e indicar independência do partido em relação ao Planalto, mas sem ser competitiva. A senadora sempre foi próxima do grupo Muda Senado e defensora da Lava Jato e do ex-juiz Sérgio Moro.

Na Câmara, o MDB apresentou a candidatura do deputado Baleia Rossi (SP), que preside o partido e tem como principal rival Arthur Lira (Progressistas-AL), chefe do Centrão. O PT aderiu à campanha de Baleia, mas avaliou que, com seu apoio no Senado, o MDB ficaria muito forte e se aliou a Pacheco, mesmo estando do mesmo lado de Bolsonaro.

“O PT resolveu apoiar quem eu tenho simpatia no Senado”, ironizou Bolsonaro, nesta terça-feira, 12, em conversa com apoiadores, no Palácio da Alvorada. “Eu nunca conversei com deputado do PT, PC do B e PSOL, nem eles procuraram falar comigo. Eu já sei qual é a proposta deles”.

No Senado, o MDB é a maior bancada e tenta voltar ao comando do Legislativo após ser derrotado por Alcolumbre, em 2019. Ainda nesta terça, o partido filiou dois novos senadores: Veneziano Vital do Rêgo (PB), que deixou o PSB, e  Rose de Freitas (ES), antes no Podemos. Com isso, a bancada aumentou de 13 para 15 integrantes.

A eleição que renovará a cúpula da Câmara e do Senado está marcada para fevereiro. Os chefes das duas Casas têm poder de pautar projetos de lei e vetos de Bolsonaro. Os ocupantes desses cargos também têm papel chave na eleição presidencial, em 2022, pois comandarão as pautas do Legislativo no período.

Daniel Weterman, O Estado de São Paulo, em 12 de janeiro de 2021

Depender da soja brasileira é o mesmo que apoiar o desmatamento da Amazônia, diz Macron

Em vídeo publicado em rede social, o presidente francês Emmanuel Macron relaciona a soja brasileira com o problema ambiental e fala em produzir o grão na Europa

 O presidente da França, Emmanuel Macron, fez críticas ao desmatamento da Amazônia e citou especificamente a soja brasileira, relacionando-a ao problema ambiental. "Continuar a depender da soja brasileira seria apoiar o desmatamento da Amazônia", afirmou Macron, em sua conta oficial no Twitter. A publicação dele é acompanhada de um vídeo, no qual comenta a 

 "Nós somos coerentes com nossas ambições ecológicas, estamos lutando para produzir soja na Europa", afirmou o presidente francês. Macron comanda nesta semana o "One Planet Summit", uma cúpula formada por cerca de 30 chefes de Estado, empresários, representantes de Organizações Não Governamentais (ONGs), evento do qual o Brasil não participa. O tema neste ano foi dedicado à preservação da biodiversidade.

O presidente francês, Emmanuel Macron.  Foto: Valda Kalnina/EFE/EPA

Embora a França não seja individualmente um dos principais compradores da soja brasileira, quase 20% das exportações para a União Europeia, bloco do qual os franceses fazem parte, são de soja e farelo de soja produzidos pelo Brasil, mostram dados da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério da Economia consultados pelo Estadão/Broadcast.

No ano passado, o Brasil enviou US$ 28,342 bilhões em exportações para o bloco europeu, sendo US$ 2,9 bilhões em farelo de soja (10%) e US$ 2,6 bilhões em soja (9,3%).

Individualmente, o Brasil exportou US$ 27,1 milhões em soja para a França, além de US$ 544 milhões de farelo de soja, de um total de US$ 1,983 bilhão em embarques para o país europeu.

Apesar do baixo valor, técnicos ponderam que a União Europeia tem uma dinâmica própria do bloco, tendo Países Baixos e Espanha como as principais portas de entrada dos embarques de soja feitos pelo Brasil, devido à sua estrutura portuária. Depois de ingressar na UE é que a soja segue para o destino final.

Por isso, a análise dos dados agregados pode ajudar mais a mostrar o que está em jogo. Segundo os dados, Países Baixos receberam US$ 1,11 bilhão em soja brasileira no ano passado, enquanto a Espanha, US$ 957 milhões. Juntos, esses países responderam por 7,2% das exportações de soja feitas pelo Brasil.

Procurados pela reportagem, os ministério da Economia e da Agricultura disseram que não comentariam as declarações de Macron.

A declaração de Macron é dada no momento em que a União Europeia e o Mercosul negociam um acordo comercial, mas o fracasso brasileiro na proteção ambiental, na opinião de algumas autoridades europeias, seria um entrave para avançar no tema.  O desmatamento nas florestas brasileiras está no holofote de governos da Europa e grandes investidores globais, que passaram o último ano pressionando o governo de Jair Bolsonaro por medidas para conter o problema ambiental, sob a ameaça de retirada de investimentos do País.

“A França hoje deixa claro que não quer mais contribuir com o desmatamento, mesmo que seja por meio da sua demanda de soja. O cerco está de fato apertando e o Brasil precisa mandar sinais claros de que está preocupado e disposto a solucionar o desmatamento”, afirma o pesquisador da iniciativa Trase, plataforma de fiscalização de cadeias de commodities, André Vasconcelos, sediada em Londres.  Ele frisa que o sinal não vem apenas da França.

“Hoje, a Bélgica e a Espanha anunciaram a entrada no grupo 'Amsterdam Declaration Partnership' - formado por nove países europeus, incluindo a França - que se comprometeu a eliminar o desmatamento associado às suas importações de commodities, como a soja”, diz. 

Desmatamento em fazendas de soja

Estudo recente elaborado pela Trase, conjuntamente com a Imaflora e ICV, apontou que no maior Estado brasileiro produtor de soja, Mato Grosso, 27% de todo o desmatamento observado entre 2012 e 2017 ocorreu em fazendas do grão.  O estudo mostrou que 80% do desmatamento ilegal em fazendas de soja ocorreu em 400 imóveis, que representam apenas 2% do número total de fazendas de soja no Estado.

Em sua maioria, ao contrário do que se imagina, essas fazendas são grandes imóveis rurais (73%).  A estimativa, ainda, é que mais de 80% da soja produzida em fazendas onde ocorreu desmatamento ilegal tenha sido exportada para mercados globais – 46% para a China e 14% para a União Europeia. 

Em 2019, a área total de soja no Brasil era de 36,3 milhões de hectares, sendo que cerca de 15% (5,1 milhões de hectares)  no bioma da Amazônia, segundo informações da MapBiomas. 

Divergências entre Macron e Bolsonaro

Macron tem sido há tempos uma das vozes mais ativas nas críticas internacionais às queimadas na Floresta Amazônica. E se tornou um forte alvo das queixas do governo brasileiro, sobretudo do grupo militar, que reclama de intervenção externa e ameaça à soberania na região.

As posições do presidente francês em relação à Amazônia já levaram a reações inflamadas do presidente  Jair Bolsonaro. Em 2019, após Macron levar ao G-7 uma proposta de apoio financeiro ao Brasil para combate às queimadas na floresta, Bolsonaro reagiu: "Macron promete ajuda de países ricos à Amazônia. Será que alguém ajuda alguém, a não ser uma pessoa pobre, sem retorno? O que ele está de olho na Amazônia?", disse. 

As farpas chegaram até ao lado pessoal. Em agosto de 2019, o perfil do presidente Jair Bolsonaro na rede social Facebook postou uma mensagem de risadas após um comentário ofensivo sobre a esposa do presidente da França, a primeira-dama Brigitte Macron, feito por um de seus seguidores. 

Em um post em que falava da Amazônia, um dos seguidores da página do presidente postou uma montagem com duas fotos. Na de cima, Brigitte aparecia atrás de Macron e, na de baixo, o presidente aparecia com a primeira-dama do Brasil, Michelle Bolsonaro, à frente. Ao lado das fotos, há um texto dizendo “Entende agora pq Macron persegue Bolsonaro?” A página do presidente da República respondeu ao seguidor com “não humilha cara. Kkkk”. 

Macron respondeu posteriormente: "Bolsonaro fez comentários extremamente desrespeitosos sobre minha mulher", disse. "O que eu posso dizer? É triste, mas é triste primeiro por ele e pelos brasileiros. Como tenho uma grande amizade e respeito pelo povo brasileiro, espero que tenham rapidamente um presidente que se comporte à altura."

Gabriel Bueno da Costa, Fernanda Guimarães, Francine De Lorenzo e Idiana Tomazelli, O Estado de São Paulo, em 12 de janeiro de 2021 

Por que a Ford decidiu trocar o Brasil pela Argentina?

Segundo analistas, mudança não tem a ver com a situação econômica dos países, e sim com a estratégia global da montadora, de se concentrar em carros elétricos e utilitários-esportivos

 Apesar de ter uma economia mais instável que a brasileira e enfrentar uma crise mais profunda, com queda do PIB podendo chegar a 12,9% em 2020 - o terceiro ano consecutivo de recessão -, a Argentina passará a concentrar, com o Uruguai, a produção de veículos da Ford na América Latina. Na segunda-feira, 11, a montadora americana divulgou a decisão de fechar suas três fábricas no Brasil.

O anúncio assustou o País, mas não especialistas do setor automotivo, que explicam facilmente não só a decisão da empresa de parar de produzir no Brasil, mas também a de continuar com as operações argentinas. A mudança não tem a ver com questões estruturais ou conjunturais dos países, mas decorre de uma transformação na indústria automotiva e das estratégias da Ford.

“A Ford tem anunciado há uns três anos que não vai mais produzir carros de passeio. A saída do Brasil está alinhada a isso. Não é sobre o Brasil. É sobre ter uma produção alinhada com o portfólio futuro deles, focado em veículos elétricos e SUVs (utilitários)", diz Marcus Ayres, sócio-diretor da consultoria Roland Berger.

Na Argentina, a montadora produz hoje, por exemplo, a Ford Ranger, um de seus carros-chefes. Não só a Ford, mas a maioria das montadoras foca suas produções argentinas em veículos maiores, enquanto carros leves e SUVs pequenos são fabricados no Brasil.

Esse modelo reflete uma tendência cultural. Dos veículos comprados na Argentina, 20% costumam ser pickups; no Brasil, 15%, de acordo com o consultor Cássio Pagliarini, da Bright Consulting.


Especialista diz que a Ford deixará de produzir carros leves em todo o mundo. Isso porque, nos SUVs, é possível acrescentar mais ferramentas tecnológicas. Foto: Nacho Doce/Reuters

No fim do ano passado, a Ford inclusive anunciou um investimento de US$ 580 milhões na Argentina para fabricar o novo modelo da Ranger, que é montada na planta de General Pacheco, na Região Metropolitana de Buenos Aires. Por outro lado, dois anos antes, a empresa havia encerrado a produção argentina do Focus, lembra Pagliarini. 

Ayres acrescenta que a Ford deixará de produzir carros leves em todo o mundo. Isso porque, nos SUVs, é possível acrescentar um maior volume de ferramentas tecnológicas. “Nesse século, o carro vai ser um computador sobre rodas. O movimento da Ford segue essa tendência. Não tem como embarcar muita tecnologia em um Fiesta, porque o preço não comporta”, explica. 

Com a mudança, a companhia deverá vender mais veículos na faixa dos R$ 200 mil do que na dos R$ 50 mil, focando no que é mais rentável. Além dos SUVs, modelos elétricos também estarão no centro das atenções da Ford e das outras montadoras.

Questionado sobre a possibilidade de a empresa usar as fábricas no Brasil para produzir veículos elétricos, Pagliarini diz que seria necessária uma política industrial para avançar nessa agenda.

Também para um economista argentino que falou sob condição de anonimato, a decisão da Ford faz parte de uma estratégia global. Ele admite que as condições macroeconômicas da Argentina são mais instáveis para as empresas do que as brasileiras e afirma que há uma alteração frequente entre os países de qual é o mais caro para se produzir. Ambos, no entanto, são caros, tanto quando se consideram questões tributárias como trabalhistas, diz ele.

O economista destaca ainda que as fábricas brasileiras da Ford são maiores e mais difíceis de se tornarem competitivas, comparadas às argentinas. Dado o elevado grau de ociosidade da indústria automotiva em toda a América Latina, é benéfico para a companhia fechar as unidades brasileiras.

Luciana Dyniewicz, O Estado de São Paulo, em 12 de janeiro de 2021

Coronavac tem eficácia geral de 50,38%, diz Butantan

Taxa é mais baixa do que a divulgada inicialmente, mas suficiente para cumprir exigências da OMS, que estabelece eficácia mínima de 50%. Instituto afirma que índice de 78% divulgado na semana passada abordava recorte.

    

Profissional de saúde aplica vacina no braço de uma mulher, durante testes da Coronavac em São Paulo

Eficácia geral da Coronavac está acima dos 50% requeridos pela Anvisa e recomendados pela OMS

A vacina Coronavac teve eficácia global de 50,38% nos testes clínicos realizados no Brasil, segundo informou nesta terça-feira (12/01) o Instituto Butantan, que desenvolve o imunizante contra a covid-19 em parceria com a empresa chinesa Sinovac.

A chamada taxa de eficácia global indica a capacidade da vacina de proteger contra todos os casos da doença, sejam leves, moderados ou graves.

Dados divulgados pelo Butantan na semana passada haviam mostrado que a Coronavac tem eficácia de 78% em casos leves de covid-19, em que os pacientes necessitaram de atendimento médico, mas não a ponto de internação.

O instituto também havia divulgado eficácia de 100% em casos graves e moderados, protegendo assim contra mortes e complicações mais severas, embora esse índice tenha sido calculado com base em apenas sete pacientes que desenvolveram esse quadro da doença, todos do grupo que tomou placebo, e não a vacina. O número é considerado pequeno para uma análise final, e mais casos deverão ser analisados.

Na semana passada, contudo, o Butantan não chegou a divulgar a taxa de eficácia global, nem os dados completos dos testes clínicos realizados no Brasil. Isso acabou gerando desconfiança na comunidade científica, uma vez que não seguiu os mesmos protocolos de outros laboratórios desenvolvedores de vacinas contra a covid-19.

Apesar de mais baixa do que a registrada por imunizantes como o da Pfizer-Biontech e da Moderna, a eficácia geral da Coronavac está acima dos 50% requeridos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

"Nenhum dos participantes do grupo precisou de hospitalização. O dado geral está dentro do cumprimento das exigências da Organização Mundial da Saúde. A vacina tinha que ter uma menor eficácia nos casos mais leves e maior eficácia nos casos graves. Temos uma vacina que consegue controlar a pandemia, que é a diminuição da intensidade da doença clínica", afirmou Ricardo Palácios, diretor da pesquisa no Instituto Butantan, em coletiva de imprensa.

A cifra de 50,38% inclui pessoas que foram infectadas pelo coronavírus mas não apresentaram sintomas que requeressem atenção médica, durante o estudo de fase 3 realizado pelo Butantan.

O índice tem como base o registro de 252 casos de infecção por covid-19 ao longo dos testes, sendo que 85 desses voluntários receberam a Coronavac, e o restante, placebo. Os casos variaram de muito leves a graves. Todos os participantes foram testados após o estudo.

Aval da Anvisa

Na sexta-feira passada, o Butantan entrou com pedido de registro emergencial da vacina na Anvisa, que tem até dez dias para fazer a análise dos dados e responder se autoriza seu uso.

No dia seguinte ao pedido, a agência reguladora afirmou que o Butantan entregou documentação incompleta sobre os testes realizados no país e pediu mais informações.

De acordo com um painel de acompanhamento disponibilizado pela Anvisa na internet, a agência concluiu 40,7% da análise da documentação enviada, e 37,64% ainda estão pendentes de complementação. Outros 16,19% estão em análise, e 5,47% da documentação não foi apresentada.

Também no fim de semana, o Ministério da Saúde anunciou que a vacinação contra a covid-19 ocorrerá de forma simultânea em todo o país, com distribuição proporcional de doses entre os estados. Contudo, ainda não há data prevista para o início da imunização.

A pasta fechou um acordo com o Butantan para que todas as doses da Coronavac produzidas pelo laboratório sejam compradas com exclusividade pelo governo federal e distribuídas simultaneamente aos estados por meio do Sistema Único de Saúde (SUS).

Na segunda-feira, a Coronavac foi aprovada para uso emergencial na Indonésia, onde os testes apontaram uma eficácia global de 65,3%. Já no estudo realizado na Turquia a vacina apresentou eficácia global de 91%. A diferença nos dados de país para país é considerado normal, uma vez que a vacina não foi aplicada à mesma população.

Guerra das vacinas

O anúncio de hoje deve finalmente encerrar as dúvidas sobre a eficácia geral do imunizante. Desde a metade de dezembro, o Butantan e o governo paulista vinham informando apenas recortes, evitando indicar a eficácia global. A estratégia de comunicação sobre a Coronavac e seguidos adiamentos na divulgação da eficácia geraram críticas.

Os problemas também serviram de combustível para ofensiva do presidente Jair Bolsonaro contra o imunizante promovido pelo seu desafeto político, o governador paulista João Doria. Mas a situação parecia ter se acalmado após o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, ter anunciado que o governo federal pretende comprar 100 milhões de doses da Coronavac. Tal como o governo paulista, o ministério apostou inicialmente todas as suas fichas em apenas um imunizante, a chamada vacina de Oxford. No entanto, até agora, o governo federal não tem nenhuma dose em seus estoques e ainda não há uma definição de quando a imunização vai começar. 

Mesmo com o governo federal acumulando problemas com sua iniciativa de vacinação, figuras próximas do presidente zombaram nesta terça-feira do anúncio da eficácia da Coronavac, num sinal de que o governo pode voltar a tentar enfraquecer os esforços de São Paulo. O assessor de assuntos internacionais de Jair Bolsonaro, Filipe G. Martins, chamou a Coronavac de "vacina xing ling”, um termo usado para produtos falsificados com origem na Ásia. 

Deutsch Welle, em 12.01.2021

O que aconteceu com Trump nos EUA pressagia tempos sombrios para o Brasil

Os Estados Unidos estão arrependidos de não terem levado a cabo um impeachment contra Trump antes que ele envenenasse o país. O Brasil também pode se arrepender de não ter parado antes o envenenamento que Bolsonaro está fazendo. Análise de Juan Árias, do EL PAÍS.

Donald Trump e Jair Bolsonaro em Washington, no início de 2020.CARLOS BARRIA / REUTERS

A periculosidade de Donald Trump prestes a deixar o poder é revelada pelo fato da presidenta do Congresso americano Nancy Pelosi anunciar ter pedido que o alto comando militar do Exército tirasse de Trump os códigos nucleares da já mítica maleta que sempre acompanha os presidentes em todas as suas viagens dentro e fora do país. Com eles, ele pode criar em qualquer momento um conflito atômico. Pelosi justificou tal pedido porque considera o presidente psiquicamente “instável”.

Não é só isso: anunciou que nos próximos dias abrirá no Congresso um proesso de impeachment contra Trump, caso ele não renuncie. Agora já não há mais tempo de se chegar ao final do processo, mas é outro gesto de como as autoridades norte-americanas levam a sério a periculosidade de Trump e seu exército de fanáticos.

Há 75 anos os americanos lançaram a bomba atômica na cidade japonesa de Hiroshima, e nenhum dos países que possuem arsenal atômico voltou a usá-la. O simples ato de temer que Trump possa hoje usar a bomba atômica indica o índice de periculosidade do político que já anunciou que não irá à posse oficial do presidente eleito Joe Biden e ameaçou não sair da Casa Branca.

O Brasil não tem bomba atômica, mas Bolsonaro já suspira por ela. Chegou ao cúmulo da imbecilidade ao falar de um possível ataque do Brasil aos Estados Unidos, quando disse que “quando acabar a saliva, tem que ter pólvora”, algo que supera todos os limites da loucura diplomática.

O perigo real no Brasil é que aqui as autoridades não levam a sério as bravatas de Bolsonaro, como nos Estados Unidos no começo não levaram a sério as do também desequilibrado personagem a quem Bolsonaro segue fielmente e se esforça para acompanhar as pegadas. E já há quem considere que o presidente, da mesma forma que o líder americano, é psiquicamente “instável”, que é a maneira diplomática de dizer que sofre de transtornos psiquiátricos graves como acabam de afirmar à revista Crusoé meia dúzia de prestigiosos psiquiatras e psicanalistas.

O que Bolsonaro diz não se escreve porque se revelou o rei da mentira. Mas esse modo esquizofrênico de negar hoje o que falou ontem tem nele uma lógica. A de manter viva a chama da dúvida para confundir as pessoas. É um malabarista perigoso que pode levar o Brasil a uma insurreição como a que tentou Trump ao incitar o golpe de invadir o Capitólio, centro da democracia mundial.

Bolsonaro, ignorante em tantas coisas, é especialista no jogo sujo. É o Trump dos trópicos com as mesmas loucuras para continuar no poder. Anda por aí às cegas, mas pode ser tão ou mais perigoso do que o ex-caudilho americano.

Os dois são unidos especialmente por sua política do engano e por resolver os problemas com a mesma psicopatia e as mesmas ânsias de poder absoluto.

No começo, Trump também era visto mais como um excêntrico, como um elefante em uma loja de cristais e existia até quem risse de suas excentricidades.

Hoje vimos onde chegou fazendo balançar a maior potência bélica e a mais sólida democracia do mundo empurrando-a para uma guerra civil.

Isso faz refletir o que o Trump tropical poderia fazer em um país muito mais frágil em suas instituições. E o pior é que Bolsonaro já insinuou com uma guerra civil aqui no Brasil se sua política de morte e destruição das instituições democráticas não for seguida.

E já começou sua política destrutiva antecipando que o Brasil está quebrado, negando a pandemia e agora colocando obstáculos à vacina. E já sabemos quais são seus planos para aproveitar a crise da política para suas ambições de se perpetuar no poder. Já começou por insinuar que Trump foi roubado nas eleições e antecipou que no ano que vem ele também não aceitará o resultado das eleições se perder a votação.

Hoje os Estados Unidos estão arrependidos de não ter levado a cabo um impeachment contra Trump antes que envenenasse mais o país. O Brasil também pode se arrepender de não ter parado antes o envenenamento que Bolsonaro está fazendo no país.

A grave responsabilidade recai principalmente nas outras instituições do país que em vez de colocar um fim às loucuras do mito até começam a flertar com ele pensando que se trata das bravatas de um excêntrico inofensivo.

Dois anos de seu desastroso Governo com a instrumentalização que fez da pandemia seriam suficientes para entender que não se trata somente de ameaças infantilóides, e sim de um perigo real do maníaco por poder. Assim começou o nazismo e hoje sabemos os resultados de não ter detido antes o louco e sangrento Adolf Hitler. Não é por acaso que um dos líderes da invasão ao Parlamento americano tinha gravado em suas roupas os macabros símbolos do nazismo.

E Bolsonaro, assim como Trump, está hoje mais próximo do nazismo do que do fascismo. Por isso o perigo é mais grave. A História deveria ser a professora das forças democráticas para não repetir os tempos lúgubres nos quais foi assassinada a democracia e o sangue correu pelas ruas.

É isso que queremos para o Brasil? Trump fará todo o possível para que continue acesa a chama de seu protesto contra Biden e para não deixá-lo governar em paz. Continuará atiçando o fogo de protesto de seus sequazes e já preparando a próxima campanha eleitoral como já anunciou. Os americanos perceberam e agora tentam —não será tarde demais?— afastá-lo totalmente do poder.

É verdade que as instituições americanas são sólidas, mas diante dos loucos e caudilhos isso vale pouco. Sempre têm capacidade para manter viva a chama não só da polêmica, como do instinto de morte e destruição de seus seguidores, todos inimigos duros da democracia. Seus seguidores são violentos por vocação e só esperam um sinal para colocar em ação sua violência como vimos no dia da ocupação do Congresso em Washington que chamou a atenção mundial. Até do papa Francisco.

Com Bolsonaro já começou a acontecer a mesma coisa quando os bolsonaristas lançaram fogos de artifício contra o Congresso em Brasília. Bastou que o mito lhes dissesse “agora chega, porra” para desencadear a rebelião da qual ele mesmo participou sem que até agora as instituições lhe pedissem explicações.

Ainda é difícil, por exemplo, entender porque o TSE não tenha exigido até agora que ele apresente as provas que diz ter da fraude nas urnas que lhe deram a vitória em 2018. Segundo Bolsonaro, ele teria vencido no primeiro turno caso não houvesse trapaça nas urnas. A acusação é gravíssima e a Justiça já deveria ter exigido que ele apresentasse as provas que diz ter para manter aceso o fogo da rebelião de seu exército de seguidores fanáticos.

Bolsonaro já havia dito que a ditadura se equivocou por não ter assassinado, na época, 30.000 ativistas. Para ele o derramamento de sangue faz parte de sua idiossincrasia violenta.

As instituições brasileiras são muito mais frágeis do que as americanas e uma revolta popular no Brasil poderá ter consequências mais desastrosas. É melhor que impeçam esses seus instintos de violência antes de que possa incendiar as ruas como Trump. Quando ocorreu a revolta popular do Chile, Bolsonaro imediatamente avisou que se acontecesse aqui no Brasil seria sufocada sem piedade.

Essa é a democracia de Bolsonaro, e seu desejo de armar a população e sua complacência com os policiais que atiram “na cabecinha” sem que possam ser julgados e condenados.

A pergunta que se fazem os analistas políticos é se o Brasil irá continuar se divertindo com as macabras ameaças de instabilidade política esperando que já não exista a possibilidade de deter seus impulsos psicopatas quando talvez seja tarde demais?

Hoje os Estados Unidos se arrependem por não realizarem antes um impeachment de Trump para deter seu desequilíbrio mental e evitar ao país o vexame que por esses dias viveu envergonhado diante do mundo.

O Brasil entrará em uma zona sombria e perigosa se continuar ignorando a real periculosidade que Bolsonaro representa para o país e para o mundo.

Juan Arias é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como ‘Madalena’, ‘Jesus esse Grande Desconhecido’, ‘José Saramago: o Amor Possível’, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente. Publicado em 10.01.2021.

Bolsonaro, soldados e policiais

Jair Bolsonaro é o comandante supremo das Forças Armadas. Deve atuar como tal 

A presença de militares e ex-militares no governo federal é uma característica da administração de Jair Bolsonaro. Desde a redemocratização do País, nunca houve, por exemplo, tantos ministros de Estado com histórico profissional vinculado às Forças Armadas. Logicamente, essa característica do governo Bolsonaro desperta uma natural apreensão, seja pelos possíveis efeitos que essa participação pode provocar na imagem e no comportamento das Forças Armadas, seja porque, em um Estado Democrático de Direito, os militares têm uma função institucional muito clara – bem distante da política.

É preciso, no entanto, destacar outra característica do governo de Jair Bolsonaro em relação aos militares que, sem muitas vezes receber a devida atenção, pode ter efeitos especialmente desastrosos. Trata-se da tentativa constante do presidente Bolsonaro de estabelecer uma relação direta, de natureza político-ideológica, com soldados e policiais, desrespeitando os limites do cargo e as respectivas esferas dessas categorias.

Essa atitude do presidente Bolsonaro pode ser observada, por exemplo, em sua frequente participação em solenidades de formatura de militares ou de policiais. Segundo levantamento do jornal O Globo, de janeiro de 2019 a dezembro de 2020, Bolsonaro participou de 24 formaturas de membros do Exército, da Marinha, da Aeronáutica e das Polícias Militar, Federal e Rodoviária Federal. Na primeira metade do seu governo, esteve presente em 16 solenidades de formatura das Forças Armadas e em 8 de Polícias.

Não é demais lembrar que a presença do presidente da República numa solenidade das Forças Armadas não tem, por si só, nada de reprovável. Como dispõe a Constituição, o presidente da República é o comandante supremo das Forças Armadas. O que desperta preocupação no comportamento de Jair Bolsonaro são dois pontos: a alta frequência de sua participação nesses eventos – a revelar que não é algo circunstancial, mas tática política, com objetivo e método – e, principalmente, a mensagem que vem transmitindo às novas gerações de formandos de militares e policiais.

Estivesse apenas a exercer o papel de comandante supremo das Forças Armadas, o presidente Bolsonaro certamente aproveitaria esses eventos para recordar os deveres e princípios constitucionais relativos aos militares e às forças de segurança. No entanto, ele tem usado essas solenidades como palanque político-ideológico, difundindo ideias estranhas ao Estado Democrático de Direito.

No mês passado, por exemplo, o presidente Bolsonaro utilizou a cerimônia de formatura de soldados da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro para atacar a imprensa. “Não se esqueçam disso, essa imprensa jamais estará do lado da verdade, da honra e da lei. Sempre estará contra vocês. Pensem dessa forma para poderem agir”, disse Jair Bolsonaro.

A imprecação contra a imprensa parece ter sido retirada de algum discurso de Hugo Chávez. Sua fala não é condizente com o cargo de presidente da República, e menos ainda é adequada a uma formatura de policiais militares ou mesmo de estudantes.

É tão fora de prumo o comportamento do presidente Jair Bolsonaro nas formaturas de militares e de policiais que sua constante presença nesses eventos, mais do que manifestação de prestígio para as respectivas carreiras, vem causando apreensão nas altas patentes. Não é para menos. Conhecem quão árduo é formar as tropas dentro do genuíno espírito militar e quão fácil é contaminar a soldadesca com questões político-ideológicas.

Desde o início, a trajetória política de Jair Bolsonaro foi marcada pela proximidade com policiais e militares de baixa patente. Suas campanhas eleitorais para o Legislativo sempre foram voltadas para essas categorias. Isso, no entanto, não lhe dá o direito de usar o cargo de presidente da República para fazer agremiação política com soldados e policiais.

Como gosta de lembrar, Jair Bolsonaro é o comandante supremo das Forças Armadas. Deve atuar, portanto, como tal. Essa competência constitucional traz graves deveres. Descumpri-los é abrir caminho para o desastre.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de São Paulo, em 12 de janeiro de 2021 

FBI alerta para atos de grupos armados em Estados americanos

Memorando sigiloso da agência confirmou que grupos de extrema direita planejam manifestações nas capitais dos 50 Estados americanos; autoridades reforçam a segurança para evitar novas invasões em nível local

 O FBI fez um alerta de que grupos de extrema direita planejam manifestações armadas nas capitais dos Estados americanos para este fim de semana. Menos de uma semana após a invasão do Capitólio, o alerta provocou uma corrida entre os Estados para reforçar a segurança em prédios governamentais para evitar que as cenas vistas em Washington se repitam em escala local.

O alerta esteve em um memorando, que é uma espécie de "produto bruto de inteligência", compilando informações coletadas pelo FBI e por outras agências governamentais. Algumas das ameaças não foram verificadas e provavelmente haverá diferença entre os atos de um lugar para o outro, no entanto, a informação é de que há planos em todas as 50 capitais.

Os dados destacados para as forças de segurança são preocupantes - havia informações que sugeriam que as pessoas poderiam invadir escritórios do governo ou iniciar um levante se o presidente Donald Trump for retirado do cargo.

O FBI se recusou a comentar o memorando, que foi revelado em primeira mão pela ABC News. "Nosso foco não está em manifestantes pacíficos, mas naqueles que ameaçam sua segurança e a segurança de outros cidadãos com violência e destruição de propriedade", disse a agência em um comunicado.

Autoridades de muitos Estados já começaram a tomar medidas para aumentar a segurança e planejar respostas mais duras para os protestos em comparação ao que foi visto na semana passada.

A sede do FBI em Washington  Foto: Stefani Reynolds/Getty Images/AFP

No sábado, 9, manifestantes armados cercaram o Capitólio de Kentucky. Vestidos com roupas camufladas e carregando armas de assalto e algemas, prometeram continuar a apoiar Trump enquanto protestavam contra o governador democrata Andy Beshear e o líder da maioria no Senado, o republicano Mitch McConnell.

Em Wisconsin, funcionários do Estado começaram a tapar as janelas do Capitólio estadual na segunda, em antecipação aos manifestantes. No Arizona, os oficiais ergueram uma cerca de arame de dupla camada ao redor do complexo do Capitólio em Phoenix.

Em Michigan, um Estado que é observado com atenção desde que o FBI interrompeu um complô em outubro para sequestrar a governadora democrata Gretchen Whitmer, um comitê legislativo estadual votou na quinta para proibir os residentes de portar armas dentro do Capitólio em Lansing.

O governador democrata de Washington, Jay Inslee, convocou 750 soldados da Guarda Nacional para ajudar a proteger o Capitólio, onde a legislatura deu início a sua sessão anual na segunda-feira. "Esperamos por ações pacíficas, mas se isso não acontecer, estaremos preparados", disse em comunicado. 

A ação de Inslee seguiu-se ao ataque da multidão na semana passada à mansão do governador, no mesmo dia em que uma multidão pró-Trump invadiu o Capitólio dos EUA, resultando na morte de cinco pessoas, incluindo um policial. Um vídeo do distúrbio mostra um homem com um rifle de assalto e uma grande faca em frente à residência de Inslee, enquanto outros manifestantes estão por perto segurando bandeiras de Trump.

Em uma videoconferência na segunda-feira, o governador Gavin Newsom, da Califórnia, disse que “todos estão em alerta máximo” para os protestos em Sacramento nos próximos dias. A Guarda Nacional pode ser enviada se necessário e a Patrulha Rodoviária da Califórnia, responsável por proteger o Capitólio, também estava à procura de qualquer violência. “Posso garantir que temos um nível de segurança cada vez mais elevado”, disse ele.

A Geórgia já viu problemas nos últimos dias. Ao mesmo tempo em que os manifestantes invadiam o Capitólio dos EUA em Washington na semana passada, apoiadores armados de Trump apareceram do lado de fora do palácio do governo na Geórgia. Policiais escoltaram o secretário de Estado, Brad Raffensperger, que recusou as tentativas do presidente Trump de descrever a eleição presidencial como fraudulenta.

A senadora estadual democrata Jenifer Jordan, da Geórgia, observou que muitas das medidas de segurança implementadas, incluindo a construção de uma cerca alta de ferro ao redor do edifício do Capitólio, foram decididas durante as manifestações de justiça social, quando os manifestantes cercaram muitos edifícios do governo.

Agora, disse ela, a ameaça vem do outro extremo do espectro político. “Essas pessoas são claramente sérias, estão armadas, são perigosas”, disse Jordan. "Pelo que vimos na semana passada, elas realmente não se importam com quem estão tentando matar”.

Volatilidade 

Alex Friedfeld, um pesquisador investigativo do Centro de Extremismo da Liga Antidifamação, disse que ainda há uma volatilidade considerável em torno de quem planeja se manifestar em edifícios de capitais estaduais no domingo.

Ele adverte que os eventos nos Estados ainda podem ter adesão por outros grupos extremistas ou apoiadores aleatórios de Trump, embora ainda não tenha visto muitas conversas online que indicariam que os protestos estarão lotados.

"Não vi pessoas falando sobre invadir as capitais, mas esse sentimento ainda está lá e é possível que as pessoas apareçam", disse Friedfeld. "E se os acontecimentos de quarta nos ensinaram alguma coisa, é que não podemos ignorar os acontecimentos da direita e simplesmente não podemos presumir que não será nada. Temos de levar essas coisas a sério."

E independentemente de quantos e em quais Estados os protestos se materializem neste fim de semana, Friedfeld disse que as capitais estaduais continuarão a ser a linha de frente das cada vez mais violentas batalhas culturais e políticas do país. / W. Post e NYT 

Redação, O Estado de São Paulo, em 12 de janeiro de 2021

Deutsche Bank decide encerrar negócios com Trump

Maior banco alemão se junta a outras empresas de Wall Street e do Vale do Silício e se afasta do presidente dos EUA, segundo imprensa americana. Acusado de incitar insurreição, mandatário é alvo de pedido de impeachment.

    
Sede do Deutsche Bank em Nova York. Banco é o maior credor do presidente dos EUA

O Deutsche Bank se juntou a diversas outras empresas  e decidiu se afastar do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, segundo relatos na imprensa americana nesta segunda-feira (12/01).

A decisão é mais um revés para o americano, após ele ser acusado de promover uma insurreição no país ao insuflar seus apoiadores a invadir a sede do Congresso, em Washington. Nesta segunda-feira, Trump se tornou alvo de um segundo processo de impeachment, a poucos dias do fim de seu mandato.

Depois de várias empresas em Walll Street virarem as costas para Trump, e das gigantes da internet Facebook e Twitter suspenderem seus perfis, o maior banco da Alemanha deve encerrar seus negócios com Trump e as empresas do magnata. A informação foi dada inicialmente pelo jornal The New York Times e pelo portal de notícias Bloomberg.

O presidente em fim de mandato possui uma dívida de 340 milhões de dólares com o Deutsche Bank, seu maior credor, que ainda lhe concedia empréstimos mesmo muito depois de outros bancos os rejeitarem. O Deutsche Bank não quis comentar as reportagens.

Na semana passada, a diretora-executiva do Deutsche Bank nos EUA, Christiana Riley, condenou a invasão ao Capitólio em uma postagem na rede social Linkedin. "Temos orgulho de nossa Constituição e apoiamos os que tentam mantê-la, de modo a assegurar que a vontade do povo seja preservada e que ocorra uma transição de poder pacífica", afirmou. 

Rompimento já teria sido planejado antes das eleições
No ano passado, a agência Reuters noticiou que o Deutsche Bank já buscava meios de encerrar as relações de negócio com Trump após as eleições de novembro. A Organização Trump inclui vários hotéis e resorts de golfe.

O nova-iorquino Signature Bank, no qual Ivanka Trump, filha do presidente, já atuou como membro do conselho administrativo, também decidiu cortar laços com o presidente e suas empresas. A instituição anunciou que encerrará duas contas pessoais de Trump, nas quais ele mantinha um total de 5,3 milhões de dólares. O banco defendeu a renúncia de Trump.

Deutsche Welle, 12.01.2021

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Média móvel de mortes fica acima de mil pelo segundo dia consecutivo

Nas últimas 24 horas, o Brasil teve 477 novos registros de óbitos e 29,010 testes positivos confirmados.

Pelo segundo dia consecutivo, a média móvel de mortes por covid-19 ficou acima de mil no País, totalizando 1,004 óbitos. Os dados são do consórcio de veículos de imprensa formado por Estadão, G1, O Globo, Extra, Folha e UOL em parceria com 27 secretarias estaduais de Saúde e foram divulgados às 20h desta segunda-feira, 11.01.2021.

Nas últimas 24 horas, o Brasil teve 477 novos registros de óbitos e 29,010 testes positivos confirmados. No total, 203,617 pessoas morreram da doença no País e foram contabilizados 8, 133,833 testes positivos. 

De acordo com o Ministério da Saúde, 7.207.483 pessoas se recuperaram da doença.

Consórcio dos veículos de imprensa

O balanço de óbitos e casos é resultado da parceria entre os seis meios de comunicação que passaram a trabalhar, desde o dia 8 de junho, de forma colaborativa para reunir as informações necessárias nos 26 Estados e no Distrito Federal. A iniciativa inédita é uma resposta à decisão do governo Bolsonaro de restringir o acesso a dados sobre a pandemia, mas foi mantida após os registros governamentais continuarem a ser divulgados.

Redação, O Estado de São Paulo, em 11 de janeiro de 2021

Um homem sentado no destino do país

Não há o que temer ao despachar figuras nefastas como Trump e Bolsonaro, avalia Fernando Gabeira em artigo hoje.

Às vezes, é preciso escrever com simplicidade, sem o rigor das páginas editoriais ou a complexidade das teses dos cientistas políticos. Escrever apenas isto: há um homem sentado sobre o destino do Brasil, e suas pesadas e incômodas nádegas não permitem avanço e provocam mortes.

Nem sempre é fácil se livrar desse fardo. Nos Estados Unidos, finalmente, Trump será despachado, como um desses espíritos que se recusam a desencarnar.

Muitos viram na invasão do Capitólio apenas um problema para Biden. Não perceberam que se viviam ali os estertores de uma época, num dia cheio de boas-novas, como as eleições na Geórgia, que garantem aos democratas a maioria no Senado.

Manifestações às vezes enganam. Já participei de centenas na vida. Nem todas sobrevivem na balança da história. Sua fumaça confunde o que sobe e desce, o que nasce e morre no instante.

Não há o que temer no processo de despachar essas figuras nefastas, desde que, é claro, se façam previsões corretas e preparações adequadas.

Quando o coronavírus era uma realidade apenas em Wuhan, escrevi um artigo sobre ele. Previ que, em caso de chegada ao Brasil, a única resposta teria de ser nacional e solidária.

Bolsonaro sabotou essa resposta. Como se não bastasse, demitiu os ministros da Saúde que a aceitavam. Fomos reduzidos a reações atomizadas que, embora fiéis à orientação científica, não têm a mesma eficácia de uma coordenação central.

Ultrapassamos os 200 mil mortes. Não podemos dizer que Bolsonaro seja responsável por todas. Mas algumas, várias delas, devem-se a sua escolha e já bastariam para pesar eternamente na consciência de um homem do bem.

Desde o princípio da pandemia, a vacina apareceu como única saída estratégica, e o mundo científico se dedicou a ela. Bolsonaro preferiu remédios e desconfiou abertamente da vacina, inibindo uma planificação. O atraso que isso significa representa vidas perdidas e energia produtiva paralisada.

Bolsonaro diz que o país está quebrado e ele não pode fazer nada.

Há trilhões de dólares no mundo, de fundos de pensão, bancos, governos, prontos para ser investidos em projetos ambientais e socialmente responsáveis.

Mas todo esse dinheiro não pode vir para cá. Bolsonaro estimula a destruição das florestas e dos bichos com uma política do século passado. Ele e alguns apoiadores acham que americanos e europeus destruíram seu meio ambiente, agora é hora de destruir o nosso: dane-se.

Muitos políticos recusam o impeachment porque acham que podem fortalecer a quem se quer derrubar. Não foi assim nos EUA. Trump sobreviveu ao processo, mas acabou perdendo as eleições.

O problema agora é a existência da pandemia. Se Bolsonaro estivesse sentado apenas sobre o progresso econômico, o nível de gravidade seria menor.

No momento, estamos lutando desesperadamente para salvar vidas, num contexto social em que a fome ronda milhões.

Definido como o grande obstáculo, um homem sentado sobre o destino do país, a resposta simples seria removê-lo. Mas as circunstâncias exigem um esforço combinado, de tal forma que a luta pela vida seja também um passo para afastá-lo. Os dois fatores estão entrelaçados.

Um movimento pela vacina universal e gratuita não pode perder de vista a substância que imuniza, nem o responsável pela sua inexistência a esta altura da pandemia.

Estão dadas as condições para uma ampla articulação para salvar o país da morte. Assim como, guardadas as proporções, quando o Reino Unido se viu diante da ameaça de uma invasão hitlerista, todos os esforços do país convergiram num só sentido de proteção à ilha.

Escrevi: guardadas as proporções.

Muitos brasileiros acham que o país está no caminho certo, e não há o que defender. Nada como o bom debate numa atmosfera democrática. Muitos americanos achavam que Trump era o caminho.

No entanto lá se foi o Trump para o espaço sideral, amplo e aberto para receber terráqueos como ele.

Com trabalho e tolerância, poderemos construir nossa nave e também lançar aos ares o pesado corpo sentado sobre nosso destino.

Fernando Gabeira é Jornalista. Este artigo foi publicado originalmente n' O GLOBO, em 11.01.2021.

Ameaça é crime, no Código Penal. Ameaça de golpe também é?

Trump fracassou, no golpe, mas convém tomar cuidado com seus imitadores. Quem faz o alerta é Rolf Kuntz, conceituado observador e analista da cena política do Brasil.

Vitória de Bolsonaro: o Brasil superou a marca de 200 mil mortes pela covid, resultado favorecido por seu negacionismo, por seu desleixo em relação à máscara, por sua presença em aglomerações e pela recusa a coordenar o combate à pandemia. Exemplos indignos de um governante foram acompanhados de manifestações de desprezo à vida alheia, sintetizadas em duas palavras famosas: e daí?

Foi uma grande semana para o chefe do desgoverno brasileiro. Seu guia intelectual, moral e político, Donald Trump, atiçou um assalto ao Congresso, tentou impedir a certificação da vitória de Joe Biden e estimulou Mike Pence, vice-presidente da República e presidente do Senado, a inverter o resultado da eleição. Pence recusou-se a cumprir a calhordice. Nos Estados Unidos a tentativa de golpe fracassou, mas sobrou a inspiração. Lá pode ter falhado, mas falhará no Brasil?

Algo “pior” poderá ocorrer por aqui, avisou Bolsonaro, se ainda houver voto eletrônico em 2022, isto é, se a sua vontade for descumprida. “Se nós não tivermos o voto impresso em 22, uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter problema pior que o dos Estados Unidos”, disse ele àquele auditório disposto a aplaudir qualquer barbaridade pronunciada por seu líder.

Mais que um aviso, foi uma evidente ameaça. Assim o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, interpretou – corretamente – a fala de Bolsonaro. Afinal, que rebanho golpista ousará atacar o Congresso Nacional, e talvez o Supremo Tribunal Federal, sem a liderança de um candidato a tiranete, saudoso da ditadura militar e defensor da tortura?

Pelo Código Penal, ameaça é punível com detenção, de um a seis meses, ou multa. O crime é caracterizado no artigo 147: “Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave”. Qual o freio aplicável a quem anuncia algo “pior” que os eventos de quarta-feira em Washington – invasão e depredação do Congresso e tentativa de mudar, num golpe, o resultado da eleição?

Não há como desconhecer ou menosprezar o risco. O autor da ameaça já compareceu a manifestações golpistas, discursou diante de quem defendia o fechamento do Legislativo e do Judiciário e tentou envolver as Forças Armadas em suas manobras autoritárias. Mais de uma vez elogiou o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, condenado judicialmente como torturador, e o descreveu como herói nacional. Há poucos dias fez piada sobre a tortura sofrida na juventude por Dilma Rousseff, futura presidente do Brasil. A reação indignada uniu ex-presidentes, políticos e cidadãos de diferentes ideologias.

Há quem tente minimizar as barbaridades bolsonarianas como se fossem palavras e gestos sem consequência, reflexos de um estilo pessoal e de “um jeito de falar”. Mas nada disso é mera questão de jeito, de informalidade excessiva ou mesmo de uma rudeza franca e inocente.

Em Bolsonaro, a indisfarçável grosseria aparece misturada com o obscurantismo, o preconceito, o culto da brutalidade e a tendência autoritária. Quando ele manifesta, como em 23 de agosto, o desejo de “encher na porrada” a boca de um repórter, depois de uma pergunta incômoda, todas essas características se manifestam. São marcas de um caráter, mas são também – e isto é o mais importante, politicamente – mais um alerta para quem deseja a preservação e o aperfeiçoamento da democracia.

A relação sempre difícil de Bolsonaro com a imprensa é mais que a expressão de uma dificuldade pessoal. É a comprovação de seu horror a um componente essencial da liberdade política. Incapaz de se relacionar democraticamente com a imprensa, ele prefere comunicar-se de forma unilateral, por meio de lives e de manifestações diante de um cercadinho de apoiadores embasbacados.

Diante desses admiradores ele exorciza a própria incompetência, inocentando-se de suas omissões e de seus erros. Se deixou de mexer na tabela do Imposto de Renda, foi porque o País está quebrado, afetado por um vírus “potencializado pela mídia que nós temos, essa mídia sem caráter”.

Além de lançar a fantástica tese de um vírus potencializado pela mídia, Bolsonaro expôs o Tesouro Nacional – e, de fato, a economia brasileira – aos efeitos de uma declaração de quebra, isto é, de insolvência. Ninguém o levou a sério, naturalmente. O Brasil continua solvente, apesar do enorme custo fiscal das ações emergenciais de 2020. Mas há sinais de susto, no mercado, diante das barbaridades e irresponsabilidades de um presidente inepto para governar, ignorante de suas funções e concentrado em objetivos pessoais, como a reeleição e a defesa de filhos suspeitos de rachadinhas e lavagem de dinheiro.

Incapaz de entender a Presidência e seus limites, Bolsonaro vive em conflito com a ordem democrática. Confunde governar com mandar, insiste em moldar as instituições segundo seus objetivos pessoais e familiares e aposta no apoio de milhões de desinformados manipuláveis por meio de redes sociais. Seria enorme erro menosprezar suas ameaças. Trump fracassou ao tentar o golpe, mas o exemplo e a tentação permanecem.

Rolf Kuntz é Jornalista. Publicado originariamente n'O Estado de São Paulo, em 11.01.2021.

Ford encerra a produção de veículos no Brasil

A marca manterá o Centro de Desenvolvimento de Produto, na Bahia, e o campo de provas e sua sede administrativa para a América do Sul, ambos no estado de São Paulo.

Fábrica do Ford Ka, em Camaçari — Foto: Divulgação

A Ford anunciou nesta segunda-feira (11) que encerrará a produção de veículos em suas fábricas no Brasil. No país desde 1919, a montadora mantinha fábricas em Camaçari (BA) e Taubaté (SP), para carros da Ford, e Horizonte (CE), para jipes da Troller.

A marca, que fechou 2020 como a 5ª que mais vendeu carros no país, com 7,14% do mercado, manterá o Centro de Desenvolvimento de Produto, na Bahia, e o campo de provas e sua sede administrativa para a América do Sul, ambos no estado de São Paulo.

Em comunicado, a marca diz que a decisão foi tomada "à medida em que a pandemia de Covid-19 amplia a persistente capacidade ociosa da indústria e a redução das vendas, resultando em anos de perdas significativas".

Há menos de um mês, a Mercedes-Benz encerrou produção de automóveis no Brasil

Questionada pelo G1, a Ford disse que aproximadamente 5 mil empregos serão afetados com a reestruturação no Brasil e na Argentina — o país vizinho sofrerá ajustes pelo encerramento da produção no Brasil.

Ao todo, a empresa possui 6.171 funcionários no Brasil. Em Taubaté, 830 funcionários serão demitidos. A fábrica de Horizonte emprega 470 pessoas.

Fábrica da Ford Taubaté — Foto: Divulgação/Ford

A fábrica de Camaçari, que produzia Ka e EcoSport, e Taubaté, onde eram feitos motores e transmissões, serão fechadas imediatamente, reduzindo a produção às peças para estoques de pós-venda. No último trimestre de 2021, será fechada também a planta da Troller, em Horizonte.

Com a decisão, os modelos nacionais terão suas vendas interrompidas assim que terminarem os estoques. A empresa garante, porém, que todos os clientes seguirão com assistência de manutenção e garantia.

A partir da decisão, a Ford diz que o país passará a ter modelos importados, principalmente das unidades de Argentina e Uruguai, além de outras regiões fora da América do Sul. Em comunicado, a montadora confirma a venda dos novos Transit, Ranger, Bronco e Mustang Mach1 no Brasil.

Fábrica da Troller/Ford em Horizonte mantém 470 empregados e colaboradores — Foto: Divulgação

De acordo com a Ford, o fechamento das fábricas no Brasil é mais um passo de seu processo de reestruturação global.

“A Ford está presente há mais de um século na América do Sul e no Brasil e sabemos que essas são ações muito difíceis, mas necessárias, para a criação de um negócio saudável e sustentável”, disse Jim Farley, presidente e CEO da Ford.

“Estamos mudando para um modelo de negócios ágil e enxuto ao encerrar a produção no Brasil, atendendo nossos consumidores com alguns dos produtos mais empolgantes do nosso portfólio global", completou.

No ano passado, a Ford vendeu 119.454 automóveis no Brasil, segundo dados da Anfavea. O resultado representou uma queda de 39,2% na comparação com 2019. A queda observada foi maior do que a registrada pelo segmento de automóveis. Em 2020, o tombo foi de 28,6%, para 1.615.942.

Encerramento em São Bernardo do Campo

No Brasil, o primeiro passo da reestruturação, em 2019, foi o encerramento da produção na fábrica de São Bernardo do Campo (SP), depois de 52 anos. Em outubro, foi concluída a venda da fábrica do ABC paulista para a Construtora São José e com a FRAM Capital.

Fábrica da Ford em São Bernardo do Campo (SP) foi fechada em 2019 — Foto: Reuters/Nacho Doce

Como consequência, a marca deixou de vender no Brasil o Fiesta, um de seus modelos de maior sucesso, e abandonou o mercado de caminhões na América do Sul. A fábrica da Ford empregava 2.350 funcionários e, desses, apenas mil, que são da área administrativa, foram mantidos.

Em nota, a companhia afirmou que, entre os potenciais compradores, priorizou durante a seleção os projetos que melhor atendessem às necessidades da região, comemorou a transação e agradeceu aos envolvidos no negócio.

Impactos no mundo

O plano de reorganização da empresa também afetou outros países nos últimos anos. Foram fechadas fábricas na Austrália, após 91 anos no país, e na França, em Blanquefort. Na Europa e Estados Unidos, a montadora anunciou demissões em 2019.

Repercussão

A associação das fabricantes, a Anfavea, disse que não vai se pronunciar sobre o encerramento das atividades.

"A Anfavea não vai falar sobre o tema, trata-se de uma decisão estratégica global de uma das nossas associadas. Respeitamos e lamentamos. Mas isso corrobora o que a entidade vem alertando há mais de um ano sobre a ociosidade local, global e a falta de medidas que reduzam o Custo Brasil", disse a associação em nota.

O prefeito de Camaçari, Elinaldo Araújo, lamentou a notícia. “Com muita tristeza, recebemos esta notícia da Ford. Infelizmente, a crise provocada pela pandemia da covid-19 trouxe consequências ruins para a área da saúde e, também, para a economia, fazendo com que pequenos e grandes negócios se tornem inviáveis. Lamento o fechamento da fábrica e me solidarizo com os trabalhadores”, disse.

Por G1, em 11/01/2021 16h05  Atualizado há 11 minutos

Democratas apresentam pedido de impeachment contra Trump

Pedido apresentado na Câmara acusa presidente de "incitar insurreição". Democratas tentam pressionar vice a destituir mandatário. Se condenado em processo de impeachment, Trump pode perder direito de concorrer em 2024 

Antes de votar o impeachment, democratas querem dar a Pence (à esquerda) a chance de invocar a 25ª Emenda à Constituição.

A menos de dez dias do fim do mandato do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a oposição democrata na Câmara dos Representantes iniciou nesta segunda-feira (11/01) os trâmites para um histórico segundo processo de impeachment contra o republicano. O partido democrata apresentou formalmente uma acusação contra Trump por "incitação a uma insurreição", em referência à invasão do Capitólio na semana passada por apoiadores do presidente. A ação, estimulada pelo presidente, deixou cinco mortos. Cenas da turba, que incluía neonazistas e supremacistas brancos, tomando o prédio, vandalizando gabinetes e agredindo seguranças chocaram o país e a comunidade internacional.

A resolução contou com o apoio de 210 representantes - quase o número suficiente para abrir um processo de impeachment. Para que a acusação seja aprovada, é necessária uma maioria simples de 216 votos - e os democratas detêm 222 assentos. Se o pedido for aprovado na Câmara, Trump será o primeiro presidente americano a sofrer dois processos de impeachment.

A resolução afirma que, ao inflamar os seguidores, Trump "pôs em grave perigo a segurança dos Estados Unidos e suas instituições de governo". "[Trump] ameaçou a integridade do sistema democrático, interferiu na transição pacífica de poder e colocou em perigo uma parte do governo. Traiu assim a sua confiança como presidente, com os consequentes danos manifestos ao povo dos EUA", acrescenta o texto.

A expectativa é que a Casa vote a abertura do processo na próxima quarta-feira. No entanto, a votação ainda depende de outras movimentações. Antes de o pedido de impeachment ser apresentado, os democratas entregaram uma resolução para pedir que o vice-presidente Mike Pence invocasse a 25ª Emenda, um dispositivo constitucional que prevê que um presidente pode ser removido do cargo sob a justificativa de incapacidade. Mas a proposta acabou sendo barrada pelos republicanos. Na terça-feira, os democratas devem fazer mais uma tentativa. Se a iniciativa falhar ou Pence não aceitar invocar a 25ª Emenda, a oposição deve acelerar os trâmites do impeachment, colocando o pedido em votação na quarta-feira.

A aprovação no plenário da Câmara, obrigaria o Senado a iniciar um segundo julgamento contra Trump, na mesma linha do que foi realizado no ano passado. No entanto, o retorno das atividades do Senado está marcado apenas para 19 de janeiro, um dia antes da posse do presidente eleito, o democrata Joe Biden. É certo que um processo de impeachment contra Trump não seria concluído até a saída do republicano, mas uma condenação ainda poderia ter consequências para o presidente em final de mandato. Nos EUA, um processo de impeachment pode resultar tanto na perda de mandato quanto na proibição de que o réu volte a ocupar cargos federais, como a Presidência. Dessa forma, Trump pode perder o direito de voltar a disputar a Casa Branca em 2024. Ele ainda perderia privilégios de ex-presidente, como plano de saúde e segurança fornecida pelo Serviço Secreto.

No entanto, caso Pence mude de ideia e decida acionar a 25ª emenda, Trump ainda poderia contestar a decisão. A remoção permanente do presidente precisaria da aprovação da maioria de dois terços do Congresso, ou seja, 67 senadores e 290 membros da Câmara dos Representantes.

Aumento da pressão

Desde domingo, Trump vê aumentar a pressão por sua saída mesmo dentro do partido Republicano. Dois senadores do próprio partido de Trump já pediram a saída do presidente, assim como membros republicanos da Câmara dos Representantes.

Trump já foi alvo de um processo de impeachment em janeiro do ano passado, que chegou a ser aprovado na Câmara, mas rejeitado no Senado de maioria republicana.

À época, o presidente foi acusado de abuso de poder e obstrução do Congresso, no escândalo que envolveu a pressão excercida por Trump no governo da Ucrânia para que as autoridades do país europeu investigassem o democrata Joe Biden, então pré-candidato à presidência dos EUA.

Uma pesquisa de opinião divulgada neste domingo apontou que a maioria dos americanos quer que Trump deixe o cargo antes da posse de seu sucessor, em 20 de janeiro. Segundo o levantamento feito pela ABC News e o instituto Ipsos, 56% dos entrevistados disseram que o presidente deveria ser removido do posto antes do fim do mandato.

Um percentual ainda maior, 67%, enxerga Trump como responsável pela violência no Capitólio na última quarta-feira.

Em ato insuflado pelo presidente, que vinha se recusando a reconhecer sua derrota nas eleições, o prédio do Congresso foi invadido violentamente por apoiadores de Trump, interrompendo uma sessão do Congresso que visava certificar a vitória de Biden no pleito. A sessão, presidida pelo vice-presidente Mike Pence, foi mais tarde retomada e concluída ao longo da noite, com o anúncio do resultado final.

Deutsche Welle, em 11.01.2021.

Donald Trump dinamita seu próprio fim

Até 6 de janeiro, o presidente republicano havia imaginado uma fase pós-presidencial na linha de frente de fogo. O ataque ao Congresso o deixa mais sozinho e silenciado do que nunca


Donald Trump durante comício em Dalton (Geórgia), em 4 de janeiro, por ocasião das eleições para o Senado. BRYNN ANDERSON / AP

Silenciado nas redes sociais , repudiado pelo establishment republicano, abandonado por um rosário de altos funcionários do gabinete e derrotado nas urnas , Donald Trump nunca esteve tão sozinho como hoje. Sua última grande batalha contra o sistema dos Estados Unidos, derrubando o resultado das eleições presidenciais ao espalhar acusações infundadas de fraude , serviu como teste final de lealdade, também de forças democráticas, e o presidente fracassou.

William Barr , nomeado procurador-geral pelo próprio Trump, não encontrou nenhuma base para esta suposta operação de grande corrupção antes de renunciar em dezembro; Autoridades republicanas nos estados cujo escrutínio o presidente estava argumentando resistiram à sua pressão; o Supremo Tribunal Federal, por maioria conservadora e com três dos nove magistrados por ele indicados, decidiu por unanimidade não se envolver; e no último minuto, quarta-feira passada, quando o Congresso deveria certificar a vitória eleitoral do democrata Joe Biden em Washington, apenas um punhado de legisladores acólitos se atreveu a torpedear ele.

Naquele dia, escrito para sempre nos livros de história , o magnata de Nova York planejou fazer uma nova demonstração de força. Pela manhã, antes que os membros do Capitólio se reunissem para ratificar Biden , ele convocou um comício ao lado da Casa Branca em frente a um grande número de seguidores que vieram de todo o país. Então, ele os encorajou a marchar para protestar perante o Congresso , para serem fortes, para recuperar o país sem fraquezas.

O FBI investiga se os agressores planejavam fazer reféns ou matar políticos

“Você viu policiais, mas ninguém sabia o que fazer. Eles estavam tão confusos quanto nós "

Até 6 de janeiro, Donald Trump havia preparado uma etapa pós-presidencial na linha de frente, mantendo-se como uma voz proeminente do eleitorado conservador. Ele até havia antecipado suas intenções de concorrer novamente nas eleições de 2024 e, de acordo com sua comitiva à imprensa, planejava anunciá-lo formalmente no mesmo dia em que Joe Biden assumisse o cargo, 20 de janeiro. Ninguém ama um bom show tanto quanto este construtor de 74 anos que ganhou a presidência mais poderosa do mundo ao entrar na política a partir de reality shows. Irritado com a linha conservadora da rede Fox—Outro abandono, ao seu gosto—, planejava lançar sua própria plataforma para continuar conectando com suas bases. O resultado final era o controle do eleitorado republicano. Alguns membros de sua família, como sua filha, Ivanka, ou seu filho mais velho, Donald, também consideraram se lançar na carreira política. Em última análise, para os Trumps, a política estava apenas começando.

Todos esses planos foram complicados para Trump após o violento assalto de seus ultras ao Congresso , uma revolta instigada por sua campanha nos últimos meses em que cinco pessoas morreram e que colocou a imagem dos Estados Unidos, a democracia mais poderosa do mundo. mundo, aos pés dos cavalos.

O Departamento de Justiça não planeja, hoje, acusar crimes de incitação à violência ao presidente ou outros que falaram naquele comício na manhã de quarta-feira próximo à Casa Branca (como seu filho Donald Jr.), onde ele acendeu o fusível, segundo o promotor Ken Kohl, do Ministério Público dos Estados Unidos em Washington. No entanto, o Partido Democrata ameaça submetê-lo a um impeachment , ou seja, a um julgamento político no Congresso para decidir sua demissão, a menos que ele renuncie ou seu próprio Gabinete o dependa apelando para a 25ª emenda à Constituição (estes dois últimas opções, improvável).

Trump ainda tem pouco mais de uma semana na Casa Branca, mas se ele for considerado culpado nesse processo, o Senado também pode votar para desativá-lo como candidato no futuro. O impeachment tem um caminho claro na Câmara dos Deputados, que inicia o processo e tem maioria democrata, mas parece complicado no Senado, onde o próprio julgamento político é realizado e que só pode condenar um presidente com dois terços dos votos, que atualmente o partido de Joe Biden não tem.

“É muito difícil dar-lhes tempo para tudo isso; o que os democratas querem é prejudicá-lo politicamente, impedi-lo de concorrer novamente às eleições de 2024 e buscam o apoio dos republicanos para isso, mas isso não é prerrogativa deles, é prerrogativa do eleitor ”, considera o jurista republicano Robert Ray, que atuou como promotor independente no caso Whitewater , um escândalo imobiliário que atormentou Bill e Hillary Clinton na década de 1990.

Os tribunais aguardam Trump quando ele deixa o governo, além dos episódios violentos do Congresso. A promotoria de Manhattan está investigando seu histórico tributário e, após vencer na Suprema Corte, ele terá acesso a oito anos de suas declarações, dentro de uma investigação sobre pagamentos a mulheres para silenciar possíveis infidelidades durante a campanha de 2016 e sobre possíveis fraudes fiscais . Além disso, a promotora Laetitia James de Nova York está explorando possíveis acusações contra sua construtora por alterar o valor real de seus ativos para obter empréstimos.

O Departamento de Justiça também terá liberdade para reativar o caso de obstrução à justiça durante a investigação do complô russo - ele não seria mais um presidente incontestável - e, por outro lado, os processos por sua conduta pessoal continuam: uma exigência de seu a sobrinha Mary Trump por fraude de herança e duas por difamação, uma delas, do escritor E. Jean Carroll, que o acusa de agressão sexual supostamente cometida nos anos 1990.

Essas questões, no entanto, já estavam sobre a mesa antes das eleições e não minaram o apoio ao presidente, que perdeu, mas conquistou 74 milhões de votos, quase 12 milhões a mais do que em 2016. A questão é se o magnata conseguirá se manter sua força de tração com as bases a partir de agora; se realmente, como afirma, ele pode continuar a ser o líder dos eleitores conservadores depois de ser expulso do poder político, com menos atenção da mídia e outros republicanos já pensando em varrê-lo do mapa para lançar a corrida pela Casa Branca.

Para o estrategista político Rick Wilson, um dos fundadores do The Lincoln Project, plataforma de republicanos contra Trump, o presidente perdeu “seu superpoder”, ou seja, seu palestrante nas redes sociais, Twitter e Facebook, “e não poderá comunique-se com seus seguidores tão facilmente quanto antes ”.

Wilson qualifica o peso desses 74 milhões de votos que Trump recebeu nas eleições, e avisa que metade deles são "republicanos comportamentais", ou seja, "vão votar nos republicanos de qualquer maneira, porque para eles as eleições eles são uma disjuntiva entre socialismo e liberdade, luz e trevas, e bem e mal ”. Depois, acrescenta, tem aquela outra metade que participa do culto à figura do magnata nova-iorquino. "Mas o grande cisma que esta nação enfrenta é se as pessoas que se dizem republicanas, que acreditam nos princípios conservadores, estão bem servidas por Trump." Para o Partido Republicano, diz ele, o que aconteceu esta semana foi "devastador".

Muito foi dito sobre os próximos movimentos de Trump. Renegado como nova-iorquino, principalmente por conveniência fiscal, ele deverá se mudar para a Flórida. Um personagem tão único como este, alérgico à derrota e orgulhoso a ponto de agonizar, não pode ser apagado do mapa. Se vir opções, continuará lutando pelo controle do eleitor republicano, mas ninguém acredita que ele ousará convocar outro comício para coincidir com a posse de Biden.

AMANDA MARTE, do EL PAÍS, em Washington, DC - 10 DE JANEIRO DE 2021