quinta-feira, 30 de julho de 2020

Brasil passa de 91 mil mortes e 2,6 milhões de casos de infectados pelo coronavírus

Nas últimas 24 horas, foram registrados no país 1.129 óbitos e 56.837 casos novos da doença.

O Estado com o maior número de mortes é São Paulo (22.710), seguido pelo Rio de Janeiro (13.348), Ceará (7.661) e Pará (5.699).

O conselho criou uma plataforma para registrar os dados sobre o novo coronavírus no país após o Ministério da Saúde ter passado a divulgar, no início do mês passado, os números de forma menos detalhada.

Após a controvérsia causada pela mudança e uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o assunto, a pasta recuou e voltou a divulgar os números completos.

O Brasil continua como o segundo país do mundo com maior número de casos e mortes na pandemia do novo coronavírus, depois apenas dos Estados Unidos, que tem mais de 4,4 milhões de casos e 151 mil mortes pela covid-19, segundo levantamento da Universidade Johns Hopkins.

Mulher de Bolsonaro infectada por coronavírus

Na quarta, primeira-dama participou de evento no Palácio do Planalto junto com Damares Alves e Tereza Cristina
 
O Palácio do Planalto informou que a primeira-dama Michelle Bolsonaro foi diagnosticada com o novo coronavírus nesta quinta-feira, 30. Segundo a Secretaria Especial de Comunicação da Presidência, Michelle apresenta “bom estado de saúde e seguirá todos os protocolos estabelecidos”. “A primeira-dama está sendo acompanhada pela equipe médica da Presidência da República”, diz o texto.

O diagnóstico positivo de Michelle ocorre menos de uma semana depois de o presidente Jair Bolsonaro dizer que testou negativo para a covid-19, após mais de duas semanas isolado por ter contraído a doença. 

Michelle é mãe de Laura, 9 anos, sua filha com o presidente, e Letícia Firmo, 17 anos, fruto de outro relacionamento da primeira-dama. As duas moram no Palácio da Alvorada, residência oficial da presidência.

Na quarta, 29, a primeira-dama participou de evento no Palácio do Planalto para lançamento da campanha Mulheres Rurais, Mulheres com Direitos. Além do presidente Jair Bolsonaro, ela esteve próxima das ministras Tereza Cristina (Agricultura) e Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos). Ela também tirou fotos com pelo menos 20 convidadas que estiveram na cerimônia.

Na ocasião, chegou a abraçar Damares, que usava uma máscara (veja no minuto 31’45’’ do vídeo). Procurada, a ministra ainda não informou se fará exames. A primeira-dama também tirou fotos com pelo menos 20 convidadas que estiveram na cerimônia.

Já a ministra Tereza Cristina cancelou agenda e afirmou que fará teste para covid-19. Ela desejou “rápida recuperação” para  primeira-dama.”

Após meses minimizando a pandemia, Bolsonaro anunciou ter testado positivo para a covid-19 no último dia 7, e cumpriu um período de 18 dias de isolamento no Alvorada, despachando remotamente. Integrantes do governo que tiveram contato com o presidente nos sete dias anteriores ao diagnóstico também fizeram teste, mas todos deram negativo. Michelle também fez o exame, mas, na ocasião, anunciou que o resultado foi negativo.    

Segundo dados do consórcio de imprensa divulgados na terça-feira, o número total de mortos no País em virtude da pandemia chegou a 90.212. Mais de 2,5 milhões de brasileiros já foram infectados pelo novo coronavírus, conforme levantamento realizado pelo Estadão, G1, O Globo, Extra, Folha e UOL junto às secretarias estaduais de Saúde.

O Brasil é a segunda nação do mundo com maior número de casos e mortes por covid-19, atrás apenas dos Estados Unidos, que têm 4,3 milhões de infecções confirmadas e 150 mil óbitos, de acordo com a Universidade Johns Hopkins.

J
30 de julho de 2020 | 12h30
Atualizado 30 de julho de 2020 | 15h03

Ministério da Justiça monitorou 579 opositores de Bolsonaro, diz site

Reportagem do UOL afirma que relatório sigiloso da pasta cita mais de 500 servidores da área de segurança identificados como membros do movimento 'antifascismo'. Governo nega irregularidades e diz não se tratar de investigação.

O Ministério da Justiça fez um relatório sigiloso sobre mais de 500 servidores públicos da área de segurança identificados como integrantes do movimento "antifascismo". A informação foi revelada por reportagem do site UOL.

O Ministério Público Federal (MPF) pediu esclarecimentos à pasta. Entidades da sociedade civil estranharam a preocupação do governo com pessoas que defendem a democracia.

>> Leia mais abaixo o que disse o Ministério da Justiça

A investigação tem como foco servidores públicos ligados a movimentos antifascistas. A reportagem do UOL diz que:

"O Ministério da Justiça colocou em prática em junho uma ação sigilosa sobre um grupo de 579 servidores federais e estaduais de segurança identificados como integrantes do "movimento antifascismo" e três professores universitários."

Segundo a reportagem, a pasta "produziu um dossiê com nomes e, em alguns casos, fotografias e endereços de redes sociais das pessoas monitoradas."

O relatório foi feito pela Secretaria de Operações Integradas (Seopi), ligada ao ministério.

De acordo com o UOL, investida das atribuições de serviços de inteligência, por um decreto de janeiro de 2019 do presidente Jair Bolsonaro, a secretaria não submete todos os seus relatórios a um acompanhamento judicial.

Assim, "a secretaria vem agindo nos mesmos moldes dos outros órgãos que há anos realizam normalmente o trabalho de inteligência no governo, como o CIE (Centro de Inteligência do Exército) e o GSI (Gabinete de Segurança Institucional)."

Segundo a reportagem, o dossiê foi repassado a órgãos políticos e de segurança do país e pode ser usado, por exemplo, como subsídio para perseguições políticas dentro dos órgãos públicos.

Ainda segundo o UOL, na primeira quinzena de junho, a secretaria produziu um relatório sobre o assunto "ações de grupos antifa e policiais antifascismo".

"O relatório foi confeccionado poucos dias depois da divulgação, no dia 5 de junho, de um manifesto intitulado 'Policiais antifascismo em defesa da democracia popular'. Subscrito por 503 servidores da área de segurança, aposentados e na ativa no manifesto, o movimento se diz suprapartidário e denuncia um 'projeto de neutralização dos movimentos populares de resistência', propondo uma 'aliança popular antifascismo", diz trecho da reportagem.

Depois da publicação da reportagem do UOL, o MPF no Rio Grande do Sul abriu nesta semana um procedimento para cobrar informações do Ministério da Justiça.

O MPF quer saber se há elementos que indiquem uma atuação do governo para limitar a liberdade de expressão e deu um prazo de dez dias para o envio das explicações sobre as razões do relatório.

Também no início da semana, a Anistia Internacional se manifestou sobre o relatório do Ministério da Justiça. Em nota, disse que exige o fim de toda e qualquer investigação secreta e ilegal contra opositores do governo.

A organização defende que toda e qualquer atividade de “inteligência” do ministério precisa ter como base investigações policiais regulares, motivadas pela ocorrência de crimes, sendo autorizadas e supervisionadas pela autoridade judicial. caso contrário, consistirá em arbitrariedade, violando os direitos humanos.

O movimento policiais antifascismo se manifestou em nota e lembrou que esta "constrangedora medida do governo federal" não é apenas contra o grupo, mas contra todos que amam as liberdades e que laboram pela democracia. Eles afirmam que pedirão a apuração, responsabilização e reparação da verdade em todas as instâncias possíveis.

Nesta quarta-feira (29), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) publicou que é gravíssimo que o executivo federal pratique a vigilância de vozes dissonantes e de representantes críticos ao governo, numa caçada que remonta a práticas da ditadura militar.

Para a organização, o suposto dossiê "representa uma ameaça flagrante ao estado democrático de direito e ao valores constitucionais por estimular a perseguição à livre expressão de ideias e pensamentos, bem como a posicionamentos políticos".

O líder do PSB na Câmara dos Deputados, Alessandro Molon (PSB), criticou a elaboração do dossiê.

"Não bastasse tudo o que Bolsonaro já disse e fez contra a nossa democracia, agora tomamos conhecimento de uma montagem de um aparato paralelo no Ministério da Justiça pra vigiar e perseguir opositores do governo, inclusive, professores universitários. É mais um ataque inaceitável de Bolsonaro e do seu governo à democracia e à Constituição, que merece o mais duro repúdio das nossas instituições".
O partido Rede Sustentabilidade entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a suspensão imediata do relatório da Secretaria de Operações Integradas.

Para o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, o dossiê com nomes de servidores – a maioria policiais, é uma medida arbitraria.

"Soa como uma retaliação sim, mais do que retaliação, ele soa como a instrumentalização de uma área de inteligência de segurança pública, pra interesses políticos, eleitorais, partidários, do atual governo. A gente precisa ter fiscalização. Fiscalização por parte do Congresso, por parte dos órgãos de Estado, e essa fiscalização vai dizer se a gente tá tendo, na verdade, um patrulhamento que não pode ser admitido no estado de direito do país. Nós não podemos dar poder demais pra ponta tomar decisões. Isso é de qualquer democracia no mundo".
O que diz o Ministério da Justiça
Em nota divulgada no início da tarde desta quinta-feira (30), o Ministério da Justiça argumentou que a atividade de inteligência prestada pela Seopi não configura investigação e foca exclusivamente na "prevenção da prática de ilícitos e à preservação da segurança das pessoas e do patrimônio público".

Segundo a pasta, não há nenhum procedimento instaurado contra qualquer pessoa específica no âmbito da Seopi, "muito menos com caráter penal ou policial". O ministério afirma não caber à secretaria a "produção de 'dossiê' contra nenhum cidadão e nem mesmo instaurar procedimentos de cunho inquisitorial".

O ministério diz também que as atividades de inteligência desenvolvidas se baseiam nos princípios da legalidade, do sigilo e da segregação das informações.

"Assim, elas se destinam exclusivamente às autoridades públicas que efetivamente necessitem prevenir situação de risco para a segurança pública conforme cada caso. Trata-se, resumidamente, do fornecimento de informações devidamente organizadas, para que as autoridades possam planejar e atuar em operações de segurança com o devido conhecimento dos fatos", diz a nota.

O que diz o Ministério da Justiça

A Secretaria de Operações Integradas (SEOPI) esclarece que:

Como agência central do Subsistema de Inteligência de Segurança Pública (Decreto 3695/2000), cabe à Diretoria de Inteligência que hoje integra a Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça e Segurança Pública, como atividade de rotina, obter e analisar dados para a produção de conhecimento de inteligência em segurança pública e compartilhar informações com os demais órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligência.

A atividade de inteligência não é atividade de investigação. Toda atividade de inteligência da SEOPI se direciona exclusivamente à prevenção da prática de ilícitos e à preservação da segurança das pessoas e do patrimônio público. Não há nenhum procedimento instaurado contra qualquer pessoa específica no âmbito da SEOPI, muito menos com caráter penal ou policial. Não compete à SEOPI produzir “dossiê” contra nenhum cidadão e nem mesmo instaurar procedimentos de cunho inquisitorial.

As atividades de inteligência desenvolvidas se baseiam nos princípios da legalidade, do sigilo e da segregação das informações. Assim, elas se destinam exclusivamente às autoridades públicas que efetivamente necessitem prevenir situação de risco para a segurança pública conforme cada caso. Trata-se, resumidamente, do fornecimento de informações devidamente organizadas, para que as autoridades possam planejar e atuar em operações de segurança com o devido conhecimento dos fatos.

Importante registrar que o Ministério da Justiça e Segurança Pública possui órgãos específicos de inteligência e contra inteligência desde a edição do Decreto nº 5.834, de 6 de julho de 2006, da lavra do então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tinha, entre outras competências, o objetivo de compilar, controlar e analisar dados para assessorar as decisões do Secretário.

As atividades de inteligência são típicas de Estado e essenciais para a segurança do país e da ordem constitucional, razão pela qual, ao longo dos anos, sucessivos governos mantiveram intactas e ativas as estruturas e as atividades de inteligência no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública, conforme quadro detalhado abaixo.

Fontes: Portal G1 e Jornal Hoje (TV Globo) — Brasília

Governo tenta enganar o contribuinte com a proposta do novo imposto

O governo está tentando enganar a todos os contribuintes. A ideia do chamado imposto digital é cobrá-lo em todas as movimentações, e não só no meio eletrônico. Essa é a realidade. O tributo é cumulativo, cobrado nas duas pontas, e regressivo. Em troca, haveria uma série de bondades. Assessor especial do Ministério da Economia, Guilherme Afif Domingos acenou com uma desoneração sobre os salários de 25%. Ele deu entrevista à “Folha de S. Paulo” sobre a proposta, que valeria para todos os salários. Ninguém no Ministério fala quanto se arrecadaria com o novo imposto ou quanto custaria a desoneração dos salários. Seria melhor debater abertamente.   

Não adianta criar um nome suave para o novo tributo. Ele não será apenas digital, o consumidor vai pagá-lo mesmo se for à loja comprar um produto com dinheiro vivo. Um imposto como a CPMF incide em cascata. Ele fica escondido na cadeia de produção, se acumula e onera muito mais os preços do que se parece.  

Desde o início do governo, o Ministério da Economia defende o imposto sobre pagamentos cobrado nas duas pontas. Era a ideia do ex-secretário da Receita Marcos Cintra. Uma alíquota de 0,2% paga por quem compra e por quem vende, vira uma tributação de 0,4%. A cada transação durante a cadeia de produção, o tributo é recolhido. Lá na ponta, o consumidor pagará o preço. Cintra perdeu o cargo por defender o imposto, mas a proposta continua viva no Ministério da Economia.    

Em contrapartida, o governo tem oferecido um pacote de bondades. Afif sugeriu desonerar a folha de pagamentos em 25%; a ideia anterior era cortar só em empregos de até um salário mínimo. Ao ouvir a proposta, o empresário pensa que terá menos custos para contratar, o trabalhador acredita que haverá mais empregos. Outra ideia é usar a nova arrecadação para ampliar os programas de transferência de renda. A equipe econômica já acenou com uma isenção mais ampla no Imposto de Renda, para quem ganha até R$ 5 mil. Mas os detalhes dessas contrapartidas ninguém conhece.  

A equipe econômica não sabe exatamente o que vai propor. Ela só sabe que quer cobrar mais um imposto, chamado de digital para que se acredite que é possível evitá-lo. Mas não se escapa de um tributo como esse. 

É isso que o governo vem defendendo. Todos os contribuintes pagarão. Se o governo tem boas intenções, deveria falar claramente sobre o novo imposto. 

A autora deste artigo, Miriam Leitão, é Jornalista especializada em economia e comentarista da Globo News. Este artigo foi publicado originalmente em O Globo, edição de 30.07.2020.

Ambiência democrática, sistema de justiça autoritário

Estamos a conviver, sem opor resistência cívica, com o crescimento da opressão do Estado
 
Nos últimos anos, e, para sermos justos, não apenas a partir do atual governo, temos visto progressivas fraturas na arquitetura dos direitos e garantias fundamentais edificados pela Constituição de 1988 como estatuto da redemocratização que pôs fim ao regime militar. A Carta que Ulysses Guimarães chamou de “cidadã”, no célebre discurso em que expressou sentir “ódio e nojo à ditadura”, tem sido deformada, às vezes literalmente, por emendas que traem o seu espírito, e frequentemente por legislação subalterna que conspira contra o modelo que desenhou. Parte dessas iniciativas predatórias degrada o devido processo legal, expressão máxima da axiologia democrática para defender, de um lado, a sociedade contra os que infringem as leis e, de outro, resguardar o acusado do abuso do poder de punir do Estado.

Mesmo quando o construto do Estado de Direito baliza o talho da lei, como no caso do diploma que pune o abuso de autoridade, proliferam notórias burlas, a exemplo do que sucede com a vedação da exposição do preso, e não só se exibe o detido, como tudo o que dele se apreende em buscas extemporâneas e aparatosas, forma midiática de mais espetacularizar as diligências, agora filmadas pelos agentes do Estado e imediatamente divulgadas nas redes sociais – totalmente desconsiderado o fato de que é de um presumido inocente que se trata. Mas para o justiceiro “clamor das ruas” já é uma etapa de julgamento que não aponta outro veredicto senão a condenação. A prisão da moda é a preventiva, execrável cumprimento de pena ante tempus, em geral justificada com a hipótese de que o acusado poderia embaraçar as investigações, mesmo que os fatos sob apuração tenham ocorrido muitos anos antes – e pela Lei 12.850/13, que enriqueceu a cornucópia delitiva das “organizações criminosas”, então se define o crime de obstrução, punido com pena (até oito anos) maior do que a cominada ao delito principal. Nesse surreal camburão jurídico foi até um ex-presidente da República, detido na rua como se em flagrante delito por crime hediondo. 

As contagiosas cadeias estão repletas, mas, do contingente que oscila em torno de 750 mil presos, cerca de 30% (225 mil) são provisórios – não estão condenados –, mas perderam a liberdade em nome da lei e da ordem. Muitos sofreram penas exageradas, até por crimes de bagatela (como um xampu surripiado no supermercado) e os “sem-bens” ainda levam de quebra uma multa que não podem pagar, e geralmente não pagam e têm o nome lançado na dívida ativa da Fazenda Pública. Esse despautério das penas pecuniárias se avoluma, indo ao paroxismo de poderem, além de fixadas no máximo, ser triplicadas para até R$ 5,643 milhões (Código Penal) ou mesmo para inalcançáveis R$ 20,9 milhões (Lei n.º 11.343/06). Isso num país onde o salário mínimo é R$ 1.045.

Teratologias legislativas que julgávamos em letargia ressurgem, famintas como ursos deixando a hibernação dos covis, a exemplo da Lei de Segurança Nacional, continente de preceitos que resguardam não a Nação de inimigos da democracia, mas os governantes de críticas internas. Nos últimos 18 meses foram instaurados 41 inquéritos com fulcro nesse resíduo autoritário legado pelo eclipse militar – e alguns deles apuram ofensas ao presidente da República por uma mera charge publicada em determinado blog.

Avanços processuais, entre eles a instituição do juiz de garantias, nem entram em vigor, posto que interditados por quem deveria prestigiá-los, mas retrocessos, como o acordo de não persecução penal, alastram-se como fogo na palha. A transparência, apanágio da Justiça e, em suma, da res publica, é outro valor relegado, tantos são os episódios de escutas ilegais secretas, vedação de acesso da defesa a investigações, situações em que o cidadão nem sequer é informado do que é suspeito, multiplicando-se os casos de controle, e até sigilo, como recentemente se descobriu no Ministério Público, em que documentos e dados eram de domínio exclusivo de uma elite de procuradores, negando-se acesso até ao procurador natural do caso – e aos bisbilhotados, nem pensar. 

Com essas práticas cumulativas, estamos a caminho do perigoso estágio que o historiador alemão Bernd Rüthers definiu como “perversão do Direito”. Embora seu campo de pesquisa fosse o extremismo do nacional-socialismo, suas observações sobre a politização da Justiça por viés ideológico são uma advertência. Tal politização é mais ampla do que a intromissão do Judiciário, do Ministério Público e da polícia nas atribuições de outros Poderes, pois se agiganta em alterações legislativas, construindo a ideologia do punitivismo, como se fora uma filosofia política tal qual o seu oposto, o civilizado garantismo, a sazonar como fruto de uma conjuntura regressiva em que prevalece o formalismo legal. 

Entretidos no paradoxo do ambiente democrático formal que comporta desvios autoritários distópicos, estamos a conviver, se não passivamente, ao menos sem opor cívica resistência, com o crescimento da opressão do Estado pela espada do sistema de Justiça.

José Roberto Batochio é Advogado criminalista. Foi Presidente do Conselho da Justiça Federal da OAB e Deputado Federal (PDT-SP). Este artigo foi publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, edição de 29.07.2020.

quarta-feira, 29 de julho de 2020

O papel da AGU

Há certos limites que não podem ser cruzados num Estado Democrático de Direito

Um dos traços distintivos dos estadistas é a capacidade que têm de separar os assuntos de Estado dos de governo, mais ainda dos particulares. Não há vivalma que espere que o presidente Jair Bolsonaro aja como um estadista. No entanto, algum grau de institucionalidade, mínimo que seja, deve haver, se não por parte do presidente da República, por aqueles que têm o dever funcional de assessorá-lo.

O artigo 131 da Constituição dispõe que “a Advocacia-Geral da União (AGU) é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo”. Só com um hercúleo esforço de interpretação é possível ler no artigo citado algo que remotamente legitime a ação que a AGU interpôs no Supremo Tribunal Federal (STF) para defender os interesses dos militantes bolsonaristas que na sexta-feira passada tiveram suas contas no Twitter e no Facebook suspensas por ordem do ministro Alexandre de Moraes.

Em caráter reservado, um dos ministros do STF avaliou que a ação da AGU é “um dos maiores vexames da história da instituição”. Outro disse à jornalista Andréia Sadi, do G1, que “a AGU não tinha motivos para agir”. De fato, custa crer que o advogado-geral da União, José Levi Mello, pôs a instituição que representa a serviço do que o ministro Alexandre de Moraes classificou em sua decisão como “uma associação criminosa dedicada à disseminação de notícias falsas, ataques ofensivos a diversas pessoas, às autoridades e às instituições” tão somente porque assim o presidente Jair Bolsonaro ordenou. Se o advogado-geral da União não tem como recusar ordens absurdas do presidente da República, não deveria estar no cargo. Há certos limites que simplesmente não podem ser cruzados num Estado Democrático de Direito.

A ordem de suspensão das contas dos bolsonaristas radicais, dada pelo ministro Alexandre de Moraes em maio e cumprida pelas empresas apenas na semana passada – sob pena de multa diária de R$ 20 mil caso fosse descumprida –, deu azo a um acalorado debate sobre os limites da liberdade de expressão. Foi com base neste direito fundamental, a propósito, que a AGU interpôs a ação no STF, alegando que “as medidas de suspensão ou bloqueio de contas nas redes sociais para fazer cessar o direito de manifestação dos investigados configuram-se como desproporcionais e contrárias ao direito à liberdade de expressão e ao devido processo legal, os quais constituem preceitos fundamentais da ordem constitucional”.

Em primeiro lugar, a liberdade de expressão dos mais proeminentes camisas pardas do bolsonarismo não foi cassada. Tanto não foi que todos os atingidos pela decisão do ministro Alexandre de Moraes continuam se manifestando livremente por meio de blogs, mensagens de WhatsApp ou vídeos no YouTube, plataformas não atingidas pela decisão. E inclusive fazem uso de tais ferramentas para ensinar uns aos outros – e a seus seguidores – como alterar as configurações do Twitter e do Facebook a fim de permitir que as publicações possam ser vistas. Uma maneira nada sutil de fazer pouco-caso de uma decisão da mais alta Corte de Justiça do País e que ilustra muito bem o animus dessa gente. Em segundo lugar, caberia ao Ministério Público Federal ingressar com a ação no STF caso tivesse havido, de fato, a violação de um direito fundamental.

A Lei Maior permite que qualquer cidadão manifeste livremente as suas opiniões, até mesmo opiniões contrárias ao STF ou, no limite, à própria ordem constitucional. Prática muito diferente é a atuação articulada e profissional das redes bolsonaristas de forma a atingir milhões de pessoas por meios fraudulentos com mensagens que falseiam o debate público e incitam a violência contra pessoas e instituições. Discurso contramajoritário é uma coisa. Discurso criminoso é outra, intolerável.

Editorial / Notas e Informações, O Estado de S.Paulo
29 de julho de 2020 | 03h00


terça-feira, 28 de julho de 2020

A democracia e a pandemia

Por Gaudêncio Torquato

O planeta está assustado com a pandemia do Covid-19. Países grandes e pequenos, pobres e ricos, estendem os olhos aos laboratórios científicos na ânsia de receber respostas de vacinas que entram na fase 3 do teste. Mas, na paisagem das Nações, uma questão se impõe: que ajustes poderão ser feitos após a crise sanitária nos sistemas democráticos? Haverá evolução ou as regras continuarão as mesmas? O tema merece reflexão.

Comecemos com uma introdução histórica. A democracia de Aristóteles tem mudado de feição. O filósofo concebia a política como a responsabilidade do cidadão em relação à polis. Os habitantes submetiam-se a uma missão, não entendiam a política como profissão. Na Ágora, praça central de Atenas, a democracia nascia sob o clamor das demandas populares. Plantava-se a árvore da democracia direta.

Ao correr dos tempos, o Estado substituiu o absolutismo dos monarcas pelo espaço da República. O poder imperial cedeu lugar ao poder popular. Um poder arraigado no Estado moderno pelo ideário da Revolução Francesa, cujo escopo abrigava o governo representativo, as liberdades, os direitos e os deveres dos cidadãos nos campos da expressão, produção e comércio.

O conceito firmou-se com o axioma de Abraham Lincoln: “a democracia é o governo do povo, pelo povo, para o povo”. Mas ciclos de crise se sucediam abalando os fundamentos democráticos, inclusive em Nações avançadas, corroendo as frentes da representação. Os três Poderes, arquitetados pelo barão de Montesquieu como forma de se obter harmonia e independência entre eles, passaram a vivenciar tensões. Certa interpretação de tarefas começou a azedar as relações entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Desvios se acentuavam, a ponto de o chamado presidencialismo de coalizão ser frequentemente acusado de presidencialismo de cunho imperial, como é o nosso caso, em razão de o Poder Executivo usar o “poder da caneta” para negociar a governabilidade.

Sob outro prisma, os conjuntos representativos desviaram-se de seus papéis, a ponto de Norberto Bobbio ter dado forte puxão de orelhas ao acentuar que a democracia não tem cumprido suas promessas, entre as quais a educação para a cidadania, a transparência, o acesso de todos à justiça e o combate ao poder invisível.

Dito isto, ingressemos na atualidade. Os problemas emergem em escala geométrica, corroendo as áreas da saúde (veja-se atual pandemia que devasta Nações), da educação, da mobilidade urbana, da segurança pública, da habitação, do saneamento básico, entre outras. No campo da sustentabilidade ambiental, a irresponsabilidade campeia, rasgando a terra, queimando florestas, destruindo riquezas naturais. Países perdem o bonde da história ao não acompanhar os avanços civilizatórios. Conflitos étnicos e religiosos explodem em todos os quadrantes. O comércio e o poder competitivo das potências intensificam querelas, como este entre a China e os EUA, uma espécie de segunda guerra fria. Até consulados são fechados.

Esse é o panorama que acolhe a pandemia do Covid-19. O que acontecerá na textura democrática após a crise? A resposta tem a ver com o estado d’alma sociedade mundial. Já vem de algum tempo um sentimento de contrariedade dos cidadãos em relação aos políticos. Tal contrariedade abriga rancores, ódio, indignação, a denotar desprezo pelos governantes. O sentimento tem se propagado nos últimos anos, como se observa nos conflitos que cercaram a primavera árabe, em 2010, abrangendo Tunísia, com a derrubada do ditador, e se estendendo pela Líbia, Egito, Argélia, Iêmen, Marrocos, Bahrein, Síria, Jordânia e Omã.

Em finais de 2011, um movimento chamado Occupy London, ao lado da catedral St Paul, chamava a atenção por reunir uma multidão numa das capitais mais democráticas do mundo. Pouco tempo depois, em 2012, foi a vez de Washington ver instalado o Occupy Wall Street, que pedia mudanças no sistema financeiro. Culpavam-se os governantes por problemas, como poluição, tratamento cruel contra animais, desigualdade social. No Brasil, tivemos as grandes manifestações de junho de 2013, empuxo do impeachment da presidente Dilma.

O fato é que, de uns anos para cá, a sociedade passou a ter participação mais ativa na política. Nos horizontes, vislumbra-se um poder centrípeto – das margens para o centro – revigorando as estacas da democracia participativa. Esta é, portanto, uma tendência a ganhar força nos tempos pós-pandemia.

Novos polos de poder se multiplicam aqui e alhures, usando estruturas de entidades intermediárias, como associações, sindicatos, federações, núcleos, setores, movimentos. Infere-se, assim, que o poder político tende a ser mais descentralizado, fortalecendo a ideia de um sistema compartilhado com o povo.

Já a nossa democracia atravessa gargalos: a pobreza educacional das massas; a perversa disparidade de renda entre classes; o sistema político resistente às mudanças; um governo ortodoxo e a manutenção de mazelas históricas.

Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação - Twitter@gaudtorquato

Mais análises no blog www.observatoriopolitico.org

O efeito do charlatanismo

‘As pessoas não querem saber de pesquisa científica. Só do que o Bolsonaro tomou’

Pesquisa da Associação Paulista de Medicina mostra que 48,9% dos quase 2 mil profissionais de saúde entrevistados em todo o País disseram ter sofrido pressão de pacientes ou de parentes de internados para receitar remédios sem comprovação científica contra a covid-19. Os médicos também reclamam de intimidação nas redes sociais quando descartam o uso desses remédios, em especial da cloroquina, cuja eficácia no combate à pandemia já foi amplamente desqualificada. Há quem relate ter sofrido até ameaças de morte, como o presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Clóvis Arns.

Assim, como se não bastasse toda a pressão inerente ao enfrentamento da pandemia, que inclui o risco pessoal de contaminação, os médicos que lidam com milhares de doentes têm sido obrigados a encarar a hostilidade de pacientes e familiares que insistem em tratamentos que, ao contrário de salvar vidas, podem colocá-las em risco.

É compreensível que pacientes e seus familiares tentem se agarrar a qualquer esperança ante a terrível perspectiva de sofrimento trazida pela pandemia – que só no Brasil já deixou quase 90 mil mortos. Ninguém haverá de condenar quem, após o temido diagnóstico, exige dos médicos a aplicação de todos os tratamentos disponíveis, se houver a mais remota possibilidade de um deles salvar o paciente. Quando tudo o mais falta, resta a fé.

O problema é que essa fé está sendo estimulada pelo governo federal, a começar pelo presidente Jair Bolsonaro, justamente a autoridade que deveria se empenhar mais em orientar a sociedade com dados realistas e cientificamente comprovados para combater a doença. Quando um presidente da República – ouvido com atenção por toda a Nação pelo cargo que ocupa – insiste em fazer propaganda a respeito dos supostos efeitos benéficos da cloroquina contra a covid-19, mesmo depois que esse medicamento foi considerado ineficaz por vários estudos, reina uma perigosa confusão.

Para quem está para entrar em uma UTI ou está angustiado porque um parente acabou de ser internado com covid-19, as palavras do presidente, já naturalmente relevantes, são entendidas como prescrição médica – aos profissionais de saúde, portanto, bastaria assinar a receita. Explica-se assim que um a cada dois médicos ouvidos na pesquisa da Associação Paulista de Medicina relate ameaça ou constrangimento por parte de parentes ou de doentes.

“Sei que é um momento complicado, entendo a agonia e a angústia das pessoas, mas começaram a me chamar de assassina porque eu não tinha usado cloroquina no tratamento”, disse ao Estado a médica intensivista Bruna Lordão, de São Paulo. “As pessoas não querem saber de pesquisa científica. Elas só querem saber o que o Bolsonaro tomou. Foram certamente os piores momentos da minha carreira.” Depois desse episódio, a médica pediu demissão do hospital.

Esse é o resultado da politização da pandemia por parte de Bolsonaro. Preocupado com os efeitos da crise sobre sua popularidade, o presidente agarrou-se à cloroquina como panaceia – e passou a tratar os médicos e as autoridades que questionaram a eficácia da droga como adversários políticos.

Como consequência disso, os médicos e as autoridades que decidem seguir a ciência e não o palpite presidencial são acusados de fazê-lo por oposição ao presidente e, no limite, porque esperam o agravamento da crise para prejudicar Bolsonaro. É o charlatanismo elevado à categoria de política de Estado para a área da saúde, o que complica sobremaneira o trabalho de quem deve lidar com a doença real, na linha de frente da longa batalha contra o coronavírus.

Como bem lembrou a Associação Médica Brasileira em nota, os médicos são autônomos para receitar medicamentos ainda que não haja comprovação de que funcionem no caso, mas, graças ao presidente Bolsonaro, muitos estão sendo constrangidos a fazê-lo, inclusive sob ameaça, no caso da cloroquina – mesmo ante o risco de efeitos colaterais perigosos. Nada disso é ciência, muito menos o pleno exercício da medicina; é, apenas, irresponsabilidade. A cloroquina, é bom que se lembre, provoca efeitos secundários que podem levar à morte.

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
28 de julho de 2020 | 03h00

Como o novo coronavírus age no corpo das pessoas

Caminho do vírus da covid-19 no organismo é alvo de diversos estudos; órgãos além dos pulmões podem sofrer danos indiretos      

O rápido avanço da pandemia da covid-19 tem sido um desafio para cientistas ao redor do mundo, que precisam desvendar como age o novo coronavírus a fim de combatê-lo. Entender o comportamento do vírus é o que garantirá maior eficiência no diagnóstico, na prevenção, no tratamento e na descoberta de vacinas.

Até o momento, os estudos apontam que o vírus entra no organismo pelas mucosas, especialmente pelos olhos, nariz e boca. “Uma vez dentro do corpo, ele vai replicar em algumas células dessas mucosas”, diz a professora Luciana Costa, diretora adjunta do Instituto de Microbiologia da UFRJ.

As principais células atacadas pelo vírus para se multiplicar são as do sistema respiratório, especialmente as nasais e pulmonares. Se a carga viral de contágio for alta, há a possibilidade de o vírus já chegar nos pulmões mesmo antes de começar a se replicar. “Vai ter mais chance de partículas conseguirem ultrapassar as barreiras naturais, físicas, que nós temos no trato respiratório, que seriam as células ciliares, o muco. Essas barreiras já existem no corpo humano para evitar que esses invasores entrem nos pulmões a partir do trato respiratório superior”, explica Luciana.

No pulmão, a multiplicação ocorre principalmente em um tipo de célula (pneumócitos do tipo 2), na qual acontece uma “replicação viral intensa”, como ressalta a professora. A partir dessa etapa, contudo, as hipóteses científicas são mais incertas. “Se o vírus sai dali, seja associado a células do sistema imune, seja sendo deglutido, e se ele vai chegar a outros locais do corpo, a gente não sabe.”

A especialista aponta que uma possível chegada do vírus em órgãos como fígado, rins, baço, coração e intestino depende muito da presença dele no sangue, o que ainda não foi comprovado. O dano em outros tecidos detectado até o momento pode decorrer, por exemplo, de respostas imunológicas à presença do coronavírus. Isto é, esses danos não são provocados diretamente pelo vírus, mas são consequência do que ele provoca no organismo.

Luciana Costa exemplifica que, se o vírus chegasse ao intestino por deglutição, ele teria a camada de proteção destruída pelo PH ácido do estômago e não conseguiria se replicar. “O vírus é excretado, isso a gente sabe, mas aparentemente não é infeccioso. Então pode ser que o vírus chegue lá por deglutição, mas não que ele se replique no intestino. A gente sabe que tem uma série de outras consequências que a replicação viral e a resposta a isso causam, como a coagulação, a grande acumulação de processos inflamatórios, e a combinação desses fatores pode causar danos nos outros.

Disseminação – O vírus se dissemina pelas gotículas expelidas por pessoas contaminadas,
especialmente pela tosse e espirro. São partículas microscópicas que ‘navegam’ pelo ar até encontrar novo hospedeiro.

Transmissão – Gotículas minúsculas entram em contato com as mucosas, como nariz, boca e olhos, pelas quais penetram no organismo da pessoa que será contaminada. Os sintomas geralmente começam a ficar evidentes depois de cinco dias.

Replicação – As proteínas pontiagudas do vírus (chamadas “spikes”) se prendem à membrana da célula humana, permitindo que a liberação do material genético (RNA). A partir desse momento, a célula vira uma “escrava” do vírus, replicando-o milhares de vezes até ela (a célula) morrer.

Resposta imunológica – As cópias do vírus começam a se espalhar pelo organismo, infectando outras células e avançando especialmente pelos dutos dos brônquios. O sistema imunológico começa a agir, com uma “tempestade de “citocinas” (células de defesa). Em alguns casos, o organismo perde o controle e começa a bombear níveis excessivos de citocinas, o que causa inflamação nos pulmões e no coração.

Pulmões – As mucosas inflamam, danificando alvéolos ou vesículas pulmonares, que precisam trabalhar mais para fornecer oxigênio ao sangue e remover o dióxido de carbono. Os pulmões ficam cheios de fluido, pus e células mortas, ficando rígidos e agravando a insuficiência respiratória.

Sistema gastrointestinal – A infecção pode se espalhar pelas mucosas, do nariz ao reto. Por isso, há a hipótese de que talvez o vírus possa ser capaz de infectar células do sistema gastrointestinal (o que explicaria os sintomas digestivos relatados por parte dos pacientes), mas ainda não há comprovação.

Coração e sangue –O bombeamento do sangue aumenta com a febre, o que exige mais do coração, que já está com menores reservas de oxigênio. O corpo responde ao vírus e infecções. Mas podem surgir coágulos nas artérias coronárias, o que bloquearia o fluxo do sangue, causando problemas cardíacos.

Medula e fígado – A medula e órgãos como o fígado também podem ficar inflamados, mas ainda não está claro se isso ocorre por ação direta do vírus ou como consequência de outros danos e reações do organismo.

Sistema nervoso – O vírus tem potencial para invadir o sistema nervoso central e provocar encefalites e mielites, embora isso ainda esteja em estudo.

Camila Tuchlinski, O Estado de S.Paulo
28 de julho de 2020 | 10h00

Problemas na coagulação sanguínea são sinais severos da covid-19

Pesquisadores da USP encontraram coágulos em pequenos vasos existentes embaixo da língua de pacientes logo no primeiro dia de internação; hipótese anterior era que eles surgiriam em decorrência da internação

Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, conseguiram registrar em pacientes internados com a forma grave da covid-19 a formação de coágulos em pequenos vasos existentes embaixo da língua. O achado, divulgado na plataforma medRxiv, reforça a teoria de que distúrbios de coagulação sanguínea resultantes de uma resposta inflamatória exacerbada ao SARS-CoV-2 estariam na base dos sintomas mais severos da doença – entre eles insuficiência respiratória e fibrose pulmonar.

Essa hipótese começou a ganhar força em abril, quando pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP encontraram, durante a autópsia de pessoas que morreram em decorrência do coronavírus, microtrombos nos vasos mais finos que irrigam o pulmão.

"Ainda havia uma certa dúvida se esses distúrbios de coagulação seriam uma consequência do longo período de internação em UTI [unidade de terapia intensiva] ou se de fato eram causados pela resposta inflamatória induzida pelo vírus. Mas nós conseguimos observar a formação dos microtrombos já no primeiro dia de internação", conta Carlos Henrique Miranda, professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP), à Agência FAPESP.

O artigo, ainda em versão preprint (não revisado por pares), descreve a análise feita na microcirculação sublingual de 13 pacientes que precisaram ser intubados e submetidos à ventilação mecânica. As imagens foram obtidas por meio de um microscópio equipado com uma câmera e uma luz polarizada capaz de destacar as hemácias e os vasos sanguíneos. O estudo foi apoiado pela FAPESP.

"Nossa proposta original era usar o microscópio para estudar problemas de coagulação sanguínea em pacientes com sepse [inflamação sistêmica geralmente desencadeada por uma infecção bacteriana localizada]. Mas a pesquisa foi paralisada por causa da pandemia e tivemos dificuldade até para importar o equipamento. Conseguimos graças à ajuda da Gerência de Importação da FAPESP e decidimos voltar nossa atenção aos pacientes com covid-19", diz Miranda.

A região sublingual foi escolhida por ser uma área de mucosa possível de ser acessada de forma não invasiva. "Observamos nesses pequenos vasos múltiplas falhas de enchimento, ou seja, trechos sem nenhuma hemácia. Inferimos que nessas regiões existem trombos obstruindo o fluxo sanguíneo. Em alguns dos pacientes conseguimos ver o vaso trombosando bem na nossa frente", relata o pesquisador.

Pesquisa covid-19

Estudo feito com 13 doentes submetidos à ventilação mecânica reforça a teoria de que distúrbios de coagulação sanguínea resultantes de uma resposta inflamatória exacerbada ao SARS-CoV-2 estariam na base dos sintomas mais severos da doença (a imagem 1 mostra a microcirculação normal; as imagens 2 e 3 registram sinais de problemas na circulação e, a imagem 4, capta a obstrução tromboembólica aguda) Foto: Carlos Henrique Miranda/USP
De acordo com Miranda, o distúrbio de coagulação causado pelo SARS-CoV-2 parece ter um "caráter predominantemente trombótico e muito intenso", diferente do que se observa na sepse bacteriana.

No caso da covid-19, o problema está associado ao que se chama de tempestade de interleucinas (proteínas que atuam como sinalizadores imunes), que ativa um processo conhecido como cascata de coagulação. As plaquetas presentes na circulação começam a se agregar, os trombos formados obstruem os pequenos vasos do pulmão e causam microinfartos. As regiões do tecido que morrem por falta de irrigação dão lugar a tecido cicatricial – processo conhecido como fibrose. Além disso, os microtrombos que se formam na interface do alvéolo pulmonar com os vasos sanguíneos impedem a passagem do oxigênio para as pequenas artérias, prejudicando a oxigenação do sangue.

"Esses fatores inflamatórios que levam à formação dos microtrombos são sistêmicos e, portanto, não afetam apenas o pulmão. Pode haver prejuízos em diversos órgãos. Nós conseguimos registrar os efeitos na região da língua", explica Miranda.

Atualmente, o pesquisador coordena um estudo clínico com heparina, um dos medicamentos anticoagulantes mais usados no mundo. O objetivo é ver se o tratamento ajuda a melhorar a oxigenação do sangue de pacientes com insuficiência respiratória causada pelo novo coronavírus.

"Pretendíamos registrar com o microscópio o efeito do tratamento na microcirculação sublingual, mas a epidemia estourou aqui na região de Ribeirão Preto e a prioridade agora é atender os doentes", diz o pesquisador.

Karina Toledo, Agência FAPESP
28 de julho de 2020 | 10h00

OMS diz que pandemia do novo coronavírus é ‘uma grande onda’ e não é sazonal

Organização alertou que o vírus da covid-19 não se comporta como o da gripe; de acordo com a entidade, esse é um novo vírus e está se comportando de maneira diferente

A Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou nesta terça-feira, 28, que o novo coronavírus, Sars-Cov-2, não tem características sazonais, como se comporta o vírus da influenza. De acordo com a Organização, a pandemia é "uma grande onda".

Apesar de também se espalhar de pessoa a pessoa, o vírus da gripe circula com maior frequência nas estações mais frias. A intensidade da circulação do influenza também pode mudar de ano para ano.

O coronavírus, no entanto, circula facilmente independentemente da época e estação do ano. Por não possuir um comportamento sazonal, Margaret Harris, porta-voz da OMS, chamou a atenção sobre os riscos de transmissão do vírus durante o verão do Hemisfério Norte, e não apenas no inverno.

"As pessoas ainda estão pensando nas estações do ano. O que todos precisamos entender é que este é um novo vírus e está se comportando de maneira diferente", disse Margaret, em uma coletiva virtual em Genebra, na Suíça.

Ela também alertou contra o pensamento em termos de ondas de vírus, dizendo: "Será uma grande onda. Vai subir e descer um pouco."  Margaret pediu ainda a aplicação de medidas para conter a transmissão do coronavírus, que está se espalhando em grandes aglomerações.

O mundo já contabiliza 16.523.029 infecções confirmadas e 654.860 mortes devido à covid-19, de acordo com a contagem da Universidade Johns Hopkins.

Redação, O Estado de S.Paulo
28 de julho de 2020 | 11h04


sábado, 25 de julho de 2020

Brasil tem agora 85.562 mortos por Covid-19

Número de pessoas infectadas pelo vírus chega a 2.355.920

O Brasil chegou aos 85.562 óbitos e 2.355.920 contaminações pela Covid-19, com 177 novos óbitos e 7.720 novas infecções desde 20h de sexta-feira, de acordo com boletim das 13h do consórcio de veículos de imprensa. Apenas  95 municípios do país  não têm casos da doença, número que representa menos de 2% do total de cidades brasileiras (5.570).

Os dados  são divulgados pelo consórcio de veículos de imprensa formado por O GLOBO, Extra, G1, Folha de S.Paulo, UOL e O Estado de S. Paulo, que reúne informações das secretarias estaduais de Saúde.

Desde o último levantamento, fechado às 8h deste sábado, Ceará, Minas Gerais, Goiás, Distrito Federal, Rio Grande do Norte e Mato Grosso do Sul atualizaram suas estatísticas.

As estatísticas da pandemia no Brasil são divulgadas três vezes ao dia pelo consórcio. Os próximos dados serão divulgados às 20h desta sexta-feira. A iniciativa dos veículos da mídia foi criada a partir de inconsistências nos dados apresentados pelo Ministério da Saúde.

Mundo registra recorde diário de casos pela Covid-19, com mais de 284 mil infecções
A Organização Mundial de Saúde (OMS) registrou um aumento recorde nos casos do novo coronavírus em todo o mundo nesta sexta-feira (24), com 284.196 novas infecções em 24 horas.

Os países que mais registraram novos casos foram Estados Unidos, Brasil, Índia e África do Sul, de acordo com o relatório diário da entidade. Foram informadas 9.753 novas mortes pela doença, maior número diário de óbitos desde o recorde de 9.797 estabelecido em 30 de abril.

O recorde anterior de novos casos registrado pela OMS foi de 259.848 no dia 18 de julho. As mortes em julho têm sido, em média, de 5 mil por dia, uma elevação em relação à média diária de 4.600 óbitos em junho.

Covid-19 mata mais rapidamente pacientes em Roraima do que em Santa Catarina, mostra estudo
O tempo transcorrido tipicamente entre uma vítima brasileira do novo coronavírus manifestar os primeiros sintomas e morrer é de 15,2 dias, mas varia muito conforme o estado onde o paciente vive, podendo ir de 11 dias (em Roraima) a 17 dias (em Santa Catarina). Essa disparidade aparece em um estudo em andamento realizado por cientistas do Imperial College de Londres e da Universidade de Oxford, que analisou dados de pacientes internados em todo o Brasil.

Apesar de ainda ser difícil explicar os motivos específicos das diferenças entre os estados, o mapeamento ajudará epidemiologistas a entregarem projeções mais precisas sobre a doença no Brasil.

O Globo  / 25/07/2020 - 13:00 
Atualizado em 25/07/2020 - 15:22

O Bolsonaro imaginário e o real

Votação do Fundeb é o retrato do governo de um presidente que só trabalha para se reeleger e proteger sua prole

Nem os parlamentares mais fiéis ao presidente Jair Bolsonaro conseguem entender os rumos do governo. A deputada Bia Kicis (PSL-DF), bolsonarista acima de qualquer suspeita, foi dispensada do cargo de vice-líder do governo no Congresso porque votou contra a renovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) – exatamente como parecia ser o desejo do Palácio do Planalto até pouco tempo atrás.

O governo menosprezou o projeto de renovação do Fundeb o quanto pôde, considerando-o “demagógico”, conforme avaliação feita no início do ano pelo então ministro da Educação, Abraham Weintraub, de triste memória. Na ocasião, o ministro informou que o governo apresentaria sua própria proposta, o que jamais aconteceu.

À medida que ficava claro que o Congresso votaria o novo Fundeb mesmo sem qualquer participação do governo, os deputados que integram hoje a base governista tentaram adiar a votação, mas foram atropelados. Houve então uma negociação de última hora realizada por articuladores do governo para que o projeto, amplamente apoiado pela opinião pública e por especialistas em educação, tivesse afinal alguma digital de Bolsonaro. Só esqueceram de combinar com o punhado de deputados que votam com Bolsonaro faça chuva ou faça sol – entre eles a agora humilhada Bia Kicis.

“Foi uma votação quase unânime, 6 ou 7 votaram contra. Se votaram contra, eles têm seus motivos. Só perguntar para eles por que votaram contra”, disse o presidente Bolsonaro a respeito dos votos de seus fidelíssimos aliados. Já a propósito do projeto que seu governo tanto sabotou, Bolsonaro disse que “o governo conseguiu mais uma vitória” e que “a Câmara e o Executivo mostraram responsabilidade”.

Esse é o retrato de um governo perdido. Ou melhor, de um governo que é o reflexo de um presidente que não trabalha senão para se reeleger e proteger sua prole – único projeto concreto que apresentou ao País até agora, relegando às calendas suas retumbantes promessas de refundação da república. Em nome de seus interesses privados, não pensa duas vezes antes de atirar ao mar seus mais devotados seguidores e não se envergonha de tentar tomar para si os méritos do Congresso no avanço de pautas de profundo interesse do País. Foi assim com o Fundeb, foi assim na votação da reforma da Previdência – que o presidente igualmente dificultou – e está sendo assim na reforma tributária, de cujo debate o governo só decidiu participar quando percebeu que seria deixado de lado pelos parlamentares.

Não é à toa que os deputados verdadeiramente bolsonaristas devem estar confusos. Apoiaram cegamente um presidente que se elegeu prometendo abandonar a “velha política”, e eis que agora são humilhados justamente por se manterem fiéis a esse seu Bolsonaro imaginário – enquanto o Bolsonaro real abriu o balcão de negócios com os partidos fisiológicos para ter algum apoio consistente e conseguir sobreviver no cargo. “Alguns dizem que a minha bancada votou contra”, disse o presidente a respeito da votação do Fundeb. “A minha bancada não tem 6 ou 7 (deputados) não, é bem maior que essa daí.”

Como a votação do Fundeb e o debate sobre a reforma tributária mostraram, a única bancada com a qual Bolsonaro pode realmente contar é “essa daí”, goste ele ou não. Já os partidos de sua bancada “bem maior” vão votar conforme sua agenda própria, que não necessariamente coincide com a do governo, seja lá qual for.

Felizmente, o espírito do atual Congresso continua a ser firmemente reformista. Há promessas de avanço rápido da reforma tributária – a verdadeira, e não o arremedo apresentado pelo governo – e outras mudanças começam a entrar na pauta. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, informou que no processo de sua sucessão, em fevereiro do ano que vem, vai apoiar o candidato que se comprometer a tocar a reforma tributária. É uma sinalização de firmeza sobre a continuidade desse importante processo mesmo que mudem os líderes no Legislativo – e mesmo que o governo continue a fingir que não tem nada com isso.

Editorial / Notas e Informações, O Estado de S.Paulo
25 de julho de 2020 | 03h00

Mulheres e negros são os mais afetados pela covid-19 no Brasil, aponta IBGE

A cada dez pessoas que relatam mais de um sintoma da doença, sete são pretas ou pardas – parcela da população fortemente dependente da informalidade. Em relação a homens, mulheres têm saúde e trabalho mais prejudicados.

    Pessoas de máscara no Rio de Janeiro

De acordo com o IBGE, 39% dos trabalhadores pretos e pardos estão em regime de informalidade, ante 29,9% dos brancos

No Brasil, os prejuízos financeiros e de saúde causados pela covid-19 pesam muito mais sobre mulheres, negros e pobres. É o que apontam dados sobre mercado de trabalho e sintomas gripais aferidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no mês de junho.

O órgão do governo federal mostrou, em sua Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Covid-19, que o número de desempregados foi acrescido de 1,68 milhão de pessoas em junho, o que representou alta de 16,6% na comparação com maio. Com isso, chegou a 11,8 milhões de brasileiros o total de desocupados no país, que só leva em consideração quem procurou trabalho – missão dificultada pelo isolamento social. E a conjuntura é particularmente cruel para determinados grupos sociais.

Mesmo que indique um recuo do contágio viral, o inquérito epidemiológico do IBGE revelou um abismo racial no alcance da doença. Entre aqueles que disseram ter tido mais de um sintoma de síndrome respiratória, 68,3% são pretos ou pardos, ante apenas 30,3% de brancos. Entre os sintomas conjugados levados em consideração estão febre, dificuldade de respirara, tosse e perda de olfato ou paladar.

Na avaliação do professor da Universidade de São Paulo (USP) Ruy Braga, especializado em sociologia do trabalho, o contraste tem raízes históricas, que impactam a inserção dos negros no mercado, e está ligado à qualidade de moradia dessa população.

"É resultado de uma interseção entre pobreza, maior frequência na informalidade e precariedade nas condições de vida que atinge mais diretamente os negros e pobres no Brasil. Isso converge para as condições de saúde dessas pessoas", afirma Braga.

O sociólogo lembra que o adoecimento é muito mais frequente entre os negros, e a relação entre pandemia e comorbidades agrava o quadro. A situação é ainda mais delicada pela maior presença dessa população na chamada gig economy (economia dos bicos) e suas funções típicas, como as as de entregadores e motoristas de aplicativo, que ainda se difundiram no contexto da crise sanitária.

"São setores expostos à circulação, pessoas mais vulneráveis e que não podem ficar em casa, não têm acesso à proteção do home office, necessitam ir às ruas para ganhar seu pão. Há uma associação muito clara entre desigualdade racial, o aumento da vulnerabilidade desses grupos à pandemia e a esmagadora maioria de negros e pardos no trabalho informal", analisa o especialista.

De acordo com a pesquisa do IBGE, 39% dos trabalhadores pretos e pardos estão em regime de informalidade, ante 29,9% dos brancos. Autônomos e informais foram justamente os que mais perderam renda na crise.

"São trabalhadores atingidos duplamente", afirma o economista Sandro Sacchet, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). "Mesmo aqueles que não tiveram a renda afetada, como os entregadores, acabam tendo que se expor e apresentam incidência de sintomas maior do que a média. A pandemia tornou a precariedade das relações informais mais visível", diz.

Mulheres e o "cuidado perigoso"

Os dados referentes à manifestação de sintomas associados à covid-19 também revelam efeitos discrepantes na comparação entre gêneros. Em junho, 57,8% dos que disseram ter contraído mais de um deles eram mulheres, contra 42,2% de homens.

Desde o início do ciclo da doença no Brasil, a antropóloga e professora da USP Denise Pimenta vem alertando para esse cenário. Estudos internacionais e realizados no país mostram que, via de regra, mulheres são mais afetadas em epidemias, endemias e pandemias. O fenômeno encontra explicação no conceito de "cuidado perigoso", identificado por Pimenta em sua tese de doutorado, uma etnografia do impacto da epidemia de ebola (2015) na população feminina de Serra Leoa.

No país da África Ocidental, quase sempre eram as mulheres que assumiam os cuidados de familiares, amigos e vizinhos infectados, se expondo mais ao vírus do que os homens. Por vezes, quando outra mulher adoecia, uma amiga a substituia nas funções de cuidado, numa exposição interminável. No Brasil, além da reprodução em alguma escala deste fenômeno, incidem outras variantes, como a presença majoritária delas no front profissional da saúde ou em atividades de alta exposição, como limpeza.

"Há uma sobrecarga no cuidado exercido pelas mulheres. Além da atenção à família, ainda tem a gestão da casa e o envolvimento com iniciativas comunitárias. A mulher está de cara a cara com o vírus, é quem limpa o mundo, tanto em casa como em hospitais. Elas são maioria na área da saúde", comenta a antropóloga.

Na análise do mercado de trabalho, mais desigualdade. Em junho, a parcela de mulheres afastadas de sua atividade – e possivelmente sem salário –, foi bem superior à de homens: 18,3% delas estavam paradas, ante 11,1% da população ocupada masculina. Segundo o IBGE, quase a metade (48,4%) dos 11,8 milhões de trabalhadores nessa situação exclusivamente devido à pandemia ficaram sem receber salário nenhum.

Para o Diretor-Adjunto de Pesquisas do IBGE, Cimar Azeredo, a prevalência maior de afastamentos entre mulheres se explica, entre outros fatores, por sua elevada participação em setores como o de empregadas domésticas, dos que mais sofreram com os afastamentos: 22,9% do setor estava parado no mês passado.

Ao mesmo tempo, chama atenção a "vantagem" apresentada pelas mulheres no quesito trabalho remoto. Em junho, 17,5% puderam gozar dessa vantagem, enquanto só 9,4% dos homens trabalhavam de casa. "Em média, as mulheres têm maior escolarização, fator importante para a realização de trabalhos mais intelectuais, que convivem com o home office", lembra o economista Daniel Duque, da Fundação Getúlio Vargas.

Embora se trate de um indicador positivo, Pimenta sublinha que a realidade do trabalho remoto tornou ainda mais penosa a conciliação entre tarefas familiares e profissionais pelas mulheres.

"Não é mais jornada dupla, ela está em um trabalho contínuo. Tem que cuidar da casa, das crianças, dos idosos, das entregas, tudo ao mesmo tempo. Essa gestão de múltiplas obrigações deixa as mulheres mais estressadas do que os homens, mais produtivos do que as mulheres em trabalho remoto", aponta a professora da USP.

Publicado originalmente por Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas. 

O plano de Trump para ficar na Casa Branca

Diante da queda de popularidade, presidente americano adotou uma estratégia para garantir a reeleição: em vez de declarar guerra a outros países, ele declara guerra ao próprio povo, comenta Ines Pohl.

As coisas não andam boas para Donald Trump - a covid-19 tem os Estados Unidos sob controle, o número de infectados continua aumentando e em muitas cidades os necrotérios estão lotados. Caminhões estão estacionados junto aos hospitais para resfriar os corpos dos mortos no calor do verão.

Um presidente sem rumo, que não quer assumir a responsabilidade por planos nacionais de resgate, aconselha aos concidadãos injeções com desinfetante e zomba do uso de máscaras faciais, não irrita seus opositores como também o apoio dentro de seu próprio partido republicano está começando a mostrar rachaduras.

A cada novo e horripilante relatório da covid-19, seu adversário nas próximas eleições presidenciais, o democrata Joe Biden, ganha mais terreno. Em uma série de pesquisas de opinião, ele está à frente de Trump por dois dígitos.

Mesmo um Trump que vê o mundo como lhe convém aparentemente percebeu que a economia não se recuperará até novembro. Muito pelo contrário – a cada dia que passa, a devastação econômica se torna mais óbvia e não há como o governo injetar dinheiro suficiente no sistema para segurar o pior até depois da eleição. Seu mantra "isso é tudo culpa da China" não será suficiente para ele ganhar apoio nas urnas.

Outros presidentes, como George W. Bush, o exemplo mais recente, iniciaram guerras em situações semelhantes – as guerras unem o país e os presidentes em tempos de guerra são reeleitos. Mas Trump escolheu um caminho diferente: ele aproveitou todas as oportunidades possíveis para transformar em medo a incerteza que muitos americanos agora sentem. Ele explora com perfeição as fissuras que existem na sociedade americana desde seu início, fraturando ainda mais o país.

Sem se preocupar com as graves consequências de suas ações, ele continua alimentando a violência para depois se apresentar como uma espécie de salvador. Ele está fazendo isso com a mesma tática política que lhe rendeu a Casa Branca em 2016. Para Trump, são sempre "os outros" que representam a ameaça; "os outros" são os culpados; e é "dos outros" que ele, o homem forte, tem que proteger seus apoiadores.

É um conceito simples. Mas funciona neste país que perdeu sua bússola interior. Funciona para pessoas em que a raiva substituiu a esperança pela realização de seu sonho americano em um mundo em que a supremacia dos Estados Unidos está desaparecendo. E funciona através das imagens com as quais Donald Trump domina as telas por meio de seu atual golpe político.

Em um primeiro passo, tropas anônimas foram enviadas para proteger estátuas. Trump emitiu um decreto em junho, permitindo que a polícia federal se deslocasse a cidades onde grassam protestos contra a brutalidade policial e a discriminação de negros. Então, em 4 de julho, num discurso em comemoração ao Dia da Independência dos Estados Unidos, ele declarou guerra à "multidão de esquerda", que, segundo ele, mancha a história gloriosa do país. De fato, imagens dos confrontos nos protestos de Portland realmente evocaram uma situação parecida com guerra. A situação é pior do que no Afeganistão, disse Trump recentemente no Salão Oval. Essa tática parece dar certo junto aos apoiadores de Trump.

Mas nem prefeitos nem governadores querem esse "apoio" de Washington. Eles sabem muito bem, afinal, que agentes federais em uniformes de camuflagem, pelo seu comportamento brutal, não ajudarão a acalmar os manifestantes, mas provocarão novos confrontos. Eles não querem agentes anônimos espancando manifestantes e os arrastando para seus veículos.

Mas Trump aprecia essas imagens. E ele quer mais delas, pois as vê como a última chance de ser reeleito: através da violência nas ruas dos Estados Unidos, que provoca ainda mais violência e lhe fornece as imagens de que precisa para se apresentar como o salvador. O envio de mais agentes federais certamente vai ajudar a cumprir seus objetivos.

A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha. Produz jornalismo independente em 30 idiomas. 

Porandubas Políticas

Por Gaudêncio Torquato

Abro a coluna com uma historinha do Paraná.

A conversa do jardim

Manuel Ribas, interventor no Paraná (1932/1935), depois governador (1935/1937), despachava no palácio, mas gostava de morar em sua casa. Bem cedinho, chega um rapaz e encontra o jardineiro regando o jardim:

– Seu Ribas está? Sou filho de um grande amigo dele. Meu pai me mandou pedir um emprego a ele. Eu podia falar com ele?

– Poder, pode. Mas, e se ele não lhe arrumar o emprego?

– Bem, meu pai me disse que, se ele não arranjasse o emprego, eu mandasse ele à merda.

– Olhe, rapaz, passe às 4 da tarde lá no palácio, que é a hora das audiências, e você fala com ele.

Às 4 horas, o rapaz estava lá. Deu o nome, esperou, esperou. No salão comprido, sentado atrás da mesa, o jardineiro. Ou seja, o governador. O rapaz ficou branco de surpresa.

– O que é que você quer mesmo?

Repetiu a história. "Meu pai me mandou pedir um emprego ao senhor".

– E se eu não arranjar o emprego?

– Então, seu Ribas, fica valendo aquela nossa conversa de hoje de manhã, lá no jardim.

Luz no fim do túnel

Primeiro, notícias auspiciosas. O Brasil começa a testar vacinas contra a Covid-19: uma, produzida pela Universidade de Oxford, em parceria com a Astrazeneca, considerada segura, com poucos efeitos colaterais, e que estimula a produção de anticorpos e células do sistema de defesa; outra, desenvolvida pela CanSino Biologics e pela área militar da China, com resultados animadores. Vamos esperar os testes dessa fase, considerada a de número três. Há, ainda, uma terceira vacina, com bom perfil de resposta imune, fabricada pela alemã BioNTech com a multinacional Pfizer. Os testes com a fórmula chinesa começam a ser aplicados em São Paulo. Um dos cinco Estados, além do DF, a receber as vacinas para testes. Portanto, começa a aparecer uma luz no fim do túnel.

Sem processo

O eleitor de Donald Trump se compromete a não processar o candidato caso pegue a Covid-19. Trump passou a fazer comícios em ambientes fechados. Diz o documento apresentado ao eleitor: "Ao clicar na confirmação abaixo, você reconhece que existe um risco inerente de exposição à Covid-19. Ao participar do comício, você e todos os seus convidados declaram voluntariamente não acionar judicialmente Donald J. Trump pelos riscos relacionados à Covid-19".

Coisas do Brasil I

A reabertura de atividade no comércio e em áreas de serviços está ocorrendo sem muita preocupação com os picos de mortos e contaminados pela Covid-19. Pressão de setores. Olho nas urnas de novembro. Demagogia e populismo. Muitos setores deveriam continuar fechados. Brasil da improvisação.

Coisas do Brasil II

O surto de contaminados e mortos subiu em Minas Gerais. O poder executivo municipal, comandado pelo prefeito Alexandre Kalil, determinou, nos termos da decisão do STF que autoriza governos e municipalidades a tomar medidas para conter a pandemia, o fechamento de bares e restaurantes. E eis que um juiz, alegando "tirania" de Kalil e "desespero" imposto pela mídia, autoriza a reabertura de bares e restaurantes. Medidas semelhantes estão sendo tomadas Brasil a fora. O nosso Judiciário parece desconhecer a tragédia que contabiliza mais de 80 mil mortos.

Coisas do Brasil III

Um desembargador, Eduardo Siqueira, considerado "um sujeito desprezível" por sua colega de Corte, desembargadora Maria Lúcia Pizotti, flagrado sem máscara na orla da praia de Santos, hostilizou um guarda metropolitano, chamando-o de "analfabeto", rasgou o papel que lhe foi apresentado, telefonou para o secretário de Segurança da cidade, enfim, desprezando a ação do fiscal. O país clama por uma lei de abuso da autoridade. Onde está este instrumento normativo? Ou vamos continuar cultivando: "você sabe com quem está falando"?

Coisas do Brasil IV

Entidades ligadas à saúde, aqui e alhures, desaconselham o uso da cloroquina pelos graves efeitos colaterais que pode provocar. O nosso presidente Bolsonaro não só defende o remédio publicamente como anda dizendo que está se curando da Covid-9 graças a ele. Entre abril e junho, o governo recebera 2,5 milhões de comprimidos do Exército. E já havia encomendado, segundo o jornalista José Casado, de O Globo, 3 milhões de unidades à Farmanguinhos para combate à malária. E eis que os EUA doam mais 2 milhões de comprimidos. A soma daria para abastecer por 38 anos o mercado nacional. E há mais desatino: como os frascos vem com 100 comprimidos, é necessário o fracionamento em doses individuais. O general Pazuello, da Saúde, quer que Estados e municípios façam e paguem por isso. Esse remédio, leio, precisa ser manipulado de modo especial. Quem vai fazer isso? Coisas do velho Brasil.

Coisas do Brasil V

Em São Paulo, a pessoa que circula em áreas públicas sem máscara recebe uma multa de R$ 500,00. Basta uma ligeira olhada nos transeuntes em parques e nas ruas para ver o descumprimento das normas. E não se veem fiscais multando. Eita, Brasil velho.

A quarta sociedade

Esse velho Brasil nos coloca na moldura da quarta sociedade mundial. Quem acompanha esta coluna deve lembrar desse retrato do nosso país. Há quatro tipos de sociedade no mundo: o primeiro é a sociedade inglesa, onde tudo é permitido, salvo o que for proibido; o segundo é a sociedade alemã, onde tudo é proibido, salvo o que for permitido; o terceiro é a totalitária, ditatorial, onde tudo é proibido, mesmo o que for permitido; e o quarto tipo é a brasileira, onde tudo é permitido, mesmo o que for proibido.

Mais ou menos

Por nossas plagas grassa a desconfiança, estiola-se a crença nas autoridades, quebram-se a todo o momento os elos da cadeia normativa. "É para fazer isso conforme prescreve a lei?". Mesmo tendo um olho no malfeito, o transgressor não quer saber. Pratica o que acha mais conveniente. E o bom senso não é respeitado? Apenas quando não fere o que a pessoa acha seu direito. Por isso mesmo, o advérbio talvez seja mais apreciado do que a certeza impressa na cultura anglo saxã: sim, sim, não, não. Experimente perguntar a um brasileiro quantas horas trabalha por semana. Ele vai responder: "trabalho mais ou menos 40 horas". O senhor é religioso? "Sou católico, mas não tenho ido à missa".

Ranking de governadores

Semana passada, fiz um roteiro com os nomes de governadores dos Estados e solicitei aos leitores que dessem uma nota ao desempenho do governador de seu Estado e a outros, caso tivessem conhecimento de sua performance. Hoje, apresento o resultado desta enquete. Vejam bem: enquete. Não se trata de pesquisa com rigor metodológico. Deixei de fora os governantes que receberam até 5 respostas. A coluna obteve 181 votantes.

Governador UF Partido Média

Eduardo Leite RS PSDB 6,96

Renato Casagrande ES PSB 6,47

Ronaldo Caiado GO DEM 6,27

Romeu Zema MG NOVO 6,17

Ratinho Junior PR PSD 5,68

João Doria SP PSDB 4,48

Flávio Dino MA PCdoB 4,46

Ibaneis Rocha DF MDB 4,31

Camilo Santana CE PT 4,19

Fátima Bezerra RN PT 4,19

Carlos Moisés SC PSL 3,86

Paulo Câmara PE PSB 3,46

Wellington Dias PI PT 3,20

Rui Costa BA PT 3,03

Renan Filho AL MDB 3,02

Helder Barbalho PA MDB 2,83

Wilson Lima AM PSC 2,40

Wilson Witzel RJ PSC 1,09


Leite e Witzel

A performance de Eduardo Leite ganha certo destaque no conjunto votado. É um nome que cresce na floresta dos tucanos. Mas o que chamou a atenção deste analista político foi o número de notas baixas atribuídas aos governantes. Merece atenção, ainda, o péssimo conceito atribuído ao governador do Rio de Janeiro. Mais adiante, perto das eleições, faremos nova enquete.

Boulos e Erundina

O PSOL fechou com a chapa Guilherme Boulos, cabeça de chapa, e Luiza Erundina, que tem uma boa votação nas margens. Boulos está mais moderado.

Marta vereadora?

Se Marta Suplicy não conseguir ser vice de Bruno Covas na chapa, pode se candidatar a vereadora.

Tatto

Gilmar Tatto não tem perfil para disputar a prefeitura de São Paulo pelo PT. O problema é que Fernando Haddad, o sonho de Lula como candidato, rejeita a hipótese. O partido tem em São Paulo seu maior bastião oposicionista do Brasil.

Covas

Bruno Covas tomou novo fôlego após mostrar coragem e disposição no combate ao câncer. Lembra a índole do avô Mário Covas. Tem grande chance de se reeleger.

Suplicy e Bolsonaro

Leio que o vereador Eduardo Suplicy mandou o livro Utopia, de Thomas Morus, ao presidente Jair Bolsonaro. Com sua histórica recomendação em defesa da renda mínima. Este analista político desconhecia a faceta humorística do ex-senador.


Gaudêncio Torquato, Professor Titular na USP, é cientista político e consultor de marketing político.

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A partir das colunas recheadas de humor para uma obra consagrada com a experiência do jornalista Gaudêncio Torquato.

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sexta-feira, 24 de julho de 2020

A tragédia dentro da tragédia

Desafortunadamente, o País é presidido por um inepto durante a mais mortal crise sanitária em mais de um século

Se a Nação padece dos severos efeitos da pandemia além do que seria naturalmente esperado, é porque o governo do presidente Jair Bolsonaro foi incompetente para lidar com a crise ou pautou suas decisões por critérios antirrepublicanos. Não há outra conclusão a que se possa chegar após a leitura de um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a gestão da emergência sanitária pelo governo federal.

O foco inicial da fiscalização do TCU eram as compras feitas pelo Poder Executivo durante o estado de calamidade pública. No entanto, “dificuldades e preocupações” concernentes à gestão da crise como um todo levaram o ministro Benjamin Zymler, relator do processo na Corte de Contas, a expandir o escopo de análise com o objetivo de “sugerir” ao Ministério da Saúde (MS) alguns “apontamentos para correção de rumos”, a começar pela atuação do Comitê de Operações de Emergência em Saúde Pública (COE). Para o ministro Zymler, uma das principais unidades da estrutura de governança do MS para o enfrentamento da pandemia, se não a principal, “parece não estar exercendo o papel de articulação e coordenação (que lhe cabe) na prática”. O ministro foi elegante na crítica.

O TCU também destacou o “enfraquecimento da função de comunicação” do governo com a sociedade pelo fim das coletivas de imprensa diárias, o que configura uma violação do Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo Novo Coronavírus. Sem o norte dado pelo poder central, tanto a sociedade como os governos locais ficam mais suscetíveis à inconsistência de informações sobre políticas públicas, o que, em se tratando de uma crise de saúde, é muito grave.

Mais grave, porém, é a falta de critérios técnicos claros para o repasse dos bilionários recursos da União aos entes federativos, o que sugere que motivações políticas do presidente Bolsonaro podem ter preponderado na hora de definir para onde iria o dinheiro. Os casos do Pará e do Rio de Janeiro são os mais alarmantes.

Os dois Estados estão entre os três com a maior taxa de mortalidade por covid-19 do País (31,4 e 28,1 mortos por 10 mil habitantes, respectivamente), mas estão entre os três que menos receberam recursos da União para enfrentar a pandemia. O que explica uma aberração dessas? As desavenças de Jair Bolsonaro com os governadores Helder Barbalho (MDB) e Wilson Witzel (PSC)? Será este o espírito que anima o presidente da República? É conhecido seu desdém pela gravidade da pandemia e sua diferença de visão, por assim dizer, em relação às ações de muitos governadores. Daí a ignorar a mortandade nos dois Estados e deixá-los com magros recursos vai uma enorme distância.

Até o dia 25 de junho, menos de um terço dos R$ 39 bilhões que foram alocados ao MS para enfrentamento da pandemia – ou seja, R$ 11,4 bilhões – tinha sido utilizado pelo governo. Números que traduzem um inaceitável descaso.

A má gestão pode ser mais perniciosa do que a escassez de recursos públicos. A boa administração de parcos recursos é capaz de produzir melhores resultados do que a incúria em cenário de abundância. Em situações de crise, como agora, o quadro é particularmente mais grave. No curso de uma emergência sanitária, malversação ou demora na alocação desses recursos em ações de socorro à população podem significar vida ou morte para milhões de pessoas. Diante disso, não surpreende que cada vez menos gente se mostre escandalizada pelo uso da palavra “genocídio” pelo ministro Gilmar Mendes, do STF.

Desafortunadamente, o País é presidido por alguém inepto como Jair Bolsonaro no momento em que enfrenta a mais mortal crise sanitária em mais de um século. Uma tragédia dentro da tragédia. Nunca se saberá ao certo qual seria a história da pandemia de covid-19 no Brasil caso o presidente fosse outro, alguém minimamente cioso de suas responsabilidades, empático e capaz de inspirar e liderar seus concidadãos nesta hora grave. À Nação só resta refletir, amadurecer e evoluir no processo de escolha de seus líderes. É este o curso natural da democracia.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
24 de julho de 2020 | 03h00

Presidente do Banco do Brasil pede para sair

Bolsonaro procura outro nome para o lugar. "Tem que vender essa porra logo", disse Guedes, o Ministro da Economia, na célebre reunião do Presidente com o Ministério no dia 22 de abril, no Palácio do Planalto.


Rubem Novaes, Presidente do Banco do Brasil, entregou seu pedido de demissão ao presidente Jair Bolsonaro e ao ministro da Economia, Paulo Guedes.

A informação foi confirmada com a divulgação feita pelo banco como "fato relevante".

“Em conformidade com o § 4º do art. 157 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e com a Instrução CVM nº 358, de 03 de janeiro de 2002, o Banco do Brasil (BB) comunica que o Sr. Rubem de Freitas Novaes entregou ao Exmo. Sr. Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro e ao Exmo. Ministro da Economia, Paulo Roberto Nunes Guedes, pedido de renúncia ao cargo de presidente do BB, com efeitos a partir de agosto, em data a ser definida e oportunamente comunicada ao mercado, entendendo que a Companhia precisa de renovação para enfrentar os momentos futuros de muitas inovações no sistema bancário”, diz o comunicado.

O "fato relevante" informa ainda que o Presidente da República já aceitou o pedido de Rubens Novaes, devendo, por isso, indicar outro nome para presidir o Banco do Brasil.

Na reunião do dia 22 de abril, o Ministro da Economia, Paulo Guedes, fez criticas à atuação de Novaes no Banco do Brasil. Ele disse que o governo "faz o que quer" com a Caixa Econômica Federal e o BNDES, mas no BB "não consegue fazer nada", mesmo tendo um "liberal lá", em referência a Novas, que estava no encontro. "Tem que vender essa porra logo", disse Guedes.

Para Guedes, o Banco do Brasil “não é tatu nem cobra, porque ele não é privado, nem público”. “Se for apertar o Rubem, coitado. Ele é super liberal, mas se apertar ele e falar: ‘bota o juro baixo’, ele: ‘não posso, senão a turma, os privados, meus minoritários, me apertam.’ . Aí se falar assim: “bota o juro alto”, ele: ‘não posso, porque senão o governo me aperta’. O Banco do Brasil é um caso pronto de privatização”, afirmou o ministro da Economia durante encontro com ministros e outras autoridades, entre elas Novaes.

“É um caso pronto e a gente não está dando esse passo. O senhor (presidente) já notou que o BNDE e o … e o … e a Caixa que são nossos, públicos, a gente faz o que a gente quer. Banco do Brasil a gente não consegue fazer nada e tem um liberal lá. Então tem que vender essa porra logo”, reforçou Guedes.

Em abril, durante a crise da pandemida do novo coronavírus e as medidas de isolamento para tentar evitar a propagaçaõ da doença, Novaes ao Estadão disse que “governadores e prefeitos impedem a atividade econômica e oferecem esmolas, com o dinheiro alheio, em troca”. “Esmolas atenuam o problema, mas não o resolvem. E pessoas querem viver de seu esforço próprio”, disse.

Fonte: O Estado de São Paulo

quinta-feira, 23 de julho de 2020

Brasil conta 83.036 mortes e 2.242.394 infectados com coronavírus

Veja os números consolidados: 83.036 mortes e 2.242.394 infectados

Na quarta-feira (22), às 20h, o balanço indicou: 82.890 mortes, 1.293 em 24 horas. Com isso, a média móvel de novas mortes no Brasil nos últimos 7 dias foi de 1.052 óbitos, uma variação de 1% em relação aos dados registrados em 14 dias.

Sobre os infectados, o Brasil registrou recorde de 65.339 casos de Covid-19 em 24h, e alcançou o número de 2.231.871 brasileiros com o novo coronavírus. A média móvel de casos foi de 37.280 por dia, uma variação de 1% em relação aos casos registrados em 14 dias.

MÉDIA MÓVEL: Veja como estão os casos e mortes no seu estado

Mortes por Covid-19 no Brasil: números superam soma de vítimas de homicídios e de acidentes de trânsito em 2019

Progressão até 22 de julho

No total, 12 estados apresentaram alta de mortes: PR, RS, SC, GO, MS, MT, AP, PA, RO, RR, TO e PB.

Em relação a terça (20), PR, MT e RO entraram na lista de estados com alta.

Veja como o número de novas mortes tem variado nas últimas duas semanas:

Subindo: PR, RS, SC, GO, MS, MT, AP, PA, RO, RR, TO e PB

Em estabilidade, ou seja, o número de mortes não caiu nem subiu significativamente: ES, MG, RJ, SP, DF, BA, MA, PE e SE

Em queda: AC, AM, AL, CE, PI e RN

Essa comparação leva em conta a média de mortes nos últimos 7 dias até a publicação deste balanço em relação à média registrada duas semanas atrás.

Fonte Por G1 / O Globo

quarta-feira, 22 de julho de 2020

"Carteirada é sintoma de uma cultura que tem aversão ao igualitarismo"

Em entrevista à DW Brasil, o antropólogo Roberto DaMatta aponta que casos de humilhação de fiscais escancaram a persistência de um comportamento aristocrático da sociedade brasileira que remonta à época colonial.

  Anthropologe Roberto DaMatta

"Sem entender as implicações desse forte componente aristocrático que caracteriza a sociedade brasileira, não é possível compreender o 'sabe com quem está falando?'", diz DaMatta.

Aos 84 anos, o antropólogo Roberto DaMatta nunca foi tão procurado para entrevistas como agora. Sucessivos episódios de "carteiradas” durante a pandemia trouxeram luz a um livro seu escrito há mais de 40 anos, Carnavais, Malandros e Heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. A obra traz um ensaio sobre os sentidos profundos da expressão "você sabe com quem está falando?”.

Foi exatamente a pergunta feita pelo desembargador Eduardo Almeida Prado Rocha de Siqueira, em Santos (SP), ao ser multado por um guarda municipal. O guarda ainda foi chamado de "analfabeto” pelo magistrado, que estava sem máscara, cuja utilização é obrigatória na cidade por um decreto municipal instituído em abril deste ano. A multa é de R$ 100.

No início de julho, um fiscal que também chamava a atenção para as regras de distanciamento social foi humilhado por um casal no Rio de Janeiro. Na ocasião, uma mulher disse ao fiscal: "Cidadão não, engenheiro civil, formado, melhor do que você".

DW Brasil: Os recentes episódios de "carteiradas” lhe surpreenderam de alguma forma?

Roberto DaMatta: Sobretudo no caso do desembargador, surpreendeu a intensidade da arrogância. Eu me pergunto se isso aconteceria num país como a Alemanha ou outro país democrático. O guarda, que é uma autoridade pública, não está dizendo que ele é ladrão ou o acusando de nada, apenas que use uma máscara na pandemia. O cara apresenta a carteira de desembargador e só falta agredir o guarda, com gestos agressivos.

Felizmente, o guarda teve autocontrole para não fazer nada. Quando ele recebe a multa, rasga, joga no chão e vai embora, antes de telefonar para um amigo que é uma pessoa importante no governo de São Paulo. Nos dois casos, você destitui a pessoa de um papel universal, de cidadão, usado no espaço público, por outro papel. "Quem é você?”. Ele é um engenheiro formado, você não é ninguém. Esse papel de engenheiro formado não tem nada a ver com usar máscara. É o sintoma de uma sociedade que tem um padrão de comportamento aristocrático bastante forte.

Em todas as sociedades humanas, eu preciso saber com quem estou falando, conhecer as pessoas. Mas esse abuso, a tentativa de englobar a autoridade universalista de um guarda civil com um papel social mais sofisticado, que requer mais estudo, é típico de uma sociedade em que todo mundo sabia com quem estava falando. Há um determinado momento em que a sociedade cresceu, e o anonimato aumentou. As cidades modernas se expandiram, e o papel de membro de uma grande cidade começa a se complicar, porque você não conhece as pessoas. Por isso se adotaram as regras da vida burguesa, da cordialidade, de deixar que os mais velhos passem na frente.

Chama sua atenção que o livro escrito há mais de quatro décadas permaneça tão atual?

Como antropólogo, sei que as sociedades não mudam rapidamente, bem como as pessoas. Eu tive experiências com dependentes de álcool e fui dependente de fumo. Sei como é difícil sair desse quadro. Se isso acontece no nível individual, imagina no nível coletivo, em que há costumes legitimados por histórias, fatos sociais. Se nós estivéssemos andando no Rio de Janeiro em 1850, qualquer negro que aparecesse em nossa frente seria um escravo ou ex-escravo. Isso é muito importante. O que diferenciava as classes sociais na Viena do Império Austro-Húngaro, ou na Berlim prussiana do século XIX, era a maneira de vestir e falar. As pessoas não tinham educação, falavam dialetos provincianos. Era o comportamento e a roupa.

No Brasil, além desses elementos – sendo que os escravos nem usavam roupa às vezes, com as mulheres de seio de fora – tinha a cor da pele, e o fato de eles serem estrangeiros. Eles vinham da África e não eram brancos. A servidão europeia era feita de europeus, então era mais complicado distinguir um escravo, uma pessoa que ocupava uma posição ínfima na Rússia do século 19, por exemplo, como a gente lê nos livros de Dostoiévski ou nas novelas de Pushkin e Tchekhov. Todo mundo era branco e falava mais ou menos a mesma língua. No caso brasileiro, eles tinham o estigma de serem africanos, não saberem a língua e serem negros. Este elemento é fundamental.

A este elemento se acrescenta outro, que também é muito importante. O Brasil não é um país colonial clássico, virou o centro de um império com a vinda da família real portuguesa em 1808, fugindo da invasão napoleônica.

Sem entender as implicações desse forte componente aristocrático que caracteriza a sociedade brasileira, não é possível compreender o "sabe com quem está falando?”. Pode-se achar que é um desvio de conduta a ser punido. O diagnóstico é correto, mas até certo ponto. Isso faz parte de uma mentalidade, uma cultura na qual existe uma forte aversão ao igualitarismo, o que promove uma enorme contradição com a democracia republicana que a gente quer estabelecer no Brasil e estamos lutando para conquistar.

No livro, o senhor contrasta essa postura manifestada por esses casos com o Carnaval. Por que essa escolha? 

O Carnaval é o ritual do qual os brasileiros se orgulham, da alegria, do abraço, do encontro, no qual você inverte as posições sociais. O "sabe com quem está falando” é justamente o contrário, do qual os brasileiros não falam.

É o ritual da desigualdade, porque eu digo a você: está pensando que somos iguais? Você segue a regra, mas eu não sou obrigado a seguir. Evidentemente, isso contraria de maneira frontal, ilegítima e criminosa a regra básica de um regime democrático, de que todos nós somos submetidos a leis que governam o espaço público.

Eu não posso atravessar uma avenida correndo sem que o sinal esteja fechado, preciso esperar, seja eu presidente da República, Papa ou rainha da Inglaterra. O seu direito termina onde o meu começa e vice-versa. Esse tipo de entendimento e discussão parece muito simples, mas não é muito simples em sociedades fortemente personalistas ­­— caso do Brasil.

Apesar das raízes coloniais do problema, o que explica o fato de não terem ocorrido maiores transformações desde então?

Não houve, no Brasil, uma revolução como a que aconteceu nos Estados Unidos, onde eles lutaram contra os exércitos ingleses para proclamar a independência. Não estou dizendo que revolução é necessariamente boa. As sociedades têm histórias diferentes, determinadas nuances. No caso alemão, a unificação só acontece no final do século XIX, com Bismarck e os prussianos, em um processo lento como italiano. O Brasil começa centralizado e, depois, se descentraliza. Hoje, a gente ainda não sabe se vai ser uma república federativa com os limites da federação ou altamente centralizada. Quanto mais centralidade, mais fácil o caminho para o totalitarismo. O lado negativo da hierarquia está muito mais próximo de sociedades assim.

Até cinco minutos atrás, em perspectiva histórica, todo senador era barão no Brasil, e quem andava de carruagem ou cavalo era um aristocrata. Não precisava saber, bastava você olhar para a pessoa. O que os alemães e ingleses faziam? Usavam a peruca branca para sinalizar a aristocracia. A mesma coisa com os sans-culottes, que usavam meias brancas e os sapatos da aristocracia francesa. Um dos elementos trazidos pela Revolução Françesa era não usar o culotte, e tentou-se mudar a própria roupa e as datas nacionais.

Essa transformação de uma sociedade aristocrática, que é imóvel, para uma sociedade com mobilidade — caso clássico do modelo estadunidense, onde, em teoria, qualquer um pode virar um Bill Gates — tem ocorrido, mas com lentidão muito maior por causa desses entraves, de matrizes aristocráticas que persistem no nosso inconsciente. Quando a gente estuda antropologia, dedica-se aos costumes que são difíceis de explicar. Quanto mais difícil de explicar um costume, mais ele é revelador da sociedade. É impossível explicar por que os alemães falam alemão, uma tautologia.

Muito tem se falado sobre o pós-pandemia no Brasil e no mundo. Qual é a sua perspectiva?

A pandemia dá um soco muito forte na onipotência tecnológica. Estamos falando em conquistar o planeta Marte e temos relógios digitais que marcam o pulso. Isso cria uma onipotência, um sentimento ocidental de que a sociedade está sempre mudando de forma positiva, porque tem a ver com progresso.

Ao mesmo tempo, a pandemia revela a fragilidade dos seres humanos, mesmo nas sociedades mais industrializadas, que mais deram um salto no sentido de ocidentalizar determinadas dimensões da sua vida – caso da China e demais Tigres Asiáticos, bem como países da América do Sul.  A pandemia revela as desigualdades entre sociedades de maneira muito clara, bem como a brutalidade de concentração de renda e a ambição comercial, até mesmo na venda de remédios no contexto da pandemia.

O mundo pode sair da pandemia otimista, mas consciente que o mundo globalizado deveria ser mais humano e igualitário do que é, com mais compaixão do que existe no mundo de hoje. As fronteiras nacionais devem existir, sem dúvidas, mas deveriam ser mais aplacadas para que a gente pudesse espalhar pelo planeta não as diferenças, mas um bem-estar que fosse maior.

É preciso haver maior compreensão sobre as diferenças entre grupos étnicos, bem como entre pobres e ricos, com sistemas de vida diferentes, ponto fundamental da antropologia. Acredito que a pandemia pode ser uma dimensão capaz de nos levar a esse tipo de compreensão de nós mesmos.

Ela nos ataca biologicamente, e isso é um denominador comum, porque não há qualquer sociedade humana em que não exista a morte, e a pandemia tem a ver com a morte. Mais do que a política ou religiões, este é um denominador comum que pode levar a um mundo mais compreensivo, capaz de se autocriticar, um ponto fundamental do que acredito ser o verdadeiro humanismo.

Fonte:  Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas.