quinta-feira, 16 de julho de 2020

Coronavírus: o que mantém a média de mortes por covid-19 tão alta no Brasil

'É muito complicado nos acostumarmos com mil mortes por covid-19 todo dia', diz infectologista da Unicamp

A média de pessoas que morrem por causa do novo coronavírus por dia no Brasil tem se mantido relativamente estável desde o início de junho.

A chamada média móvel de óbitos por covid-19 tem variado em torno de mil, segundo dados do Covid-19 Brasil, projeto que monitora a pandemia no país e reúne cientistas de diferentes universidades.

Essa taxa representa a soma das mortes divulgadas pelas secretarias estaduais de Saúde na última semana, dividida por sete. Ela tem esse nome porque varia conforme o total de mortes dos sete dias imediatamente anteriores.

A pandemia vai tornar o mercado de trabalho ainda mais difícil para as mulheres?
Pandemia leva número recorde de fumantes a largar o cigarro no Reino Unido
A média móvel dá uma melhor noção da evolução da epidemia no Brasil do que os números divulgados a cada dia nos boletins, porque os dados diários flutuam bastante, por uma série de motivos.

Há atraso nos registros de casos e mortes nos sistemas de saúde. Faltam testes ou a demanda supera a capacidade de processamento dos laboratórios. E os resultados de exames feitos nos finais de semana são divulgados só no início da semana seguinte, o que infla os indicadores destes dias.

Calcular a média ajuda a contornar esses problemas e produz uma visão mais fiel do avanço do coronavírus — e esses dados não só mostram que a situação atual é grave no Brasil, mas que ela ainda pode piorar.

Média de mortes no país se estabilizou em um patamar muito alto

A média móvel de mortes por covid-19 no país aumentou rapidamente entre meados de março e o fim de maio. Mas variou muito pouco desde então.

O menor índice desse período foi registrado em 2 de junho: 923 óbitos. E o maior (1.057 óbitos), em 24 de junho. A média móvel de mortes por semana mais recente, de 14 de julho, ficou em 1.049 óbitos.

Isso seria uma boa notícia — porque ao menos a taxa parou de crescer exponencialmente — se a média de mortes não permanecesse tão alta.

"Ela estacionou em torno de mil. Isso significa que a pandemia ainda está muito agressiva, e, por isso, o total de óbitos está crescendo tanto", diz Domingos Alves, professor da Faculdade Medicina da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto e colaborador do Covid-19 Brasil.

Raquel Stucchi, infectologista da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia, também considera esse dado preocupante.

"É muito complicado nos acostumarmos com mil mortes por covid-19 todo dia. A gente começa a achar que é normal, mas isso não é normal", diz Stucchi.

Pandemia está em diferentes estágios no país

Dois fatores fazem a média de mortes por dia continuar alta no país como um todo. O primeiro é que a pandemia está em estágios diferentes nos Estados e no Distrito Federal.

Em muitos, a média também está estável em um nível elevado. É o caso de Amapá, Alagoas, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, São Paulo e Bahia.

A taxa está em queda no Amazonas, Acre, Pará, Roraima e Rio de Janeiro. Mas essa redução é compensada pelo crescimento de vários outros Estados, como Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, Tocantins e no Distrito Federal.

Pandemia está crescendo no interior, onde faltam profissionais de saúde e equipamentos
Ao mesmo tempo, o surto de coronavírus pode estar dando sinais de que está arrefecendo em muitas capitais, mas está a pleno vapor fora delas.

"A epidemia no Brasil não é uma grande fogueira. São várias fogueiras pequenas. As fogueiras altas que a gente via nas capitais agora deram lugar a fogueiras menores nas principais cidades do interior, que estão cercadas por uma porção de fogueirinhas", diz Alves.

Da mesma forma que as tendências de diferentes regiões do país se equilibram e mantêm a média nacional de óbitos alta, o progresso nos grandes centros de vários Estados é anulado pela chegada da pandemia a (ou sua piora em) cidades menores.

Isso é preocupante porque o sistema de saúde no interior tem menos recursos, diz Stucchi. Mesmo se há leitos, faltam profissionais com mais experiência e bons equipamentos, mesmo em cidades das regiões metropolitanas.

"Se não tem isso disponível, aumentam as chances de um paciente morrer", afirma a infectologista.

Mais casos, mais mortes

Número de casos aumentou exponencialmente até o início de julho e parece ter se estabilizado desde então
A média móvel de novos casos indica que a situação ainda pode piorar.

Diferentemente dos óbitos, que cresceram até maio, o aumento dos casos continuou até o início de julho e parece ter se estabilizado nas últimas duas semanas.

Mas a média móvel diária continua alta: variou entre 37 mi e 38 mil nestes 15 dias. E provavelmente não deu tempo ainda para tudo isso se refletir na média de mortes.

A covid-19 costuma levar de oito a dez dias para se agravar depois dos primeiros sintomas. Os casos mais críticos precisam ir para a UTI e ficam em geral internados ali entre duas a três semanas ali. Alguns não resistem.

Por isso, o aumento de casos demora um pouco para se traduzir em mais mortes. E isso pode ainda ter acontecido também porque os laboratórios estão sobrecarregados e não conseguem dar conta de todos os exames de óbitos que precisam ser feitos, diz Alves.

"De maneira nenhuma chegamos ao pico. Acredito que a média de mortes vai voltar a crescer nas próximas semanas e atingir patamares ainda maiores."

Stucchi diz que a permanência das médias de casos e mortes em níveis tão altos é um sinal de uma "incapacidade" do sistema de saúde do país. "Não estamos conseguindo acabar com a pandemia", diz a médica.

Alves concorda e acredita que a crise vai se prolongar ainda mais. "Se a gente se mantêm em patamares tão elevados e nada é feito — pelo contrário, estamos reabrindo o comércio —, a pandemia vai ser muito longeva."

Rafael Barifouse
Da BBC News Brasil em São Paulo
16 julho 2020

"Não recomendo', diz Bolsonaro sobre tratar covid-19 com hidroxicloroquina

Ao confirmar que o segundo teste feito por ele deu resultado positivo para o vírus, o presidente 
recomendou que as pessoas procurem "seu médico"

Bolsonaro relembrou que o medicamento ainda está passando por testes

O presidente fez uma live no Facebook para confirmar que o segundo teste feito por ele deu resultado positivo para o vírus. Apesar de defender em outras ocasiões o uso do medicamento e dizer que a droga estava trazendo bons resultados, Bolsonaro afirmou que “não recomenda nada, recomendo que você procure seu médico.”

“Estou medicado desde o ínicio com hidroxicloroquina. Tenho recomendação médica para isso. Estou me sentindo bem desde o dia seguinte. Não tive nenhum sintoma forte, uma febre pequena na segunda-feira retrasada, de 38 graus, um pouco de cansaço e dores musculares”, disse o chefe do Executivo.

A declaração ocorre após o subprocurador do Ministério Público Lucas Rocha Furtado pedir, na última terça-feira (14/7), que o Tribunal de Contas da União (TCU) obrigue o presidente a deixar de “propagandear o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no trato da covid-19″.

Durante o vídeo, Bolsonaro questiona se o fato de estar se sentindo melhor tem a ver com o tratamento. “Coincidencia ou não, sabemos que o tratamento não tem nenhuma comprovação científica mas deu certo comigo.”

Ele relembrou que o medicamento ainda está passando por testes e voltou a falar que tem apoio de alguns médicos para aprovação do medicamento. “Não estou fazendo nenhuma campanha, o custo é baratíssimo. Deve ser até por isso que existem algumas pessoas contra. Outras, pelo que parece, é uma questão ideológica”, explicou.

Segundo teste

Uma semana após o diagnóstico positivo para o coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro testou positivo novamente para a doença. O presidente deve fazer ainda um terceiro exame para verificar se pode retomar suas atividades.

Segundo informações da CNN, Bolsonaro não apresentaria quadro febril há mais de uma semana, não estaria com falta de ar e nem sem paladar. A taxa de saturação de oxigênio seria de 98% e seus exames de sangue e coração teriam sido considerados normais.

Ana Mendonça, estagiária sob supervisão da editora Liliane Corrêa, do Estado de Minas
postado em 16/07/2020 08:17 / atualizado em 16/07/2020 13:36. Reproduzido do Correio Braziliense.

terça-feira, 14 de julho de 2020

A ressurgência dos canalhas

O poder pertence a quem tem a prerrogativa de demitir

Como assim alguém honesto no Brasil?! O que pode ser mais ofensivo que isso? Provas vivas da canalhice dos canalhas perambulando por aí?

Fecho os olhos e vejo-os lá, os nomeados todos assegurados pela nossa insegurança, dos da sinecurazinha do pouco trabalho para todo o sempre dos fundões aos das “dachas” intercontinentais mantidas com os euros excludentes da presunção de inocência de seus donos, remoendo, remoendo, remoendo...

Não! Nada disso! Essa é a desigualdade que mata! É preciso corromper todos os íntegros, expor o lado torto dos retos, a face ruim de cada coisa boa, a sombra de tudo onde bate sol. É preciso destruir todos os heróis, enxovalhar com “narrativas” os que a História consagrou, expulsar os bons exemplos a pontapés, esconder o remédio para as doenças do Brasil.

A privilegiatura sente o País Real fungando-lhe no cangote. Sabe que vai explodir. Sabe que só um dos dois sobreviverá. Está para matar ou morrer. “É proibido reduzir gasto com funcionalismo.” “É proibido vender estatais.” “Soltem os ladrões!” “Prendam a polícia!” “Que cada juiz estabeleça suas próprias prerrogativas e decrete a verdade de cada momento!”

Podem reabrir a discussão que a humanidade encerrou há “trocentos” anos sobre se é ou não possível proibir pensamentos e palavras sem matar a outra metade. Podem enfeitar a marafona velha da corrupção com a lenga-lenga sobre se o gasto público é ou não é o pai do crescimento econômico. Podem reativar a fábrica dos dossiês do asco...

Ande tudo isso nos poderá levar que não tenhamos chegado ainda?

Desde o tempo em que a imprensa era contra a censura e a OAB mandava soltar preso político essa gente já não convencia ninguém. É de força bruta que se trata. Esse Brasil que se levanta para matar o outro antes que cresça é o de sempre. Uma ressurgência da lei da selva. A enésima onda, mais virulenta do que nunca, das pragas da Idade Média por conta de cepas resistentes aos antibióticos do contrato social e da democracia que nós insistimos em nunca tomar na dose completa.

“Nós gastamos com educação mais que 89% dos países do mundo” e continuamos com quase 89% de analfabetos funcionais porque é com prédios superfaturados, merendas e livros didáticos roubados; é com marajás das universidades públicas que ampliam e não com professores de escola básica que encurtam a desigualdade, e não com educação que nós gastamos.

“Nós gastamos com proteção social três vezes mais que o resto dos países emergentes” e continuamos com pobres três vezes mais pobres e três vezes mais desprotegidos que os deles porque não é com os pobres, é com os pais dos pobres que nós gastamos.

É preciso dizer as palavras todas!

Nós não “gastamos muito e mal”, nós somos é os mais roubados do mundo. E somos os mais roubados do mundo porque nossos ladrões são os mais blindados do mundo. Deixemos para quando tivermos política os tratados sobre política. Deixemos para quando tivermos economia os tratados sobre economia. Hoje o que temos é um sistema primitivo de exploração dos mais fracos pelos “mais fortes”, que só são “mais fortes” porque se autoproclamaram como tal.

O povo não é só a única alternativa válida, é também a única alternativa de poder à prova de explosões. A questão é como organizar o jogo para que a emenda não fique pior que o soneto.

Como é de representantes, necessariamente, que se tratará nesta nossa república continental, a legitimidade da representação é a chave de tudo. Não é espontaneamente que ela se estabelece. Enquanto os mandatos pertencerem aos eleitos e não aos eleitores e eles forem indemissíveis a lei será a que eles quiserem que seja, começando pela que os dispensa de segui-la, e a roubalheira será eterna. Não por qualquer especificidade do brasileiro ou da sua história, mas porque o bicho homem, como todos os que a natureza fez, é programado para buscar o seu interesse pelo caminho mais fácil, dadas as circunstâncias.

Há, portanto, que manipular as circunstâncias.

A representação tem de ser isso de fato: uma relação baseada na hierarquia entre duas partes que se reconhecem como dependentes uma exclusivamente da outra. Dois instrumentos – e só eles – proporcionam isso. Voto distrital puro que amarra pelo endereço cada representante aos seus representados, e o poder de retomada do mandato do representante a qualquer momento pelos seus representados e somente pelos seus representados (recall). O outro ponto essencial é o controle da pauta do debate nacional que só se consegue dando ao povo o poder de propor (iniciativa) e recusar (referendo) leis.

É simples assim. Complicado é explicar o inexplicável. No mundo real, aquele em que você trabalha para ter o seu lugar ao sol, o poder pertence a quem tem a prerrogativa de demitir. E quem disser que não entende a lógica dessa afirmativa ou é trouxa ou nunca trabalhou para outro patrão que não fosse o Estado.

Quanto a como conseguir que “eles” aceitem essa lógica e ajam contra seu próprio interesse, tenhamos a humildade de aprender com quem conhece. Basta rugir mais alto e nos autoproclamarmos os mais fortes com mais força do que “eles”.

Fernão Lara Mesquita, o autor deste artigo, é Jornalista. Escreve em  www.vespeiro.com -  Publicado originalmente em O Estado de São Paulo, edição de 14 de julho de 2020. 

segunda-feira, 13 de julho de 2020

Brasil tem média de 1.036 mortes por dia por coronavírus na última semana; 9 estados mais DF têm alta de mortes

País tem 72.151 mortes por coronavírus e 1.866.176 infectados.

O consórcio de veículos de imprensa divulgou novo levantamento da situação da epidemia de coronavírus no Brasil a partir de dados das secretarias estaduais de Saúde, consolidados às 20h deste domingo (12).

O país registrou 659 mortes pela Covid-19 nas últimas 24 horas, chegando ao total de 72.151 óbitos. Com isso, a média móvel de novas mortes no Brasil na última semana foi de 1.036 por dia, uma variação de 4% em relação aos óbitos registrados em 14 dias. Em casos confirmados foram 25.364 registrados no último dia, com o total de 1.866.176 de brasileiros infectados pelo novo coronavírus.

No total, 9 estados mais o Distrito Federal apresentaram alta de mortes: PR, RS, SC, MG, DF, GO, MS, MT, TO e PB.

Em relação a sábado (11), Roraima deixou a lista --na ocasião, eram 10 estados mais o Distrito Federal.

Veja a seguir:

Brasil, em 12 de julho

Total de mortes: 72.151
Mortes em 24 horas: 659
Média de novas mortes nos últimos 7 dias: 1.036 por dia (variação em 14 dias: +4%)
Total de casos confirmados: 1.866.176
Casos confirmados em 24 horas: 25.364
Média de novos casos nos últimos 7 dias: 37.370 por dia (variação em 14 dias: +1%)
(Antes do balanço das 20h, o consórcio divulgou dois boletins parciais, às 8h, com 71.515 mortes e 1.842.127 casos, e às 13h, com 71.584 mortes e 1.846.249 casos confirmados.)

Estados e DF

Veja como o número de novas mortes tem variado nas últimas duas semanas, considerando os dados até o consolidado de 12 de julho :

Subindo: PR, RS, SC, MG, DF, GO, MS, MT, TO e PB
Em estabilidade: ES, SP, AM, RO, RR, AL, BA, CE, MA, PE, PI e SE
Em queda: RJ, AC, AP, PA e RN

Essa comparação leva em conta a média de mortes nos últimos 7 dias até a publicação deste balanço em relação à média registrada duas semanas atrás (entenda os critérios usados pelo G1 para analisar as tendências da epidemia).

Evolução dos casos de coronavírus 

Sul

PR: +76%
RS: +90%
SC: +53%
Sudeste

ES: -11%
MG: +63%
RJ: -18%
SP: 0%
Centro-Oeste

DF: +85%
GO: +61%
MS: +57%
MT: +31%
Norte

AC: -38%
AM: -9%
AP: -22%
PA: -24%
RO: +9%
RR: -7%
TO: +106%
Nordeste

AL: -1%
BA: +5%
CE: -7%
MA: -3%
PB: +26%
PE: -15%
PI: +3%
RN: -31%
SE: +15%

Consórcio de veículos de imprensa

Os dados sobre casos e mortes de coronavírus no Brasil foram obtidos após uma parceria inédita entre G1, O Globo, Extra, O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo e UOL, que passaram a trabalhar, desde o dia 8 de junho, de forma colaborativa para reunir as informações necessárias nos 26 estados e no Distrito Federal.

Publicado originalmente por G1 / O Globo

Crise da Covid-19 pode ficar 'pior e pior e pior' se países não aderirem às precauções básicas, alerta OMS

Diretor da organização internacional de saúde disse que entre os 230 mil novos casos registrados no domingo, 80% eram de 10 países e 50% de Brasil e EUA. Afirmou, ainda, que não recebeu uma notificação formal da saída dos EUA anunciada por Trump.

A pandemia da Covid-19, doença do novo coronavírus, pode ficar cada vez pior se os países não aderirem às precauções básicas de saúde, alertou a Organização Mundial da Saúde (OMS) nesta segunda-feira (13).

"Deixe-me ser franco, muitos países estão indo na direção errada, o vírus continua sendo o inimigo público número um", disse o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, em Genebra.
"Se o básico não for seguido, o único caminho dessa pandemia será ficar cada vez pior e pior e pior."
Pandemia pode piorar se medidas básicas de saúde não forem cumpridas
Pandemia pode piorar se medidas básicas de saúde não forem cumpridas

As infecções superaram a marca de 13 milhões em todo o mundo nesta segunda-feira, acrescentando mais de um milhão de casos em apenas cinco dias. A pandemia já matou mais de meio milhão de pessoas.

Tedros, cuja liderança tem sido fortemente criticada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse que entre os 230 mil novos casos notificados no domingo, 80% eram de 10 países e 50% de apenas dois países, Estados Unidos e Brasil, que são os mais afetados.

"Não haverá retorno ao antigo normal no futuro próximo. Há muito com o que se preocupar", acrescentou Tedros, em um de seus comentários mais fortes nas últimas semanas.

Tedros disse que a OMS ainda não recebeu uma notificação formal da saída dos EUA anunciada por Trump. O presidente norte-americano diz que a OMS se alinhou à China, onde a Covid-19 foi detectada pela primeira vez, no início da crise.

Trump, no entanto, que usou uma máscara protetora em público pela primeira vez no fim de semana, foi acusado por adversários políticos de não levar o coronavírus a sério. O presidente americano nega.

Na semana passada, uma equipe da OMS foi à China para investigar as origens do novo coronavírus, descoberto pela primeira vez na cidade de Wuhan. Os membros da equipe ficaram em quarentena, de acordo com o procedimento padrão, antes de começarem a trabalhar com cientistas chineses, segundo informações de Mike Ryan, chefe do programa de emergências da OMS.

Fonte: Reuters
Publicado originalmente no Brasil por G1 / O Globo
13/07/2020 14h42  Atualizado há uma hora

Até 132 milhões podem passar fome em 2020 por causa da pandemia, dizem agências da ONU

Crise do novo coronavírus dificultará meta da ONU em erradicar a fome no mundo até 2030.


Manifestante com roupa com a inscrição "fome" protesta no bairro de Puente Alto, em Santiago do Chile — Foto: Ivan Alvarado/Reuters

O mundo poderá ter mais 132 milhões de pessoas passando fome em 2020 por causa da pandemia do novo coronavírus, informou relatório sobre alimentação assinado por agências da Organização das Nações Unidas (ONU) nesta segunda-feira (13).

No relatório, os órgãos reconhecem que a crise da Covid-19 "está intensificando as vulnerabilidades e inadequações do sistema de alimentação global". Segundo a ONU, esse sistema se representa por todas as atividades e processos de produção, distribuição e consumo de alimentos.

"Ainda que seja cedo para avaliar o impacto completo dos lockdowns e outras medidas de contenção, o relatório estima que ao menos outras 83 milhões de pessoas, e possivelmente até 132 milhões, podem passar fome em 2020 por causa da recessão causada pela Covid-19", diz.
Em 2019, diz o relatório, havia 690 milhões de pessoas passando fome — 10 milhões a mais do que no estudo feito no ano anterior. Portanto, com a pandemia, o total nessas condições poderia passar de 800 milhões — ou seja, cerca de 10% da população mundial.

Preocupação com o futuro

Uma menina desnutrida é vista no colo de seu pai em uma favela em Hodeidah, no Iêmen, em foto de 2019 — Foto: Abduljabbar Zeyad/Reuters
Uma menina desnutrida é vista no colo de seu pai em uma favela em Hodeidah, no Iêmen, em foto de 2019 — Foto: Abduljabbar Zeyad/Reuters

Segundo a ONU, a fome vem voltando a aumentar no mundo desde 2014, ainda que vagarosamente. O dado preocupa porque a tendência reverte décadas de diminuição no número de pessoas famintas. As regiões mais preocupantes são as seguintes:

Ásia: 381 milhões de pessoas passam fome
África: 250 milhões
América Latina e Caribe: 48 milhões

O aumento da fome no mundo serve de alerta para a ONU porque, com as pioras nos indicadores, dificilmente os países cumprirão a meta de erradicar a fome a partir de 2030.

Além da pandemia, outras crises que o mundo já enfrentavam antes mesmo dos primeiros casos de Covid-19 contribuem para os dados ruins: guerras como a do Iêmen — uma das crises humanitárias mais graves deste século — pioram o cenário da fome no planeta.

Publicado originalmente por G1 / O Globo
13/07/2020 16h29  Atualizado há uma hora

Porandubas Políticas

Por Gaudêncio Torquato

Abro com historinhas do Pará.

E as crianças?

O Pará já teve políticos muito engraçados. Um deles, João Botelho, foi interventor, deputado e constituinte. Certo dia encontra um cabo eleitoral:

– Como vai? E a senhora sua esposa? E as crianças?

– Tudo bem, deputado. Minha mulher está ótima. Mas, por enquanto, é só um menino, certo?

– E eu não sei que é um filho só? Mas é um menino que vale por muitos. Então, como vão os meninos?

Por unânimidade

Outra figura folclórica do Pará foi Magalhães Barata, revolucionário em 1924 e 1930, interventor, constituinte em 46, senador e governador. Tinha ele um candidato a prefeito de Santarém. Mas o diretório local do PSD queria outro. Ia perder. Foi lá, conversou, pediu votos. Não teve jeito. Perdeu a eleição no diretório: 15 a 5. Pegou o microfone:

– Meus senhores, pela primeira vez a minoria vai ganhar. Está escolhido o candidato que perdeu.

A plateia bateu palmas. O velho Barata encerrou os trabalhos:

– E, pela primeira vez, a minoria ganhou por unanimidade.

Bolsonaro com Covid-19

Pois é, depois de tanta polêmica o vírus chega ao presidente, que deverá anunciar, depois de alguns dias, que foi curado pela cloroquina. A pandemia agora chegou ao gabinete presidencial. Vem mais polêmica pela frente. É o Brasil.

Aberturas e risco

A pressão política e a situação de aperto que aflige setores produtivos com a virulência da pandemia do Covid-19 têm empurrado governadores e prefeitos de praticamente todas as regiões do país a aliviar o distanciamento social e autorizar a abertura de diversos setores, como a de bares, restaurantes e academias. Mas a realidade tem sido cruel para a sociedade. Repiques e aumento nos volumes de contaminados e mortos ocorrem em diversas praças. As aglomerações se multiplicam, quebrando as taxas razoáveis de isolamento social. O Brasil está na linha de frente das maiores ocorrências. E um clima de festa toma conta das ruas, principalmente à noite.

Porém....

Mas há um contraponto em São Paulo. Vejam.

"As mortes por Covid-19 atingiram o pico entre 2 e 4 de junho e, desde a segunda quinzena do mês passado, estão em queda na cidade de São Paulo", revela um novo estudo do epidemiologista Paulo Lotufo, da Faculdade de Medicina da USP, com base em dados recolhidos pelo Programa de Aprimoramento de Informações da Mortalidade (PRO-AIM), da Secretaria Municipal da Saúde paulistana. A análise é corroborada por um mapeamento ainda não publicado do Imperial College londrino. "A retomada das atividades sociais e econômicas em São Paulo está acontecendo de modo planejado, prudente e responsável, com protocolos de saúde e faseamento baseado em dados e critérios científicos".

Trump e o Corcovado

Até agora não entendi bem o propósito de Donald Trump, em campanha nos EUA, em anunciar que "vai defender isto". Ao lado, uma foto do Cristo no Corcovado, designado por isto, que estaria ameaçado pela extrema esquerda. Desvario. Loucura. Ou desespero.

Livro devastador

Mary Trump, psicóloga, sobrinha de Donald Trump, está lançando um livro devastador nos EUA: "Too Much and Never Enough: How My Family Created the World's Most Dangerous Man" (Demais e Nunca o Suficiente: Como Minha Família Criou o Homem Mais Perigoso do Mundo). Filha de Fred, o irmão mais velho do presidente, diz que o livro é a descrição de um "pesadelo de traumas, relacionamentos destrutivos e uma trágica combinação de negligência e abuso".

A imagem do Brasil

A imagem do Brasil na textura internacional está no fundo do poço. O mal que a visão do presidente Bolsonaro defende sobre o combate à epidemia vai ficar gravada por décadas. Na ONU, as manifestações contra a maneira com que o país está tratando do Covid-19 são intensas. O prejuízo abalará nossa identidade.

Eleições municipais

O adiamento das eleições municipais para 15 e 29 de novembro será benéfico para os candidatos novos, que terão um tempinho maior para expor suas ideias ao eleitorado. Os atuais prefeitos e vereadores já contam com o conhecimento do eleitor, apesar da inexorável inclinação do cidadão de passar uma vassoura nos velhos padrões. Quem mais poderá se beneficiar do momento e das circunstâncias de uma eleição "contaminada" pelo danado do novo coronavírus?

Tendências

Um apontamento sobre tendências haverá de considerar o que este analista batiza de Produto Nacional Bruto da Felicidade, que abriga vetores da saúde, educação, alimentação, mobilidade urbana, dinheiro no bolso, satisfação social. Abaixo de 5, a desgraceira será geral, com alto índice de renovação nos perfis dos alcaides. Acima de 5, teremos uma mescla de gente nova, prefeitos reeleitos e até velhos nomes de volta ao palco. Alguns perfis podem ser beneficiados. As mulheres, por exemplo, ganharam evidência na conjuntura de crise. Falantes e valentes na crítica aos precários serviços públicos apareceram com grande visibilidade. Avoca-se, ainda, condição feminina nas atividades do cotidiano. É a mulher que se apresenta falando na educação dos filhos, no trabalho que se torna mais difícil, na azáfama que ela tenta organizar para diminuir as intempéries enfrentadas pela família. Serão reconhecidas como tal, merecendo o voto de fortes parcelas eleitorais.

O perfil dos movimentos

Um fenômeno que se expande no país, ao sabor dos movimentos que se multiplicam no contexto das Nações, é o da organicidade social. Observo esta tendência, já consolidada na Europa e nos EUA e atravessando novas fronteiras nos países orientais – vejam Hong-Kong –, e que se desenvolve no Brasil de maneira mais consistente desde a Constituição de 1988. A chamada Constituição Cidadã abriu um imenso leque de direitos individuais e sociais que, nos últimos anos, se tornaram movimentos organizados, com personalidade jurídica, capazes de fazer mobilizações de rua. Os políticos estão desacreditados. A descrença na política abriu imenso vácuo entre a sociedade e o universo político. E quem ocupou este vácuo? Exatamente as entidades organizadas, que fundaram novos polos de poder.

Frentes parlamentares

A intermediação social entrou forte nas frentes de pressão. Os corredores do Congresso tornaram-se passarela para o desfile de associações, sindicatos, federações, núcleos, grupos, movimentos de todos os tipos. Pois bem, o voto em novembro terá essa forte alavanca organizativa. Outro vetor de peso eleitoral é o das frentes parlamentares, formadas por bancadas de defesa de círculos de negócios. Os deputados tentarão aumentar suas bases, elegendo vereadores e prefeitos de bancadas organizadas, como a religiosa, do agronegócio, dos servidores públicos, dos militares, do setor de serviços, dos profissionais liberais etc.

Voto distrital

Essas bancadas tendem a se consolidar na moldura organizativa do país, seguindo uma tendência mundial, muito característica dos EUA, onde o voto vai geralmente para o representante dos interesses locais e das regiões. Nesse sentido, podemos deduzir que o voto distrital tende a se fortalecer na paisagem social, onde as classes sociais se subdividem em núcleos específicos. Os deputados querem aumentar suas bases. Candidatos a vereador, com intensa presença em determinados bairros, serão aquinhoados.

Voto racional

A par dessas projeções, podemos divisar uma composição ditada pelo modo como categorias enxergam a política. Os profissionais liberais, por exemplo, tendem a depositar na urna um voto mais racional que emocional. A escolha no Brasil está deixando o coração para subir à cabeça. Significa que estamos subindo degraus na escada da racionalidade. Esse tipo de voto se concentra nas grandes e médias cidades, mais abertas aos meios de comunicação e às críticas aos governantes. No contraponto, enxergamos traços do passado em rincões que pararam no tempo. Aí estarão em disputa nacos de administrações falidas.

"Eu salvo a República"

Anotação de Lauro Jardim em O Globo: "Paulo Guedes continua insistindo: a recuperação da economia brasileira será em V, ou seja, vai cair no fundo do poço e depois, com a mesma velocidade, vai empinar. Repete isso seja diante das câmeras de TV, seja em conversas reservadas com empresários ou jornalistas. Discorda, por exemplo, da avaliação do diretor de Política Monetária do BC, Fabio Kanczuk, para quem a recuperação se dará não em 'V', mas no formato do swoosh, o símbolo da Nike". Guedes, no entanto, segue confiante. Anteontem, disse a um interlocutor:

– Eu salvo a República de duas a três vezes por semana.

O vaivém de ministros

A dificuldade do presidente em encontrar o ministro da Educação deriva das querelas que movem a administração Federal: a ala ideológica, "olavista", quer um perfil alinhado à extrema direita; os evangélicos defendem um perfil de sua ligação; os generais do entorno presidencial – atordoados com a brigalhada sem fim entre os grupos – querem um nome técnico; os políticos gostariam que o ministro saísse da esfera parlamentar. O secretário de Educação do Paraná, Renato Feder, tinha a intenção de topar o desafio. Quando viu o bombardeio sobre ele, "escafedeu-se". O nome – seja qual for – vai enfrentar um corredor polonês, tapas e socos por todos os lados.

Guru ao relento?

Olavo de Carvalho, o guru do bolsonarismo, enfrenta problemas na Justiça. Tem perdido causas. E mostra-se raivoso ao se sentir ao relento. Colaborou para a vitória de Bolsonaro, juntando núcleos de extrema direita. Processos continuam na Justiça, a partir do mais volumoso, aberto por Caetano Veloso. Sentindo-se abandonado, deve disparar artefatos verbais. A não ser que os amigos façam uma "vaquinha".

Atenção, prefeitada

O ciclo de vida da administração – A maximização de um programa de marketing para prefeitos implica compreender o ciclo de vida da gestão. Como no ciclo de vida de um produto, podemos distinguir seis fases:

1. O lançamento – Os primeiros seis meses são dedicados ao diagnóstico e ao ajustamento da administração. O marketing deverá procurar trabalhar com o campo das dificuldades.

2. O ajuste da identidade – Na segunda metade do primeiro ano começam a aparecer os primeiros sinais de visibilidade e os primeiros programas de ação. Trata-se da fase propícia para ajustar a identidade.

3. Fase de crescimento – No segundo ano, as administrações começam a operar, de modo mais firme, seus programas, com destaque para as prioridades. O conceito da administração deve emergir de modo forte.

4. A fase da consolidação e maturidade – O terceiro ano é o ciclo das realizações, quando se procura consolidar os programas. A administração está madura, a equipe ganha experiência e a identidade da administração ganha destaque no sistema cognitivo do eleitor.

5. Clímax/auge – O último ano é, geralmente, o ciclo mais político, com a administração voltada para programas de inaugurações e demandas políticas. Se até o presente a administração não ganhou um conceito, perdeu a chance. Passará em branco.

6. Declínio – O governante entra no despenhadeiro e joga sua imagem nas profundezas. Quando isso ocorre ao final da gestão, é pouco provável que se reeleja ou faça o sucessor. A exceção é quando o candidato consegue descolar sua imagem da imagem do patrocinador.

Gaudêncio Torquato, Professor Titular na USP, é cientista político e consultor de marketing político.
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Livro Porandubas Políticas

A partir das colunas recheadas de humor para uma obra consagrada com a experiência do jornalista Gaudêncio Torquato.

Em forma editorial, o livro "Porandubas Políticas" apresenta saborosas narrativas folclóricas do mundo político acrescidas de valiosas dicas de marketing eleitoral.

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Cloroquina é inútil contra o desgoverno

Desprezando o direito à vida, Bolsonaro busca reeleição sem nunca ter governado
 
Não tentem curar despreparo, ignorância, incompetência ou irresponsabilidade com cloroquina. Não vai dar certo, como já foi comprovado no Brasil e nos Estados Unidos. Consumidor, defensor e propagandista desse medicamento, o presidente Jair Bolsonaro já testou positivo para o novo coronavírus, mas continuou testando negativo para as funções de governo. No meio de uma pandemia, o Brasil completou na última sexta-feira quase dois meses sem titular no Ministério da Saúde. No mesmo dia, um novo ministro da Educação, o quarto em pouco mais de um ano meio, poderia ser anunciado. Na véspera, numa de suas lives, o presidente havia tentado mostrar otimismo. “A economia vai pegar”, disse ele, atribuindo a profecia ao ministro da Economia. “Se a economia não pegar, fica complicado. Mas acredito no Paulo Guedes”, acrescentou. Acredita mesmo?

Confiando no ministro, mas nem tanto, na mesma live o presidente voltou a cobrar a reabertura mais pronta das atividades. “Há sinais de retomada na economia, mas precisamos de governadores e prefeitos que comecem a abrir o comércio, caso contrário as consequências vão ser danosas para todo mundo no Brasil”, disse Bolsonaro. A insistência contrasta com seu desinteresse, exibido até recentemente, pelos assuntos econômicos. Como explicar a mudança? Uma súbita iluminação?

Bolsonaro completou seu primeiro ano de mandato com a economia em pior estado do que em 2018. O produto interno bruto (PIB) cresceu apenas 1,1% em 2019, menos que em qualquer dos dois anos precedentes.

No começo deste ano o desemprego, superior a 11%, era pouco menor que o de um ano antes e mais que o dobro da média (5,2%) da OCDE, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. A indústria, depois de alguma retomada em 2017 e 2018, emperrou de novo. Entre novembro de 2019 e março de 2020, a produção industrial de cada mês foi sempre menor que a de um ano antes.

O presidente nunca se mostrou preocupado com esses números – até a pandemia bater no Brasil e começar a discussão sobre como enfrentar os novos problemas. A gravidade da crise sanitária foi reconhecida com algum atraso pelo Executivo federal, mas em seguida houve ações importantes. A política de saúde foi reforçada com mais dinheiro. Além disso, medidas emergenciais foram anunciadas para ajudar empresas pequenas e médias, defender o emprego e socorrer famílias mais vulneráveis. O governo cuidou de realçar os próprios feitos, como se resultassem de iniciativas excepcionais. O autoelogio, porém, foi um tanto exagerado.

As ações anticrise foram positivas, sem dúvida, mas muito parecidas, em aspectos essenciais, com as implantadas em dezenas de países. Dados da OCDE divulgados mostram amplo recurso a medidas fiscais e monetárias de apoio à atividade econômica, ao emprego e às populações mais necessitadas. Com algumas variações, políticas desse tipo foram lançadas em países tão diferentes quanto Noruega, Alemanha, Tanzânia, Costa Rica, Estados Unidos, Indonésia, Argentina, França, Japão, Vietnã, Coreia do Sul, Uganda, República Dominicana, Colômbia, Peru, Paraguai, Malásia, Austrália, Tunísia, México, Índia, Israel e Nova Zelândia.

Com ou sem Bolsonaro teria prevalecido orientação semelhante. Isso em nada reduz o mérito das políticas. Simplesmente as situa numa perspectiva realista. Mas, ainda assim, suas ações têm algumas características particulares.

Em primeiro lugar, é evidente o destaque dado por Bolsonaro a seus objetivos eleitorais. O Brasil teve, nos últimos meses, um presidente em guerra contra os governadores João Doria, de São Paulo, e Wilson Witzel, do Rio de Janeiro, tratados como prováveis adversários na eleição presidencial de 2022. A preocupação política explica também, de modo muito claro, o empenho de Bolsonaro em apressar a reabertura do maior número possível de atividades.

Em segundo lugar, é notória a prevalência dos objetivos políticos sobre as preocupações com a segurança dos cidadãos. Mesmo depois do teste positivo, Bolsonaro continuou minimizando o perigo do coronavírus e, mais que isso, menosprezando o direito à vida. Ele age como se alguns milhares de mortos a mais fossem um preço razoável para apressar a retomada econômica e facilitar sua reeleição. Não se distingue, quanto a isso, de seu líder Donald Trump. Em Tulsa, Oklahoma, mais de 200 casos diários de covid-19 foram registrados duas semanas depois do famigerado comício do presidente americano. Eram menos de 100 por dia antes do evento, segundo o governo local.

Qualquer presidente, dirão boas almas, tem o direito de cuidar de seus objetivos políticos, incluída a reeleição. É verdade. Mas no começo do segundo ano de mandato? E sem ter governado? Desde janeiro de 2019 Bolsonaro cuidou de assuntos como posse de armas, atrapalhou a discussão dos grandes temas, como a reforma da Previdência, deu prioridade a interesses pessoais e familiares. Além disso, tem prestigiado manifestações golpistas. Não se pode, enfim, acusá-lo de ter governado mal. De governo ele jamais cuidou.

Rolf Kuntz, o autor deste artigo é Jornalista. Publicado originalmente em O Estado de S.Paulo, edição de 12 de julho de 2020.

Entre dois vazios

O presidente quer extravasar impulsos narcisistas que não consegue controlar?

Na tradição liberal, a atividade política é entendida como a arte de equacionar os problemas da sociedade com o mínimo possível de confronto e violência. Uma arte que pressupõe o uso do poder do Estado, mas de forma comedida, guiada por um sentimento de proporção.

Em seu primeiro ano de governo, Jair Bolsonaro ignorou solenemente esse ensinamento fundamental da história política ocidental. Orientado, segundo se diz, pelo sábio da Virgínia, ele adotou uma linguagem radical, como se as urnas lhe houvessem conferido autoridade para mudar as próprias bases da sociedade e do sistema político. Como se a maioria eleitoral lhe tivesse outorgado autoridade para fazer o que lhe aprouvesse. Para refazer os fundamentos da economia e liquidar o que denominou “velha política”. Não hesitaria sequer em intervir no campo dos valores e comportamentos, implantando uma nova moralidade.

Por mais críticos que sejamos das estruturas e práticas públicas vigentes em nosso país, salta aos olhos que o bolsonarismo da primeira fase não se deixava pautar por uma perspectiva de comedimento e proporção. Em vez de se acomodar à distribuição de forças e objetivos corporificada na Constituição e nas leis, não disfarçava sua preferência por uma linha de terra arrasada, bem próxima do que o filósofo Bernard Yack denominou o mito da revolução total.

Nem de longe advogo uma opção pelo status quo. Sabemos todos que o Estado brasileiro está desde há muito corroído por interesses patrimonialistas e corporativistas, e pela corrupção sistêmica. Que nossa economia está travada, desprovida de dinamismo, excessivamente fechada e, portanto, incapaz de superar a chamada “armadilha do crescimento médio”. Que nossas desigualdades sociais, em si inaceitáveis, são diariamente reforçadas por um sistema educacional calamitoso. Que nosso sistema político é manifestamente disfuncional. Não há como ignorar ou subestimar a gravidade de tais desafios, mas o imperativo de superá-los terá de ser compatibilizado com o regime democrático, cujos pilares são, como antes argumentei, o comedimento e um sentimento de proporção.

É óbvio que o projeto inicial do bolsonarismo – se assim pode ser denominado – não poderia dar certo. Nenhuma sociedade, e em particular as regidas por regimes democráticos, se deixa dobrar com a facilidade que ele pressuponha. Ele haveria de esbarrar, como esbarrou, na diversidade corporificada nas instituições do Estado e na miríade de grupos e associações existentes no País. Se tais restrições em alguma medida sempre se impõem, mais dramaticamente ainda se impuseram a partir do momento em que o Brasil e o mundo inteiro sofreram o tremendo impacto da covid-19. Incapaz de levar avante o esforço (sem dúvida, louvável) de ajuste nas contas públicas, o governo viu-se forçado a trilhar o caminho inverso, destinando cifras consideráveis ao combate à doença.

Foi assim, forçado pelos equívocos intrínsecos de sua fantasia inicial e pela chegada da pandemia, que o presidente Bolsonaro se viu obrigado a retroceder. Obrigado não só a desistir do combate ao que vagamente denominava “velha política”, mas a trazer uma parte concreta dela – o chamado Centrão – para dentro do Estado. Não só a desistir do combate à corrupção, mas a aliar-se aos que se empenhavam em deter seu ímpeto, levando de roldão os avanços logrados pela Lava Jato. A opção que lhe restou para conservar certa similitude com o personagem fantasioso que inicialmente quis encarnar foi assumir uma conduta irresponsável em relação à pandemia, solapando abertamente a ação dos agentes médicos que lhe fazem frente nos níveis estadual e municipal.

Quanto ao projeto inicial, o passar do tempo não deixa dúvidas. Era um vazio, um oco total. Um buraco negro que só poderia perdurar engolindo toda a luz que em volta dele restasse. Seu fracasso nos arremessou de volta não ao ponto onde nos encontrávamos, uma vez que, bem ou mal, tínhamos uma agenda de reformas razoavelmente bem delineada. Arremessou-nos a um ponto anterior, a uma molécula nefasta na qual o populismo e a irresponsabilidade do presidente se sobrepuseram ao desafio das reformas que cedo ou tarde teremos de enfrentar.

Sabemos todos que, enquanto não dispusermos de um remédio ou de uma vacina eficaz, milhares de vidas continuarão a ser diariamente ceifadas. Que, por ora, o que podemos fazer é observar estritamente o distanciamento e o uso de máscaras. Isolado em suas crenças, na contramão do resto do mundo, Bolsonaro insiste em fazer o oposto: sai à rua sem máscara, aglomera-se com correligionários e chega mesmo a abraçar crianças e bebês. Cria esse espetáculo para propagandear o remédio milagroso que julga ter descoberto. Com que objetivo? Essa pergunta não parece comportar uma resposta racional. Pretende manter-se na crista da onda, de olhos fitos na eleição de 2022? Despreparado para a vida pública e para o cargo que ocupa, quer extravasar impulsos narcisistas que não consegue controlar?

Só Deus sabe.

Bolívar Lamounier, o autor deste artigo, é cientista político, sócio-diretor da Augurium Consultoria e membro da Academia Paulista de Letras. Publicado originalmente em O Estado de S.Paulo, edição de 12 de julho de 2020.

A tolerância para o debate aberto

Espécie de ajuste de contas com o passado não pode levar a uma restrição do debate, fazendo com que, a cada dia, mais assuntos, temas ou opiniões sejam proibidos

No dia 7 de julho, a revista americana Harper's publicou em seu site uma carta assinada por mais de 150 professores, escritores e artistas de renome mundial, na qual apoiam as manifestações por justiça racial e social que se iniciaram nos Estados Unidos e se difundiram pelo mundo inteiro, após a morte de George Floyd em Minneapolis no final de maio. Ao mesmo tempo, os signatários da Carta sobre justiça e debate aberto – entre eles, Francis Fukuyama, Noam Chomsky, Gloria Steinem, J. K. Rowling e Salman Rushdie – alertam para o “clima de intolerância que se instalou por todos os lados”. O texto oferece uma interessante reflexão sobre a chamada “cultura do cancelamento”.

A carta relata perseguições que vêm ocorrendo em nome da justiça social: “Editores são demitidos por publicar materiais controvertidos, livros são removidos por suposta inautenticidade, jornalistas são impedidos de escrever sobre certos assuntos, professores são investigados por citarem livros de literatura durante a aula, um pesquisador é demitido por circular um estudo acadêmico revisado por pares”. E constata que, “quaisquer que sejam os argumentos relativos a cada caso em particular, o resultado tem sido estreitar constantemente os limites do que pode ser dito sem a ameaça de represália”.

Trata-se, portanto, de um clima oposto ao que se deve esperar de um ambiente no qual se respeitam as liberdades. Por exemplo, a liberdade de expressão significa precisamente que cada um deve dispor de tranquilidade para expressar o que bem entender, sem medo de represália ou punição. Não pode haver em um Estado Democrático de Direito mais limites à liberdade que aqueles determinados pela lei.

No entanto, os autores da carta afirmam que “a livre troca de informações e ideias, força vital de uma sociedade liberal, está se tornando cada vez mais restrita”. A atitude de censurar quem pensa de forma diferente já não está restrita a alguns grupos extremistas. Ela “está se expandindo em nossa cultura”, denunciam.

O clamor mundial por mais justiça racial e social deve levar a mudanças efetivas, como a reforma da polícia, a proibição de práticas discriminatórias ou a adoção de políticas públicas de inclusão. No entanto, essa espécie de ajuste de contas com o passado não pode levar a uma restrição do debate, fazendo com que, a cada dia, mais assuntos, temas ou opiniões sejam proibidos de serem ditos. “A restrição do debate, seja por um governo repressivo ou por uma sociedade intolerante, prejudica invariavelmente aqueles que não têm poder e torna todos menos capazes da participação democrática”, diz a carta. Diminuir a liberdade sempre tem consequências nefastas para todos, especialmente para os mais vulneráveis e os grupos minoritários.

É um erro, portanto, pensar que se pode promover a justiça reduzindo as liberdades. “Nós recusamos qualquer falsa disjuntiva entre justiça e liberdade, já que uma não pode existir sem a outra”, dizem os signatários da carta. Existem sim ideias perniciosas, que causam danos, reforçam estereótipos ou reproduzem desigualdades. Mas “o caminho para derrotar as más ideias é expor, argumentar e persuadir, e não tentar silenciá-las ou querer excluí-las”.

Um ponto especialmente importante é abordado no final do texto publicado na Harper’s. “Como escritores, precisamos de uma cultura que nos deixe espaço para a experimentação, o risco e até erros. Devemos preservar a possibilidade de discordar de boa-fé sem terríveis consequências profissionais”. Para existir liberdade, é preciso que seja permitido errar. Certamente, a liberdade inclui a correspondente responsabilidade. Eventuais danos e prejuízos causados devem ser reparados, por meio de um processo judicial isento, com respeito ao contraditório e ao direito de defesa. Nem por isso se deve deixar que alguns poucos, por gritarem mais alto ou serem mais desabridos no uso da violência, levem ao extermínio o que eles tacham de erro. Nesse modo de agir, não há liberdade, tampouco justiça. Há mera barbárie.

Editorial / Notas e Informações, O Estado de S.Paulo
12 de julho de 2020 | 03h00

O valor da Presidência

Jair Bolsonaro parece alheio às duas dimensões essenciais do cargo que ocupa

Como chefe de Estado e de governo, o presidente da República é o eixo central do sistema político brasileiro. Além das atribuições formais das quais está incumbido por força das leis e da Constituição, a ele compete definir os grandes rumos que o País vai tomar durante sua gestão e, com muita habilidade política, coordenar a execução das políticas públicas por seus ministros e dialogar com as diversas forças vivas da Nação – todas, não só as que o elegeram. Sempre, claro, em harmonia com os Poderes Legislativo e Judiciário.

Ainda mais importância tem a figura presidencial durante graves crises como a que ora o País atravessa, a confluência de crises econômica, política e social com a maior emergência sanitária deste século, o que eviscerou mazelas há muito intratadas. Nesta hora grave, aos aspectos formais da liderança se soma o valor intangível do reconhecimento dos cidadãos na plena capacidade de seu presidente para uni-los e liderá-los durante um momento tão difícil.

Desde o início do mandato, o presidente Jair Bolsonaro tem se mostrado muito distante dessas duas dimensões da Presidência da República. Até aqui, parece alheio à sua responsabilidade de governar o País, voltado que está para questões menores que dizem respeito aos grupos setoriais que lhe dão apoio e à família. Um interino segue à frente do Ministério da Saúde há mais de 50 dias, a despeito do fato de o Brasil ser um dos países mais duramente atingidos pela pandemia de covid-19. Nada mais distante de um esboço de governo do que este fato.

Para o bem dos brasileiros, o Congresso não tem faltado ao País. Nove em cada dez medidas para enfrentamento da pandemia foram de iniciativa do Poder Legislativo, uma das principais delas a aprovação do pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 aos milhões de trabalhadores informais que de uma hora para outra viram sua renda sumir. Pela proposta do Poder Executivo, convém lembrar, o auxílio seria de apenas R$ 200, um terço do valor aprovado pelos parlamentares. Também foram do Congresso as iniciativas de autorizar a prática da telemedicina como mais uma medida para facilitar o isolamento social e frear a disseminação do novo coronavírus e a destinação de uma ajuda financeira aos Estados e municípios no valor de R$ 60 bilhões.

Como essas, a esmagadora maioria das medidas de combate à pandemia no Brasil é fruto da iniciativa do Congresso, não do Palácio do Planalto. O governo federal só conseguiu aprovar um projeto de lei de sua iniciativa, o que autorizou medidas de isolamento e dispensa de licitações públicas durante a vigência do estado de calamidade pública. O levantamento foi feito pelo Estado.

O presidente Jair Bolsonaro editou 49 medidas provisórias (MPs) no período da pandemia, mas apenas 3 foram avalizadas pelos parlamentares: a MP 931, que concedeu mais prazo para as empresas realizarem suas assembleias ordinárias; a MP 932, que cortou pela metade a contribuição empresarial para manutenção do Sistema S; e a MP 936, que permitiu redução de jornada e salários no setor privado no curso da pandemia – medida que foi prorrogada.

O vácuo de ação do governo federal é corolário do descaso do presidente Bolsonaro pela gravidade da doença desde a primeira hora. Some-se a isto a sua inapetência para governar, o que se pôde observar já nos primeiros meses de mandato. “Na pandemia, (o desgoverno) ficou mais evidente, mas já não era diferente antes”, disse ao Estado o relator do projeto de ajuda financeira aos entes federativos, deputado Pedro Paulo (DEM-RJ).

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), lembrou que até agora o Planalto não enviou à Casa propostas para o Brasil do pós-pandemia, período que será ainda mais desafiador do que a atual fase. Jair Bolsonaro parece fazer uma clara opção por se abster da responsabilidade de governar o Brasil de todos e de lançar as bases do que virá a ser o Brasil do futuro. Ao agir assim, não faz outra coisa a não ser degradar o valor da Presidência.

Editorial / Notas e Informações, O Estado de S.Paulo
12 de julho de 2020 | 03h00

sexta-feira, 10 de julho de 2020

Brasil tem 70 mil mortes por coronavírus e mais de 1,8 milhão de infectados,

País registrou 1.270 óbitos em 24 horas e 1.804.338 infectados; foram mais de 45 mil novos casos registrados em um dia.

O consórcio de veículos de imprensa divulgou novo levantamento da situação da epidemia de coronavírus no Brasil a partir de dados das secretarias estaduais de Saúde, consolidados às 20h desta sexta-feira (10).

O país registrou 1.270 mortes pela Covid-19 nas últimas 24 horas, chegando ao total de 70.524 óbitos. Com isso, a média móvel de novas mortes no Brasil na última semana foi de 1.039 por dia, uma variação de 3% em relação aos óbitos registrados em 14 dias. Em casos confirmados foram 45.235 registrados no último dia, com o total de 1.804.338 de brasileiros infectados pelo novo coronavírus.

Ao comparar a curva do Brasil com outros países também duramente afetados pela doença, especialistas apontam que a pandemia no país não chegou a um pico e uma queda na sequência. Em vez desse comportamento, visto em países da Europa como Reino Unido, Itália e França, os dados mostram que as mortes seguem estáveis em um platô, com patamar alto na média de mortes.

Veja a seguir:

Brasil, em 10 de julho
Total de mortes: 70.524
Mortes em 24 horas: 1.270
Média de novas mortes nos últimos 7 dias: 1.039 por dia (variação em 14 dias: 3%)
Total de casos confirmados: 1.804.338
Casos confirmados em 24 horas: 45.235
(Antes do balanço das 20h, o consórcio divulgou dois boletins parciais, às 8h, com 69.316 mortes e 1.762.263 casos confirmados, e às 13h, com 69.406 e 1.768.970.)

Estados e DF
Veja como o número de novas mortes tem variado nas últimas duas semanas:

Subindo: PR, RS, SC, MG, DF, GO, MS, MT, TO, PI
Em estabilidade: ES, SP, AM, AL, BA, CE, MA, PB, RN, SE, RR, RO
Em queda: RJ, AC, AP, PA, PE

Publicado originalmente por G1  / O Globo

A rede

Os efeitos daninhos da rede de fake news próxima a Bolsonaro comprometem o viço da democracia brasileira ao falsear a opinião pública

Em setembro do ano passado, o Estadão revelou que no terceiro andar do Palácio do Planalto, bem próximo ao gabinete de Jair Bolsonaro, fora montado um núcleo de “assessoramento de comunicação” composto por ex-assessores parlamentares ligados a dois filhos do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), e blogueiros que durante a campanha eleitoral de 2018 ganharam a simpatia do “Zero 2” e do “Zero 3” ao criarem perfis e páginas nas redes sociais cujo conteúdo era amplamente favorável ao então candidato à Presidência e bastante hostil a quem quer que fosse considerado “inimigo” da família, fossem pessoas ou instituições. Naquela ocasião, o País tomou conhecimento da existência do “gabinete do ódio”.

Na quarta-feira passada, o Facebook desencadeou uma operação de combate às fake news e ao discurso de ódio que atingiu em cheio essa rede de apoio ao presidente Bolsonaro na internet. Embora não tenha revelado dado novo – tanto a existência como a forma de atuação do “gabinete do ódio” já eram amplamente conhecidas –, a ação da empresa teve o efeito prático de retirar do ar 35 perfis, 14 páginas e 1 grupo no Facebook, além de 38 perfis no Instagram, empresa que, como o WhatsApp, é controlada pela holding Facebook. Com essas contas e páginas fora do ar, que juntas tinham quase 2 milhões de seguidores, o alcance das ofensas e das falsas informações que circulam por meio das redes sociais haverá de cair substancialmente.

O caráter global da operação do Facebook desfaz quaisquer suspeitas em relação ao possível direcionamento da ação contra alvos políticos predeterminados. Redes similares em vários países – pelo menos 11 – foram atingidas, inclusive nos Estados Unidos, onde pessoas que assessoraram o presidente Donald Trump também tiveram suas contas apagadas.

Os auditores do Facebook vincularam diretamente alguns dos perfis e páginas que foram retirados do ar no Brasil a Tércio Arnaud Tomaz, que ficou conhecido como o administrador da página “Bolsonaro Opressor 2.0” durante a campanha eleitoral de 2018 e hoje está lotado no Palácio do Planalto como assessor especial do presidente Jair Bolsonaro. Tomaz é até agora o elo formal mais forte entre o presidente da República e o tal “gabinete do ódio” que seria chefiado nas sombras por seu filho Carlos Bolsonaro.

A atuação direta de assessor do presidente em uma rede espúria de desinformação e destruição de reputações é algo gravíssimo que pode ter sérias repercussões na CPMI das Fake News, no inquérito que apura a atuação do “gabinete do ódio” contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e seus ministros e no âmbito do processo que corre no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para apurar abuso de poder econômico da chapa liderada por Jair Bolsonaro justamente pelo uso de uma milionária estrutura de rede digital por meio da qual teriam sido disparadas em massa ofensas e fake news em 2018.

Como a atuação de insidiosa rede já se observava antes da vitória de Jair Bolsonaro no pleito, pelo que revela a operação do Facebook, tudo indica que a chegada de Bolsonaro ao Palácio do Planalto apenas teve o condão de dar um caráter oficial a práticas que já ocorriam há meses no submundo da internet. Basta ver que não cessaram – aí está o inquérito que corre no STF para apurar ações recentes de blogueiros próximos ao presidente – e, pior, recrudesceram.

É de suma importância o mais rápido esclarecimento das formas de atuação e, não menos importante, dos meios de financiamento dessa rede profissional de disseminação de fake news, ameaças e ofensas contra pessoas e instituições pátrias. Os efeitos daninhos dessa rede extrapolam o âmbito pessoal – o que é grave por si só – e comprometem o próprio viço da democracia brasileira ao falsear a opinião pública por meios insidiosos. A desinformação estabelece um debate público sob falsas premissas. Poucas coisas são mais antidemocráticas.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
10 de julho de 2020 | 03h00

Desemprego é aqui mesmo

Desocupação no Brasil segue em 2020 bem acima dos padrões globais

Quando a pandemia atingiu o Brasil, a desocupação no País já estava bem acima dos padrões internacionais. No fim do ano a economia poderá estar mais ativa em todo o mundo, mas no Brasil as condições do emprego continuarão, quase certamente, muito piores que na maior parte dos países. No cenário mais pessimista, com uma segunda onda de covid-19, a média do desemprego poderá chegar a 12,6% no quarto trimestre de 2020, nos 37 países-membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), segundo a nova projeção da entidade. No Brasil, projeções correntes apontam níveis próximos de 15%, talvez superiores, e com enormes taxas de informalidade e de subutilização de mão de obra.

Diante das incertezas criadas pela pandemia, economistas da OCDE desenharam dois cenários econômicos, apresentados como igualmente prováveis neste momento. Num deles, a economia mundial encolherá 6% neste ano. Nesse caso, o desemprego nos países da organização estará em 9,4% no trimestre final de 2020. No outro, o produto bruto global será 7,6% menor que o de 2019 e o ano terminará com a desocupação em 12,6%, quatro pontos acima do pico alcançado na crise financeira de 2008-2009.

Com o surto de covid-19, o desemprego nos países da OCDE subiu de 5,2% em fevereiro para 8,5% em abril e recuou para 8,4% em maio. No Brasil, o fraco desempenho da economia, com crescimento de apenas 1,1% no ano passado, manteve condições de emprego muito ruins até o começo de 2020. Havia 11,6% de trabalhadores desocupados no trimestre móvel terminado em fevereiro. Era mais que o dobro da taxa média registrada nos países da OCDE. Sem o vírus, o quadro econômico e social do País já era especialmente dramático.

O surto de covid-19 bateu forte na economia brasileira a partir da segunda quinzena de março. O impacto foi muito maior em abril. No trimestre de março a maio a desocupação chegou a 12,9%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas a taxa de desocupação mostra apenas uma parte de um quadro muito mais feio que o encontrado no mundo rico e na maior parte das grandes economias emergentes.

Os desempregados eram 12,7 milhões no trimestre móvel terminado em maio, de acordo com os dados oficiais. Mas o número dos desalentados – 5,4 milhões desanimados de buscar emprego – foi um novo recorde. Também recorde foi a população subutilizada (30,4 milhões). Este conjunto inclui, entre outros componentes, o grupo dos trabalhadores ocupados por um número insuficiente de horas. Além disso, pela primeira vez o contingente ocupado correspondeu a 49,5% da população em idade de trabalhar. A porcentagem nunca havia sido tão baixa desde 2012, quando foi iniciada a pesquisa com as características atuais.

Esse último recorde negativo foi mantido, com pouca variação, até o meio do mês passado. Na segunda semana de junho havia 170 milhões de pessoas em idade de trabalhar, mas apenas 83,5 milhões estavam ocupadas. Eram 49% do total, parcela praticamente igual à da primeira semana de maio.

Dados ligeiramente positivos foram anunciados terça-feira pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Em junho, o Indicador Antecedente de Emprego subiu 14 pontos e atingiu o nível de 56,7. Com isso, recuperou em dois meses um terço da perda de março-abril. Mas o resultado é o terceiro mais baixo da série histórica. Ainda em junho, o Indicador Coincidente de Desemprego caiu 2,2 pontos, para 97,4, apontando um quadro melhor que o de maio. Mas esses dados apenas confirmam uma avaliação corrente: o pior ficou para trás. Não apontam, ainda, condições muito melhores que aquelas estimadas até agora. As projeções correntes no Brasil apontam para este ano uma contração econômica em torno de 6,5%.

No Brasil, a taxa média de desemprego ficará em 18,7% neste ano, segundo estimativa recente da FGV. Logo, os números mensais ainda poderão piorar. Bastará que alguns milhões dos atuais desalentados voltem às filas em busca de vagas. Não se conhece, ainda, um plano do governo para reduzir essas filas.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S. Paulo
10 de julho de 2020 | 03h00

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Brasil registra 1.199 mortes por coronavírus em 24h; total de óbitos vai a 69.254

Com 42.907 novos casos, País atinge a marca de 1.759.103 diagnósticos da doença

    Coveiros durante enterro no cemitério de Vila Formosa, em São Paulo.
Coveiros durante enterro no cemitério de Vila Formosa, em São Paulo. Foto: Victor Moriyama / NYT

O Brasil registrou nesta quinta-feira 1.199 óbitos pelo novo coronavírus. Foram mais 42.907 casos confirmados de infecção em 24 horas, segundo dados do levantamento realizado por Estadão, G1, O Globo, Extra, Folha e UOL junto às secretarias estaduais de Saúde. No total, 69.254 brasileiros já perderam a vida por causa da covid-19 e 1.759.103 pessoas foram infectadas.

O Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, registrou 145 mortes por covid-19 e 1.995 novos casos da doença no período de 24 horas, segundo boletim divulgado na tarde desta quinta-feira pela secretaria estadual de Saúde. Até agora, 11.115 pessoas morreram em função do coronavírus no Estado do Rio, que soma 128.324 casos. Se fosse um país, o Estado do Rio seria o 20.º do mundo com mais infectados. Mais 998 mortes estão sendo investigadas, sob suspeita de terem sido causadas pela covid-19, e 106.678 pacientes se curaram.

Desde que as regras de isolamento e distanciamento sociais foram flexibilizadas em meio à pandemia, pelo menos 12 capitais brasileiras viram seus índices de infecções aumentarem.

Divulgação de dados 

O balanço de óbitos e casos é resultado da parceria entre jornalistas dos seis meios de comunicação, que uniram forças para coletar junto às secretarias estaduais de Saúde e divulgar os números totais de mortos e contaminados. A iniciativa inédita é uma resposta à decisão do governo Jair Bolsonaro de restringir o acesso a dados sobre a pandemia.

Mesmo com o recuo do Ministério da Saúde, que voltou a divulgar o consolidado de casos e mortes, o consórcio dos veículos de imprensa continua com o objetivo de informar os brasileiros sobre a evolução da covid-19 no País, cumprindo o papel de dar transparência aos dados públicos.

Redação, O Estado de S.Paulo
09 de julho de 2020 | 20h06

Brasil é epicentro emergente de fome extrema, diz relatório

Pandemia e falta de apoio do governo federal aos mais vulneráveis ameaçam desfazer os avanços do país no combate à miséria. Pobreza, diz ONG Oxfam, cresce de forma acelerada.

Pessoas de máscara diante de mural no Rio de Janeiro
    
Pessoas de máscara diante de mural no Rio de Janeiro

Oxfam crítica ameaça do governo de reduzir benefícios num momento em que a covid-19 ainda está fora de controle

A pandemia de covid-19, aliada à falta de apoio do governo Jair Bolsonaro aos mais vulneráveis, está acelerando o crescimento da pobreza no Brasil e já coloca o país como "epicentro emergente" da fome extrema, segundo um relatório divulgado nesta quinta-feira (09/07) pela ONG Oxfam.

O Brasil aparece com esta classificação, juntamente com Índia e África do Sul, no relatório O vírus da fome: como a covid-19 está aumentando a fome num mundo faminto. Nele, a ONG analisa os impactos da doença em países onde a situação alimentar e nutricional já era extrema antes da pandemia.

A ONG diz que, em 2014, o Brasil estava vencendo a guerra contra a fome, graças a investimentos governamentais em benefício de pequenos produtores rurais e a um pacote de políticas que incluíram a criação de um Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), desenvolvido em parceria com a sociedade civil.

Mas a situação da pobreza e fome no Brasil, afirma o relatório, começou a deteriorar-se em 2015 devido "à crise econômica e a quatro anos de austeridade".

"Até 2018, o número de pessoas em situação de fome no Brasil aumentou em 100 mil (para 5,2 milhões) devido a um aumento acentuado nas taxas de pobreza e desemprego e a cortes radicais nos orçamentos para agricultura e proteção social", afirma o documento.

Como fatores para a deterioração da situação da fome no Brasil o relatório aponta os cortes no programa Bolsa Família e, desde 2019, um "desmantelamento gradual" de políticas e instituições destinadas a combater a pobreza, como o Consea.

 "A pandemia da covid-19 somou-se a essa combinação já tóxica de fatores, aumentando rapidamente as taxas de pobreza e fome em todo o país. As medidas de distanciamento social adotadas para conter a propagação do coronavírus e evitar o colapso do sistema público de saúde agravaram a crise econômica", acrescenta o estudo.

A ONG ressalta que milhões dos trabalhadores mais pobres, que têm poucas economias e acesso limitado a benefícios, perderam empregos ou rendimentos devido à pandemia, sem que tenham sido beneficiados por apoios governamentais.

"Até final de junho, o governo federal distribuiu apenas 10% da ajuda financeira prometida aos trabalhadores e empresas, através do Programa de Apoio Emergencial ao Emprego (PESE), com grandes empresas obtendo mais benefícios do governo do que os trabalhadores ou micro e pequenas empresas", aponta a Oxfam.

Da mesma forma, apenas 47,9% dos fundos destinados à ajuda de emergência a pessoas vulneráveis haviam sido distribuídos até o início de julho. Por isso, a ONG entende que "o governo federal está falhando em apoiar as pessoas mais vulneráveis do Brasil no enfrentamento da pandemia".

De acordo com a Oxfam, a implementação do programa de Renda Básica Emergencial regista longos atrasos na resposta aos pedidos de ajuda, recusas injustificadas de ajuda, além da dificuldade imposta pela necessidade de ter um telefone celular, conexão à internet e endereço de e-mail para se qualificar para a assistência.

Por outro lado, continua a organização, apenas três meses após o início do surto do coronavírus do país, e no momento em que ainda está largamente fora de controle, o governo ameaça reduzir o pagamento dos benefícios. 

O Brasil registrou 1.223 mortes por covid-19 e 44.571 casos confirmados da doença nas últimas 24 horas, segundo dados do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e do Ministério da Saúde divulgados nesta quarta-feira (08/07).

O balanço diário de novos casos fez com que o país superasse a marca de 1,7 milhão de infectados, somando agora 1.713.160 ocorrências. O Brasil acumula ainda o trágico número de 67.964 óbitos causados pelo vírus Sars-Cov-2.

Publicado originalmente pela Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas.

Estudo alerta para danos cerebrais da covid-19

Neurologistas britânicos dizem que novo coronavírus pode deixar graves sequelas no cérebro, gerando delírios, derrames e inflamações. Eles podem aparecer mesmo em casos leves e se manifestar apenas bem mais tarde.

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Diversos estudos já haviam indicado que o novo coronavírus Sars-Cov-2 ataca não apenas o pulmão e as vias respiratórias, mas também outros órgãos do corpo humano, incluindo o coração, os vasos sanguíneos, os nervos, os rins e a pele.

Mas neurologistas britânicos apresentaram esta semana detalhes impressionantes na revista Brain. Segundo eles, o Sars-Cov-2 pode causar graves danos cerebrais mesmo em pessoas com sintomas leves ou já curadas. Muitas vezes esses danos somente são identificados bem mais tarde.

Os médicos da University College London (UCL) analisaram 43 pacientes de covid-19, alguns com sintomas graves. Em 9 casos eles diagnosticaram uma encefalomielite disseminada aguda (EMDA), uma inflamação do sistema nervoso central que afeta a mielina (o revestimento dos neurônios que permite que os impulsos nervosos percorram as células) no cérebro e na medula.

Entre os 43 pacientes analisados, 12 sofriam de inflamação do sistema nervoso central (sendo 9 com EMDA), outros 10 de uma encefalopatia transitória com delírio ou psicose, 8 tiveram AVCs e outros 8 tiveram problemas nos nervos periféricos, em geral com o diagnóstico síndrome de Guillain-Barré. Uma mulher de 59 anos morreu em decorrência de complicações dessa síndrome.

"A maneira como a covid-19 ataca o cérebro ainda não tínhamos visto em outros vírus", disse o médico Michael Zandi, que liderou a pesquisa. Ele disse que os graves danos cerebrais verificados também em pacientes com sintomas leves são inusitados.

Os casos divulgados confirmam o temor de que a covid-19 pode causar problemas de saúde duradouros em alguns pacientes. Vários deles relatam sintomas como cansaço e falta de ar mesmo já curados. Outros falam em dormência, fraqueza e perda de memória.

"Do ponto de vista biológico, a EMDA tem semelhanças com a esclerose múltipla, mas a evolução é mais grave e, em geral, ocorre apenas uma vez. Alguns pacientes ficarão com uma sequela duradoura, outros vão se recuperar bem", disse Zandi.

Segundo ele, é provável que ainda não se saiba quais são todas as doenças cerebrais e sequelas causadas pelo novo coronavírus. Muitos pacientes estão em estado tão grave que não é possível submetê-los a exames.

"Queremos chamar a atenção de médicos do mundo todo para essas complicações do coronavírus", disse Zandi. Ele acrescentou que neurologistas devem ser consultados quando os pacientes apresentam sintomas cognitivos, problemas de memória, cansaço, dormência ou fraqueza.

Os médicos também relataram alguns casos, como o de uma mulher de 47 anos que, depois de uma semana com febre e tosse, de repente passou a ter dor de cabeça e dormência na mão direita.

No hospital ela apresentou sonolência e parou de reagir. Foi necessária uma operação de emergência pare remover uma parte do crânio e assim aliviar a pressão sobre o cérebro inchado.

Uma mulher de 55 anos que já tinha uma doença psíquica começou a se comportar de maneira estranha no dia em que teve alta do hospital. Ela vestia e tirava o casaco repetidamente e começou a ter alucinações, vendo macacos e leões dentro de casa. De volta ao hospital, passou a receber medicamentos antipsicóticos.

Os neurologistas britânicos temem que os casos de covid-19 possam deixar lesões cerebrais em alguns pacientes. Elas poderão vir a ser percebidas só daqui a alguns anos.

Segundo o estudo, a gripe espanhola de 1918 também deixou sequelas tardias no cérebro de até 1 milhão de pessoas.

"Esperamos, é claro, que isso não aconteça, mas quando há uma pandemia tão grande, que afeta uma grande parte da população, temos de permanecer alertas", diz Zandi.

Publicado originalmente pela Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas. 

Bolsonarice contagiosa

Tal qual um vírus, impostura do presidente infecta o País - analisa Vera Magalhães em artigo publicado ontem n'O Estado de São Paulo.

A notícia de que Jair Bolsonaro, depois de tanto desafiar as regras de bom senso em uma pandemia, foi contaminado pelo novo coronavírus deflagrou um outro surto: a ira irracional daqueles que colocam adesivos antifascistas em seus perfis nas redes sociais e passaram a desejar a morte do presidente da República.

A onda não ficou restrita à internet. Chegou a colunas de jornais, travestida de exercício filosófico-linguístico, mas cujo único resultado prático é vitimizar o presidente que até agora destilou sua falta completa de empatia diante da tragédia. Perde a imprensa, perde o País, perdemos todos nós, que nos desumanizamos a cada dia, sem perceber que, aos poucos, nos transformamos naquilo que mais desprezamos.

Bolsonaro não ganhou apenas corações e mentes dos minions que os segue nas portas dos palácios e em posts ensandecidos. O presidente conseguiu comprometer o fígado e o cérebro de parte daqueles que o criticam, num jogo que apenas rebaixa todos ao seu patamar e permite que ele ganhe espaço, porque no lodaçal é imbatível.

Não há nada que justifique que democratas, pessoas e instituições se ponham a “torcer” pela morte desse ou daquele. Muito menos as indignidades de Bolsonaro, uma vez que é justamente contra elas que se conclama a união de esforços daqueles que prezam a vida, a ciência, a educação, a cultura e a civilidade.

Sim, o presidente colhe de volta a absoluta falta de compaixão que cuspiu na cara de um país estarrecido ao longo dos últimos cinco meses. Andou a cavalo, passeou de jet ski, subiu em boleia de caminhão, assoou o nariz e cumprimentou velhinhos em seguida, receitou cloroquina sem ser médico, mandou invadirem hospitais, chegou ao cúmulo de vetar o uso de máscaras e passeou por aí já infectado, possivelmente transmitindo coronavírus para os poucos com os quais diz se importar.


Reprodução

Bolsonaro faz ‘propaganda’ de hidroxicloroquina. Publicou um vídeo mostrando que estava tomando a terceira dose  Foto: Reprodução

Diante de tanta atrocidade, merece morrer? Não. Porque esse pensamento nos prende à barbárie que o presidente, sua família e seu núcleo insano tratam de cultivar desde antes mesmo da campanha, como terreno fértil para permitir a supressão da razão, único ambiente em que alguém tão virulento pode ser eleito presidente da República.

Aqueles que são de fato a antítese de Bolsonaro só têm um caminho: torcer pela medicina, pela ciência e pela sua cura. E para que ele responda diante dos órgãos competentes pelos crimes de responsabilidade que cometeu e diante dos eleitores pelas vezes em que brincou com a vida como um déspota de quinta categoria.

O oposto de Bolsonaro não é a hashtag “força, corona”. Essa é sua consagração, seu triunfo, o caminho para sua perpetuação.

Construir de forma inteligente e lúcida o caminho para que nos curemos de Bolsonaro significa mostrar com dados e evidências o quanto seu comportamento colocou em risco não apenas a si mesmo e seus familiares, mas um país inteiro.

Como sob a falácia de salvar a economia acabou condenando vidas e boicotando qualquer chance de minimizar o estrago econômico.

É acompanhar seu tratamento e repetir aos incautos que não, cloroquina não tem efeito preventivo nem curativo comprovado. E que um presidente da República virar mascate de remédio e impor a um ministério sem ministro há quase dois meses que enfie esse remédio goela abaixo da população é mais um dado que o inabilita para exercer o cargo que exerce.

A morte de Bolsonaro em nada contribuiria para que o Brasil tivesse alta de sua doença crônica e generalizada, em que a política virou uma peste e que, ao se curar de um vírus, você automaticamente cai acamado por outro ainda mais letal. A vacina para isso se chama democracia, já está disponível e permite a imunidade a esse comportamento de rebanho que nos desumaniza.

O STF e o Poder Legislativo

Futuro presidente do Supremo explicou como a corte se relacionará com o Congresso

Dias depois de ter dado uma palestra virtual na qual anunciou as diretrizes que nortearão sua gestão com relação ao Poder Executivo, o ministro Luiz Fux, recém-eleito para a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) e com posse marcada para o dia 10 de setembro, em declarações feitas no Instituto Justiça e Cidadania, informou como a mais alta Corte do País se relacionará com o Congresso Nacional durante os dois anos de sua gestão.

“Nós temos de agir dentro da Constituição. Além de ser um Estado Democrático, o Brasil é um Estado de Direito. No Estado Democrático de Direito, a instância hegemônica encarregada de resolver os problemas políticos é o Poder Legislativo. O Poder Judiciário deve deferência ao Legislativo porque ele tem a palavra mais importante no regime democrático”, disse Fux. Segundo ele, atualmente muitas questões que têm sido submetidas a decisões pelas diferentes instâncias judiciais são basicamente políticas, motivo pelo qual poderiam ser resolvidas por outras esferas de Poder, como a Câmara dos Deputados e o Senado.

O futuro presidente do Supremo está certo. Há muito tempo, todas as vezes em que há um impasse entre o Executivo e o Legislativo a mais alta Corte do País é chamada a arbitrar, o que quase sempre resulta em alguma tensão institucional. E, todas as vezes em que as lideranças partidárias não conseguem resolver elas próprias eventuais impasses políticos, elas também recorrem aos tribunais superiores.

Nos dois casos, o que se tem é não apenas a judicialização da política, mas, igualmente, a politização da Justiça e, por consequência, a tendência cada vez maior de seus integrantes de interpretar as leis e a Constituição de modo extensivo e criativo, o que os leva a exorbitar e a interferir em áreas que não são de sua competência. E, quanto maior é essa tendência, maior é a corrosão da fronteira entre a criação do direito, tarefa precípua do Congresso, e sua aplicação ao caso concreto, atribuição funcional das diferentes instâncias do Judiciário.

Em sua palestra, Fux classificou essa tendência dos juízes como “sanha de protagonismo judicial”, o que acaba resultando na multiplicação de decisões com fundamentos extrajurídicos e o intervencionismo judicial em políticas públicas. Também afirmou que “o Supremo não é um órgão que resolve tudo”. E disse, ainda, que o ativismo da toga prejudica “muitíssimo” a atuação do próprio Supremo Tribunal Federal, especialmente no exercício de sua função mais importante – a de controle da constitucionalidade das leis.

De certo modo, o ministro repetiu o que o consagrado e insuspeito cientista político Luís Werneck Vianna, em artigos publicados no Estado, chama de “pontificado laico” da magistratura, disseminando incerteza jurídica sob a justificativa de garantir a segurança do direito. Segundo o futuro presidente do Supremo, só há certeza jurídica quando a Corte pacifica entendimentos discrepantes a respeito do significado das leis nas instâncias inferiores da Justiça.

Para Fux, a mais alta Corte do País tem o dever de fazer as interpretações fundamentais que as demais instâncias do Poder Judiciário possam seguir, evitando desse modo uma “judicialização excessiva” que, por não dar à iniciativa privada a segurança de que precisa para voltar a investir, poderia retardar a retomada das atividades econômicas assim que a pandemia de covid-19 passar. “O que preconizo é a fixação de um entendimento jurídico capaz de criar previsibilidade, ou seja, o que se pode fazer e o que não se pode fazer. O Supremo tem de garantir a governabilidade do País”, disse ele.

Nas duas palestras que pronunciou, o futuro presidente do Supremo não fez afirmações novas e ousadas. Mas disse o que é oportuno e necessário para distender as tensões institucionais neste momento em que o Brasil vive uma crise de saúde pública, uma crise econômica e uma crise política.

Editorial / Notas e Informações, O Estado de S.Paulo
09 de julho de 2020 | 03h00


A vida, o vírus e a política

Nos tempos atuais, é preciso relembrar: não se deseja a doença de quem quer que seja. Política é arena de vida, não de morte

Não se comemora doença de ninguém, por pior que possa ser seu desempenho público. Não se torce pelo falecimento de ninguém, por mais deletéria que seja sua conduta. São princípios básicos de civilidade e de respeito à dignidade humana, que não precisariam ser lembrados. São pressupostos mínimos da vida em sociedade, sobre os quais não deve haver nenhuma dúvida. No entanto, nos tempos atuais, assustadoramente esquisitos, é preciso relembrar: não se deseja a doença, e muito menos a morte, de quem quer que seja. A política é – e deve ser – arena de vida, e não de morte.

Num Estado Democrático de Direito, a oposição política, por mais ferrenha que possa ser, nunca almeja ou propõe a aniquilação do adversário. Assim, diante da notícia de que o presidente Jair Bolsonaro contraiu a covid-19, não há opção civilizada a não ser desejar o seu pronto restabelecimento, com votos de que tenha os menores e mais leves sintomas possíveis. Tal atitude não é um favor ou privilégio que se concede ao presidente da República, mas a única reação minimamente humana diante da doença de outro ser humano.

A luta política não entra nos domínios da morte, mesmo que o adversário político não tenha escrúpulos de se valer dessa seara. Por exemplo, quando era deputado federal, Jair Bolsonaro transformou o fuzilamento do então presidente Fernando Henrique Cardoso em verdadeira obsessão. Algumas das frases de Jair Bolsonaro: “O governo militar deveria matar pelo menos 30 mil, a começar por Fernando Henrique”, “o erro do governo militar foi não fuzilar o Fernando Henrique”, “defendo o fuzilamento do presidente”. Depois, Jair Bolsonaro alegou que “fuzilamento” era força de expressão, o que, longe de servir de desculpa, ratifica uma mentalidade de barbárie e violência.

A mesma atitude pôde ser observada em entrevista de setembro de 2015. Questionado se a então presidente Dilma Rousseff concluiria o segundo mandato, até o final de 2018, Jair Bolsonaro respondeu: “Espero que o mandato dela acabe hoje, infartada ou com câncer, ou de qualquer maneira”. De enorme brutalidade, a declaração é absolutamente despropositada, a revelar profunda incompreensão não apenas do exercício da política, mas de cidadania e humanidade.

Quase cinco anos depois dessa declaração sobre Dilma Rousseff, o País tomou conhecimento de que o menosprezo de Jair Bolsonaro em relação à vida não era circunscrito a adversários políticos. A pandemia do novo coronavírus revelou um presidente da República capaz de submeter a saúde da população a interesses e cálculos políticos, fosse qual fosse o número de vidas que a doença poderia ceifar. Entre estupefata e incrédula, a população ouviu o “e, daí?” de Jair Bolsonaro, em relação às dezenas de milhares de óbitos pela covid-19.

A confirmar sua indiferença com a saúde pública, no mesmo dia em que recebeu o diagnóstico positivo para o novo coronavírus, Jair Bolsonaro difundiu desinformação sobre o uso de hidroxicloroquina no tratamento da covid-19. Contrariando as evidências médicas, o presidente Bolsonaro atribuiu a ausência de sintomas mais graves da doença ao uso do medicamento que, além de não ter eficácia comprovada, apresenta efeitos colaterais graves. Como se vê, o inquilino do Palácio do Planalto é contumaz na falta de limites.

No entanto, por mais que causem repugnância, as atitudes de Jair Bolsonaro em relação à vida, ao vírus e à política não autorizam outra expectativa que o imediato restabelecimento da saúde do presidente da República. Fazer oposição política não inclui adotar as atitudes do adversário. Se o bolsonarismo manifesta, com estonteante clareza, seus antivalores, a reação contrária não pode ser mero sinal invertido. Não se combate autoritarismo com desumanidade. Num país civilizado, não se enfrenta barbárie pregando a barbárie.

Editorial / Notas e Informações, O Estado de S.Paulo
09 de julho de 2020 | 03h00