quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Muito a explicar

Os indícios contra Flávio não foram apagados. Há muita coisa a ser esclarecida

A comemoração do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) em relação à decisão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), como se tivesse sido declarado inocente no caso das rachadinhas, revela uma enorme confusão. A Corte apenas declarou a nulidade da decisão judicial que decretou a quebra de seu sigilo bancário e fiscal.

Por 4 votos a 1, a Quinta Turma do STJ não disse que o senador Flávio Bolsonaro é inocente, tampouco afirmou que as informações sobre as movimentações financeiras são falsas. Apenas entendeu que o juiz Flávio Itabaiana não fundamentou devidamente a decisão sobre a quebra do sigilo bancário e fiscal. É, assim, uma questão processual.

Faz-se necessário lembrar o óbvio. O caso das rachadinhas ainda não foi esclarecido, não havendo a rigor nenhum motivo para comemoração por parte do senador. O que se tem – e isso nenhuma decisão meramente processual do Judiciário modifica – é um robusto conjunto de indícios envolvendo o filho do presidente da República com apropriação de parte de salários de assessores parlamentares.

Trata-se de um sério escândalo. Ainda mais porque envolve a família de quem foi eleito pregando a honestidade e prometendo eliminar o uso do poder público para fins pessoais. A prática da rachadinha é precisamente o abuso de uma posição de poder para obter vantagens pessoais.

Não é demais lembrar que Flávio Bolsonaro não é o único membro da família envolvido com suspeitas de rachadinha. Há indícios de que essa prática, que fere os comezinhos princípios republicanos, também ocorreu no gabinete do então deputado federal Jair Bolsonaro.

Malgrado Bolsonaro ter sido eleito como campeão do antipetismo, o presidente e sua prole têm baseado sua defesa, no caso das rachadinhas, em questões processuais e na tese da perseguição política, tal como fez o ex-presidente Lula da Silva. Nesse ponto, os Bolsonaros têm mais em comum com o demiurgo de Garanhuns do que gostariam de admitir.

Em primeiro lugar, nem Jair Bolsonaro nem seu filho Flávio apresentaram até agora uma explicação convincente sobre as movimentações financeiras atípicas. Insinuam que são alvos de complô de “infiltrados” na Receita Federal, no Coaf, no Ministério Público e na Justiça, todos interessados em derrubar o presidente.

Quando Flávio Bolsonaro diz que o caso da rachadinha é apenas um modo de atingir o seu pai, sem se dar ao trabalho de explicar a exótica movimentação de dinheiro entre assessores do seu gabinete na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, o País tem a clara sensação de ver a reprise de uma história bastante conhecida. Sem explicar o que precisa ser explicado, o primogênito de Jair Bolsonaro recorre à tese de que é vítima da Justiça, tal como fez e ainda faz o sr. Lula da Silva.

Outra semelhança que a cada dia fica mais evidente entre aqueles que gostam de se apresentar como opostos no campo político é a estratégia processual. Sem enfrentar a questão de mérito, Flávio Bolsonaro vale-se de objeções processuais. Não há defesa da transparência, da lisura e da intransigência com o mau uso do dinheiro público. O que há é tão somente a tentativa de evitar que a Justiça alcance seus dados financeiros e fiscais.

É um escárnio com a população, que deseja outro patamar moral e cívico na administração da coisa pública, pretender que suspeitas de crimes sejam abafadas a partir de questões processuais. Na verdade, a decisão da Quinta Turma do STJ não é nenhuma vitória do senador Flávio Bolsonaro. É antes prova de que a família Bolsonaro pretende se esquivar das respostas à população com base em manobras. Sobre esse caminho, de fato o sr. Lula da Silva, que recorreu até ao papa em sua campanha contra o Judiciário, tem muito a ensinar.

A lei processual penal deve ser estritamente seguida, uma vez que protege direitos e garantias fundamentais de todos os cidadãos. Mas esse cuidado com o processo penal não é sinônimo de impunidade. Os indícios das rachadinhas não foram apagados. Há muita coisa a ser esclarecida. Numa República, todos devem responder pelos seus atos, seja qual for sua ascendência.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de São Paulo, em 25 de fevereiro de 2021 

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