segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Bolsonaro: ‘Quem decide se o povo vai viver em uma democracia ou ditadura são as Forças Armadas’

Em meio às pressões sobre a atuação do governo durante a pandemia da covid-19, presidente recorreu a discurso ideológico

O presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta segunda-feira, 18, que as Forças Armadas são as responsáveis por decidir se há democracia ou ditadura em um País. Depois da derrota sofrida para o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que deu a largada na vacinação contra a covid-19, e dos problemas de logística para a distribuição do imunizante, Bolsonaro elogiou as Forças Armadas e afirmou que elas foram “sucateadas” como parte de um objetivo para adotar o regime socialista no Brasil.

“Quem decide se um povo vai viver na democracia ou na ditadura são as suas Forças Armadas. Não tem ditadura onde as Forças Armadas não a apoiam”, afirmou o presidente, em conversa com apoiadores, no Palácio da Alvorada. Candidato a novo mandato, em 2022, Bolsonaro sugeriu, ainda, que a situação pode mudar, dependendo do resultado da disputa.

“No Brasil, temos liberdade ainda. Se nós não reconhecermos o valor destes homens e mulheres que estão lá, tudo pode mudar. Imagine o Haddad no meu lugar. Como estariam as Forças Armadas com o Haddad em meu lugar?”, perguntou Bolsonaro, numa referência ao ex-prefeito Fernando Haddad (PT), seu rival na campanha eleitoral de 2018.

Jair Bolsonaro, presidente da República Foto: Gabriela Biló/Estadão

O tom ideológico de Bolsonaro ocorre no momento em que aumentam protestos contra o governo como panelaços, sua popularidade nas redes cai, na esteira da guerra das vacinas, e há pressão política para o impeachment, embora ainda não haja apoio para a medida. Além disso, a ameaça na vai contramão do texto da Constituição. Pela Carta de 1988, as Forças Armadas estão subordinadas ao poder civil e não têm autonomia ou independência para decidir os rumos políticos do País. Trata-se de uma questão pacificada desde o período da redemocratização.

“O pessoal parece que não enxerga o que o povo passa, para onde querem levar o Brasil, para o socialismo. Por que sucatearam as Forças Armadas ao longo de 20 anos? Porque nós, militares, somos o último obstáculo para o socialismo”, afirmou o presidente, que é capitão reformado do Exército.

A declaração de Bolsonaro repercutiu mal no meio político. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), por exemplo, viu um cunho de autoritarismo na fala do chefe do Executivo. “É por isso que precisamos cada vez mais de um Parlamento e de instituições fortalecidas, sempre com diálogo e independência, em nome da nossa democracia”, afirmou Maia. “Eu disse isso em 2019 e, no meio da pandemia, agora volta o desespero do presidente em relação à completa falta de gestão do seu governo e do seu Ministério da Saúde. Isso só reafirma a importância de mantermos a Câmara e o Senado independentes e fortalecer as instituições do Congresso em relação ao governo federal.”

Dois oficiais de alta patente das Forças Armadas, que pediram anonimato por serem da ativa, disseram que os militares querem se distanciar de associações como a que foi feita pelo presidente. Segundo um general do Exército, que já trabalhou em outros governos, em cargos civis, os militares têm de esquecer a política. Para um almirante da Marinha, as Forças estão fazendo de tudo se manter afastado do governo.

Ao falar ontem sobre socialismo, Bolsonaro também dirigiu ironias ao presidente da Venezuela, Nicolas Maduro. “Agora se fala que a Venezuela está fornecendo oxigênio para Manaus. É White Martins, é uma empresa multinacional que está lá também. (...) Se o Maduro quiser fornecer oxigênio para nós, vamos receber, sem problema nenhum. Agora, ele poderia dar auxílio emergencial para o seu povo também. O salário mínimo lá não compra meio quilo de arroz”, afirmou.

Bolsonaro mencionou até mesmo o peso de Maduro para debochar do colega do país vizinho. “Vem uns idiotas, eu vejo aí, elogiando (e dizendo) ‘Olha o Maduro, que coração grande ele tem!’. Realmente, daquele tamanho, 200 quilos, dois metros de altura, o coração dele deve ser muito grande. Nada mais além disso”, provocou o presidente.

Reprise

Não é a primeira vez que Bolsonaro diz que a democracia depende da vontade dos militares, mas, nos últimos tempos, aumentou o tom dessa narrativa. Em março de 2019, apenas dois meses após tomar posse, o presidente disse que havia sido eleito para cumprir uma missão ao lado de “pessoas de bem do Brasil, que amam a Pátria, respeitam a família (...) e querem aproximação de países que têm ideologia semelhante, daqueles que amam a democracia e a liberdade”. Foi nesse momento que ele mencionou o poder dos militares.

“E isso, democracia e liberdade só existem quando a respectiva força armada assim o quer”, afirmou Bolsonaro, no discurso pela passagem do 211.º aniversário da criação do Corpo de Fuzileiros Navais, no Rio, em março de 2019. Na ocasião, ele havia sido duramente criticado por divulgar no Twitter um vídeo com cenas obscenas durante o carnaval.

Apesar do mal estar com a declaração, integrantes do governo disseram, à época, que ele havia sido mal interpretado. Durante uma transmissão ao vivo em rede social, Bolsonaro recorreu, então, ao ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, para explicar a afirmação. “No Brasil, nós devemos às Forças Armadas a nossa democracia e a nossa liberdade, e assim é em todo lugar do mundo”, argumentou ele. 

Redação, O Estado de São Paulo, em 18 de janeiro de 2021 | 15h35Atualizado às 18h49

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