sábado, 21 de novembro de 2020

Um governo perdido

Para buscar reeleição, é preciso antes exercer de fato o mandato conquistado nas urnas.

O presidente Jair Bolsonaro tem descuidado de tarefas básicas de um governo, como a articulação política para a aprovação das leis orçamentárias. Além de dificultar a retomada de que tanto o País precisa, essa omissão naquilo que é o cerne de um governo – definir prioridades e atuar em consonância – leva o governo Bolsonaro a perder qualquer resquício de identidade. Na segunda-feira passada, por exemplo, o ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência da República, general Luiz Ramos, foi ao Twitter comemorar, como se fossem próprios, resultados eleitorais de partidos do Centrão. Descumprindo suas tarefas e se esquecendo de suas promessas, o governo agora se assume como o próprio Centrão.

Segundo o general Luiz Ramos, a esquerda, e não o bolsonarismo, foi a grande derrotada das eleições de domingo passado. O argumento de sua tese é de que “os partidos aliados às pautas e ideais do governo Bolsonaro saíram vitoriosos”. O general referia-se a PSD, PP, DEM e MDB.

É uma mudança e tanto. Em 2018, os partidos do Centrão eram, nas palavras do general Heleno, a “materialização da impunidade”. Na ocasião, o atual chefe do Gabinete de Segurança Institucional chegou a parodiar um famoso samba, cantando: “Se gritar pega Centrão, não fica um meu irmão”. A letra original diz “ladrão”, em vez de Centrão. Agora, são esses partidos os grandes aliados das pautas e ideais do governo Bolsonaro.

Sem rumo, o governo não faz o que lhe cabe. Nesta semana, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), voltou a insistir na urgência de votar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 186/19, que foi apresentada pelo Executivo no fim do ano passado. Ao prever mecanismos para reduzir despesas públicas, a PEC Emergencial é fundamental para diminuir o déficit primário, permitir a realização de despesas sociais e assegurar o Orçamento de 2021.

No entanto, o governo federal faz vista grossa ao tema, como se ele não fosse de sua responsabilidade. Governar exige decisões difíceis e, perante elas, o presidente Jair Bolsonaro tem manifestado uma paralisia desconcertante. Ao falar do papel do Executivo na coordenação da pauta de votações, Rodrigo Maia lembrou que “o governo não pode transferir ao Poder Legislativo decisões que cabem a quem venceu as eleições”; no caso, as presidenciais de 2018.

Como se sabe, partidos do Centrão – justamente alguns daqueles que o general Luiz Ramos chama de grandes aliados do governo – têm obstruído a pauta de votação da Câmara dos Deputados, bem como impedido a instauração da Comissão Mista de Orçamento (CMO). Contrariando acordo entre os partidos da base feito em fevereiro, o líder do PP, deputado Arthur Lira (AL), deseja agora um nome alinhado ao Centrão na presidência da comissão.

O impasse tem causado atrasos importantes. O Congresso ainda não votou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021. O governo não terá base legal para realizar nenhum gasto discricionário em 2021 se a LDO não for aprovada, bem como o Orçamento. Trata-se, portanto, de ponto essencial para o governo federal. No entanto, sem aparentar nenhuma preocupação com esses detalhes – que deveriam ser prioridade do País e do próprio Executivo federal –, o presidente Jair Bolsonaro e seus auxiliares preferem fustigar partidos de esquerda valendo-se de resultados eleitorais do Centrão.

Se o governo Bolsonaro está tão interessado nas eleições de 2022, alimentando desde já intrigas com seus supostos inimigos, deveria ouvir o alerta do presidente da Câmara. “Olhando para 2022, eu penso que tem coisas mais decisivas do que até o próprio resultado eleitoral (de domingo passado). Os próximos meses no Parlamento para o governo federal terão peso muito maior do que o resultado das eleições de 2020”, disse Rodrigo Maia. Parece óbvio, mas é preciso recordar. Para buscar eventual reeleição, antes é preciso exercer de fato o mandato conquistado nas urnas em 2018. Já se vai a hora de governar.

Editorial de O Estado de São Paulo, edição de 21.11.2020.

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