quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Na convenção democrata, Obama denuncia Trump como uma ameaça à democracia

Ex-presidente apelou à responsabilidade individual de cada americano e disse que ninguém conseguirá consertar o país sozinho

A noite mais esperada da convenção democrata foi marcada pela dura crítica do ex-presidente Barack Obama ao seu sucessor, Donald Trump. Em um dos discursos mais contundentes contra o republicano desde que deixou a Casa Branca, Obama disse que Trump nunca "sentiu o peso do cargo" e que não teve "nenhum interesse" em tratar a presidência como algo que não fosse um reality show para ganhar atenção.

Obama repetiu uma ideia apresentada no discurso de sua mulher, Michelle: a de que Trump não consegue ser melhor. A ex-primeira-dama disse que o republicano não estava à altura do momento. "É o que é", disse. Na noite desta quarta-feira, Obama retomou o mantra com outras palavras. "Donald Trump não cresceu no cargo porque ele não consegue", afirmou o ex-presidente.

A consequência, segundo o ex-presidente, são "170 mil americanos mortos. Milhões de empregos perdidos. Nossos piores impulsos  soltos, nossa orgulhosa reputação ao redor do mundo diminuída drasticamente e nossa democracia e nossas instituições ameaçadas como nunca antes".

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O ex-presidente Barack Obama discursa durante terceira noite da convenção nacional Foto: DNCC via AFP

Obama apelou à responsabilidade individual de cada americano e disse que ninguém conseguirá consertar o país sozinho. "Eu estou pedindo a vocês que acreditem em sua capacidade, que abracem sua responsabilidade como cidadãos, para garantir que os princípios básicos da nossa democracia perdurem. Porque é isso que está em jogo agora: nossa democracia", disse o ex-presidente.

Em um pedido para que os eleitores se mobilizem a votar, ele disse que o presidente conta com o cinismo dos eleitores."Este presidente e aqueles que estão no poder contam com seu cinismo. Eles sabem que não podem te ganhar com as políticas deles. Então querem tornar o mais difícil possível para você votar e convencê-lo de que seu voto não importa. É assim que eles ganham. (...) É assim que uma democracia definha, até que não haja mais democracia", disse Obama. "Não podemos deixar isso acontecer. Não os deixe tirar seu poder. Não os deixe tirar sua democracia", disse Obama, que estimulou que eleitores façam um plano para votar.

O discurso de Obama nesta noite foi um tom acima do que o que costuma adotar. Ele tem feito poucas e pontuais aparições desde 2017. Michelle já relatou que o silêncio do marido em alguns momentos políticos a incomoda.

"Eu nunca esperei que meu sucessor fosse abraçar minha visão ou continuar minhas políticas. Eu esperava, pelo bem do nosso país, que Donald Trump pudesse mostrar algum interesse em levar o trabalho a sério, que ele sentisse o peso do cargo e descobrisse alguma reverência pela democracia que fora colocada sob seus cuidados. Mas ele nunca fez", disse Obama.

"Ele não mostrou interesse em trabalhar. Nenhum interesse em encontrar terreno comum. Nenhum interesse em usar o incrível poder do seu cargo para ajudar alguém além de si mesmo e de seus amigos. Nenhum interesse em tratar a presidência como algo além de um reality show que ele pode usar para obter a atenção que deseja", completou o presidente.

Durante as últimas três noites, os democratas têm apresentado Trump como um presidente inexperiente, incapaz de liderar o país em um momento de crise e sem comprometimento com os americanos. "Donald Trump é o presidente errado para este país", disse Michelle na segunda-feira, ao condensar a mensagem da abertura da convenção.

A receita de apresentar Joe Biden como a única alternativa para retirar o país da crise foi repetida nos três dias de evento, mas ganha importância na voz de Obama. Os dois disputaram juntos as eleições de 2008 e 2012, da qual saíram vencedores, e dividiram a responsabilidade de governar os Estados Unidos durante oito anos.

Biden foi um vice-presidente leal, dizem ex-assessores de Obama. O ex-presidente, reconhecido pela boa oratória e com alta popularidade, relembrou os tempos de campanha. "Há 12 anos, quando comecei uma busca por um vice-presidente, eu não sabia que acabaria encontrando um irmão", disse Obama.

"Joe e eu viemos de diferentes lugares e gerações. Mas o que eu rapidamente comecei a admirar nele é sua resiliência, fruto de muita luta. Sua empatia, nascida de muita dor", disse Obama. "Ao longo de oito anos, Joe era o último na sala sempre que eu enfrentava uma grande decisão. Ele me tornou um presidente melhor. Ele tem o caráter e a experiência para nos tornar um país melhor", disse o ex-presidente.

Os democratas têm tentado mostrar que uma grande coalizão contra Trump foi construída, abarcando as alas progressista e moderada do partido, as diferentes gerações e até alguns republicanos descontentes. O engajamento do senador independente Bernie Sanders na campanha deste ano foi um sinal de que o partido está mais unido do que em 2016, em torno de um inimigo comum.

Para vencer em novembro, Biden precisa que um eleitorado tipicamente democrata se empolgue para votar em escala maior do que o registrado quando Hillary Clinton disputou. Por isso, é crucial energizar jovens, negros, latinos, mulheres que moram nos subúrbios e alguns independentes e moderados que estiveram desgostosos com a política.

A terceira noite da festa democrata foi batizada de "uma união mais perfeita", o mesmo nome dado a Obama ao primeiro discurso em que citou a questão racial na campanha de 2008. Na época, ele clamou pela necessidade de buscar a união em um país racialmente dividido. O tema voltou na noite desta quarta-feira, com a celebração de Kamala Harris como a primeira mulher negra a disputar a vice por um grande partido.

Os democratas também fizeram um apelo claro para os que os eleitores se organizem para votar. "Por quatro anos, as pessoas me disseram: 'Eu não percebi o quão perigoso ele era'. 'Eu gostaria de poder voltar e fazer de novo.' Ou pior 'Eu deveria ter votado'. Bem, esta não pode ser mais uma eleição deveria, gostaria, poderia", disse Hillary.

Em 2016, ela ganhou a eleição no voto popular com 3 milhões de votos a mais do que Trump, mas perdeu a eleição no Colégio Eleitoral, onde o republicano recebeu a maioria dos delegados. "Chame um amigo e use uma máscara. Não importa o que, vote. Vote como se suas vidas e subsistência estivessem em jogo, porque elas estão", disse a ex-candidata.

Beatriz Bulla / Correspondente, Washington, O Estado de S.Paulo
20 de agosto de 2020 | 00h01

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