domingo, 19 de julho de 2020

Você deseja voltar ao normal após o COVID-19?

Antes da pandemia, 734 milhões de pessoas viviam em extrema pobreza, 690 milhões de pessoas passavam fome e 79,5 milhões de pessoas foram deslocadas à força. 

Bill Gates ou Hans Rosling estariam certos se lhe dissessem que o mundo está em um estado melhor do que você poderia esperar, e que enormes progressos foram feitos. Contudo, para bilhões de pessoas, a vida normal - ou seja, antes do COVID-19 - não estava funcionando.

Pode até ser que, após o Covid-19, não consigamos voltar ao normal. Até, talvez, quem sabe, não devamos quere-lo mais. Com a crise climática pressionando, não podemos nos permitir.

O COVID-19 é uma catástrofe humana, mas que oferece à comunidade de saúde uma oportunidade para repensar o propósito da sociedade como um todo em um mundo fraturado e, assim, redefinir as coisas.

O que queremos que o novo normal signifique?

A pandemia tem duas lições salutares.

Primeiro, nos lembrou que quem realmente mantém a sociedade funcionando são os trabalhadores da saúde e de assistência, vendedores e assistentes sociais, motoristas de ônibus, professores, caixas de bancos, policiais, agricultores e faxineiros, os chamados trabalhadores-chaves. Sem eles, já estaríamos, ireeversivelmente, no caos.

A segunda é que a sociedade e seus sistemas são muito mais frágeis do que muitos de nós imaginamos. Até agora, alguns dos melhores sistemas de saúde evitam o colapso total apenas por meio de medidas extremas de emergência e esforços pessoais heróicos, como no caso da falta de ventiladores. Crises no sistema de saúde são, quase sempre, devastadoras.

Sem outros meios de apoio, muitos são alcançados e, assim, negativamente afetados pelas restrições decorrentes do COVID-19.

Estima-se hoje que pelo menos 70 milhões de pessoas serão empurradas para a pobreza por causa da pandemia.

John Alston, o Relator Especial da ONU sobre Pobreza Extrema e Direitos Humanos, argumenta que a pobreza extrema foi negligenciada e que precisamos reconceber a relação entre crescimento e eliminação da pobreza.

Diminuir o coeficiente de Gini, uma medida de igualdade em cada país em 1% ao ano, pode ter um impacto maior na pobreza global do que aumentar o crescimento anual em 1 ponto percentual. A redistribuição da riqueza, não o crescimento por si só, é essencial. Para lidar com a fragilidade em nossos sistemas, precisamos de resiliência: capacidade de lidar com tensões, choques e mudanças.
Um sistema de saúde resiliente tem respostas efetivas a emergências de saúde. Tem capacidade de sobretensão.

O ensino escolar e universitário parou. As empresas fecharam e 1,6 bilhão de trabalhadores na economia informal, muitos sem outros meios de apoio, são afetados pelas restrições do COVID-19. Pelo menos 70 milhões de pessoas serão empurradas para a pobreza por causa da pandemia.

Nenhuma ação, hoje na pandemia e depois dela, pode prescindir do um sério compromisso com a melhoria da qualidade. O sistema de saúde é  flexível e pode se adaptar. Um sistema de saúde resiliente não planejaria uma pandemia de influenza e seguiria esse plano quando ocorresse um surto de coronavírus.

Os sistemas econômicos também precisam ser resilientes. O foco da economia ortodoxa na eficiência precisa ser reconsiderado. Pandemias, desastres climáticos e colapsos financeiros podem parecer excepcionais, mas não são inesperados. Devemos recalibrar nossas prioridades em relação à resiliência para ter uma chance de lidar com elas.

Precisamos focar na sustentabilidade para a saúde, a sociedade e o planeta. A idéia de um Novo Acordo Verde, que vincula a agenda climática à justiça e redistribuição econômica, e a uma recuperação verde e saudável da pandemia, vem ganhando apoio político, pelo menos na retórica, mas apenas arranhará a superfície do que é necessário. A oportunidade de acelerar drasticamente a política climática deve ser abraçada vigorosamente. Com determinação e muita força de vontade.

A necessidade de desafiar as obsessões normais da sociedade - eficiência, consumo e crescimento - não é uma idéia nova, nem mesmo para economistas. Mas a comunidade da saúde tem uma autoridade moral renovada para exigir esse desafio. Isso exigirá uma mudança de cultura, bem como uma mudança de métricas. As pessoas, as instituições, as organizações e as sociedades que têm essas obsessões no coração precisam pensar novamente.

Esse normal a que nos acostumamos não funcionará mais.

Fonte: The Lancet, UK

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