quinta-feira, 2 de julho de 2020

Em 45 dias, número de infectados por Covid-19 dobra e a adesão à quarentena cai

Pesquisa Epicovid-19 BR indica que, do meio de maio ao fim de junho, porcentagem de brasileiros expostos ao vírus subiu de 1,9% para 3,8%, sugerindo que cerca de 8 milhões já contraíram o patógeno

Passageiros descem do trem usando máscaras na estação da Central do Brasil. Foto: RICARDO MORAES / REUTERS

Passageiros descem do trem usando máscaras na estação da Central do Brasil. Foto: RICARDO MORAES / REUTERS


Do meio de maio até o final de junho, a quantidade de brasileiros que já foram infectados pela Covid-19 dobrou, de 1,9% da população para 3,8%, enquanto no mesmo período a adesão a medidas de isolamento social diminuiu. A quantidade de pessoas que dizem ficar sempre em casa diminuiu de 23,1% para 18,9%, enquanto aqueles que dizem sair diariamente aumentaram de 20,2% para 26,2%.

Os números foram divulgados nesta quinta-feira (2) pela pesquisa EpiCovid-19 BR, que aplicou testes diagnósticos e entrevistou 89.397 pessoas em 133 cidades do país. Conduzida pelo Ibope, a pesquisa é a mais ampla do país e aplicou nos voluntários testes rápidos de anticorpos, que detectam se a pessoa já foi exposta ao vírus uma semana antes ou mais.

           
Prevalência do Covid-19 na população

Estudo EPICOVID19-BR, coordenado pela Universidade Federal de Pelotas,
testou 89.397 pessoas em 133 cidades do país para avaliar a proporção 
da população com anticorpos para o novo coronavírus. 
O mapa abaixo mostra os resultados da terceira fase do estudo, 
com testagens conduzidas entre os dias 21 e 24 de junho.

População: 300.000 / 2.000.000

Prevalência do Covid-19:

Menor que 0,1%

0,1% a 2%

2,1% a 7%

7,1% a 15%

Maior que 15%



Coordenado pela UFPel (Universidade Federal de Pelotas), o trabalho foi feito por amostragem, com ao menos 200 pessoas sendo avaliadas em cada uma das cidades escolhidas, que estão entre as mais populosas em todos os estados do Brasil.

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Segundo o epidemiologista Pedro Hallal, coordenador da pesquisa, há uma percepção muito forte que a a relação entre a adesão à quarentenena e o aumento da prevalência da Covid-19 não são um acaso.

— Como houve afrouxamento das medidas de distanciamento em várias cidades brasileiras enquanto a curva ainda está na ascendente, isso é um dos motivos que explicam o aumento na proporção de pessoas com anticorpos — afirmou.

O aumento de 1,9% para 3,8% é a taxa de prevalência "corrigida", que leva em conta o peso de cada cidade na população do país e o peso da amostragem de pessoas testadas dentro de cada cidade. A prevalência "bruta" da pesquisa, que contabiliza apenas os números absolutos de pessoas abordadas, subiu de 1,4% para 2,9% no mesmo período, conforme o GLOBO já tinha antecipado há uma semana.

Aplicando diretamente as proporções corrigidas à população de 211,7 milhões de pessoas do Brasil, os resultados da EpiCovid-19 BR significam que, em um mês e meio, o número de brasileiros que contraíram o vírus aumentou de cerca de 4 milhões para 8 milhões. Os pesquisadores, porém, não endossam esse cálculo simples, ainda, porque uma estimativa mais precisa requer um cruzamento dos dados da pesquisa com o mapeamento dos casos confirmados pela doença feitos pelos governos estaduais.

A pesquisa foi patrocinada pelo Ministério da Saúde, que bancou a contratação dos pesquisadores do Ibope e forneceu os testes sorológicos rápidos chineses usados ao longo do trabalho. No documento em que o resultado da pesquisa foi divulgado, porém, traz o seguinte aviso: "A interpretação dos resultados aqui apresentados é de responsabilidade da equipe científica do projeto, e não necessariamente reflete a posição do Ministério da Saúde."

Disparidade socioeconômica

Além de mostrar que a adesão a medidas de distanciamento social diminuiu em um período em que deveria ter aumentado, a pesquisa mostra que, desde o início da epidemia no Brasil, os grupos sociais mais marginalizados são aqueles que estão mais expostos ao Sars-Cov-2, o vírus causador da Covid-19.

Enquanto os 20% mais ricos da população apresentaram uma prevalência de 1,8% para o novo coronavírus no fim de junho, os 20% mais pobres tinham prevalência de 4,1%. O recorte por raça mostra que os indígenas foram os mais expostos (5,4% do grupo), seguidos de pardos (3,1%) e pretos (2,5%). Brancos e asiáticos apresentaram 1,1% e 2,1% de prevalência, respectivamente.

Segundo Halla, a relação entre pobreza e prevalência da Covid-19 não foi uma surpresa.

— Nesse grupo, as pessoas tem mais aglomeração em casa e precisam trabalhar, porque o auxílio emergencial que está sendo dado a elas não é suficiente, por isso se expõem mais — afirmou.

Covid 19 é mais letal em regiões de periferia do Brasil

O município com maior prevalência no país, dentre os 133 investigados, foi Sobral-CE, com 26,4% da população amostrada já tendo tido contato com o coronavírus. Entre os cinco mais afetados estão também Boa Vista-RR (22,6%), Fortaleza-CE (20,2%), Santerém-PA (17,9%) e Maceió-AL (16%).

Em todas as regiões do país, a prevalência da Covid-19 aumentou durante o período avaliado, com exceção da região Norte. Apesar de ter sido muito atingida pela epidemia, esta teve uma ligeira queda de prevalência do início para o fim de junho, de 9% para 8%, que segundo os pesquisadores está dentro da margem de erro. Como os anticorpos não desaparecem em poucas semanas, tecnicamente uma diminuição da prevalência é pouco provável, e deve estar dentro da margem de erro da pesquisa, explica Hallal.

O município do Rio apresentou uma prevalência alta na pesquisa, de 10,3%, em par com o que levantamentos feitos localmente já estavam apontando. Em São Paulo, onde foi detectado o primeiro caso de Covid-19 do país, a prevalência no fim de junho estava em 1,4%, o que representa uma queda em relação ao início da pesquisa, também uma redução inesperada.

Hallal afirma que para entender o motivo da redução será possível estudar a cidade no futuro para saber se houve uma flutuação da amostra usada na pesquisa, ou se de fato os anticorpos estão desaparecendo. Estudos recentes indicam que a segunda hipótese pode ser plausível, afirma.

A terceira etapa da pequisa Epicovid-19 BR, em princípio, é a última. Os pesquisadores negociam fundos para dar continuidade ao projeto, mas nada foi anunciado oficialmente até agora. O Ministério seria, em princípio, o financiador de novo, mas não confirma se continuará bancando o projeto.

Segundo Hallal, há negociações com instituições privadas, incluindo o Instituto Serrapilheira, que ajudou a bancar um outro estudo de prevalência no Rio Grande do Sul, para tentar dar continuidade ao projeto, caso o Ministério da Saúde saia de cena.

— O ponto principal é que o país precisa de mais uma fase dessa pesquisa — afirma Hallal.

Rafael Garcia / O Globo
02/07/2020 - 17:00 / Atualizado em 02/07/2020 - 19:45

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