segunda-feira, 8 de junho de 2020

O declínio da esperança

Ações destemperadas, conflitos desnecessários e prevalência de interesses familiares estão entre os motivos pelos quais muitos eleitores deixaram de confiar em Bolsonaro

De janeiro de 2019 para cá, houve mudanças significativas no modo como os brasileiros veem o presidente Jair Bolsonaro e o seu governo. Por exemplo, hoje muitos eleitores se sentem profundamente frustrados com Bolsonaro. Os motivos são variados: ações destemperadas, conflitos desnecessários, ineficiência na promoção da retomada da economia, prevalência de interesses familiares, o modo como tem lidado com a pandemia do novo coronavírus, demissões de alguns ministros de Estado – especialmente, Luiz Henrique Mandetta e Sérgio Moro – e tantas outras atitudes que destoam da imagem que muitos tinham de Jair Bolsonaro quando depositaram seu voto nas eleições de 2018. Ao mesmo tempo, é de reconhecer que, para alguns – um grupo nitidamente minoritário –, nada do que Jair Bolsonaro fez ao longo desses 18 meses foi razão para diminuir a confiança e o apreço que a ele dedicam.

Diante desse cenário, com avaliações tão contrastantes, há, no entanto, um fato inegável. Desde o início do ano passado até agora, houve um claro declínio da esperança em relação ao governo e ao País. Utiliza-se aqui o termo esperança em seu sentido mais básico, tal como registram os dicionários: o sentimento de quem vê como possível a realização daquilo que deseja, a confiança de que se realizará aquilo que se deseja. Tivesse ou não fundamento, fosse ou não razoável, o fato é que, após as eleições de 2018, boa parte da população tinha a esperança de que a situação social e econômica do País iria melhorar. Havia expectativa de que o novo governo promovesse os ajustes para recolocar o Brasil nos trilhos, afastando-o da nefasta trajetória imposta pelo PT.

Para muitos, a esperança de um novo patamar de competência e moralidade materializou-se no momento em que Sérgio Moro, símbolo máximo da Operação Lava Jato, deixou a magistratura para incorporar-se à equipe do presidente eleito Jair Bolsonaro. Ele não abandonava apenas uma carreira no Judiciário de 22 anos, com tudo o que isso envolve. O discurso era ainda mais poderoso. Sérgio Moro saía do cargo com o qual havia, de alguma forma, mudado a história do País para assumir, com total carta branca do presidente da República, uma missão ainda mais relevante no combate à corrupção e à criminalidade – ou seja, uma missão de reconstrução da vida pública no País. O céu era o limite. Essa disposição é hoje tristemente contrastada pelo clima que imperou na entrevista em que Sérgio Moro anunciou os motivos de sua demissão do Ministério da Justiça e Segurança Pública. As palavras do ex-juiz da Lava Jato descortinaram um panorama completamente diferente dos sonhos e aspirações nutridos na campanha eleitoral de 2018 e no início de 2019. O presidente Bolsonaro foi apresentado como alguém empenhado obsessivamente em levar adiante seu desejo de interferir na Polícia Federal e, muito especialmente, na superintendência do órgão no Rio de Janeiro, com efeitos diretos sobre a investigação de seus familiares e amigos. Foi enorme a decepção de quem ainda acreditava no presidente.

Mas o declínio da esperança não se deu apenas pela saída de Sérgio Moro do governo. Ao contrário do que prometeu na campanha, o presidente Bolsonaro aproximou-se do Centrão e entregou-lhe cargos importantes, com verbas igualmente importantes. A agenda de reformas foi completamente esquecida. Na realidade, os sinais dados pelo Palácio do Planalto foram em sentido oposto à austeridade com a coisa pública, com concessões a setores do funcionalismo, medidas populistas, intentos de ampliação de programas assistencialistas por interesse eleitoreiro e ralo compromisso com o equilíbrio fiscal.

O regime presidencialista confere ao chefe do Executivo federal uma inequívoca tarefa de liderança. O presidente da República não apenas desempenha atribuições burocráticas. Além do dever de definir prioridades e traçar propostas e políticas que realizem essas prioridades, ele tem a missão de apresentar um futuro possível ao País. Cabe-lhe fortalecer a confiança da população na realização de um saudável panorama de desenvolvimento econômico e social. No entanto, Jair Bolsonaro não apenas descumpre essa missão, como consegue diariamente minar qualquer resquício de esperança de que possa haver, até o final de seu mandato, dias melhores.

Editorial / Notas e Informações, O Estado de S.Paulo
08 de junho de 2020 | 03h00

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