sexta-feira, 8 de maio de 2020

Reduzir isolamento para melhorar economia é ‘cálculo imoral’, diz filósofo de Harvard

Em painel da Brazil Conference, Michael J. Sandel diz que discussão entre saúde e economia durante a pandemia é 'falso dilema' e que governos devem pensar no 'bem comum'

O filósofo americano Michael J. Sandel se notabilizou pelo curso “Justiça”, na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, em que discute ética e democracia, e pelas palestras que faz ao redor do mundo sobre os limites das discussões morais. Ao participar de um painel da Brazil Conference at Harvard & MIT nesta sexta-feira, 8, o filósofo disse que a discussão sobre privilegiar economia ou saúde durante a pandemia do novo coronavírus é um “falso dilema”, já que políticas públicas devem ser norteadas pela busca do “bem comum”. Segundo ele, propor o fim de medidas de isolamento social agora seria um “cálculo imoral”, ou seja, sacrificar algumas vidas para ter o comércio funcionando.

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Nobel de Economia Michael Kremer falou sobre desigualdade na Brazil Conference

“É um erro ver uma competição entre a economia e medidas de saúde”, disse Sandel, emendando uma referência à situação vivida atualmente pelos Estados Unidos, onde governadores de alguns Estados estão patrocinando a retomada das atividades econômicas enquanto o número de casos no país ultrapassa a casa dos 1,3 milhão e o de mortos chega a 77,4 mil. “Estão fazendo isso mesmo sabendo que não é seguro”, declarou o filósofo. “Temos que fazer julgamentos sobre como promover o bem comum, o que inclui saúde e economia, sem dizer que vamos sacrificar 10 mil ou 100 mil vidas em troca de ter pistas de boliche ou estúdios de tatuagem abertos de novo neste momento”.

Em resposta ao jornalista Pedro Bial, que conduziu a live, Sandel disse que em um momento de emergência, como o mundo vive hoje, discussões éticas ficam “em frente aos nossos olhos”. Muitas vezes, na visão dele, as pessoas evitam debates éticos em público, embora eles sejam importantes para a saúde da democracia, ainda mais durante a pandemia. “Acho que é um cálculo imoral que vamos sacrificar algumas vidas para pessoas poderem fazer cruzeiros de novo”, afirmou Sandel, voltando à questão do isolamento social.

Outro questionamento levantado pelo filósofo americano durante o debate desta sexta-feira na Brazil Conference: é justo terceirizar o risco de pegar a covid-19, deixando pessoas mais pobres trabalhando para que os mais ricos fiquem em casa? A pergunta trata da importância que trabalhos como o de entregadores de comida ganharam durante a crise.

“Os sacrifícios são desproporcionais por pessoas em empregos que não pagam muito, que não são tão respeitados como deviam, como motoristas, entregadores, assistentes de saúde”, disse Sandel. “Algumas pessoas estão arriscando sua vida todo dia, seja em hospitais, seja entregando comida ou trabalhando em mercados. Outros de nós temos o luxo de continuar trabalhando em casa. Essas pessoas são muito mais importantes socialmente e deveriam ser recompensadas”, opinou.

Bônus ao salário e auxílio governamental foram algumas das soluções apontadas para Sandel para tentar resolver esse impasse e dar mais valor ao trabalho de algumas pessoas. “Preço é o que o mercado define. Mas o valor real é algo que temos que raciocinar juntos.” Para exemplificar seu ponto sobre como questões éticas devem influenciar o mercado, Sandel lembrou de uma notícia que leu em um jornal dos Estados Unidos: antes que o número de doentes estourasse no país, um homem comprou todo o estoque de álcool em gel do seu Estado e começou a vendê-lo pelo dobro do preço.

Isso gerou críticas da sociedade, já que o álcool em gel tornou-se item essencial e já não era possível achá-lo em outro lugar.“Ele foi muito criticado e no fim concordou em doar (a mercadoria) a um centro médico. É uma ilustração de como o impulso do marketing é forte. Mesmo em momento de crise, há tentação de levar vantagem. E essa é uma questão ética.”

A palestra de Sandel está disponível no canal de Youtube do Estadão em inglês. Nos próximos dias, uma versão da palestra com legendas em português será disponibilizada.

Redação, O Estado de S.Paulo
08 de maio de 2020 | 17h33

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