sábado, 16 de maio de 2020

Morre o jornalista e escritor Luiz Maklouf Carvalho

Repórter do Estadão era autor de reportagens e livros históricos sobre os principais personagens da República

O jornalista e escritor Luiz Maklouf Carvalho morreu neste sábado, 16, aos 67 anos. Repórter de O Estado de S. Paulo, Mak, como era conhecido entre os colegas, foi autor de livros e reportagens que marcaram o jornalismo brasileiro retratando alguns dos mais importantes personagens da República, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao atual ocupante do Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro. Ele era repórter do Estadão desde 2016.


Morre o jornalista Luiz Maklouf Carvalho

Jornalista Luiz Maklouf morreu em decorrência de complicações de um câncer no pulmão.  Foto: Facebook/@luiz.makloufcarvalho/Reprodução

Dono de um texto escorreito e reconhecido pelos colegas por sua apuração exata, Maklouf nasceu em 1953, em Belém (PA). Formou-se em Direito pela Universidade Federal do Pará. Foi ali que, como revisor de O Liberal,  iniciou a carreira que o levaria a amealhar quase todos os prêmios possíveis que um jornalista pode ganhar neste País.  Em seu estado natal, Maklouf foi repórter dos diários A Província do Pará e o Estado do Pará, onde ganhou seu primeiro grande prêmio, o Esso, de reportagem. Editou ainda o jornal Resistência, da Sociedade Paraense dos Direitos Humanos, obtendo o primeiro de seus quatro prêmios Vladimir Herzog.

Era correspondente do jornal Movimento, da chamada imprensa alternativa, de São Paulo, começando aí sua relação com as redações da grande imprensa paulista. Ele as conheceu quase todas. A partir de 1983, mudou-se para a cidade que o acolheria e testemunharia a sequência de sua carreira e o nascimento do escritor de livros reportagens que o levariam a dois prêmios Jabuti: em 1998, com o Mulheres que foram à Luta Armada (1998), a primeira obra a contar a experiência das militantes que pegaram em armas contra a ditadura, entre as quais a ex-presidente Dilma Rousseff; e, em 2005, com Já vi esse filme - reportagens (e polêmicas) sobre Lula e/ou PT , que reuniu textos que mostravam o percurso do partido que então dominava o Poder Executivo do País.

Maklouf também é autor de Contido a bala – A vida e a morte do advogado Paulo Fonteles, advogado de posseiros no sul do Pará, (Cejup, 1994), livro que foi sua estreia como escritor. Nos anos seguintes, seu interesse pelos conflitos na região o levaria a escrever O Coronel Rompe o Silêncio, com o depoimento inédito do coronel Lício Augusto Ribeiro, um veterano do combate à Guerrilha do Araguaia. Também foi autor de Cobras Criadas, a biografia de David Nasser, o mais famoso e polêmico repórter dos anos 1950, cuja trajetória se confunde com o da revista O Cruzeiro, do grupo dos Diários Associados. Tinha fascinação por grandes personagens e suas histórias e foi assim que sua trajetória fez dele coautor do livro Vultos da República.

Quando trabalhava, no Jornal da Tarde, do Grupo Estado, na década de 1990, Maklouf revelou o primeiro escândalo de corrupção do PT, o chamado “caso CPEM”

O jornalista Luiz Maklouf Carvalho revelou o primeiro escândalo de corrupção do PT no Jornal da Tarde, do Grupo Estado, em 1997.  Foto: Reprodução
Quando trabalhava, no Jornal da Tarde, do Grupo Estado, na década de 1990, Maklouf revelou o primeiro escândalo de corrupção do PT, o chamado “caso CPEM”, em referência a uma empresa de consultoria com esse nome. A reportagem ouviu a acusação do então dirigente petista Paulo de Tarso Venceslau, contra a empresa e o advogado Roberto Teixeira, compadre de Lula, então presidente de honra do PT. A CPEM havia sido contratada sem licitação por prefeituras petistas para prestar assessoria no setor de arrecadação de impostos. Em contrapartida, a consultoria daria dinheiro para campanhas do partido.

Depois, o ex-dirigente também questionou o fato de Lula morar em imóvel de Teixeira de graça, durante oito anos. "Após sua reportagem, me aproximei do Maklouf. Tínhamos algumas coisas em comum. A reportagem teve uma repercussão enorme", afirmou Venceslau. Ainda nos anos 1990 e 2000, Maklouf passou pelas redações dos jornais Folha de S. Paulo e Jornal do Brasil e das revistas Época e Piauí. Até retornar ao Grupo Estado, como repórter do Estadão. Foi então que iniciou, pouco antes do impeachment de Dilma Rousseff, a publicar uma série de textos, traçando o perfil dos novos protagonistas da política nacional.

Morre o jornalista Luiz Maklouf Carvalho

Jornalista Luiz Maklouf Carvalho na redação do Jornal da Tarde, em 1994.  Foto: Ari Vicentini/Estadão

Durante a campanha eleitoral de 2018, Maklouf encontrou um tesouro que soube ler e escutar: a cópia do processo e os áudios do julgamento do então capitão Jair Messias Bolsonaro, que levaram à sua absolvição pelo Superior Tribunal Militar (STM) depois de ele ter sido condenado por 3 a 0 por um Conselho de Justificação do Exército, um tribunal de honra militar que concluíra que o então oficial mentira e faltara com o pundonor na investigação sobre um plano para colocar bombas em quartéis.

Maklouf descobriria que Bolsonaro foi eleito presidente sem que o País conhecesse as circunstâncias sobre o mais grave episódio que marcou sua carreira militar e antecedeu sua entrada para a política. O plano terrorista era um protesto contra os baixos soldos em 1987. De seu trabalho como repórter nasceria seu último livro: O cadete e o capitão: A vida de Jair Bolsonaro no quartel, publicado em 2019. Ele falou ao programa Estadão Notícias em agosto passado sobre a obra. Confira:


O escritor já lutava então contra a doença que provocaria sua morte: um câncer no pulmão. Em relato que ele escreveu para o jornal em 2018, Maklouf explicou que se tratava de um tipo de câncer que afeta quem já foi fumante. “Não faz nenhuma diferença se você parou de fumar pra lá de 15 anos, como no caso”, explicou. Ele chegara a fumar três maços por dia e foi tratado com imuno-quimioterapia. Nos últimos dias, estava internado no A.C.Camargo Cancer Center, na Liberdade, em São Paulo.

Maklouf deixa mulher, Elza, com quem veio para São Paulo em 1983, três filhos, Luiza, Felipe e André, e três netos, Malu, Liz e Vicente. "Um amante do Machado. Me apresentou tudo o que eu aprecio culturalmente falando, Guimarães, Flaubert, Chico, Caetano, Belchior, Beatles, Bethânia, Velha Guarda da Portela, Miles Davis, Fernando Pessoa... Como eu amo a lembrança dele recitando Álvaro de Campos, Poema em Linha Reta, em um dos nossos tantos memoráveis almoços de domingo da infância e adolescência", escreveu a filha. O velório será neste sábado, no cemitério de Vila Mariana; e o enterro, nesta tarde.

Repercussão

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, lembrou de uma entrevista que fez com Maklouf. "Uma perda lastimável para o jornalismo brasileiro e os leitores do jornal O Estado de S. Paulo. Estive com Maklouf recentemente, em dezembro do ano passado, ocasião em que fui entrevistado por ele. Sempre cordial, era sábio com as palavras e primoroso com a escrita. Certamente deixa um legado do bom jornalismo para a atual e futura gerações de repórteres. Aos familiares e colegas de profissão, o meu respeito e solidariedade."

O jornalismo perdeu hoje um de seus maiores repórteres investigativos, disse o governador de São Paulo João Doria. "Escritor e jornalista premiado, Maklouf esmiuçava histórias e personagens. Tinha o idealismo como norte e o pragmatismo como atitude. Nossos sentimentos para toda a família."

O Movimento Democrático Brasileiro (MDB) destacou o livro 1988: Segredos da Constituinte e prestou sua homenagem à família do jornalista. "Lamentamos a morte do jornalista e escritor Luiz Maklouf Carvalho. Sempre atuou de forma imparcial e crítica, indistintamente. Nos jornais 'Resistência' e 'Movimento', foi radical defensor da democracia. Uma de suas últimas obras é o livro abaixo. Nossas condolências à família."


MDB Nacional
@MDB_Nacional
Lamentamos a morte do jornalista e escritor Luiz Maklouf Carvalho.
Sempre atuou de forma imparcial e crítica, indistintamente.
Nos jornais Resistência e Movimento, foi radical defensor do democracia.
Uma de suas últimas obras é o livro abaixo. 
Nossas condolências à família.

De Maklouf disse hoje o deputado federal Marcelo Ramos (PL-AM), um dos políticos que o repórter perfilou para o Estadão. "O Brasil acaba de perder um grande brasileiro e um dos maiores jornalistas do País. Luiz Maklouf perdeu a guerra para o câncer de pulmão. Certo dia, após ser anunciado como relator da Reforma da Previdência, recebi uma ligação pedindo uma entrevista especial para o jornal Estadão. Marquei de receber o jornalista no hotel que eu morava aqui em Brasília. Foi a melhor entrevista que já concedi na minha vida."

"Morreu hoje um dos melhores jornalistas da minha geração", falou o jornalista Laurentino Gomes sobre Luiz Maklouf. "Tive o privilégio de trabalhar com ele no ⁦Estadao e no Jornal da Tarde. Paraense de Belém, fazia o melhor pato no tucupi do mundo. Mais um perda neste trágico 2020."

O jornalista David Cohen lembrou da convivência com Maklouf no Jornal da Tarde e na revista Época e da dedição ao trabalho. "Seu enorme talento, na minha opinião, vinha diretamente de seu caráter reto, de sua necessidade de entender as coisas em sua inteireza. E da prática de um jornalismo que é sacerdócio, que não se incomoda em incomodar, mas não toma partido, que busca honestamente compreender e explicitar o que retrata, que segue os rituais não apenas em sua forma, mas em sua essência", disse.

Paula Reverbel e Marcelo Godoy, O Estado de S.Paulo
16 de maio de 2020 | 11h03


Tribunal militar absolveu Bolsonaro contra a prova, afirma livro

‘O cadete e o capitão’, do jornalista Luiz Maklouf Carvalho, questiona decisão do Superior Tribunal Militar que isentou o hoje presidente 

Jair Bolsonaro foi eleito presidente sem que o País conhecesse circunstâncias sobre o mais grave episódio que marcou sua carreira militar e antecedeu sua entrada para a política: o plano de explodir bombas em quartéis do Rio, em protesto contra os baixos soldos em 1987. Por essa acusação, ele foi processado e absolvido pelo Superior Tribunal Militar (STM) por 9 votos a 4. Caso encerrado? Não. É isso o que afirma o livro O cadete e o capitão, do jornalista Luiz Maklouf Carvalho.

Após 32 anos, Maklouf conta que a análise das mais de 700 páginas do processo e dos 31 arquivos com as gravações inéditas da sessão de julgamento revela como a decisão dos ministros do STM contrariou os laudos grafotécnicos existentes da principal prova do caso: as análises de quem seria o autor de um croqui sobre como fazer e onde colocar uma bomba. Para tanto, uma artimanha da defesa teria sido fundamental: dizer que existiam quatro laudos válidos em vez dos dois existentes.

JAIR BOLSONARO

 Bolsonaro em imagem de 1988; livro analisa conteúdo de 700 páginas do processo Foto: LUIZ PINTO/AGÊNCIA O GLOBO - 4/8/1988

Além disso, o jornalista teve acesso aos áudios da sessão do julgamento no STM. Em suas falas, os ministros desculpam o acusado e vilipendiam a revista Veja – responsável por revelar a história –, transformando-a mais em ré aos olhos deles do que o capitão. Da animosidade dos julgadores não escapou nem o então ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, alvo de piadas e críticas na sessão. Fora ele quem havia submetido o caso de Bolsonaro ao STM.

Duas vezes ganhador do prêmio Jabuti de reportagem, autor de livros e de textos que jogaram luz sobre as práticas do PT e de Luiz Inácio Lula da Silva, Maklouf fez mais uma vez o que se tornou a marca de sua carreira: enxergar o que todos olham, mas ninguém vê, e prestar atenção no que ninguém escuta. Formado em direito, este jornalista abriu as páginas do processo e as leu. Obteve os áudios do julgamento e os ouviu.

Sempre escrevera até então a versão que predominava no processo, aquela da ementa do caso, o resumo da decisão publicada pelos magistrados. Ela descrevia a existência de quatro laudos grafotécnicos: dois condenavam o réu e dois o absolviam. Portanto, a dúvida impunha a absolvição do capitão. Não era bem assim. Maklouf descreve no livro que, ao contrário do que sempre disse o presidente e do que anotaram os ministros no acórdão, não havia nenhum laudo que inocentasse o acusado.

Antes de seguir adiante, é necessário recontar a história, ainda que ela seja bastante conhecida. Em 1986, Bolsonaro escreveu um artigo na Veja com o título O salário está baixo. Foi punido pelo Exército com 15 dias de prisão. Em 28 de outubro de 1987, uma reportagem na mesma revista revelava a existência da Operação Beco Sem Saída, o plano de militares da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO) de explodir bombas em unidades militares em protesto contra os baixos salários. Bolsonaro era um dos acusados do plano. Primeiro, os oficiais negaram e receberam o apoio do ministro do Exército.

A revista publicou as provas que tinha – o livro mostra de forma inédita os bastidores que levaram à publicação do caso –, entre elas um croqui explicando como seria fácil pôr uma bomba na adutora do Guandu, do sistema de abastecimento de água do Rio. O documento, dizia a revista, era de autoria de Bolsonaro. O general Leônidas determinou que ele fosse submetido a Conselho de Justificação e afirmou que havia errado ao acusar a revista, pois Bolsonaro é que havia mentido. Por 3 a 0, o conselho julgou o capitão culpado.

Mudança

Como o veredicto mudou? Maklouf mostra que tudo começou quando Bolsonaro apresentou sua defesa por escrito ao STM. Ele relacionou todos os exames grafotécnicos omitindo várias informações. O primeiro exame, por exemplo, era inconclusivo apenas pela forma como fora feito. Os peritos usaram cópias xérox, o que torna inviável a perícia, que exige o uso dos originais escritos. O outro laudo que Bolsonaro alegava favorecê-lo nem mesmo existia. Na verdade, o primeiro exame inconclusivo por falta de material adequado para análise foi complementado e o resultado mudou.

Depois que o material foi providenciado, os peritos do Exército chegaram à mesma conclusão que os peritos da Polícia Federal: o croqui fora feito por Bolsonaro. A revista falara a verdade; Bolsonaro faltou com ela. Maklouf procurou por seis meses Bolsonaro em busca de explicações. Não foi atendido. O Estado também o procurou. Não obteve resposta da assessoria do Palácio do Planalto.

Ministros acusam imprensa e criticam general

A acusação contra Jair Bolsonaro era assinada por três coronéis: “Os laudos do Exército e da Polícia Federal atestam não restar dúvidas ao ser afirmado que os manuscritos contidos nessa folha original promanaram do punho gráfico do capitão”. Eles concluíram que ele mentiu no processo e revelou “comportamento aético e incompatível com o pundonor militar e com o decoro da classe”. A defesa alegava que os coronéis é que deveriam ser punidos.

Foi nesse ponto que entrou em cena no Superior Tribunal Militar o ministro general Sérgio de Ary Pires, relator do caso. Em seu voto, acusou a revista Veja de distorcer os fatos e incorporou a versão dos quatro laudos, absolvendo o capitão.

O ministro Aldo da Silva Fagundes traçou um perfil psicológico de Bolsonaro. “É muito difícil concluir pela insanidade mental desse homem. Seria um radical, interessado em subverter a ordem pública, um terrorista, enfim? Muito difícil.” Disse estar convencido de que o comportamento do acusado era marcado pelo deslumbramento com a fama. E o absolveu.

Seguiu-se ataque à Veja e à jornalista Cassia Maria, que fez a reportagem. Após contar piada sobre o ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, o ministro brigadeiro George Belham da Motta disse que a revista não era digna de respeito.

O ministro general Alzir Chaloub afirmou que a culpa de Bolsonaro foi ter mantido contatos com uma criatura (a jornalista) pouco recomendável. Chamou-a de venenosa, perigosa e a comparou a uma cascavel: “Repórter não é flor que se cheire”.

O relator do caso retomou a palavra e deu sua opinião sobre a família Civita, então dona da revista. “Me disseram que são judeus internacionais argentinos em busca de dinheiro. Outros dizem que são comunistas internacionais a serviço da subversão.” E concluiu: “Não posso formar um juízo temerário, mas posso afirmar que há dúvidas quanto à idoneidade dessa gente”. E chamou a repórter de “famigerada”.

Poucos foram os magistrados duros com Bolsonaro. Entre eles estava um general: Haroldo Erichsen da Fonseca, que o condenou: “Não cabe ao capitão tomar para si os problemas do alto escalão”. E contou o que imaginava ser o pensamento de Bolsonaro: “Quem sabe eu possa ser amanhã um indivíduo notável”.

Marcelo Godoy, O Estado de S.Paulo
26 de julho de 2019 | 05h00

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