segunda-feira, 25 de maio de 2020

Militares bolsonaristas espalham mensagens golpistas e ameaças ao Supremo

Augusto Heleno e seus colegas de turma decidiram se informar pelo zap; é nessa rede social que os ataques ao STF e ao Congresso aumentaram desde a nota do ministro

Em 28 de junho de 1935, o escritor francês Romain Rolland entrou no Kremlin para entrevistar Stalin. É conhecida a conversa que se seguiu. Rolland, que se dizia pessimista com inteligência, mas otimista pela vontade', perguntou ao ditador por que não haviam debates judiciários públicos e regulares antes das condenações e execuções das pessoas chamadas de terroristas pela imprensa soviética. Stalin respondeu usando o exemplo dos assassinos de Serguei Kirov.

Jair Bolsonaro
Sem máscara, o presidente Jair Bolsonaro se aproxima de apoiadores em manifestação em Brasília Foto: Evaristo Sa/AFP
O chefe do partido em Leningrado fora morto em 1.º de dezembro de 1934, no Instituto Smolny, onde trabalhava. Kirov era um popular líder bolchevique. O assassino lhe deu tiro no pescoço. E Stalin aproveitou o crime para iniciar o Grande Terror, matando quase um milhão de pessoas. "Teríamos honrado demais esse senhores se tivéssemos examinado seus delitos em processos com a participação de advogados", afirmou.

Stalin disse ainda que era claro a todos que, depois do assassinato de Kirov, os criminosos não se deteriam. "Para prevenir esses crimes tivemos de assumir a desagradável tarefa de fuzilar esses senhores. Essa é lógica do poder. O poder em circunstâncias semelhantes deve ser forte, claro e impávido; de outra forma, não será poder e não será reconhecido como tal." Augusto Heleno pode não conhecer o episódio ou as palavras do georgiano. Mas sua nota em reação ao pedido de apreensão do telefone celular de Jair Bolsonaro trata o exercício do poder com a mesma lógica do ditador comunista.

O filósofo Luciano Canfora descreve a cena em seu livro La natura del potere. E trata de uma das manifestações do poder: o cesarismo, esse tipo de regime que exprime sempre uma solução arbitral, confiada à grande personalidade, ao líder, para resolver uma situação de equilíbrio de forças, diante de uma perspectiva catastrófica, quando a situação só pode se concluir com a destruição recíproca. No Brasil, Heleno enxerga conflito institucional, onde as associações de magistrados veem apenas vontade de se subtrair à lei e à Justiça.

Este é um governo cujo chefe usa um helicóptero da Presidência para um sobrevoo a fim de produzir cenas de mídia de uma ação político-partidária com o dinheiro público. Nada mais espanta. As relações de amizade se sobrepõem ao cumprimento das leis, ao interesse público e ao zelo no uso do dinheiro do contribuinte. Trata-se de um governo que o ministro Sérgio Moro diz ter deixado de lado a luta contra a corrupção em nome do direito de proteger amigos e filhos. Diante da ciência e dos fatos, Bolsonaro e seus apoiadores militares preferem crer nas mentiras do WhatsApp.

Uma parte deles, reunida na confraria dos colegas de turma de Heleno, resolveu defender o governo com um manifesto - mais um neste País. Não bastam cargos, salários e benefícios: há quem deseje ainda ter o direito de ameaçar as instituições. Como classificar de outra forma o documento assinado pelos 103 da turma de 1971 da Academia das Agulhas Negras, achincalhando ministros do Supremo e destilando ódio contra quem aponta os desmandos do governo ou procura fazê-lo cumprir as leis? E lá veio mais outra nota do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva...

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Imagem distribuída por militares em grupos de whatsapp no fim de semana; na montagem, a imagem do presidente Costa e Silva, responsável pela edição do AI-5 Foto: Reprodução


Marcelo Godoy, O Estado de S.Paulo
25 de maio de 2020 | 09h00

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