quarta-feira, 13 de maio de 2020

Deveres, mais que tudo

A sociedade tinha o direito de saber o resultado do exame do presidente, e a imprensa cumpriu a sua atribuição de levar a informação correta à sociedade

A questão da divulgação dos testes feitos pelo presidente Jair Bolsonaro para provar se contraiu ou não o coronavírus é de uma simplicidade infantil. A sociedade tem o direito de saber até que ponto se arrisca ao aproximar-se de um presidente que participa de aglomerações proibidas, das quais pode sair irremediavelmente contaminada.

Testes foram feitos com codinomes Airton Guedes e Rafael Augusto, mas CPF, RG e documentos informados nos papéis são do presidente; exames deram negativo.

Para quem mora em Brasília, então, saber era crucial. Passou da hora, inclusive. A esta altura os desavisados, afoitos e fanáticos se expuseram a apertos de mãos, infectadas ou não, não se sabia, e poderiam estar jogando suas criancinhas no colo de um transmissor.

O exercício deste direito independe do resultado do exame presidencial. O necessário é o conhecimento, pois o resultado e sua consequência, se positivo ou negativo, já cessou. Direito que vem antecedido de dois deveres. O do homem público, de informar o seu estado de saúde, é o primeiro.

Não se trata de curiosidade mórbida, mas de uma situação real e grave, que diz respeito a uma pandemia de veloz contágio, e a possibilidade de o presidente a ter contraído não era absurda, ao contrário. Da sua viagem aos Estados Unidos duas dezenas de acompanhantes da comitiva caíram doentes, gente muito próxima fisicamente, em voos e reuniões.

Depois o presidente, neste pesadelo da pandemia, teve um comportamento errático: foi do charlatanismo da receita de medicamento de eficácia não comprovada e drástico efeito colateral à guerra contra o conceito universal do isolamento como única saída para atender mais doentes nas redes hospitalares. Portanto, não basta dizer, venham, estou negativo. Era preciso provar.

Há outro dever, além deste a ser cumprido pelo homem público responsável: o da imprensa, de cumprir a sua atribuição de levar a informação correta à sociedade.

No caso do presidente Jair Bolsonaro, como acontece também em questões de outra natureza, há os agravantes da irresponsabilidade à deriva, o prazer de contrariar, de estabelecer polêmica onde não há, de propulsionar crises em rodízio consigo mesmo.

A Constituição de 88, que escancarou aquele direito de saber já aludido, e consolidou o dever de informar, transformou a ideia do sigilo. Os arquivos deixaram de ser uma fuga para o homem público, o refúgio no qual se abriga quando não quer porque não quer dar satisfações dos seus atos.

É notório que Bolsonaro está perdido num labirinto.

Se era negativo, para que esconder? Se era positivo e ninguém percebeu porque ficou assintomático, para que mentir? Se tem ou não uma doença contagiosa que está na ordem do dia, atingindo a todos, precisa compartilhar mais do que suas lives, tuítes, WhatsApp e sinais de fumaça em que vive embaralhado.

Rosângela Bittar, a autora deste artigo, é colunista de O Estado de S.Paulo
Publicado em 13 de maio de 2020, às 15h41.

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