quinta-feira, 7 de maio de 2020

Com 4.552 registros a mais, mortes em casa crescem 14% no País; alta no Amazonas chega a 94%



A alta de mortes domiciliares já vinha sendo observada em outros países atingidos pela pandemia e, segundo especialistas, está relacionada a fatores como dificuldade de atendimento no sistema de saúde

O número de pessoas que morreram em casa desde o início da pandemia de covid-19 no Brasil aumentou 14,6% em relação ao ano passado, segundo registros dos cartórios brasileiros. Na prática, o País teve, nos últimos dois meses, 4.552 óbitos domiciliares a mais do que no mesmo período do ano passado, revelam dados obtidos com exclusividade pelo Estado com o Portal da Transparência do Registro Civil, mantido pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil). A alta é ainda maior em Estados com alta incidência da doença. No Amazonas, o número de mortes em casa cresceu 94,7%. No Rio de Janeiro,o aumento foi de 34,8%.

Os funcionários do cemitério preparam os caixões para serem enterrados em uma vala comum no cemitério de Nossa Senhora em Manaus, estado da Amazônia.
Os funcionários do cemitério preparam os caixões para serem enterrados em uma vala comum no cemitério de Nossa Senhora em Manaus, estado da Amazônia.  Foto: MICHAEL DANTAS / AFP
A análise refere-se ao período de 26 de fevereiro, data em que o primeiro caso de infecção por coronavírus foi registrado no Brasil, até 26 de abril - foram desconsiderados os dados dos últimos dez dias porque esse é o prazo médio que os cartórios levam para repassar suas informações para a Central de Informações do Registro Civil (CRC Nacional).

A alta de mortes domiciliares já vinha sendo observada em outros países atingidos pela pandemia e, segundo especialistas, está relacionada a fatores como dificuldade de atendimento no sistema de saúde, adiamento de idas a pronto-socorros por medo de contágio e piora repentina de quadros de covid-19.

Segundo o Portal da Transparência, 35.551 brasileiros morreram em casa neste ano no período analisado contra 30.999 no mesmo período de 2019. Houve alta em 19 dos 27 Estados e em 20 capitais. No Amazonas, onde o sistema de saúde já entrou em colapso e foi registrada a maior alta, o número de óbitos em casa passou de 398 para 775 no período analisado. Na capital do Estado, o aumento foi ainda mais expressivo: 120,2%, com o número de óbitos em residência saltando de 331 para 729.

Cemitérios cavam sepulturas para vítimas e suspeitas da pandemia de coronavírus COVID-19 no cemitério de Nossa Senhora em Manaus, estado da Amazônia.

Coveiros preparam sepulturas para vítimas e suspeitas da pandemia de coronavírus COVID-19 no cemitério de Nossa Senhora em Manaus, estado da Amazônia. Foto: MICHAEL DANTAS / AFP

Manaus não foi, porém, a capital com o maior crescimento porcentual. Belém registrou alta de 360%, com o número de mortos domiciliares passando de 10 para 46.

No Rio, o número de pessoas mortas em casa subiu de 2.512 para 3.387. São Paulo, Estado com o maior número de casos de covid-19, também registrou crescimento acima da média nacional: 21,8%, com o número de mortes residenciais passando de 6.826 para 8.317.

O porcentual de mortes domiciliares sobre o total de óbitos do País também cresceu, segundo os registros dos cartórios. Nos dois meses analisados de 2019, 17,6% dos brasileiros morreram em seus domicílios. No mesmo período deste ano, o índice foi de 19,8%.

Embora as mortes em casa sejam mais comuns em regiões pobres e distantes dos grandes centros, houve aumento também na proporção de mortes domiciliares nas capitais. No ano passado, 20,8% dos óbitos em domicílio haviam ocorrido em capitais. Neste ano, o índice subiu para 23,9%.

Um membro da equipe do Gremio é visto usando equipamento de proteção e máscara facial, o treinamento amanhã será retomado com restrições devido à disseminação da doença por coronavírus
Um membro da equipe do Gremio é visto usando equipamento de proteção e máscara facial, o treinamento amanhã será retomado com restrições devido à disseminação da doença por coronavírus.  Foto: REUTERS / Diego Vara
Para especialistas ouvidos pelo Estado, parte desse aumento está relacionado a mortes por outras doenças que foram negligenciadas pelos próprios doentes ou por serviços de saúde. “Muitos podem estar sentindo uma dor no peito, um mal-estar, algum sintoma que, em outra ocasião, faria a pessoa ir ao pronto-socorro. Mas agora ela não vai porque está com medo do coronavírus. Só que isso pode levar a uma piora e fazer a pessoa morrer de enfarte, arritmia, derrame. Há também a possibilidade de os serviços de saúde estarem sobrecarregados e mandarem para casa pacientes que mereciam mais atenção”, destaca Frederico Fernandes, presidente da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia.

O epidemiologista Paulo Lotufo, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), destaca que a falta de assistência adequada pode estar acontecendo tanto para pacientes com sintomas mais brandos de covid-19 quanto para doentes com outras queixas. Nos dois casos, eles podem ter um agravamento do quadro em casa, antes mesmo de retornar a um hospital.

Os dois especialistas destacam um componente preocupante no caso da covid: os crescentes relatos de piora repentina e de morte súbita causada pelo vírus. “Os médicos do mundo inteiro estão estupefatos porque a pessoa vai perdendo oxigenação do sangue, mas sem sentir a falta de ar que era esperada. Há também comprometimento da circulação por causa de microcoágulos causados pelo vírus. Tudo isso pode levar a uma morte repentina”, destaca Lotufo.

Fabiana Cambricoli, O Estado de S.Paulo
07 de maio de 2020 | 05h00

Nenhum comentário: