quarta-feira, 13 de maio de 2020

Bolsonaro, o incurável

Estratégia é óbvia: fazer crer que a pandemia não passa de ‘histeria’ para prejudicar seu governo

Felizmente, cada vez mais brasileiros diagnosticam Bolsonaro como incurável. A mais recente pesquisa da MDA para a Confederação Nacional dos Transportes indica que, em quatro meses, a avaliação negativa do governo subiu de 31% para 43,4%, enquanto a avaliação positiva do desempenho pessoal de Bolsonaro caiu de 47,8% para 39,2%.

Mais cedo ou mais tarde, a corrida mundial dos cientistas para encontrar uma vacina contra a covid-19 será bem-sucedida. Já para o presidente Jair Bolsonaro, não há xarope que dê jeito.

Na segunda-feira (11/5), o presidente decretou a inclusão de academias de ginástica, salões de beleza e barbearias entre os serviços considerados essenciais, isto é, que podem funcionar mesmo em meio à quarentena imposta para enfrentar a pandemia. Trata-se de óbvio abuso da noção de serviço essencial; afinal, pode-se perfeitamente viver sem levantar pesos e sem cortar os cabelos, mas não se pode viver sem energia elétrica, transporte público e hospitais. Para o presidente, contudo, “academia é vida”. Em seu idioma exótico, Bolsonaro comentou que “as pessoas vão aumentando o colesterol, têm problema de estresse” e, com a academia, terão “uma vida mais saudável”. Já sobre os salões de beleza, Bolsonaro disse que “fazer cabelo e unhas é questão de higiene”.

Discutir se salões de beleza são serviço essencial em meio a uma pandemia – que, ainda longe do pico, já matou mais de 11 mil brasileiros – é perder o foco do problema central: Bolsonaro investe na desordem, da qual pretende extrair capital eleitoral. Em meio às imensas incertezas geradas pela doença, que desafiam até mesmo os melhores administradores públicos de todo o mundo, Bolsonaro oferece o elixir das soluções fáceis.

A estratégia é óbvia: preocupado exclusivamente com sua reeleição e com seu projeto autoritário, Bolsonaro quer fazer crer que a pandemia não passa de “histeria” para prejudicar seu governo e que tudo seria diferente se os “inimigos do Brasil”, como ele chama aqueles que impõem limites a seu poder, parassem de sabotá-lo.

A lista de bodes expiatórios do bolsonarismo é extensa. Inclui os governadores e prefeitos que, cumprindo seu dever, impuseram quarentena; inclui o Supremo Tribunal Federal que, em respeito ao princípio federativo, confirmou a autonomia de Estados e municípios para gerenciar a crise como acharem melhor; e inclui até mesmo o ministro da Saúde – o anterior foi demitido porque contrariou Bolsonaro ao insistir no isolamento social como melhor forma de combater a pandemia, e o atual está sendo hostilizado pelos bolsonaristas porque manifestou pesar pelos mortos e colocou em dúvida o tratamento com cloroquina, a panaceia do presidente.

Ficará para a história a expressão de espanto do ministro da Saúde, Nelson Teich, ao tomar conhecimento, por jornalistas, do decreto presidencial que amplia a lista de serviços essenciais. “Isso aí… Saiu hoje isso?”, perguntou, incrédulo, o ministro, que só está no cargo, pasme o leitor, porque disse ter “alinhamento completo” com Bolsonaro. Desprezado publicamente pelo presidente, o ministro está sendo igualmente ignorado pelos gestores de Saúde estaduais e municipais, que já informaram que não vão seguir as novas diretrizes do Ministério destinadas a obter um padrão nacional para o distanciamento social – primeiro passo para a flexibilização exigida por Bolsonaro. O Brasil deve ser hoje o único país do mundo em que o Ministério da Saúde tem papel periférico, quase decorativo, em meio a uma pandemia mortal.

Alguns governadores também avisaram que não vão acatar o decreto de Bolsonaro sobre serviços essenciais. “Afrontar o Estado Democrático de Direito é o pior caminho, aflora o indesejável autoritarismo no Brasil”, reagiu Bolsonaro, atribuindo aos governadores uma transgressão que é ele quem sistematicamente comete.

Felizmente, cada vez mais brasileiros diagnosticam Bolsonaro como incurável. A mais recente pesquisa da MDA para a Confederação Nacional dos Transportes indica que, em quatro meses, a avaliação negativa do governo subiu de 31% para 43,4%, enquanto a avaliação positiva do desempenho pessoal de Bolsonaro caiu de 47,8% para 39,2%. E nem chegamos à metade do mandato – donde se conclui que, em meio à disputa feroz entre Bolsonaro e o coronavírus para ver quem é pior para o Brasil, resta torcer para que alguém retome a ideia do falecido Brás Cubas e invente um emplastro “destinado a aliviar a nossa melancólica humanidade”.

Notas & Informações, página de editoriais de O Estado de S.Paulo
13 de maio de 2020 | 03h00

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