domingo, 19 de abril de 2020

Um terço dos adultos no Brasil está no grupo de risco do coronavírus


No país, 50 milhões sofrem de doença crônica ou já passaram dos 60 anos

Responsável pela morte de mais de 2 mil pessoas desde março, o novo coronavírus representa uma ameaça de vida maior para mais de 50 milhões de brasileiros que fazem parte do grupo de risco da Covid-19. O levantamento, feito a pedido do GLOBO por pesquisadores da Fiocruz que trabalham no projeto Monitora Covid-19, estima que um em cada três brasileiros (33,5%) acima de 18 anos tem ao menos um dos cinco principais fatores associados a complicações da doença: hipertensão, diabetes, doenças do coração ou do pulmão e ainda os que têm idade acima de 60 anos.

O dado foi calculado a partir das respostas do questionário da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS/IBGE), feita em 2013. O levantamento mostra como o chamado “grupo de risco da Covid-19” reúne pessoas em todas as faixas etárias.

— Essas doenças ocorrem em todos os grupos de idade. A faixa de idade de 18 a 29 anos realmente é menos afetada, mas após os 30 anos a gente já tem grandes proporções que estão em risco. É interessante chamar atenção sobre isso porque nesse isolamento vertical você está colocando pessoas que têm problemas de saúde sujeitas a ser infectadas e ter gravidade na doença — explica Celia Landmann Szwarcwald, coordenadora da PNS e do levantamento.

O principal fator identificado é a hipertensão, com um total de 22,1% dos adultos diagnosticados. Depois, a diabetes, com 7%; doenças do coração, 4,2%; e enfermidades no pulmão, 1,8%. Algumas pessoas sofrem de mais de uma doença. Além disso, há um grupo de 7,3% de idosos que não declararam doenças, mas que estão no grupo de risco por possuir mais de 60 anos. No recorte de gênero, entre as mulheres o grupo de risco atinge 36,2% acima de 18 anos, assim como 30,4% dos homens.

A hipertensão, sobretudo, atinge diferentes idades. Entre quem tem de 18 a 29 anos, os doentes são apenas 3%. Esse número salta para 9,9% na faixa de 30 a 39 anos. Vai a 21% de 40 a 49 anos e cresce para 35,7% de 50 a 59 anos. Com mais de 60 anos, os hipertensos são 51,1%.

— Pessoas mais pobres que, às vezes, não têm tanto acesso aos serviços de saúde e só procuram quando eles estão sintomáticos podem não aparecer. Então a gente pode ter até proporções maiores do que essas — analisa Szwarcwald.

Para ela, os dados sobre gênero também estão relacionados ao fato de que as mulheres cuidam da saúde desde os exames ginecológicos e mantêm esse hábito. Já os homens tendem a ir ao médico apenas quando estão doentes.

Nos estados, os maiores grupos de risco estão no Rio Grande do Sul, onde 37,8% dos adultos têm algum dos fatores. A situação é mais crítica onde a Covid-19 se alastra com velocidade. No Rio, com mais de 4,5 mil casos confirmados e 387 óbitos, o grupo de risco é pelo menos de 37%. Em São Paulo, com quase 13,9 mil casos confirmados e 991 mortes, 36% são mais vulneráveis.

Presidente da Sociedade de Infectologia do Estado do Rio, Tânia Vergara também ressalta que as comorbidades são um alerta para os mais jovens.

— Se você pensar em uma escada, em que no último degrau você chega com a doença mais grave, quem já tem um fator de risco começa no terceiro, no sexto, no décimo degrau — explica Tânia.

Medo diário

Quem tem mais de um fator de complicação convive com o medo do novo coronavírus diariamente. A pedagoga Magali Pereira, de 40 anos, mora em Cubatão (SP). Ela tem diabetes e pressão alta, que adquiriu na gravidez. Desde que a Covid-19 começou a se espalhar e foi decretada quarentena no estado de São Paulo, ela foi para a casa do pai em São Sebastião (SP). De lá, tenta manter uma rotina saudável. No entanto, não consegue mais fazer o acompanhamento médico porque está longe de sua cidade.

— Meu pai também é diabético e tem 70 anos, minha mãe faleceu há um ano e meio. Tenho uma tia que faz as compras pra gente. Só saímos para dar ao meu pai a vacina da gripe — conta ela. — Fico na tensão o tempo inteiro. E se acontecer uma coisa comigo? E como fica meu pai e minha filha?

As doenças crônicas também acometem crianças. Os cuidados dos pais com a carioca Melissa Estevez da Costa, de 3 anos, são redobrados. Ela faz parte de dois grupos de risco: tem síndrome de Down e, por isso, imunodeficiência, além de cardiopatia. Com quatro meses, passou por uma cirurgia no coração e permanece em tratamento.

— Quando ela fez a cirurgia, ao abrir o peito, foi retirado o timo, um órgão que produz a timomodulina, que ajuda na imunidade. Vemos as pessoas não se cuidarem e ficamos preocupados — explica Vinicius Costa, pai de Melissa.

A família importa um suplemento para ajudar na imunidade, mas, desde que a pandemia se agravou, ele parou de chegar. Duas encomendas ficaram pelo caminho e nem a Receita Federal nem os Correios conseguiram localizar. Para não ficar sem, eles tiveram que mandar manipular.

Além das doenças da pesquisa, correm maior risco ao contrair o coronavírus pessoas com câncer, enfermidades autoimunes, algumas síndromes, grávidas e puérperas, entre outros.

A assistente social Rosângela Salles, de 52 anos, mora no Rio. Ela tem um fator de risco mais raro. Trata o lúpus, doença crônica em que o sistema imunológico ataca as células do corpo, o que a deixa mais suscetível a infecções.

— É natural sentir medo, mas a gente tem que viver com isso, um dia de cada vez. Estou fazendo minha parte e tomando os devidos cuidados — diz.

Rosângela sofre com outro efeito da pandemia: a falta de hidroxicloroquina, testada para tratar casos de Covid-19, mas que ainda não teve resultados científicos comprovados. Ela conta que está com dificuldades para encontrar o remédio e chegou a ficar 28 dias sem a medicação.

Além dos dados sobre grupo de risco, a PNS permite identificar as desigualdades que atingem esse grupo. Estudo feito pelas pesquisadoras Luiza Nassif Pires, da Levy Economics Institute, Laura Carvalho, da USP, e Laura de Lima Xavier, da Harvard Medical School, indica que 60% dos que declararam ter apenas o ensino fundamental estão no grupo de risco, ante 31% que chegaram a cursar o superior.

Para as pesquisadoras, o número adiciona um desafio ainda maior no combate ao coronavírus. Entre os 20% mais pobres da população, 94,4% não tinham plano de saúde. E são os mais pobres os com menores condições de praticar o isolamento social e os mais dependentes do SUS.

— Você precisa criar opções para esses grupos mais vulneráveis para praticar a quarentena. Se não, esses grupos que estão mais sob risco estarão ainda mais expostos — ressalta Luiza, destacando que medidas de preservação da renda são essenciais neste momento.

Juliana Dal Piva, Pedro Capetti, Juliana Castro e Marlen Couto/ O GLOBO
19/04/2020 - 04:30 / Atualizado em 19/04/2020 - 09:18

Nenhum comentário: