segunda-feira, 13 de abril de 2020

Um baiano a menos, que pena!

Acabou Chorare

De causa até aqui ignorada, morreu hoje na madrugada Antonio Carlos Moreira Pires, aos 72 anos, o nosso popular Moraes Moreira, compositor e cantor de muitos sucessos dos Novos Baianos.

(Atualizando a informação. Moraes Morreira foi vítima de um enfarte fulminante.)

Adolescente em Ituaçu, sua terra natal na Bahia, tocava sanfona nas festas de São João. Mas estudava sonhando em ser cientista. Aos 17 anos foi embora para Salvador.

Na pensão onde foi morar encontrou Paulinho, o Boca de Cantor e Luiz Galvão, poeta, o grande letrista das futuras canções. A eles se juntaram Dinorá, a futura Baby Consuelo e Pepeu Gomes. Tempo que conheceram outro Antonio, o Tomzé, de Irará, moço poeta e músico de altos estudos.

Os Novos Baianos começaram sendo esses cinco. Pouco tempo depois, passavam de vinte. Contratados pela gravadora Continental, foram morar em um sitio em Jacarepaguá. De lá saíram as inspirações para os dois mais importantes discos da carreira do grupo - "Acabou Chorare" e "Novos Baianos Futebol Clube".

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Um dia Antonio Carlos não quis mais a vida pessoal na comunidade do sítio e passou a compor e a cantar e a gravar discos só dele. Mas a voz e o violão ou a guitarra seguiram inconfundíveis. Eram do Moraes Moreira. Gravou mais de vinte álbuns.

Acabou chorare – A canção título

De uma abelhinha pousando na mão de Galvão à mistura de línguas de Bebel Gilberto, nasceu uma das obras primas dos Novos Baianos, parceria Moraes/Galvão. Acabou Chorare.

O álbum Acabou Chorare é a obra-prima dos Novos Baianos, escolhida pela Revista Rolling Stone, não por acaso, como o melhor disco brasileiro de todos os tempos.

Os Novos Baianos, no começo da década de 70, era um grupo de rock, Hippie, inspirado em Jimmy Hendrix e no Tropicalismo. Mas tudo mudou quando o grupo  conheceu João Gilberto e se reinventou com o samba. João era amigo de infância e conterrâneo (Juazeiro-BA) do principal letrista do Grupo, Luiz Galvão.

Quando João foi visitar o grupo no apartamento em que todos compartilhavam em Botafogo, os Novos Baianos eram roqueiros, elétricos, quando João plantou a semente do samba no grupo (aliás, o encontro de João com os Novos Baianos merece uma postagem autônoma).

Surgiu daí, sob a influência de João Gilberto, o álbum que mudou a história da Música Acabou Chorare.

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A canção título do álbum é absolutamente joãogilbertiana. Apenas com o violão de Moraes, a música começa com as firulas vocais, e parece uma canção de ninar, com o bu-bu-li-lindo uma música feita “de manhã cedinho”, as onomatopéias da abelhinha fazendo “zum zum e mel” e o “suave mé” do carneirinho
O título da música se deve a uma expressão utilizada, na época, por Bebel Gilberto, filha de João Gilberto e Miúcha. Ela, bem pequena, costumava misturar português e espanhol, por causa de uma temporada em que ela vivia no México.
Bebel teria tomado um tombo, e quando João e Miúcha foram acudi-la, e quando viu os mais velhos em volta, aflitos para saber se ela tinha se machucado, ela teria dito: “Acabou chorare, papai”.
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Mas o título veio depois de um episódio que Galvão, autor da letra, conta no blog https://osnovosbaianos.wordpress.com
…uma abelha, que a imagino sobre natural, pra ser capaz de voar alto ao ponto de chegar ao quarto andar daquele apartamento de cobertura e entrar no meu quarto, vindo em meu socorro. Encantado em movimento automático estendi-lhe a mão direita e ela sentou na palma no centro do EME.
 Depois de uma respirada de alívio Eu brinquei com ele dizendo: “Não fique triste Barbudo que ela também pousa em você.” Dito isso a abelha sentou no seu rosto. O Barbudo deu uma risada mostrando uma satisfação que beirava êxtase. Eu falei: “É que sua mãe botou néctar no seu rosto, você é uma flor Barbudo, e não fique com inveja que ela senta em você também ”. Ele, na maior ingenuidade, falou: “Vamos dar açúcar para ela”. A abelha parece que ouviu e desapareceu pelas frestas da janela….

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À noite fui ao Leblon no apartamento de Ronaldo Duarte, para convidá-lo para ser o fotógrafo câmara do filme. Ele aceitou e resolveu mudar-se com sua companheira Sosó que era filha do grande artista plástico argentino/baiano Caribé. (…) Eu nem tinha esquentado o sofá e a abelhinha que fizera amizade comigo na madrugada daquele dia, voltou a sentar na minha mão. Falei: Essa abelha já esteve comigo hoje lá em Botafogo. As pessoas presentes espantaram-se achando que eu estava doido.
É por acreditar Ipsis Litteris* nessa versão, que fiz a letra da música Acabou Chorare, na qual consegui uma linguagem poética angelical. É o que sinto dizerem, sem abrir a boca, as crianças e os adultos com corações meninos.
Alguém pode até argumentar que era outra abelha, mas vai ficar falando sozinho porque a minha relação com esse insetozinho do bem e reservado ao máximo é profunda ao ponto de até hoje elas, as abelhas sentarem na minha mão e no meu rosto, deixando os presentes assustados. E na maior tranquilidade não permito que as espantem. Quando isso acontece acredito ser sinal de boa sorte naquele dia.
Telefonei para João Gilberto contando que estava fazendo uma letra sobre essa relação com a abelhinha. João disse: “Puxa Luizinho! ( É assim que ele me chama) Eu estava falando com o poeta Capinan e ele lembrava que a abelha beija a flor e faz o mel, e eu gostei e completei: ‘E ainda faz zun-zun”. Perguntei a João: “Posso usar isso?” E ele aprovou dizendo: “Deve”.
Não parou por aí, João contou-me que sua filha Bebel Gilberto, nascera no Brasil e pequena ainda morara nos Estados Unidos, e logo se mudara para o México. Ali naquele país a menina levara uma pancada, e ele, João, preocupado, com a aflição de pai nessas horas, foi acudi-la, mas Bebel reagira corajosamente e, na sua inocência de criança, falando uma língua em formação, o acalmou assim: “Não! Não! Acabou Chorare”. E deu uma risadinha escondendo a dor. Escrevi a letra pronta mostrei a Moraes que colocou a música na hora
Foi a inspiração para que os Novos Baianos fizessem sua “canção bossa nova”. Bebel Gilberto chegou a gravar, junto com Carlinhos Brown, em 2009, a música feita em sua homenagem. Mas desentendimentos com produtora Paula Lavigne fizeram com que a canção ficasse fora do seu novo álbum “all in one”.  Mas ela acabou gravando na compilação “Red Hot + Rio 2”
Novos Baianos, João Gilberto, bossa-nova e o melhor da música brasileira.

Acabou chorare, ficou tudo lindo
De manhã cedinho, tudo cá cá cá, na fé fé fé
No bu bu li li, no bu bu li lindo
No bu bu bulindo
No bu bu bulindo
No bu bu bulindo

Talvez pelo buraquinho, invadiu-me a casa, me acordou na cama
Tomou o meu coração e sentou na minha mão

Abelha, abelhinha…

Acabou chorare, faz zunzum pra eu ver, faz zunzum pra mim

Abelho, abelhinho escondido faz bonito, faz zunzum e mel
Faz zum zum e mel
Faz zum zum e mel

Inda de lambuja tem o carneirinho, presente na boca
Acordando toda gente, tão suave mé, que suavemente
Inda de lambuja tem o carneirinho, presente na boca
Acordando toda gente, tão suave mé, que suavemente

Abelha, carneirinho…

Acabou chorare no meio do mundo
Respirei eu fundo, foi-se tudo pra escanteio
Vi o sapo na lagoa, entre nessa que é boa

Fiz zunzum e pronto
Fiz zum zum e pronto
Fiz zum zum

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Mistério do Planeta
(Letra: Luiz Galvão / Música: Morais Moreira)

Vou mostrando como sou
E vou sendo como posso
Jogando meu corpo no mundo
Andando por todos os cantos
E pela lei natural dos encontros
Eu deixo e recebo um tanto
E passo aos olhos nus
Ou vestidos de lunetas
Passado, presente
Participo sendo o mistério do planeta
Vou mostrando como sou
E vou sendo como posso
Jogando meu corpo no mundo
Andando por todos os cantos
E pela lei natural dos encontros
Eu deixo e recebo um tanto
E passo aos olhos nus
Ou vestidos de lunetas
Passado, presente
Participo sendo o mistério do planeta
O tríplice mistério do "stop"
Que eu passo por e sendo ele
No que fica em cada um
No que sigo o meu caminho
E no ar que fez que assistiu
Abra um parênteses, não esqueça
Que independente disso
Eu não passo de um malandro
De um moleque do Brasil
Que peço e…

Fontes: GALVÃO, Luís: Anos 70: Novos e baianos. São Paulo: Editora 34, 1997; MOREIRA, Moraes. A história dos Novos Baianos e outros versos. Rio de Janeiro: Língua Geral Editora, 2007; https://osnovosbaianos.wordpress.com/2011/08/02/acabou-chorare-a-verdadeira-historia/http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u637721.shtml

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