quinta-feira, 23 de abril de 2020

Por que o Brasil testa tão pouco para coronavírus?

País é um dos que menos realiza testes para o novo coronavírus, fundamentais para calibrar reação governamental. Até fim da primeira onda da doença, em maio ou junho, Brasil não deve ter capacidade de testagem adequada.

São Paulo testou menos de mil pessoas a cada milhão de habitantes. Na Alemanha, foram 24,7 mil

Em 16 de março, quando o número de casos de covid-19, a doença provocada pelo novo coronavírus, já estava em queda na China e disparava na Itália e na Espanha, o diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom, fez uma orientação incisiva a todos os países: "Testem, testem, testem."

A recomendação se tornou um dos pilares da estratégia de combate ao novo coronavírus, ao lado do isolamento social. Como não há remédio nem vacina para a doença, a OMS orientou os países a reduzir a velocidade de disseminação do vírus e a rastrear a contaminação.

O Brasil reagiu tarde e está entre os países mais afetados pela doença que menos testaram a população, e não tem dados consolidados a nível federal a respeito. Questionado pela DW Brasil, o ministério não respondeu por que não há uma contabilização nacional. No estado de São Paulo, epicentro da doença no Brasil, foram testadas até agora menos de mil pessoas a cada milhão de habitantes.

Enquanto isso, os Estados Unidos testaram 13 mil pessoas a cada milhão de habitantes; a Espanha, 19,9 mil; e a Alemanha, 24,7 mil. Na América Latina, o Chile testou 6,7 mil; e o Uruguai, 4,2 mil por milhão, segundo dados compilados pelo site Worldometer.

Segundo o médico imunologista Manoel Barral Neto, pesquisador titular da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a reação tardia do Brasil em termos de testes está relacionada a motivos internacionais e ao contexto nacional. Ele diz que a própria OMS estava atrasada quando decidiu pedir que os países testassem suas populações em massa, em meados de março. "Alguns países já estavam testando em grande escala [nesse momento], mas não era uma orientação geral", afirma.

Quando a testagem em massa passou a ser o padrão internacional, países europeus já haviam se antecipado e adotado essa política, comprando grande quantidade de testes disponíveis no mercado. A escassez dos produtos tornou o acesso a eles mais difícil pelo Brasil.

Para piorar, o Brasil entrou na pandemia em uma trajetória de redução do prestígio e do orçamento em ciência e tecnologia, ancorado nas universidades e laboratórios públicos. "Não havia uma capacidade interna de produção dos reagentes necessários, e faltava escala porque muito estava desativado", diz Barral Neto.

O baixo investimento público em pesquisa desincentiva o próprio setor privado nacional a se organizar para fornecer os insumos e produtos a órgãos do governo. Sem empresas especializadas, a reação fica ainda mais lenta no caso de uma pandemia, diz o imunologista.

O epidemiologista Pedro Hallal, reitor da Universidade Federal de Pelotas e coordenador de um estudo de larga escala no Brasil para estimar o real número de infectados pela covid-19, também aponta o baixo financiamento em ciência como um dos motivos do atraso da reação do país. "No momento em que chegou a pandemia, as dificuldades estruturais sobre as quais vínhamos alertando se materializou", diz.

Contudo, Hallal afirma que as universidades e órgãos públicos foram capazes de mobilizar seus laboratórios para produzir kits de testes da covid-19 e analisá-los. A Fiocruz, por exemplo, era capaz em março de produzir 2 mil testes do tipo RT-PCR por dia em média, e hoje é capaz de entregar cerca de 30 mil desses testes por dia. A partir de maio, a instituição também deve ser capaz de entregar cerca de 30 mil testes rápidos por dia.

Apesar desses avanços, o Brasil não deve alcançar uma capacidade de testagem adequada até o final da primeira onda epidêmica da covid-19, que pode durar até maio ou junho, diz Barral Neto. Porém, os testes continuarão a ser necessários nas próximas ondas que ocorrerão no futuro, em menor intensidade, até que haja uma vacina contra o vírus.

Testagem por amostra

A testagem da população para covid-19 tem dois objetivos. Numa perspectiva ampla, serve para oferecer aos gestores públicos um retrato preciso da dinâmica da pandemia e dados que fundamentem uma reação governamental calibrada. A testagem também é a base para isolar os contaminados e evitar que eles passem o vírus para ainda mais pessoas.

Na Alemanha, por exemplo, quem testar positivo para covid-19 precisa informar com quem teve contato recentemente, e essas pessoas, por sua vez, devem enviar por e-mail ao governo um questionário com informações básicas e possíveis sintomas. Depois, elas são contatadas pelo telefone e, se for o caso, orientadas a ficar em quarentena preventiva de duas semanas.

No Brasil, o novo ministro da Saúde, Nelson Teich, afirmou nesta quarta-feira (22/04), em coletiva de imprensa, que não haverá "teste em massa" no país. "O que você tem que fazer é usar os testes para mapear a população de forma que sua amostra reflita o todo. Ter o dado, interpretar o dado e tomar iniciativas a partir disso é o que vai fazer toda a diferença", afirmou.

Com essa fala, Teich indica que a prioridade do governo federal, no momento, é usar os testes para a perspectiva ampla: entender a dinâmica da pandemia e calcular a reação por meio de amostras.

Isso é feito de maneira parecida às pesquisas de opinião de voto. Da mesma forma que institutos de pesquisa captam a opinião de uma população por meio de uma pequena amostra dos eleitores, usando cálculos estatísticos, é possível realizar estudos que identifiquem a intensidade da contaminação do vírus no país testando apenas uma amostra de seus habitantes.

É um estudo desse tipo que está sendo conduzido por Hallal. A pesquisa, a ser iniciada na próxima semana, testará cerca de 100 mil pessoas em 133 cidades de todo o país, em três fases de coleta, separadas por intervalos duas semanas. Os testes serão fornecidos pelo Ministério da Saúde.

Hallal já iniciou um estudo semelhante, de menor escala e restrito ao Rio Grande do Sul, de quatro fases. A primeira já foi concluída, e o resultado indica que, no estado, o número de pessoas que já foi infectada pelo novo coronavírus é oito vezes maior do que o número oficial.

Apesar de o ministro da Saúde ter descartado a testagem em massa, na segunda-feira, o Ministério da Saúde anunciou um chamamento público para compra de mais 12 milhões de testes rápidos, elevando a meta do governo de distribuir 46,2 milhões aquisição de testes.

Para Barral Neto, a compra de testes não deve estimular as pessoas a relaxarem o isolamento. "Os testes são importantes, mas sozinhos eles não resolvem. Enquanto não tivermos um panorama adequado, é preciso muita cautela e confiar nas medidas de contenção social", afirma.

Os tipos de teste

Os kits de testagem para covid-19 se dividem em dois tipos. O mais preciso é o RT-PCR, realizado por meio da análise de secreções da boca ou do nariz das pessoas. O material é enviado a um laboratório, que usa máquinas especializadas que conseguem identificar a presença de partes do vírus no fluído coletado.

Esse teste é capaz de apontar a presença do vírus logo nos primeiros dias da infecção, mas demanda pessoal especializado para fazer a coleta da secreção e uma estrutura de laboratórios para analisá-la. Segundo Hallal, é o teste mais indicado caso haja suspeita de que uma pessoa está enfrentando uma infecção aguda.

O outro tipo são os testes rápidos, de análise sorológica. Eles são executados a partir de uma pequena amostra do sangue da pessoa, e são capazes de identificar a presença de anticorpos criados pelo sistema imunológico para combater o coronavírus.

Como o corpo demora cerca de sete dias para desenvolver os anticorpos, pessoas recém-infectadas podem não ser diagnosticadas por esse tipo de teste. Mas os kits são fáceis de usar, e o resultado aparece em poucos minutos. Por isso, diz Hallal, os testes rápidos são os mais indicados para os estudos populacionais por amostragem. A pesquisa que ele está conduzindo usa esse tipo de teste.

Alguns países, como Espanha e Estados Unidos, decidiram devolver aos fabricantes lotes de testes rápidos que não funcionaram a contento. Esses testes usam proteínas desenvolvidas em laboratório que tentam imitar as do coronavírus, mas, em alguns casos, elas podem não ter sido produzidas adequadamente, o que torna impossível identificar se a pessoa tem os anticorpos contra o coronavírus ou não.

Hallal afirma que fez três estudos de validação dos testes que recebeu do Ministério da Saúde e encontrou cerca de 78% de sensibilidade (capacidade de indicar corretamente se uma pessoa possui os anticorpos) e 99% de especificidade (capacidade de indicar corretamente que uma pessoa não possui os anticorpos) neles. "Esses resultados são muito satisfatórios", afirma.

Fonte:  Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas. 

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