quinta-feira, 9 de abril de 2020

Covid-19 já matou em 43 dias mais do que dengue, H1N1 e sarampo ao longo de 2019

Aumento no número de casos de dengue neste ano pode acirrar ainda mais a disputa por leitos no sistema de saúde, alertam especialistas.

A Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, já fez mais vítimas em 43 dias do que dengue, H1N1 e sarampo mataram ao longo de todo o ano passado. Segundo o último boletim do Ministério de Saúde, divulgado nesta quarta-feira, 800 pessoas no país já morreram desde 26 de fevereiro em decorrência da Covid-19.

Ao longo de 2019, a dengue, que é endêmica no Brasil, provocou 782 mortes. O H1N1, vírus que causa um dos tipos de gripe, vitimou 796 pessoas, e o sarampo, 15.

Números da dengue preocupam

De acordo com o boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, neste ano (até o dia 28 de março),148 pessoas morreram em decorrência da dengue, 64 delas no Paraná (a secretaria de saúde paranaense, no entanto, registrou mais cinco mortes, subindo para 69 óbitos).

O total de casos de dengue no país, no mesmo período, é de 484.249, número 15% superior ao mesmo intervalo de 2019, quando foram 420.911 notificações.

O índice de aumento, ainda que relativamente baixo, é muito preocupante quando se leva em conta que, desde o ano passado, a curva de crescimento da doença vem aumentando. Ao longo de 2019, foram 1.544.987 casos de dengue no país (e 782 mortes), um aumento de 488% em relação ao ano anterior.

Os dados acenderam o alerta em especialistas e autoridades sanitárias, que já enfrentam a luta contra a Covid-19 e seu acelerado aumento do número de casos, além do fantasma de um colapso no sistema de saúde.

Um estudo assinado por especialistas da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, e pelo secretário Nacional de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Wanderson Oliveira, projeta falta de leitos e equipamentos no país já em abril. Segundo a pesquisa, o pico de hospitalizações por dengue e a gripe (influenza) em 2019 ocorreu justamente entre março e maio.

Diante deste cenário, o infectologista Edimilson Migowski, professor da UFRJ, reforça a importância da vacinação contra a gripe e o combate aos focos do mosquito Aedes aegypti (transmissor da dengue).

Ele ressalta, porém, que não há relatos de casos de coinfecção, ou seja, quando a pessoa contrai dengue e Covid-19 ao mesmo tempo. E explica ainda que a necessidade de leitos para dengue é bem diferente da Covid-19.

—  A internação para os casos dengue é muito mais simples. Não é preciso isolamento, e nem os profissionais precisam de EPIs (equipamentos de proteção individual). Além disso, a dengue não causa doença respiratória, principal agravante da Covid-19, o que exige equipamentos e leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) — avaliou Migowski.

Tipo 2 da doença voltou a circular

O aumento do número de casos de dengue em 2020 pode ser explicado porque, no fim de 2018, o sorotipo 2 do vírus voltou a circular depois de dez anos e vem encontrando populações suscetíveis à doença desde então.

Existem quatro tipos de vírus de dengue (1, 2, 3 e 4). Cada pessoa pode ter os quatro sorotipos da doença, mas a infecção por um deles gera imunidade permanente e específica.

Especialistas alertam, porém, que a circulação do sorotipo 2 aumenta chance de casos graves. Uma possibilidade preocupante numa época em que o sistema de saúde está mobilizado para o atendimento dos casos de Covid-19.

A infectologista Tânia Vergara, presidente da Sociedade de Infectologia do Estado do Rio de Janeiro, explicou que a dengue é endêmica no Brasil. Ou seja, ela continua existindo e tem surtos quando chega esta época do ano. Com o sorotipo 2 voltando a circular, um grande número de pessoas que são suscetíveis, acabam contraindo a doença.

— A dengue é uma doença que pode ser controlada com a eliminação dos criadouros. As pessoas devem combater os focos do Aedes e fiscalizar todos os pontos dentro de suas casas. A atenção precisa ser redobrada — alertou a infectologista.

Em nota, o ministério reforçou que o enfrentamento ao Aedes é uma tarefa contínua e coletiva, fundamental para evitar focos do mosquito, uma vez que cerca de 80% dos criadouros estão em residências.

Na semana passada, durante uma entrevista coletiva sobre o avanço do coronavírus, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e o secretário de Vigilância em Saúde, Wanderson Kleber de Oliveira, fizeram um apelo para que a população dobre os cuidados para evitar a proliferação do mosquito que transmite a doença.

Pediram para que, "agora que estão mais em casa", as pessoas acabem com os focos, eliminando a água parada. Wanderson e Mandetta disseram que a "co-circulação" de coronavírus e da dengue, "piora tudo".

A pasta implantou ainda um comitê de operações de emergência para arboviroses, que, além da dengue, engloba chicungunha e zika. O Centro de Operações de Emergência (COE- Arboviroses) irá ajudar na organização da resposta à emergência, além de monitorar e apoiar os estados nas estratégias de combate e controle dessas doenças.

No Paraná, quase metade das cidades vive epidemia
Desde o dia 14 de fevereiro, o Paraná está em estado de alerta, conforme decreto publicado no Diário Oficial do estado.

São 87,9 mil casos, além das 69 mortes confirmadas. Segundo a Secretaria de Saúde, em 2019, na quarta semana do mês de março, eram 2.023 casos confirmados da doença. O aumento, se compararmos com o número atual, é de 4.245%.

Além disso, hoje são 177 cidades em situação de epidemia, o que representa quase metade dos municípios do estado.

—  Estamos atentos ao coronavírus, mas não podemos esquecer da dengue. Por isso, é importante que as pessoas continuem eliminando os focos, porque 90% deles são removíveis. O Paraná teve uma força tarefa, um trabalho técnico de remoção mecânica de criadouros, e os resultados foram surpreendentes nos municípios de Quinta do Sol, Florestópolis e Nova Cantu. Recentemente visitamos cinco mil residências, num trabalho integrado de vários órgãos do Estado e também do Exército. A dengue mata, e não podemos descuidar — disse o secretário de Saúde do Paraná, Beto Preto.

No Mato Grosso do Sul, estado que aparece em terceiro lugar no país, foram confirmados cerca de 40 mil casos e 21 óbitos. O secretário estadual de Saúde de MS, Geraldo Resende disse estar preocupado com a sobrecarga no sistema de saúde, mas afirmou que vai aumentar em 281 os leitos clínicos em três cidades: na capital, Campo Grande, em Dourados e Três Lagoas. Outros 135 leitos de UTI estão sendo instalados em oito municípios.

- Também Estamos montando um centro de triagem no Hospital Regional de Mato Grosso do Sul (que é a unidade de referência para a Covid-19 em MS) já com 80% da estrutura pronta, composto de três tendas dotadas de contêineres, que vão abrigar consultórios e salas de observação, sendo que a tenda maior terá uma estrutura com 108 leitos, assistidos por 60 técnicos em enfermagem (15 por período), 32 enfermeiros (oito por período) e quatro médicos por período —  declarou.

No Nordeste, o estado com maior número de casos é a Bahia, com 14.146 registros. No último boletim do ministério, há apenas uma morte em investigação. No último sábado, no entanto, uma ex-atacante da equipe de futebol feminino de Vitória da Conquista, no sudoeste da Bahia, morreu vítima de dengue hemorrágica. Ely Pites, que tinha 42 anos, disputou o campeonato baiano de 2019.

Célia Costa, de O Globo
09/04/2020 - 04:30 / Atualizado em 09/04/2020 - 10:45

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