domingo, 8 de março de 2020

O novo coronavírus pode barrar a globalização?

O coronavírus vai acelerar uma mudança geral na integração econômica do mundo? Podemos no mínimo esperar uma nova divisão global do trabalho.

Basta olhar para um carro saindo das linhas de montagem em Sindelfingen ou Wolfsburg, na Alemanha. Pode ser um Mercedes E-Class ou um Volkswagen Golf. O Made in Germany não é mais realmente aplicado por lá. Apenas um quarto de todas as peças usadas ainda é proveniente das próprias montadoras, sendo o restante fornecido por vários fornecedores. Os componentes vêm de todos os lugares do mundo.

Isso envolve um enorme desafio logístico. O gerenciamento da cadeia de fornecedores não é nada simples. E se, por exemplo, um contêiner com peças da China não chegar ao porto de Hamburgo? Sindelfingen e Wolfsburg podem logo se defrontar com um enorme problema.

Atualmente, cenários de gargalos estão sendo analisados ​​por muitas empresas na Alemanha e em outras partes do mundo. As montadoras estão tentando lidar com esse problema, assim como os fabricantes de máquinas, as pequenas e médias empresas e as companhias listadas no índice DAX. O tópico também pressiona o sistema de saúde da Alemanha, onde o novo coronavírus exacerbou uma escassez de remédios já em andamento.

Muitas pessoas estão perguntando se estamos vendo o começo do fim da globalização. Teremos que reavaliar a divisão global do trabalho? As nações precisam trazer a produção de volta para casa? Existe uma alternativa funcional para a fábrica global que foi construída nas últimas três décadas?

Aqui está uma decepção para todos aqueles que acreditam que todos os problemas atuais no mundo são causados ​​pela globalização: não há soluções fáceis. Por um lado, a globalização levou a um enorme aumento de riqueza e bem-estar, e não apenas nos países industrializados.

Algumas nações conseguiram deixar o status de países em desenvolvimento e se tornaram economias emergentes, tirando milhões e milhões de pessoas da extrema pobreza.

É claro que não se deve ignorar problemas relacionados a condições de trabalho, padrões sociais e ambientais. Mas se alguém no Ocidente exigir que a produção seja repatriada, muitos empregos serão perdidos em outros lugares se isso for mesmo levado a cabo.

E sem dois pesos e duas medidas, por favor! Muitas pessoas reagem de maneira furiosa quando o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, fala em trazer de volta empregos para seu país. Mas, quando o ministro da Economia alemão, Peter Altmaier, ou seu homólogo  francês, Bruno Le Maire, falam sobre a criação de mais instalações de produção na Europa e na recuperação das principais capacidades de produção, as pessoas reagem de maneira mais despreocupada.

Isso não significa que nenhuma mudança seja necessária. Veja a indústria farmacêutica. A Alemanha, assim como a França, obtém no exterior cerca de 80% de todos os ingredientes ativos necessários para medicamentos (40% somente da China). Olhando para esses dados, é possível defender que o sistema precisa ser aprimorado.

Mas não vamos esquecer como essa discrepância surgiu em primeiro lugar. A produção doméstica havia ficado muito cara, e as pressões de custo exercidas sobre o setor pelas seguradoras de saúde continuam enormes.

No entanto, é errado supor que a Alemanha esteja totalmente nas mãos dos chineses em muitos setores. A economia alemã, como parte integrante e beneficiária da divisão global do trabalho, não depende de nenhum país. Nenhum dos parceiros comerciais da Alemanha responde por mais de 10% das importações e exportações globais do país, de acordo com a Confederação Alemã das Câmaras de Indústria e Comércio (DIHK).

Obviamente, o covid-19 está levando as empresas a reavaliar suas cadeias de suprimentos, com o objetivo de diminuir ainda mais a dependência de alguns participantes do mercado. Também pode vir a ocorrer um debate sobre o quão bom é o sistema "just in time" de administração de produção e se não seria mais sensato voltar a uma política de compras antecipadas.

Discordo do chefe da Câmara de Comércio da União Europeia na China, Jörg Wuttke, que afirma acreditar que acabou o tempo das empresas que decidem produzir onde isso pode ser feito com mais eficiência. Afinal, isso também impactaria negativamente a Alemanha, uma nação orientada para a exportação.

A produção econômica da Alemanha caiu 5% em 2009, no auge da crise financeira global. Sofreria muito mais se a globalização fosse revertida. Limitar-se à produção doméstica seria como voltar ao século 19.

Com o protecionismo crescendo em muitos países, formuladores de políticas devem ser aconselhados a reunir alguns bons argumentos quando disserem às pessoas por que seu bem-estar será afetado.

Henrik Böhme, o autor deste artigo, escreve para a Deutsche Welle, a agência internacional da Alemanha, que produz jornalismo independente em 30 idiomas. 

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