quarta-feira, 4 de março de 2020

O apoio do diretor da Força Nacional a amotinados do Ceará é manifestamente ilegal

Irresponsável tolerância

É simplesmente inadmissível a conduta do diretor da Força Nacional de Segurança Pública, coronel Aginaldo de Oliveira, apoiando os policiais militares (PMs) que se amotinaram no Ceará. Enviado pelo governo federal para garantir o policiamento e a ordem pública no Estado durante a ilegal greve de policiais militares, o coronel Oliveira dividiu palanque com as lideranças do movimento e elogiou a atuação dos amotinados. “Os senhores se agigantaram de uma forma que não tem tamanho. É o tamanho do Brasil que vocês representam”, disse o diretor da Força Nacional, não por acaso oficial superior da amotinada PM do Ceará.

Durante a assembleia dos amotinados no domingo passado, o coronel Oliveira discursou ao lado do principal líder do movimento, o ex-deputado federal Cabo Sabino, e do advogado dos policiais grevistas, o coronel Walmir Medeiros. “Só os fortes conseguem atingir os seus objetivos. E vocês estão resistindo, vocês estão atingindo objetivos”, disse Oliveira. “Acreditem: vocês são gigantes, vocês são monstros, vocês são corajosos. Demonstraram isso ao longo desses 10, 11, 12 dias em que estou aqui, dentro deste quartel, em busca de melhorias para a classe, que vão conseguir.” Como se fosse um líder sindical, o diretor da Força Nacional bradou: “Vamos conseguir. Sem palavras para dizer o tamanho da coragem que vocês têm e estão tendo ao longo desses dias”.

O apoio do diretor da Força Nacional aos grevistas é manifestamente ilegal. Não cabe a policial militar fazer greve. “Ao militar são proibidas a sindicalização e a greve”, diz a Constituição. Entre os crimes contra a autoridade e a disciplina militar, o Código Penal Militar destaca o motim. A reunião de militares ou assemelhados para atuar contra a ordem recebida do superior, recusar a obediência, assentir em recusa conjunta de obediência ou ocupar estabelecimento militar “em desobediência à ordem superior ou em detrimento da ordem ou da disciplina militar” recebe pena de reclusão de quatro a oito anos, “com aumento de um terço para os cabeças”.

Ao fim do movimento elogiado pelo diretor da Força Nacional, 230 policiais militares foram afastados de suas funções por 120 dias e respondem a processos administrativos. Os agentes poderão ser expulsos da corporação. No entanto, receberam o elogio do coronel Oliveira.

A greve policial no Ceará foi um grave atentado à ordem pública. Durante o motim, que durou 13 dias, foram registrados 220 assassinatos, o maior número para o mês de fevereiro dos últimos cinco anos. A paralisação dos policiais militares exigiu a atuação de 2,8 mil homens do Exército e da Força Nacional tanto em Fortaleza como nas cidades do interior, para reforçar a segurança nas ruas.

É estarrecedor, portanto, o elogio do diretor da Força Nacional aos amotinados. Ainda mais absurda, no entanto, é a atitude do governo federal, mantendo-o no cargo, como se a conduta do coronel Oliveira não tivesse nada de anormal. Casado com a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), que apoia o presidente Jair Bolsonaro, o coronel Oliveira é subordinado ao secretário nacional de Segurança Pública, general Theophilo Gaspar de Oliveira.

A nota da Força Nacional sobre o episódio manifesta irresponsável tolerância com o desrespeito à lei e à população. “Seu comandante, que é membro da Polícia Militar, fez um discurso interno para os policiais, parabenizando-os pelo fim da paralisação e por não condicioná-lo à exigência de benefícios, como a anistia.” A missão da Força Nacional de Segurança Pública é prover ordem e paz, e não apoiar amotinados.

O coronel Aginaldo de Oliveira deve ser afastado imediatamente da chefia da Força Nacional e cobrado por sua atitude irresponsável. De outro modo, o governo federal, aí incluído o Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, contribuirá acintosamente para a continuidade da nefasta conivência do poder público com a ilegalidade, que tanto mal causa ao País.

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
04 de março de 2020 | 03h00

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